Terrenos de marinha e a insegurança jurídica: estudo de caso sobre o loteamento Gênova, Biguaçu, SC
De Alan Maragno
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Terrenos de marinha e a insegurança jurídica - Alan Maragno
1. INTRODUÇÃO
Muito é debatido, atualmente, acerca dos terrenos ou áreas de marinha, dos seus acrescidos, da sua demarcação e, até mesmo, da extinção desse instituto nos mais variados meios, seja acadêmico, jurídico ou político.
Sabendo que esse tipo de bem é de propriedade da União Federal — por imposição expressa do Art. 20, VII, da Constituição Cidadã de 1988 (CRFB/88) — e que sua maior parte se encontra na posse de terceiros particulares, restou deflagrada uma guerra de interesses sobre os direitos relativos aos terrenos de marinha. Por consistirem em bens da União Federal e por estarem localizados perto do mar, a maioria não possui delimitação para se configurar como terreno de marinha ou não, ainda que exista a delimitação da Linha Preamar Média (LPM) em algumas regiões, resultando em conflitos das mais variadas ordens.
Biguaçu, um município do estado de Santa Catarina, com o passar dos anos, teve uma migração extensiva de pessoas para a cidade. Em razão de estar localizada praticamente ao lado da capital, Biguaçu cresceu populacionalmente, dando origem a uma expansão urbana sem que houvesse, no entanto, um planejamento adequado para a ocupação das áreas de marinha.
Nessa vertente, buscou-se retratar a importância dos estudos voltados para tal temática, uma vez que, sendo a pesquisa uma fonte geradora de conhecimento, o presente trabalho objetiva apresentar a problemática que envolve os terrenos de marinha e a insegurança jurídica que dela resulta, especialmente na área objeto do recorte espacial. Dito isso, a proposta desta pesquisa é investigar os problemas jurídicos ocasionados em razão das falhas nos procedimentos administrativos entre as instituições que tratam da publicização da existência ou da interferência de áreas de marinha em imóveis que possuam registro no Cartório de Registro de Imóveis, tendo sido escolhido para ilustrar essa problemática o loteamento Gênova, em Biguaçu, Santa Catarina, Brasil.
O empreendimento objeto do estudo de caso é um loteamento construído na modalidade parcelamento de solo urbano, regulamentado pela Lei 6.766/79, tendo sido licenciado pelos órgãos públicos e registrado no Cartório de Registro de Imóveis local no ano de 2007. Até o registro do loteamento, inexistia qualquer informação, na matrícula do imóvel, que se referisse a uma possível interferência com área de marinha no local, não existindo qualquer óbice para esse registro. A informação de uma suposta interferência do loteamento em área de marinha se deu tão somente no ano de 2008, quando foi embargada parte do empreendimento sob a alegação de este estar sobreposto à área de marinha, mesmo não havendo demarcação geográfica no local, o que resultou em diversos processos judiciais.
A complexidade que envolve os terrenos de marinha e seus impactos na sociedade resulta em reflexos jurídicos que tendem a repercutir também no planejamento territorial. Ressalta-se ser este, portanto, o fio condutor que liga o presente trabalho ao eixo de pesquisa sobre planejamento e desenvolvimento urbano. Considerando-se, ainda, o fato de que esta dissertação possui relação com a formação e a atuação do pesquisador no exercício da advocacia, ao indagar-se sobre os terrenos de marinha, tal como por ter tido conhecimento da existência de impasses jurídicos que envolvem parte do terreno ocupado pelo loteamento Gênova em uma área de marinha, sucedeu-se a submissão do projeto ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental da UDESC. Isso porque, havendo um impasse entre direito e espacialização geográfica de domínio/posse, há conflitos que geram insegurança jurídica.
A literatura levantada sobre o assunto pouco faz referência ao planejamento territorial, concentrando-se apenas em questões jurídicas, razão que valida a importância da realização deste tipo de pesquisa no tema. Sendo assim, para o presente estudo, dois eixos temáticos serão objetos de discussão, quais sejam: (a) os parâmetros elencados pela legislação a fim de dimensionar os terrenos de marinha; e (b) a literatura já produzida sobre a historicidade da propriedade, bem como sobre os terrenos de marinha e a insegurança jurídica acerca da temática.
Dadas as discussões, tem-se as seguintes questões que esta pesquisa visa investigar: (1) Analisar a legislação ou a orientação da SPU que trate dos terrenos de marinha; (2) Examinar os procedimentos administrativos relacionados ao uso da área de estudo; (3) Verificar os reflexos que a insegurança jurídica gera para o planejamento urbano local.
Posto isso, o presente trabalho, Terrenos de Marinha e a Insegurança Jurídica: um estudo de caso sobre o loteamento Gênova, em Biguaçu, SC, aborda, no Capítulo 1, a introdução; no Capítulo 2, a análise do espaço e seus temas correlatos; no Capítulo 3, a metodologia aplicada; no Capítulo 4, os terrenos de marinha e a insegurança jurídica; e, por fim, no Capítulo 5, as conclusões.
1.1. JUSTIFICATIVA
A problemática que envolve os terrenos de marinha no Brasil é antiga. Em vista disso, a realização da presente pesquisa perfaz sua importância buscando apresentar os problemas jurídicos ocasionados pela falha nos procedimentos administrativos entre as instituições que tratam dos terrenos de marinha e a publicidade nos registros públicos, sendo utilizado como estudo de caso o loteamento Gênova, em Biguaçu. Há, também, a necessidade de verificar possíveis omissões por parte da administração pública, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e dos próprios particulares no que tange à não comunicação da existência de áreas de marinha sob imóveis que já possuem registro no Cartório de Registro de Imóveis, lacuna essa que gera a insegurança jurídica.
Outro ponto que justifica este estudo são os problemas de subutilização da área objeto de pesquisa como depósito de lixo em face do abandono do terreno em razão da discussão sobre a existência ou não da área de marinha naquele local. Esse ponto traz efeitos negativos, inclusive, para o planejamento e desenvolvimento urbano local, pois, diante do impasse, não se dá uma destinação adequada para a área. Na perspectiva social, a falta de ação do poder público resulta na ineficácia da função social da cidade, da propriedade, da utilização sustentável do solo e da necessidade de efetivação de políticas públicas voltadas para o planejamento e desenvolvimento territorial urbano a fim de assegurar uma cidade melhor para todos.
Além dos problemas relativos à perspectiva social, o impasse envolvendo as áreas de marinha no local faz com que as próprias esferas públicas sejam prejudicadas, afinal a falta de regularização desse tipo