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A Menina Da Bicicleta
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E-book209 páginas2 horas

A Menina Da Bicicleta

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Sobre este e-book

O autor humaniza, não romantiza a pobreza. Existe uma grande distância entre essas duas visões. Romantizar a pobreza, característica hegemônica em nossas telenovelas, traz em si o ranço de uma visão nobiliárquica, fruto de uma sociedade estratificada, onde é confortável se apiedar dos menos favorecidos. O que Carlos Alberto Brandão faz é retratar a pobreza com tintas exatas. Nem exageradas, nem amenas demais. As tintas do humanismo cristão, que resgata uma cosmovisão presente na mensagem expressa em Mateus, 6. Cada personagem é retratado nos seus pequenos dramas cotidianos, seus medos, sonhos e amores. O cenário que resulta desse delicado trabalho de tecelão ao qual o autor se dispôs, é vibrante, belo, trágico. Assunta, a protagonista, parece saída de uma das tragédias de Ésquilo ou Sófocles, reúne em si diferentes forças que, apesar de opostas, nela se complementam, a força e a fragilidade. Do mesmo modo, seus pais, Manuel e Imaculada, são, emprestando as palavras de Nietzsche, humanos, demasiadamente humanos. Essa é a uma história para se ler num só fôlego e depois retornar em cada um dos seus parágrafos, páginas, capítulos, para dialogar com intimidade com seus personagens tão ricos e revisitar as nuances do quadro social, ricamente retratado pelo autor.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de jun. de 2022
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    A Menina Da Bicicleta - Carlos A. Brandão

    A menina da Bicicleta

    Carlos A. Brandão

    Organização: Claúdio Macagi / Carlos Brandão.

    Artes de Capa: Sara Gomes de Almeida.

    Edição: Alcides Nascimento Marinho.

    [ 2 ]

    Menina da Bicicleta poderá ser o grito emudecido na luta contra as estruturas que escravizam e alienam, dos que vivem as expectativas de um amanhã melhor...

    Poderá ser uma arma na luta contra o vício que dilacera as famílias e as tornam reféns de uma sociedade capitalista.

    Poderá ser as palavras dos professores nas salas de aula que, ao retratarem e debaterem sobre Imaculada e sua família, encontraram respostas para suas vidas vazias e sem rumo.

    Como falou Mahatma Gandhi; A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência. Essa é a palavra de que nossa sociedade precisa CONSCIÊNCIA! A Menina da Bicicleta é um remédio para despertá-la(...)

    A Menina da Bicicleta retrata o mundo real, com ponderações significativas de como a humanidade está hoje. Retrata as contradições do ser humano, das lutas diárias, do que aprendemos e do que sentimos. Leva-nos para a dura realidade de uma sociedade capitalista e que nem mesmo dentro das igrejas encontra pessoas dispostas a lutar contra a hipocrisia que nos rodeia e bate à nossa porta a todo instante. O que achei mais incrível foi que, mesmo retratando uma realidade doída no discorrer de suas palavras, me encontrei a sonhar, mesmo retratando a realidade fiz uma viagem para dentro de mim mesma e me encontrei com coisas bonitas

    [ 3 ]

    dentro da humildade em que vivi minha infância. Muito bom mesmo!"

    Rosely Camargo

    (Professora, escritora e poetisa)

    No seu primeiro livro, o autor humaniza, não romantiza a pobreza.

    Existe uma grande distância entre essas duas visões. Romantizar a pobreza, característica hegemônica em nossas telenovelas, traz em si o ranço de uma visão nobiliárquica, fruto de uma sociedade estratificada, onde é confortável se apiedar dos menos favorecidos.

    O que Carlos Alberto Brandão faz é retratar a pobreza com tintas exatas. Nem exageradas, nem amenas demais. As tintas do humanismo cristão, que resgata uma cosmovisão presente na mensagem expressa em Mateus, 6. Cada personagem é retratado nos seus pequenos dramas cotidianos, seus medos, sonhos e amores.

