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Reminiscências: contos da minha existência
Reminiscências: contos da minha existência
Reminiscências: contos da minha existência
E-book68 páginas54 minutos

Reminiscências: contos da minha existência

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Sobre este e-book

O que são as nossas reminiscências? Recordações muitas vezes vagas, adormecidas em nosso inconsciente. Este livro procura trazer um pouco dessas recordações, de momentos que, apesar de não ter vivido, encontram-se vivos em minha memória através de estórias contadas ou de fatos que através dos tempos insistem em se repetir. O tempo descrito é passado, mas também é presente e torço para que também não seja futuro, nessa interminável onda de erros e acertos que a humanidade tem cometido ao longo dos tempos. Fala de mulheres fortes, em sua maioria pretas. Braziliana não tem cor, é apenas o retrato do Brasil. Algumas são reais e ainda vivas (Luzia); outras, fruto da imaginação deste autor, sedimentadas através da observação diária da construção desta longa estrada chamada vida, de pessoas que ajudaram a construir as nossas identidades enquanto povo brasileiro, acredito que exista um pouco de Manoel em cada um de nós, especialmente naqueles que vivem nas periferias. Trata da intolerância religiosa, do racismo estrutural que permeia a nossa sociedade, da epidemia provocada pelo COVID. É um livro político, como não poderia deixar de ser, mas que também fala de sonhos, de amor, de fé e de esperança.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de abr. de 2023
ISBN9786525274782
Reminiscências: contos da minha existência

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    Reminiscências - Nelson J. Nascimento

    BAOBÁ

    Os cabelos negros e encaracolados

    demonstravam força.

    Hoje esbranquiçados são como brumas,

    retrato das experiências vividas,

    de lutas vencidas.

    O sorriso ainda farto

    é um chamado ao convívio,

    Baobá,

    estarmos juntos um convite à sabedoria.

    As histórias são como cantigas,

    nos embalam, nos fazem adormecer.

    O seu ventre que gerou tantos frutos

    agora é frágil, não mais produz,

    tornou-se risco,

    precisa ser arrancado para assegurar a sua sobrevivência.

    No entanto a semente já foi plantada,

    e os frutos se perpetuaram gerando novas sementes

    e outras mais.

    E assim a vida continua,

    lentamente como seus passos,

    até o infinito, até o fim.

    Ou seria o recomeço?

    BRAZILIANAS

    O frio não deixava Braziliana dormir. Já era noite, ou talvez ainda fosse dia, não importa. Dos seus peitos em forma de pelancas já não saia mais leite, apenas sangue, mesmo assim seu bebê teimava em sugar, tinha fome, uma fome insaciada.

    Braziliana não sentia dor , apenas olhava desesperançada seu filhote. Seu corpo esquálido só carregava pele, a cabeça latejava, mesmo assim lembranças ainda insistiam em vaguear por sua mente.

    Relembrava de um certo dia, quando ainda pequenina passava em frente a uma loja com sua mãe, as poucas roupas dentro de uma sacola plástica o cão seu fiel companheiro, no mostruário uma televisão onde a figura de um preto bonito comemorava seu gol com um soco no ar. Braziliana não sabia o nome daquele preto, nem em que loja foi, na sua vida já havia passado em frente de tantas lojas, de tantas televisões, mas nunca havia tido uma só para ela.

    Lembrava daquele preto bonito, de tudo que ele falou, achava estranho, já havia se esquecido de tantas coisas nessa vida e aquelas palavras pareciam que haviam ficado gravadas em sua mente, talvez por lembrar também do sorriso estampado no rosto de usa mãe. Poucas vezes Braziliana tinha visto sua mãe sorrir, mesmo sem nada entender Braziliana sorriu também. E aquele preto na televisão , suado, sorriso aberto, e aquela frase repetindo mil vezes na cabeça de Braziliana, temos que cuidar das crianças do Brasil.

    Braziliana olha para o seu filhote e tenta sorrir, um sorriso vazio, de dor, dor em sua alma, em seu corpo, em seu peito em forma de pelanca. Já tivera tantos outros filhos, dormia embalada pelo clack e em seguida a barriga começava a crescer. Da mesma forma que vinham as crianças sumiam. No início Braziliana se espantava, não sabia o que havia acontecido com seus filhotes. Agora já não ligava mais. Foram tantos! Uma dúzia! Quem sabe? Braziliana não sabia contar, não sabia ler, não sabia escrever seu nome, sabia apenas que era em homenagem ao seu país, Braziliana não sabia o que era um país, não conhecia o país que vivia, que lhe dera o nome, nome que ela não reconhecia, não sabia ler, não sabia escrever. Olhava as estrelas, imaginava que cada uma delas era um de seus filhotes.

    A noite lhe acalentava, o frio lhe consumia, seu filhote sentia fome. Olha a marquise em frente, um entra e sai, o cheiro gostoso de comida quente, Braziliana sentia fome, ninguém se importava, só ela se importava, nem seu filhote se importava, sugava cada vez com mais força suas pelancas em forma de peito, o sangue escorria, a dor era insuportável.

    Braziliana tinha sono mas não queria dormir, sentia medo, medo do frio, medo de ser acordada. Certa vez despertou toda molhada, imaginou que estivesse chovendo , um bando de jovens bem-vestidos faziam uma algazarra, mijavam em Braziliana. Ela tentou proteger seu filhote, pensou em reclamar, soltou apenas um rugido, os jovens palavras obscenas, saíram correndo, rindo, proferindo palavrões. Braziliana chorava, não tinha raiva, não tinha medo,não tinha nada, apenas chorava, lágrimas que teimavam em sair de seus olhos, Braziliana nada entendia, apenas chorava, apenas sofria.

    Um dia Braziliana caminhava por uma rua, era uma rua como tantas outras que havia caminhado, já havia caminhado tanto em sua vida ,estava cansada, viu uma casa, a porta estava aberta, Braziliana entrou. Lá dentro uma grande imagem, as pessoas estavam de joelhos, os olhos da imagem eram contemplativos, tinha a pele clara, os olhos azuis, Braziliana imaginou que deveria ser uma pessoa boa, não era preto igual a ela, só os brancos são bons, Braziliana era ruim, havia nascido com o pecado original, nasceu preta, Braziliana queria ser perdoada. Perdoada por ter nascido, por ter tantos filhos, mesmo sem querer. A casa era quente, Braziliana se sentiu abençoada, queria ficar ali acolhida, imaginou que o mundo era bom que um dia ainda poderia ser feliz, Braziliana não sabia o que era felicidade.

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