Entre o aqui e o além: brevíssimas considerações acerca da temporalidade divina
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Sobre este e-book
Certamente, essas são perguntas complexas, profundas e, ainda assim, respondidas por diferentes pensadores ao longo do próprio tempo. A vida, inevitavelmente, se faz no tempo. E o tempo se faz na vida. Para além de todas as portas de acesso ao sentido do tempo, cada uma delas nos levará à experiência de tempo tanto pela subjetividade quanto pela abstração matemática.
A partir desse contexto de provocações filosóficas, uma em especial é intrigante. Como Deus está no tempo? E ainda: como a temporalidade divina atravessa a relação do homem para com Deus?
É nesse sentido que este pequeno livro se materializa, isto é, como uma tentativa de capturar algum sentido da temporalidade divina que oriente a experiência com o próprio divino.
Para tal, uma mesa de conversas é proposta entre Hans Reichenbach, Aristóteles, Agostinho, Baruch Espinosa e Nietzche e trechos das sagradas escrituras, não pretendendo esgotar o que mentes tão brilhantes como estas têm a dizer sobre o assunto, mas apenas propor um breve diálogo entre todas as partes.
Portanto, com a mesa posta e as condições reveladas, podemos dizer que este não é um livro exclusivamente para cristãos. Este é um livro escrito por alguém que foi criado com a centelha da pergunta e, assim, programado para investigar.
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Entre o aqui e o além - André Codeço dos Santos
Dedico este livro, meu primeiro livro, ao meu querido e saudoso amigo Dr. Pedro Monteiro. Com sua partida, fiquei um pouco mais ilha
do que já sou, meu caro amigo. Contudo, com este livro, me aproximo outra vez de você pelas memórias e inspirações de suas palavras que fogem da insistência metrificadora do Cronos.
Ainda que em saudade, estamos aqui e além.
Quando o coração sangrou atrás do feroz carrossel, no último suspiro, então, acenei em sua direção. Você me viu, você me ouviu.
(André Codeço, trecho da canção Eu te vi
)
PREFÁCIO
Em dezembro de 2021 eu concluía minha graduação em Teologia. No entanto, minha paixão pela questão do tempo em si é de muito antes. No fim dos anos 80, entrava em cartaz nos cinemas brasileiros o filme De Volta Para o Futuro – Parte III, e ainda lembro, como se fosse hoje, quando meu saudoso pai me levou para assistir ao filme no antigo cinema da praia de Icaraí, em Niterói (RJ). O cinema estava lotado naquele fim de tarde, mas meu pai nos garantiu ótimos lugares. Assisti com olhos fixos na tela, quase não acreditando no que estava vendo e ouvindo (a trilha sonora daquele filme igualmente me arrebatou).
Contudo, essa era a última parte daquela tão famosa trilogia e eu não conseguia esquecer a cena final. Com o DeLorean destruído, o Dr. Emmett Brown e sua família agora se aventuravam num trem que também podia viajar no tempo!
Bom, para mim, não poderia ser o fim das viagens pelo tecido espaço-tempo de Marty McFly e o Dr. Emmett Brown. Por isso, ao chegar em casa, num pequenino quitinete onde moravam minha saudosa avó paterna e minha tia (e onde eu passava uma parte das férias de julho), decidi escrever o roteiro de De Volta Para o Futuro IV. Numa pequena mesa, usando a liberdade poética perseguida por quase todo escritor (crianças escrevem por escrever, pelo prazer de escrever, pelo sentido existente unicamente no ato de escrever, pois ali, e somente ali, realiza-se em concretude o que requer o desejo do escritor), basicamente, eu recriava a máquina do tempo a partir do capacitador de fluxo, uma peça fundamental para a máquina do tempo, que havia sido resgatada por McFly. Assim, pelo menos durante alguns anos, eu poderia crer que ainda veria Marty McFly, Dr. Emmett Brown e o DeLorean numa tela mágica e sedutora de cinema uma vez mais.
Como um banho de água fria, a idade veio como o tempo rindo de mim. E com o riso do tempo, revelou-se sua cruel face: viver o tempo na direção de sua seta crescente tende a matar a inocência. Não haveria mais De Volta Para o Futuro IV. Nem mais aventuras daqueles personagens que me marcaram tanto. No entanto, de mim o tempo não pôde tirar o fascínio pelo próprio tempo. O que é o tempo? Por que não podemos voltar no tempo? Ou ir para o futuro? Se podemos, como? Essas perguntas sempre estiveram na cabeça daquela criança extasiada com a experiência de assistir De Volta Para o Futuro e na cabeça do adulto que, seja por meio da música, da matemática ou da filosofia, ainda tenta respondê-las.
Para além da nossa relação com o tempo, nesse processo de amadurecimento natural passei a me perguntar sobre a relação de Deus (ou um ser criador superior) com o tempo e como nós nos relacionamos com Ele a partir dessa questão. É quase instantâneo vir à tona respostas como Deus está para além do tempo
, O tempo está em Deus
, Deus é eterno
, ou até mesmo a mais famosa das citações bíblicas a respeito dessa questão: Um dia para Deus é como mil anos e mil anos são como um dia
. Mas o que essas verdades (?) querem dizer? Como elas tocam nossa vida de modo prático a partir de um esforço filosófico?
Essas questões, na verdade, já pautaram substancialmente o pensamento de importantes filósofos como Aristóteles, Agostinho, Espinosa, Nietzche, entre tantos outros. Contudo, um salto ainda maior seria propor o diálogo entre tais pensadores com os escritos bíblicos a respeito da temporalidade divina. Esse esforço levanta, imediatamente, outra questão: Será a Bíblia clara e/ou profunda o bastante para lançar um discurso suficientemente coeso, de modo que seja possível construir esses diálogos, a princípio tão improváveis? Para este humilde e simplório escritor, a resposta é Sim
. As possibilidades de diálogo não são apenas possíveis, mas consideravelmente profundas. Dessa maneira, meu esforço no presente livro nada mais é do que exibir um breve ensaio desses encontros improvavelmente prováveis
.
Assim como é inquietante o espírito criativo, é igualmente inquietante o desejo de encontrar sentido existencial na maior parte das pessoas. Para muitas delas, esse desejo vislumbra satisfação na revelação transcendente existente na relação com o divino, sendo o divino individual de cada um. No caso do cristianismo, há uma grande questão aí. De um lado, está uma conduta deveras acadêmica e que se distancia do cotidiano das pessoas e, de outro, um emaranhado de expressões, compreensões e abordagens distintas dos pilares da teologia cristã, que se revela numa variadíssima paleta de práticas da fé cristã.
Por essa linha de vivências simetricamente opostas, passam compreensões do tempo e, muito mais, da temporalidade divina. Quase tudo que é possível dizer sobre o assunto ou é inacessível