Camille, Jamille e Évora
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Camille, Jamille e Évora - Aparecido Klai
A tríade de irmãs
Évora nasceu temporã. Foi a rapinha do tacho, como a mãe Isabelle sempre se referia à filha mais nova. Oito anos antes dela, nasceram as gêmeas Camille e Jamille. Évora, desde muito pequena, a partir do momento em que aprendeu os nomes das irmãs e adquiriu compreensão de que o dela era diferente, desejou chamar-se Emille e adotou esse nome como seu. Quando algum conhecido brincava com ela e perguntava o seu nome, ouvia sempre a mesma resposta.
─ Meu nome é Emille.
Quando cresceu um pouco foi que a mãe, Isabelle, e o pai, Breno, tentaram fazê-la entender que seu nome era outro. Deixaram-na revoltada. E revoltou-se ainda mais quando soube pelas irmãs que seu nome era o de uma cidade de Portugal. O de Camille significava a filha do sol e o de Jamille era a formosa. Desgostosa, insistiu com o pai para levá-la imediatamente ao cartório para retificar o nome. Ele afirmou que não era preciso e ela continuou a se apresentar como Emille.
Aquilo que pareceu resolvido durou apenas até a fase escolar. Foi logo no primeiro dia de aula que ressuscitaram seu nome de batismo, para seu desespero. Fez questão de conferir a lista de chamada. Aborrecida, metia-se em confusões com outros alunos.
─ Vessora, Débora está vutucando o nariz com o dedo.
─ Pietro, preste atenção, o nome da sua coleguinha é Évora.
─ Agora Éfora está tirando meleca do nariz com o dedo e atirando em mim.
─ Pietro, mais uma vez, o nome dela é Évora. Entendeu?
A turma ruidosa não permitiu que a professora ouvisse a resposta. Logo estavam todos brincando com a confusão instalada por causa do nome da menina. Alguns, mesmo compreendendo perfeitamente qual era o nome correto, preferiram aderir à bagunça.
─ O nome dela é Éfora?
─ É fora?
─ Que nome é esse?
─ Tem alguém na sua família com o nome de É dentro?
Ravi, o menino que queria ser veterinário, era o único que não participava dessas brincadeiras. Seus interesses eram exclusivamente os animais e nomes de ossos do corpo humano. Ele, como ela, chegou para a alfabetização bem adiantado, graças aos esforços dos pais. Ou talvez agisse assim por jogar futebol na mesma escolinha que ela, embora não demonstrasse muita intimidade com a bola e as quatro linhas do gramado.
Certa vez o time de Évora jogou contra o time de Ravi. Foi uma partida tipo meninas contra meninos. Eles tomaram uma surra, perderam de onze a zero, para o desespero dos pais que assistiram estupefatos das arquibancadas.
Ela mesma, sempre que avançava pela ponta, driblava o garoto Ravi sem a menor dificuldade, alcançava a linha de fundo e fazia um lançamento certeiro para Rúbia, a centroavante, uma ruivinha lisa feito sabão que diziam driblar até a própria sombra.
Foi pela prática de esportes ao ar livre que ficou mais exposta ao sol do que as irmãs e sua pele assumiu uma coloração mais escurecida. Camille e Jamille permaneceram sempre mais alvas, embora todas tivessem os cabelos pretos e não fossem arianas.
Por causa do bronzeado da pele e por conta de uma lenda que envolvia uma bruxa com o mesmo nome que ela, recebeu o apelido de Moura ou Morena. O apelido facilitou a vida de Pietro, contornando a dificuldade da pronúncia de Évora que ele tinha.
Ainda durante a fase de alfabetização, por causa dos constantes atritos entre ela e Pietro, a professora viu-se obrigada a intervir. Mesmo considerando que era o menino quem provocava as situações de conflito.
A intervenção aconteceu depois de uma reclamação, nada original, quando os alunos retornaram para a sala de aula logo depois do intervalo ou recreio, como todos chamavam.
─ Olhe, vessora, Éfora limpou o dedo sujo de meleca de nariz aqui na minha camisa.
─ O nome é Évora. Tente pronunciar direito, Pietro. Você está bem grandinho.
─ Voi a Moura.
─ O nome dela é Évora. Não se preocupe. Falarei com ela no final da aula.
Quando a professora questionou a aluna sobre a sua atitude pouco higiênica, ouviu dela a justificativa de que Pietro é que vivia procurando por ela onde quer que estivesse. No pátio, nos corredores e ainda aguardava por ela até na saída do banheiro. Fazia aquilo para mantê-lo afastado.
─ Pietro só quer ser seu amigo e não é assim que você vai resolver esse assédio ou diminuir a simpatia que ele tem por você.
─ Ele é muito chato, professora. Parece um chiclete. Não desgruda, não sai de perto.
─ Eu não sou chato, vessora. A Moura é que é. E disse que fai me pegar na saída só porque eu contei que ela passou meleca na minha camisa branca.
─ O nome dela é Évora. Repita, Pietro.
─ Éfora.
─ É Évora. Soletre comigo: É-v-o-r-a. Agora você.
─ É-f-o-r-a. Éfora.
No final daquele dia de aulas, a professora reteve Évora para conversar e para permitir que Pietro se distanciasse da iminente confusão. Sabia que a menina, praticante de esportes desde muito pequena, era ágil tanto para agredir como para se defender. Não duvidou de que houvesse um conflito e que o menino não teria a sorte de safar-se inteiro.
─ Évora, eu necessito da sua ajuda. Não só eu como alguns dos seus coleguinhas de classe. Nem todos estão adiantados como você e Ravi. Concorda em nos ajudar?
─ Precisa da minha ajuda agora, professora? Depois das aulas?
─ Não agora e não depois, mas durante as aulas. Essa turma é muito heterogênea, alguns tem mais dificuldades para aprender. Você e Ravi poderão ajudar. Percebi que chegaram melhor preparados e não demonstram a mesma dificuldade que alguns. O que acha?
─ É só isso, professora?
─ Por favor, dedique um pouco mais de atenção a Pietro, ele confunde letras até na pronúncia e precisa melhorar a caligrafia.
─ Só isso?
─ Sim, é só isso.
Foi depois disso que Évora, ainda muito jovem, adotou Pietro como protegido. Desenvolveram uma relação de amizade que perdurou por toda a existência dos dois. Para o bem dele e para os ciúmes de Melina, a esposa, depois que ele cresceu, endoidou e se casou, como ele mesmo dizia sobre as fazes de sua vida.
Évora também cresceu. Desenvolveu-se forte graças aos esportes. Pernas firmes e bem torneadas devido aos treinos e aos jogos de futebol. Braços e costas hipertrofiados devido as aulas