Uma história para ser contada: O que aprendi com o câncer
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Uma história para ser contada - Adriano Genovez
Prefácio
Este está sendo um dos maiores desafios para mim: escrever este prefácio. Toda vez que começo a escrever, parece que estou me permitindo uma despedida que não quero fazer. É tudo muito diferente da nossa relação pessoal. Afinal, o Adriano é uma pessoa divertida, alegre... Nossos encontros são marcados por piadinhas inofensivas, sobretudo, em qualquer lugar. É tudo sempre muito ameno, muito sereno e engraçado. Sua presença deixa tudo realmente melhor e sua energia é absolutamente positiva.
Conheci o Adriano há uns quinze anos, aproximadamente, dentro da Doutrina Espírita. Não sei dizer bem como tudo evoluiu para essa amizade, mas me lembro de pensar como ele, de termos afinidade nas conversas e nos tipos de brincadeiras. Tudo era leve, fluía. Ou seja, comecei a gostar e a me afinizar pelo ser humano incrível que ele é, sem me dar conta do que estava acontecendo.
Ele conseguia ver o que as pessoas tinham de melhor. E conseguiu ver em mim um potencial do qual eu mesma nem sabia. Quando dei por mim, estava junto dele coordenando um estudo religioso. Nossas reuniões eram sempre divertidas e animadas. Não havia tristeza, não havia nada ruim.
E foi com essa visão de futuro que só ele via, um potencial que só ele enxergava, que, para minha total surpresa, fui convidada a ser sua vice-diretora em um cargo no movimento espírita. Aí nosso relacionamento se estreitou ainda mais. Parece que a amizade verdadeira abre um portal da nossa infância, como quando existiam os Thundercats, que tinham a visão além do alcance.
E Deus foi cruzando cada vez mais nossos caminhos. Fui para a reunião mediúnica ao seu lado. Passamos a tomar café em uma lanchonete perto do Centro Espírita, antes da reunião. Era gostoso, divertido e animado. Eu ia mais leve para a reunião e algumas pessoas perceberam como éramos próximos (talvez já desde antes dessa vida).
E, como era natural, ele foi parar no meu consultório. (Ai dele se fosse em outro!)
Foi em uma dessas idas ao meu consultório que ele me disse: tive uma trombose venosa profunda. Perguntei: por quê?
E sinceramente, não me lembro mais da resposta. Só me lembro da minha mente de médica fazendo mil conjecturas, enquanto aguardava ele sair para conversar com outros colegas sobre o caso. Como a Dra. Tatyene falou, a experiência dentro da medicina faz acender uma luz dentro da gente, dizendo que tem alguma coisa estranha aí
.
A próxima notícia veio, pouquíssimo tempo depois, como uma bomba. O Adriano estava internado por outra trombose e diagnóstico de câncer de pâncreas. Como assim? Pâncreas? Pâncreas, não! Não podia ser verdade. Entretanto era. Pâncreas. Cabeça de pâncreas e com metástases.
Fiquei alguns minutos paralisada. Sem saber o que fazer. Sabia da gravidade, mas queria dar um alento, uma esperança, um consolo. Liguei para minha irmã, na Finlândia, que sugeriu que eu ligasse diretamente para sua médica. Afinal, a Dra. Tatyene é sua amiga, e é muito bondosa. Liguei imediatamente. Realmente, ela é um doce. Porém as notícias não poderiam ser mais desanimadoras. Eu perguntei: o que posso fazer por ele?
E, a partir daí, fiz tudo que ela me sugeriu para seu conforto e melhora.
A minha surpresa era ver que ele não entendia a gravidade. A gente brincava com a dor, mas ele achava que teria cura médica e eu, como médica, sabia que ainda não havia.
O dia mais marcante para mim foi quando, em uma visita, o Adriano me disse: sei que tem cura, porque, se não tivesse, a Lavínia me falaria. Ela é minha amiga, não é mesmo, Lavínia?
