No limiar da insensatez
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No limiar da insensatez - Aparecido Klai
Conhecendo a cidade
Gabriel nasceu, estudou e sempre morou na cidade de São Paulo, no bairro da Aclimação, região central da grande capital do estado.
Considerava o bairro completo. Comércio, escolas e oportunidades de trabalho. Quanto ao lazer, uma boa opção sempre foi o Parque da Aclimação. Mas não faltavam bares e restaurantes.
Começou sua vida profissional nos comércios do bairro, mas evoluiu e foi contratado por uma empresa de administração com escritórios na Praça da República e clientes espalhados por todo o estado, principalmente nas cidades do ABC paulista.
Era habilitado, mas não possuía qualquer veículo motorizado. Quando necessário usava o do escritório. Seus meios de transporte sempre foram, essencialmente e nessa ordem, o metrô, o ônibus e o trem.
Maurício, seu superior imediato, o designou para acompanhar todo o processo de Recuperação Judicial e de reestruturação de uma empresa familiar em Santo André.
O escritório em que trabalhava não prestava assessoria jurídica, apenas consultoria administrativa, visando a recuperação econômica de empresas em dificuldades.
─ Gabriel, preste atenção! ─ Disse-lhe Maurício com ares de muita preocupação. ─ A condição dessa empresa me preocupa muito e a assembleia dos credores oficializou e legalizou o calote aos Credores Quirografários.
─ Mas todos os credores, quirografários ou não, votaram pelo aceite dos termos.
─ Foi por desespero e possibilidade de não receberem nada no caso de uma falência. O problema é que são parceiros da empresa e muitos vão deixar de ser. Isso é uma condição ruim durante a Recuperação Judicial e piora depois dela.
─ Vou ver se há como contornar esse problema sem interferir no processo judicial em curso. Uma melhora na situação contábil pode permitir o adiantamento de algumas parcelas da dívida.
─ Faça isso! E dedique muita atenção ao processo produtivo. Fomos contratados para uma consultoria e o objetivo é tornar a empresa mais moderna e economicamente viável. No entanto, desde as primeiras reuniões, percebi que os sócios são reticentes a modernizações.
─ Está certo. Vou me dedicar com esmero a esse projeto e espero não decepcionar, mas se eu encontrar algum obstáculo maior, vou pedir auxílio.
Deixou o escritório e o prédio e seguiu para a estação de metrô. Fez baldeação para o trem e em pouco tempo chegou à estação ferroviária de Santo André, dez minutos antes do horário combinado com o corretor de imóveis.
Para sua sorte, Pedro, o corretor com quem acertou horários para visitar alguns imóveis disponíveis para alugar, não se demorou muito a chegar. Encostou o veículo e se sentiu aliviado ao ver que ele também usando máscara. Embarcou sem demora e manteve a janela aberta.
─ Gabriel, você não dirige?
─ Dirijo, mas não tenho carro. A empresa deve deixar um veículo a minha disposição assim que eu me mudar, mas prefiro usar o transporte público ou caminhar quando as distâncias são menores.
Seguiram para o primeiro imóvel da lista. Um pequeno apartamento de dois quartos no bairro Príncipe de Gales.
No caminho o corretor foi contando sobre o bairro e histórias da hospedagem do príncipe Edward na Casa Amarela, um imóvel tombado e parte das instalações de uma universidade.
─ Por isso o nome do bairro?
─ Sim, Edward era então o Príncipe de Gales, filho do rei Jorge V.
─ Muito interessante! Mas nunca ouvi falar desse príncipe.
─ Foi o herdeiro do trono da Inglaterra, mas seu reinado durou menos de um ano. Abdicou para se casar com uma americana divorciada. Seu irmão Jorge assumiu a coroa britânica em seu lugar.
─ Continuo flutuando sem âncoras nessa história de príncipes e reis.
─ Jorge, o irmão de Edward, foi o pai da atual rainha, Elizabeth.
─ Agora sim, fixei âncoras. Sei quem é a rainha Elizabeth, no entanto não sei nada sobre o pai dela. Mas vamos ao imóvel.
Gabriel considerou o apartamento no tamanho ideal, com espaço para se exercitar nas áreas comuns, mas sem qualquer tipo de mobília, nem mesmo móveis embutidos.
─ Note que o acesso para a Via Anchieta é muito fácil, você pode vê-la daqui.
