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Política: Mundividências e Repercussões - Projeto de Constituição no Direito Público Romano
Política: Mundividências e Repercussões - Projeto de Constituição no Direito Público Romano
Política: Mundividências e Repercussões - Projeto de Constituição no Direito Público Romano
E-book510 páginas7 horas

Política: Mundividências e Repercussões - Projeto de Constituição no Direito Público Romano

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Sobre este e-book

Sem qualquer vinculação partidária, o autor intenta contribuir para o debate sobre o aprimoramento e regeneração da política brasileira. Para tanto formula princípios a serem desenvolvidos nos capítulos do livro, a partir de uma mundividência. Elabora crítica a aspectos tradicionais: liberdade, igualdade, declaração de direitos, religião, democracia, república, ditadura, liberalismo, capitalismo municipalismo, presidencialismo, parlamentarismo, monarquia, educação, Universidade e a função jurisdicional do Estado. Discute a representação política, cuidando de algumas possibilidades para a sua modificação de maneira a concretizar o governo do povo e evoluir do Estado de Direito para o Estado de Justiça. Propõe a criação do tribunato (defensoria do povo). Nessa direção alinha projeto de Constituição romanista com notas de direito público romano, fruto de suas aulas na UnB. Realça a democracia social visando o desenvolvimento social, político e econômico, sem prejuízo de alguns legados do liberalismo. Afasta-se assim da social-democracia, superada pelo abandono do sonho revolucionário leninista. Acrescenta à democracia social o humanismo cristão próprio do Ocidente Cultural: o logos grego, a ideia judaico-cristã de pessoa e o direito como solução de conflitos e manutenção da paz.
IdiomaPortuguês
EditoraBookba
Data de lançamento1 de ago. de 2023
ISBN9786585384087
Política: Mundividências e Repercussões - Projeto de Constituição no Direito Público Romano

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    Pré-visualização do livro

    Política - Ronaldo Poletti

    Índice

    CAPÍTULO I

    CAPÍTULO II

    CAPITULO III

    CAPÍTULO IV

    CAPÍTULO V

    CAPÍTULO VI

    CAPÍTULO VII

    CAPÍTULO VIII

    CAPÍTULO IX

    CAPÍTULO X

    CAPÍTULO XI

    CAPÍTULO XII

    CAPÍTULO XIII

    NOTAS

    BIBLIOGRAFIA

    APÊNDICE

    CAPÍTULO I

    INTRODUÇÃO E PRINCÍPIOS

    A AÇÃO. DOUTRINA E NÃO IDEOLOGIA. MUNDIVIDÊNCIA NECESSÁRIA.

    Q

    ualquer preocupação política implica agir. Para a ação é preciso estabelecer princípios. Toda ação social acarreta uma doutrina. Impossível separar a teoria da prática. Os jovens hão de sonhar e realizar seus sonhos, sob pena de terem nascido velhos ou inúteis.

    Não se trata de formular uma ideologia, a qual é sempre dogmática, mas estabelecer uma base para pensar e agir.

    Proposta de pluralismo em relação às forças sociais não deve ser acoimada de ideológica.

    Uma ideologia dogmática é própria dos totalitarismos, diferente, portanto, da formulação doutrinária para a ação. Certo que essa colocação é discutível. O termo ideologia nasceu na Revolução Francesa, mas pode ser identificado como base filosófica de quaisquer posições políticas. A expressão assume sentido pejorativo se entendida como reação por quem se sente prejudicado por uma situação social e propõe, na direção contrária do quadro vigente, a revolução para transformar o mundo de forma completa e integral, intentando por isso expandir-se como sistema predominante de ideias.

    Épossível traçar uma relação entre ideologia e poder, semelhanteàque se faz entre Direito e ideologia. O Direito, porém, nãopode ser ideológico, sob pena de ceticismo condenável apropósito de seu conceito universal. Se o Direito fosse expressãodo poder de uma classe dominante ou reflexo das relações de produção, a sua mutabilidade tornaria inviável a sua ideia, a de ser uma unidade na diversidade, algo comum a todos os tempos e a todos os lugares.