Saí dali aos prantos. Ele não vai me perdoar, eu pensava. No dia seguinte, liguei para a Dra. Tatyene, que me explicou sobre o período de negação. Foi um período doído para mim. Eu o via revigorado, alegre, brincalhão e esperançoso. E querendo que eu participasse dessa esperança... Eu tinha muita fé que tudo ia correr bem, que ele estava melhor, controlado, porém sabia da finitude.
Um dia, o Adriano acordou. Não me lembro o motivo. Ele estava pronto. Caiu toda a ficha da doença crônica, porém em nenhum momento deixara de ser feliz.
Quando indagado sobre como estava se sentindo, dizia que estava tudo bem. Eu sabia que não estava. Ele sabia que eu sabia e simplesmente sorria. Não queria que as pessoas ao seu redor ficassem tristes.
Foi só quando li o esboço do seu livro que descortinou um véu de animação em mim. Pude viver sua dor, seus sentimentos, suas vontades. Passamos a conversar sobre o medo na hora de morrer, sobre a chance que ele está tendo de viver cada pedacinho de cada dia e deixar tudo do jeitinho que ele quer. E seja quem for primeiro (ele ou eu), terá que ajudar o outro lá de cima. Se ele for antes, no dia seguinte, já vou fazer preces para ele me ajudar aqui. E, sinceramente, se ele for antes, terá que dar seus pulos, porque amigo é para sempre.
E se me obrigassem a dizer por que o amava, sinto que minha única resposta seria: porque era ele, porque era eu.
Montaigne
Dra. Lavínia Leitão
Nota de esclarecimento
É importante fazer um esclarecimento inicial em relação a minha fala e dos participantes da equipe de cuidados paliativos que foram convidados a contribuir com relatos de suas percepções a meu respeito enquanto paciente.
Cada olhar traz sua própria peculiaridade e colorido. Sendo assim, os detalhes percebidos através de um determinado ponto de vista representam para quem observa uma realidade diferente daquela observada pelos outros colaboradores. Dessa forma, as supostas contradições ou divergências nos relatos são apenas formas diferentes de registrar e relatar a mesma cena.
Assim, as seis percepções da realidade podem apresentar e demonstrar ao leitor que nem tudo é como nós percebemos e que considerar e aprender com a forma como somos vistos pelos outros contribui para nosso crescimento e desenvolvimento pessoal, facilitando, assim, o conduzir das situações.
Adriano Genovez
Quando tudo começou
Pois que tem a liberdade de pensar, tem igualmente a de obrar. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina.
Allan Kardec
Para entender o hoje é necessário olhar para o ontem com os olhos do agora e reconhecer as escolhas que nos trouxeram até aqui. Quero dizer que o destino, como algo predeterminado pela Providência Divina e pelas Leis Naturais que regem as relações entre os mundos e os seres, não existe enquanto uma sucessão inevitável de eventos dos quais não podemos escapar, mas que existe, sim, um planejamento que determina as linhas gerais das nossas existências e cuja execução depende das nossas escolhas, pois não somos máquinas submetidas ao automatismo da Lei Natural, mas criaturas que, dotadas de livre-arbítrio, têm a liberdade de agir, pensar e obrar.
O dia 8 de agosto de 2021 marca o início de uma nova fase da minha existência, pois foi quando, pela primeira vez, procurei o hospital em busca de atendimento médico. Naquele dia sentia fortes dores nas pernas, minhas panturrilhas queimavam, dava-me a impressão de que algo cortava minhas veias por dentro. O diagnóstico veio preciso: estava se instalando um quadro de trombose dos membros inferiores. Fui devidamente medicado e, na semana seguinte, procurei um angiologista para dar continuidade ao tratamento.
Até esse momento não tinha ideia precisa do que estava acontecendo comigo e dos motivos que me levaram àquela condição de saúde. Não conseguia entender como eu, tendo uma vida considerada saudável, praticante de ciclismo, que me proporcionava ganho da resistência muscular, bom condicionamento físico, melhora dos sistemas cardíaco, respiratório e vascular, estava passando por aquele problema de saúde.
Fui, então, à consulta com o angiologista que, num primeiro momento, solicitou alguns exames