VIDAS SECAS - Graciliano Ramos
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VIDAS SECAS - Graciliano Ramos - Graciliano Ramos
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Graciliano Ramos
VIDAS SECAS
Primeira edição
img1.jpgIsbn: 9786558943778
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Sumario
Sobre o autor e sua obra
VIDAS SECAS
Mudança
Fabiano
Cadeia
Sinhá Vitória
O Menino Mais Novo
O Menino Mais Velho
Inverno
Festa
Baleia
Contas
O Soldado Amarelo
O Mundo Coberto de Penas
Fuga
Sobre o autor e sua obra
Graciliano Ramos
img2.jpg1892-1953
Graciliano Ramos foi um renomado escritor brasileiro, considerado um dos principais representantes do Modernismo no Brasil. Nascido em Quebrangulo, Alagoas, Ramos iniciou sua carreira como jornalista e, posteriormente, tornou-se conhecido por suas obras literárias.
Sua escrita é marcada por um estilo seco e direto, característica que se destaca em suas obras mais importantes. Além de Vidas Secas
(1938), Graciliano Ramos também é autor de outras obras significativas, como São Bernardo
(1934) e Angústia
(1936).
Sem prejuízo de sua enorme contribuição à literatura brasileira, Graciliano Ramos teve uma participação ativa na vida política, chegando a ser prefeito de Palmeira dos Índios, em Alagoas. Sua escrita frequentemente reflete suas preocupações sociais e políticas, abordando temas como a seca, a pobreza e as injustiças sociais.
Graciliano Ramos faleceu em 1953, deixando um legado literário significativo que continua a ser estudado e apreciado na literatura brasileira.
Vidas Secas" (1938) é amplamente reconhecida como a obra-prima de Graciliano Ramos. Originada da combinação de vários capítulos inicialmente publicados de forma independente, como contos, a narrativa aborda a história de uma família de retirantes nordestinos. Afetada pela seca, a família é compelida a perambular pelo sertão em busca de condições de vida mais dignas. O propósito da obra é evidenciar a tirania da terra implacável sobre o ser humano. Graciliano é reconhecido como o principal escritor do Modernismo, integrando o grupo que iniciou o realismo crítico ao abordar os desafios brasileiros, tanto de forma geral quanto específica a uma determinada região no que ficou conhecido como romance regionalista.
A obra propõe uma reflexão sobre questões sociais significativas no contexto em que o romance foi escrito, buscando conscientização. O romance regionalista de Graciliano Ramos tem como princípio a crítica para denunciar problemas sociais.
Graciliano Ramos se destaca pela preocupação com a linguagem, sendo esse o traço distintivo de sua obra. Sua narrativa concentra-se na problemática humana, explorando o comportamento, atitudes e conduta dos personagens, e a descrição da paisagem emerge da caracterização psicológica deles.
VIDAS SECAS
Mudança
Na planície avermelhada onde os juazeiros alargavam duas manchas verdes. os infelizes tinham caminhado o dia todo, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem: quase cinco quilômetros. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
— Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.
Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
— Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.
Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.
Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinhá Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a sinhá Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinhá Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.
E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande.
Ausente do companheiro, a cachorra Baleia tomou a frente do grupo. Arqueada, as costelas à mostra, corria ofegando, a língua fora da boca. E de quando em quando se detinha, esperando as pessoas, que se retardavam.
Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça, os ossos do amigo, e não guardava lembrança disto. Agora, enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre o baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava mal. Fabiano também às vezes sentia falta dela, mas logo a recordação chegava. Tinha andado a procurar raízes, à toa: o resto de farinha acabara, não se ouvia um berro de rês perdida na catinga. Sinhá Vitória, queimando o assento no chão, as mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas, novenas, tudo numa confusão. Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o papagaio, que andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula. Resolvera de supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que ele era mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família falava pouco. E depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um gado inexistente, e latia arremedando a cachorra.
As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano aligeirou o passo, esqueceu a fome, a canseira e os ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam.
Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força.
Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra.
Sinhá Vitória acomodou os filhos, que arriaram como trouxas, cobriu-os com molambos. O menino mais velho, passada a vertigem que o derrubara, encolhido sobre folhas secas, a cabeça encostada a uma raiz, adormecia, acordava. E quando abria os olhos, distinguia vagamente um