Junin Do Barreiras Também Pensa E Fala
De Luiz Reis
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Junin Do Barreiras Também Pensa E Fala - Luiz Reis
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capa
JUNIN DO BARREIRAS TAMBÉM
PENSA E FALA
A Descoberta de Sua História Através de Um Livro Luiz Reis
1
Sumário
capa
Tá, vamos lá. ................................................................. 5
Olha: tô gravando de novo .............................................. 7
O segundo áudio eu nem quis ouvir ................................ 10
Raiva desse celular travando ......................................... 13
Quem sou eu?............................................................. 15
Vamos voltar pra onde paramos? ................................... 22
Ontem fui dormir chorando ........................................... 29
Quer saber de uma coisa? Nem fale comigo. .................... 32
Peraí, outro áudio ........................................................ 34
Prazer, Eu. .................................................................. 38
Acabou o milho acabou o fubá....................................... 42
Vou te descrever nos detalhes o que aconteceu: ............... 45
Sobre Bom Jesus.......................................................... 51
Sobre as minhas ideias ................................................. 56
Hoje foi um dia bom de trabalho .................................... 67
Pausa no assunto dramáti co: ......................................... 74
2
Trabalho continuo de copiar o que falei ........................... 80
Por onde anda a minha m ãe? ........................................ 85
Continuando ............................................................... 94
Isso aqui tá gravando? A tela não acende. Ah, assim! ...... 101
Êh carai que é am anhã! .............................................. 105
Preparando as coisas aqui ........................................... 108
Tô sozinho na casinha de Sheyla................................... 110
Continuando... .......................................................... 117
Projeto encontrar a minha m ãe.................................... 121
Hoje é meu anive rsário ............................................... 127
Ainda tô me tremendo todo ........................................ 130
Como as coisas se seguem .......................................... 134
Conhecendo a minha mãe ........................................... 143
Preparativos pra Viagem ............................................. 153
Como seguiu-se a viagem e se desenrolou essa história ... 156
3
À minha mãe
Não sabia que era seu
até terminar de escrever
4
Tá, vamos lá.
Sábado, 20 de maio de 2023.
Take um. É isso mesmo que eu deveria falar? Sei lá. Tô gravando em um celular velho, em um grupo de WhatsApp que só tem uma pessoa: eu.
Vamos lá. Não sei nada do que eu tô fazendo aqui. Só sei que preciso falar com alguém. Falo aqui comigo mesmo, talvez eu seja alguém. Estranho fala consigo mesmo. Esquizofrênico? Não! Estou gravando em um celular e não conversando com a minha própria voz.
Me chamo Pedro. Detesto esse nome: Pedro Alberto Oliveira Jr.
Todo mundo me chama de Junin. Detesto ser chamado de Junin. Eu nunca me chamei de nada!
Me chamam porque querem alguma coisa de mim, que eu faça alguma coisa pra elas. Nunca pra uma boa. Detesto esse nome porque ele não é meu, é do meu pai.
Que pai...
Me chamam Junin porque eu Nasci da aventura de um violeiro malandreado que passou por aqui uma vez engravidou a minha mãe. Por tolice, esperança ou amor o meu nome acabou por seguir o dele. Junin.
Detesto esse nome, com certeza. Queria pensar em outro nome melhor ou pelo menos diferente desse, não consigo. Não sei porque me importo tanto com isso. O que mais tem nesse mundo é Pedro. Pedro Junior também deve 5
ter um monte e isso realmente não deveria fazer a menor diferença, mas faz. Finjo não saber o porquê. Eu sei. Culpa daquele lá.