─ Realmente posso ver a rodovia e seus acessos, mas a empresa onde vou trabalhar está no outro da linha de trem. Não é muito longe, mas prefiro algo um pouco mais próximo para não desperdiçar meu tempo no trânsito.
─ Então vamos ao outro imóvel da minha lista. Esse também é muito bem localizado e fica ao lado da área central do município. Poderá, inclusive, ir a pé até a estação de trens.
Voltaram em direção ao centro da cidade e o corretor prosseguiu conversando e enaltecendo alguma qualidade dos bairros onde havia propriedades disponíveis para locação.
─ Veja esse imóvel! Pequeno, muito perto do centro, várias linhas de ônibus passam próximo. Mercado e restaurantes a duas quadras. E bem ao lado desse belo jardim.
Gabriel notou as grandes árvores sombreando o jardim e uma pista por onde alguns usuários praticavam caminhada e corrida.
─ Esse jardim é bonito e me agrada. Essa rua tranquila também.
─ Aqui foi uma vila operária. Nessas casas moraram os trabalhadores da tecelagem Ipiranguinha, que ficava logo ali, do outro lado da avenida, onde existe aquele templo.
─ Para ser corretor imobiliário nessa cidade é preciso conhecer história?
─ Não precisa ter conhecimento sobre história, mas a cidade tem muitas e conhecer ajuda a apresentar os bairros.
─ Você está conduzindo bem o seu trabalho. Tem algo mais a me dizer sobre esse imóvel ou sobre esse bairro?
─ Tem mais. Depois do jardim tem um clube e um campo de futebol. A história que contam é que foi ali que o Pelé marcou seu primeiro gol como jogador profissional.
─ Aqui em Santo André?
─ Sim, em 1956. E mais além, na vila Pires, Pelé foi sócio de uma empresa e esteve novamente na cidade nos anos setenta.
─ Estou gostando das histórias, mas ainda não é o imóvel que me interessa. Esse tem um tamanho bom, está em uma rua bastante tranquila, mas não tem vaga de garagem, não tem qualquer mobília, nem mesmo móveis embutidos.
─ Como você disse que não gosta de dirigir, eu imaginei que esse seria o ideal. Sobre estar mobiliado, infelizmente não temos nenhum assim, mas temos alguns com móveis embutidos.
─ O carro que a empresa vai me deixar à disposição não vem com motorista, preciso ter onde guardá-lo. Mostre-me um imóvel que além da garagem, tenha armários embutidos.
─ Então vamos ver outro imóvel, não muito longe daqui. Esse tem garagem e tem armários embutidos na cozinha e nos quartos.
─ Certo. Mas para você não perder seu tempo e não gastar saliva me contando histórias, eu prefiro algo do outro lado da linha de trem, que seja próximo da estação e com acesso fácil para a Avenida do Estado.
─ Tenho alguns exatamente assim. Acho que vai gostar.
Retornaram pela Avenida Perimetral, contornaram o Paço Municipal onde Pedro destacou que o paisagismo original havia sido feito pelo famoso Burle Marx.
─ O mesmo que projetou o Eixo Monumental de Brasília?
─ Sim, esse mesmo. E do outro lado, com acesso pela Avenida Portugal, existe uma escultura de Tomie Ohtake. Próximo também está o prédio da agência central dos correios e o marco zero da cidade.
Pedro seguiu então para a vila Curuçá e expôs um pequeno apartamento de quarenta e quatro metros quadrados, mobiliado com armários, com dois dormitórios e uma vaga de garagem.
─ São apenas quatro apartamentos nesse prédio. Não tem zelador nem porteiro e isso reduz o valor da taxa de condomínio. A faxineira vem uma vez a cada quinze dias e limpa as áreas comuns, inclusive a garagem.
─ Agora você acertou. Esse me agradou, tem a localização ideal, um segundo quarto com bancada que posso usar como escritório, tem bons armários instalados. Só vou precisar de uma geladeira, uma cama, um sofá e talvez uma TV.
─ Mais adiante tem um parque arborizado e bastante frequentado pelos moradores desse e de outros bairros da cidade. Se você gosta de acompanhar jogos do campeonato paulista, seguindo por essa mesma avenida você chega ao estádio de futebol do time de Santo André. E esse é um bairro residencial com bons comércios.
─ E