    O cenário que resulta desse delicado trabalho de tecelão ao qual o autor se dispôs, é vibrante, belo, trágico.

    Assunta, a protagonista, parece saída de uma das tragédias de Ésquilo ou Sófocles, reúne em si diferentes forças que, apesar de opostas, nela se complementam, a força e a fragilidade. Do mesmo

    [ 4 ]

    modo, seus pais, Manuel e Imaculada, são, emprestando as palavras de Nietzsche, humanos, demasiadamente humanos.

    Essa é a uma história para se ler num só fôlego e depois retornar em cada um dos seus parágrafos, páginas, capítulos, para dialogar com intimidade com seus personagens tão ricos e revisitar as nuances do quadro social, ricamente retratado pelo autor.

    Bem-vindo, Carlos Alberto Brandão! Bem-vindo esse seu livro de estreia! O nosso mundo literário os saúda e acolhe com gratidão.

    Que esse seja o início de uma trajetória que ainda nos presenteie com histórias através das quais possamos no ver, conhecer, nos transformar.

    Messias Farid,

    (Professor, filósofo, escritor e poeta)

    [ 5 ]

    À

    Minha família

    Os olhos ainda se abrirão

    Enxergarão o alvorecer

    Se encantarão com sutilezas

    Perceberão nuances delicadas

    E quando uma lágrima rolar

    Será por amor, por alegria, por gratidão

    Não mais por dor ...

    Cláudio Macagi

    (Flores do caos – 2020)

    A menina da Bicicleta, por Carlos A. Brandão Capítulo 1

    Maria Imaculada, por causa de uma súbita vertigem, se apoiou na parede na saída da cozinha. Havia esquecido, como em outras vezes, de tomar seu remédio. Deveria se manter aquietada, evitando esforços físicos e sobressaltos de qualquer natureza. Com um leve balançar de ombros, descumpria as orientações médicas e saía batendo os pés pelo chão, dizendo para todos ouvirem, que eram mais urgentes suas tarefas e as necessidades de seus filhos.

    . Naquela manhã, o mal súbito veio acompanhado com uma alfinetada nas proximidades do coração, provocando-lhe uma dor nunca sentida antes. Faltou-lhe sangue na cabeça e o ar lhe fugiu, como dizia suas vizinhas ao comentarem o acontecido. Isso a preocupou.

    Sentada no patente da porta, olhava o mundo de seu quintal que a luz matutina revelava por entre o terreno irregular, despencado por detrás da plantação de milho que dava para a erosão provocada pelas chuvas, por onde corria preguiçosamente, a céu aberto, o esgoto da redondeza. Pediu à sua filha mais velha, que a ajudava na lavação das roupas de suas clientes, que fosse buscar seu pai o mais rápido que pudesse. A menina desatenta a tudo que acontecia a poucos metros de seu nariz se manteve em seus afazeres, sentindo a ardência da luz solar em sua pele branca e sensível.

    [ 7 ]

    A menina da Bicicleta, por Carlos A. Brandão A demora em ser atendida desagradou-lhe, mas não ser ouvida, agitou seus nervos. Impacientou-se. Esbravejou...

    Evidentemente, que esse comportamento nada lhe ajudou. Sua saúde logo requereu alguns cuidados extras. Por conta, preparou uma efusão de ervas para combater a zonzeira e acalmar suas palpitações.

    Descansou-se na rede esticada na área de serviço e, entre um cochilo e outro, recordou as dificuldades para levantar aquela edícula, aquele puxadinho sem projeto, sem alvará e sem dinheiro. Enfim, sem muitas expectativas.

    Seu desejo de possuir um lote surgiu na semana em que se amasiou próximo ao período das cheias de São José. Queria porque queria um pedaço de terra para levantar sua casinha. A oportunidade chegou através de seu Carmo, homem pequeno e sisudo, que com seus setenta e sete anos de trabalhos manuais, de pedreiro a carpinteiro, de pintor de paredes a inválido, estava com a mudança posta no caminhão fretado por sua filha que o aguardava com a família: o marido, uma moça e os três rapazes, todos feitos e trabalhadores. Não podia mais manter os encargos do lote que havia comprado para os tempos de vacas magras, e, agora, sentia-se velho e doente para vigiá-lo e evitar as tentativas de invasão. Suas economias eram mínimas e a aposentadoria sempre atrasava, deixando-lhe sem eira nem beira. Decidiu, então, colocá-lo à venda.