O violeiro Pedro Alberto Oliveira, vulgo Pedrinho Sete Cordas Esteve por aqui há algum tempo pra festa da cidade: EXPOSIÇÃO AGROPECUÁRIA DE BOM JESUS. Ficou uma semana trabalhando na festa e tocou O Rei dos Canoeiros de Tião Carreiro uma noite em cima de um caminhão. Conheceu a minha mãe, só até onde o interessava, no dia seguinte subiu no mesmo caminhão que havia cantado e encantado a minha mãe e foi embora. Claro, não antes prometer voltar pra busca-la e levar pra sua fazenda e casar com ela. Nunca voltou. Nem mesmo sei se procurou a minha mãe, se disse a verdade ou se o seu nome era mesmo Pedro. Não sei se teve conhecimento do estado em que deixou a minha mãe ou se mesmo lembrou o nome dela enquanto o caminhão levantava poeira pela estrada de terra. Posso até mesmo ter um irmão em cada parada, em cada canto, nem sei.
6
Olha: tô gravando de novo
Mesmo dia
Anoiteceu e fiz um monte de coisa depois que gravei o primeiro áudio. Ouvi o que gravei e fiquei com um pouco de vergonha de mim mesmo. Não estou acostumado a ouvir a minha própria voz gravada e, não sei se é o áudio que ficou ruim ou se a minha voz é uma merda mesmo. Voz esganiçada, meio tremida e muito fina pra um cara grande e metido a forte como eu. Forte eu nunca fui de verdade, mas gosto de pensar que sou, tento levantar coisas que quase não aguento, aceito trabalhos que quase não suporto concluir. Já ouvi alguém ou algumas pessoas me chamarem de forte, mas muitas vezes elogios nos fazem trabalhar bem mais do que queríamos e muito além do quanto estamos sendo pagos, sei disso, mas quase sempre caio na armadilha da vaidade.
Trabalho ultimamente de biscateiro, faz tudo, ajudante de tudo, de qualquer coisa. Se precisam de alguém para carregar caixas, sacos, baldes, tijolos e blocos: é o Junin que eles procuram. Cavar buraco, carregar areia, fazer uma cerca, cortar uma arvore? Junin. Levantar um muro, castrar uma ninhada de porco piau, ajeitar um telhado cheio de goteira? Junin de novo.
Vender vassoura, colher laranja, engarrafar cachaça? Até isso eu já andei fazendo. Há um bom tempo todo mundo que me chama pode ter certeza que é pra trabalhar em algo que eu não quero fazer, mas faço. O dono do 7
trabalho também não quer fazer, mas me procura na certeza de que vou.
Ao bem da verdade, eu quase nunca sei fazer muito bem o que me pedem, se não for um serviço maquinal como carregar ou cavar, descubro como se faz no exato momento em que faço. Se faço uma bica d’agua, talvez vase um pouquinho em algum lugar, se faço um muro, talvez faça também uma curva e a cada leitão que capo, faço um sinal da cruz só por garantia. Nunca sonhei com esse oficio de qualquer coisa, de biscateiro. Na minha vida, tudo que planejei ou sonhei não deu em grande coisa, pior: deu em nada.
Prejuízo só de tempo. Se tempo é dinheiro, talvez tenha perdido isso daí também. Nunca tive dinheiro. Nasci pobre e acho que assim mesmo eu irei embora.
Uma coisa aprendi: trabalho não dá dinheiro.