    [ 8 ]

    A menina da Bicicleta, por Carlos A. Brandão Passaram-se alguns dias para chegarem a um acordo.

    Quarenta e cinco por cento do valor foi pago imediatamente, resultado de suas economias e ajuda de alguns amigos, com relutância o restante do pagamento foi combinado em três vezes, deixando como garantia uma velha picape fiat esverdeada, despretensiosamente reformado com parte da carroceria amarrada com cordas e o assoalho danificado e apodrecido pelo acúmulo de água.

    Seu Carmo fez gosto, apesar de não ser exatamente isso que esperava. No entanto, pensou que poderia fazer pequenos carregos na feira municipal, sem expor sua saúde. Além, é claro, ajudar nas despesas da casa e pagar por suas necessidades básicas.

    O terreno localizava-se numa área de doação feita pelo governo para alojar os moradores desapropriados de uma área industrial, embora, com o passar do tempo, verificou-se que sua utilização não correspondeu aos projetos que justificaram, na época, a desapropriação de, pelos menos, 150 famílias. Toda aquela área nivelada e feita a terraplenagem pelos patróis foi habitada da noite para o dia. Ocupação desordenada, sem infraestrutura e saneamento básico. Foi se formando ali uma população alheia aos acontecimentos, desconfiada, individualista e preocupada em preservar o pouco que lhe foi possível conquistar.

    As crianças corriam e brincavam com carrinhos feitos de velhas latas, que puxados por um barbante ziguezagueavam pelas

    [ 9 ]

    A menina da Bicicleta, por Carlos A. Brandão ruas de cascalho. O escorregador de papelão puxado ora por um, ora por outro, desgastava-se antes mesmo de chegar ao final do trajeto. Algumas meninas embalavam junto ao seio, trapos de panos envoltos em bonecas descarnadas, patéticas, merecedoras de seus cuidados e mimos, outras pulavam corda e um grupo de meninos lançavam no ar seus pinhões.

    Levantaram três cômodos. O quarto do casal à esquerda da porta de entrada da casa recebia a luz do sol vespertino. Ali, nasceram os filhos. Uma menina já moça com 14 anos, a mais velha. Um menino, do meio, com 12 anos. E outra menina, tardiamente gestada e não esperada, com 7 anos. Ali, foram vividos momentos felizes e inesquecíveis. Outros, recheados de renúncias e tristezas. Eram histórias de um cotidiano de lutas, das injustiças sofridas, das explorações e, sobretudo, de esperanças por dias melhores.

    No outro cômodo que se abria para o poente, o segundo quarto que em decorrência de resguardar a privacidade, obrigou-os a colocarem uma proteção na janela limitando o espaço de ventilação.

    No período de forte calor, a temperatura oscilava entre 32º a 36ºC, tornando insuportável permanecer no quarto. As crianças, portanto, sem espaço, permaneciam na rua até o cair da noite.

    O terceiro cômodo foi dividido em dois ambientes. De um lado, a sala com seu sofá alinhado em frente a uma pequena mesa de madeira, que sustentava a televisão e um pequeno jarro de

    [ 10 ]

    A menina da Bicicleta, por Carlos A. Brandão plástico com rosas desbotadas. Na parede, um quadro da Sagrada Família; do outro lado, a cozinha. Um pequeno armário de parede sustentado por dois cavaletes de madeira e, no lado esquerdo, o fogão amparado e nivelado por alguns tijolos.

    Fizeram nos fundos uma pequena área de serviço. Ali, Imaculada passa a maior parte do dia conversando com outras mulheres que, semelhante a ela, ganhavam o pouco do dinheiro como diaristas em casa de madama, quando não, lavavam e passavam sob encomenda, e ficavam em suas casas cuidando dos afazeres domésticos e de seus filhos.

    Tudo realizado com muito capricho.

    Um dia comum para aquela família. Os trabalhos eram os mesmos do dia anterior, dos outros dias e de outras semanas...

    E, cada novo dia, tão igual aos outros, faziam que suas rotinas transformassem numa aventura milagrosa, redescobrir nas minúcias do cotidiano, a alegria e a esperança.

    ...

    Refeita, viu-se sobrecarregada de trabalho.

    O que era para três ou mais pessoas fazerem, se reduziu a ela e a amiga de longa data, por nome Elza. Organizavam a festa de aniversário da menina moça, Maria Assunção. Assunta, assim era conhecida e chamada.

    [ 11 ]

    A menina da Bicicleta, por Carlos A. Brandão Não se pode precisar quando aconteceu. Conta-se que, possivelmente, partiu da caçula que ao ouvir o padre discursar numa manhã de domingo usando a expressão ... e a Assunção de Maria tornou-se para nós... ruminou aquela informação se voltando para a irmã dizendo Assunta! Escutou isso.... É você... (risos) é seu nome .

    O olhar severo da irmã e a reprovação dos presentes naquela nave sacra, a fizeram se recolher no banco, diminuta, em silêncio. Depois do acontecido, quando a caçula enraivecia com a irmã, saia pulando e passava do sussurro aos gritos: Assunta! Assunta! Assunta!. Dizem que o apelido se incorpora nas pessoas que relutam contra ele. Se verdade ou mentira... vá lá saber!

    O fato é que Maria Assunção tornou-se, Assunta.

    Passaram horas na arrumação e nos preparativos para acomodar os convivas que ali estariam ao anoitecer. O sol ainda, teimosamente, ardia-lhes as peles curtidas, e inquietas varriam a edícula. Manuel, marido de Imaculada, se encontrava ausente, contratado temporariamente para o serviço de abertura da rede de esgoto num dos setores da cidade, entretanto, se presente, pouco colaborava com a arrumação. Ressaqueado, deitava numa espreguiçadeira lastimando a sorte.

    As crianças estavam na escola.

    Os vizinhos, alguns se encontravam dormitando. Outros vagavam entre um emprego e outro. Alguns deles haviam conseguido

    [ 12 ]

    A menina da Bicicleta, por Carlos A. Brandão carteiras assinadas, o que significava muito para a aposentadoria futura, era uma coisa muito boa, uma prerrogativa da crise que assolavam a todos.

    As duas mulheres trombavam-se na correria para deixar tudo muito bem apresentável. Seus pensamentos voavam para um passado não muito distante da realidade que vivem. Sobre um tempo de lutas e de expectativas, quando havia sonhos e ambições para realizarem, ideais para serem cumpridos.

    Imaculada mantinha o desejo de tornar-se assistente social.

    Sempre voluntária em programas sociais, ou em quaisquer outras ações de iniciativa da Igreja ou dos órgãos oficiais nas comunidades carentes de sua cidade. Estava presente nos trabalhos junto aos idosos que por ela nutriam grande simpatia. Agradava-lhe envolver-se com as pessoas, procurando ser útil, amenizando seus possíveis sofrimentos. Esforçava-se para ajudar a comunidade a se organizar, estabelecendo suas prioridades. Elza, sua amiga, não havia ainda decidido sobre sua vocação. Ainda não havia pensado sobre isso.

    Ora, queria formar-se em enfermagem, por simpatia a uma tia que muito lhe queria bem, ora em estética, desejava eliminar suas espinhas e tratar sua pele ressecada. Não tinha nenhuma inclinação altruísta, levava sua vida despreocupadamente, embora estivesse sempre disponível, acompanhando Assunta nas obras assistenciais.

    [ 13 ]

    A menina da Bicicleta, por Carlos A. Brandão Eram as duas jovens, que tinham todo o tempo, mas se sentiam incomodadas com a

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