Já fui leiteiro: trabalhei numa vacaria tirando leite; tratando bezerro; cortando capim; misturando água no leite, ensacando e entregando no comercio. Desse trabalho eu gostava. Acordava cedo, ganhava quase nada e trabalhava muito, mas também comia muito queijo, bebia leite pra matar a sede e até o cheiro de estrume quente me agradava muito. Aqui eu devia ter uns dezesseis anos. Era um sitio grande, com pomar, roça de milho, feijão, mandioca, muitas vacas, três casas, curral grande, galpão e trator. Eu não conseguia entender por que não o chamavam de fazenda. Humildade da Dona. Era o sitio de D. Tereza, senhorinha já de idade, um doce de pessoinha, aliás adorava fazer doce, bolo, queijo e dar pra gente de manhã 8
com um baita garrafão de café quente. Pensando bem, ela já devia ter uns setenta anos naquela época ou menos, o sol castiga muito o corpo de quem trabalha da terra. Chamava-se D. Tereza, mas no fundo o que aquecia o coração dela era ser chamada de Menina do Leite. Assim ela sempre foi tratada até começar a aparecer as pregas da idade no rosto. Os mais antigos, da idade dela ainda à chamavam de menina do leite. Às vezes, quase sem querer ela mesma se tratava na terceira pessoa dessa mesma forma. Pensando bem agora, que eu também envelheço, deve ser muito bom ser menino pra sempre, ser tratado com carinho e de um, jeito que te deixe aquecido por dentro. Hoje queria saber mais sobre a vida de Menina do Leite, mas naquela época eu fugia de qualquer conversa longa com qualquer pessoa de idade, queria mesmo era correr atras de bezerro, arrumar desculpa pra por sela no cavalo, arreio de carroça e me mandar pra cidade em busca de qualquer coisa que mostrasse o que eu achava que era o mundo. D. Tereza queria contar a sua história e eu não estava atento para ouvir. Agora, estou aqui desesperado para contar a minha. Feito um tonto com um telefone na mão apitando avisando que também está sem tempo pra me ouvir: a bateria acabou.
9
O segundo áudio eu nem quis ouvir Domingo, 21 de maio de 2023.
Fui dormir muito tarde ontem, não estou acostumado com isso.
Sempre trabalho muito. Sempre um troço brabo pra fazer. Chego em casa: sujo; fedendo; cansado e com fome. A fome sempre vence. Como qualquer coisa que encontro pela frente antes de entrar no banheiro. É no banheiro que sinto o peso das cangalhas saírem de cima do meu corpo. Estou quase sempre coberto de lama, terra, poeira ou cimento. Meu trabalho quase sempre é duro. Trabalho de botas, calças compridas, camisa de manga e chapéu. Não importa o calor que esteja fazendo. E olha, aqui faz calor.
Muito. Passei o dia de ontem carregando toras de eucalipto pra cima de um caminhão pra construir um barracão. O trabalho é ruim? É, mas tô aqui torcendo pra me chamarem pra trabalhar na construção também. O meu telefone só toca pra me chamar pra essas brabas, nunca serviu pra outra coisa. Agora ele é também meu ouvinte. Tô a dois dias contando besteiras pra ele, coisas que ninguém mais quer ouvir. No fundo acho que ninguém quer ouvir a história de ninguém. Estamos todos muito preocupados com a nossa própria biografia. Não estamos escrevendo nada, não criamos nenhum roteiro especial. Não pensamos em reviravoltas mirabolantes e muito menos estamos nos preocupando em como será o final. O final a deus pertence e então ele que se preocupe com isso. Vivemos as nossas vidas 10
em uma eterna ciranda de repetições monótonas e automatizadas: acordar escovar os dentes, comer, trabalhar, comer de novo, ir ao banheiro, trabalhar e comer, voltar pra casa e encontrar mais um monte de trabalho à realizar, comer e dormir. No outro dia tudo se repete. Com sorte algo inusitado acontece e talvez seja o ponto alto do dia. Quem sabe conhecer alguém, ouvir uma fofoca, comer uma coisinha gostosa, sentir uma brisa fria no pescoço enquanto trabalha no sol quente. Trabalhamos motivados pelo desejo de qualquer coisa, menos trabalhar. O coitado do cavalo na carroça não ganha um centavo pelo seu trabalho. Dinheiro pra ele não serve e nem serviria. Acho que ninguém pagou o trabalho do cavalo com dinheiro só pela curiosidade de saber o que ele iria fazer com aquele punhado de papel e cobre. O cavalo não sonha com o que fará com o salário. O sonho do cavalo é se livrar dos arreios e do peso da carroça. A vida do trabalhador