    De igual maneira, não é razoável atrelarmos o poder à ideologia, sob pena de caminharmos para a autocracia e para o totalitarismo, embora o poder esteja sempre vinculado ao Direito. Na verdade, é comum as revoluções se autoproclamarem fonte primária da Constituição e das leis: não se diz que a revolução foi, mas que é, e ela assume o poder constituinte, o qual se afirma como poder de exceção à ordem em vigor. Carl Schmitt sintetizou: constituinte é o poder de exceção de dizer qual é a Constituição. Essa relação (poder e Direito) revela-se, mesmo nas chamadas democracias, nas lides judiciais e nas decisões econômicas pela força do governo e dos grupos financeiros (bancos, indústria, comércio, agronegócio). Na prestação jurisdicional do Estado, chega-se a formular a teoria do Law and Economics para impor a necessidade de considerar as consequências econômicas das decisões, como a repercussão orçamentária; a eventual crise no sistema das instituições financeiras; ao prejuízo de setores industriais; a queda da receita. Somos obrigados a admitir que o ordenamento jurídico reflete a conveniência dos poderosos, tanto nos regimes liberais como no totalitarismo. Trata-se de carregar nas tintas ou aliviar o peso das cores. É possível que no liberalismo haja mecanismos a atenuar o poder econômico. No entanto, evidencia-se tanto na elaboração das leis, como na sua aplicação pelos juízes ou pelos governantes, a mão das organizações geradas pelo dinheiro, desta feita não a mão invisível de Adam Smith. Sob o ângulo ideológico exagerado do nacional socialismo alemão, o poder também define todas as questões. Havia no nazismo, além do tribunal do povo, a avaliação psicológica dos juízes, de maneira a garantir que eles aplicariam as leis do regime. As omissões legislativas deveriam ser supridas pelo programa do partido ou pela orientação dos líderes do movimento partidário e, se necessário, pela analogia com a possível decisão do Führer se ele fosse o juiz da causa. Nada de suprir a omissão da lei pela analogia, pelos costumes do foro e, muito menos, pelos princípios gerais do Direito. Os nazistas não eram afeitos a tais caminhos da dogmática jurídica.

    O mecanismo totalitário, guardadas as devidas diferenças é semelhante às propostas derivadas do economicismo presente no Law and Economics, na subordinação do Direito à ideologia capitalista.

    O conceito de Direito é difícil, porque tanto o Direito Natural como o Direito Positivo mudam conforme as épocas em que o último se concretiza ou o primeiro é concebido.

    O Direito Natural varia conforme seja a nossa visão da natureza e inserção nela de normas de comportamento e da consequência de sua violação. Parece claro nos Diálogos de Platão que os sofistas ironizavam o Direito Natural, onde triunfariam o mais forte e o mais esperto, até mesmo a fraude e atos recrimináveis, desde que não descobertos. Já em Sócrates e em Sófocles (no famoso diálogo entre Antígona e Creonte), o Direito Natural provém da divindade. Em seguida, o estoicismo formula a ideia do Direito Natural, que culminará no racionalismo humano de Santo Tomás e na Razão universal da modernidade

    Ocorre que, além de elementos necessários das categorias jurídicas, há uma permanência na busca incessante da justiça e em dar a cada um o seu ius.  Não devemos, por isso, afastar os princípios gerais do Direito, construídos pelo homem na história, por intermédio da doutrina dos juristas e da experiência política.

    Admitir a visão ideológica do Direito geraria posição cética e postura totalitária a depender da hegemonia revolucionária, como, por exemplo, na proposta da ditadura do proletariado, onde o Direito seria posto pelo poder eventual, tal como ocorreria no capitalismo, no qual haveria a ditadura da burguesia. Tal circunstância impediria um conceito universal do Direito.

    No entanto, a questão da ideologia oferece outra face para reflexão, agora do prisma político.

    A ideologia pode ser cega, um mal, quando instrumento de domínio das consciências, sem possibilidade de crítica.

    No entanto, no plano da ação é de todo conveniente formalizar a adesão a valores e princípios, vale dizer, a uma doutrina sem a pretensão de conquistar as consciências, mas dotá-las de um senso crítico. Tal formalização não se reveste de qualquer significado ideológico, uma vez que se insere no pluralismo e na defesa dos direitos individuais e sociais conquistados. A colocação doutrinária não significa a exclusão de outras posições, porém que o diálogo democrático ocorra sob o pálio de ideias formuladas pelos grupos, sem que haja ou se proponha a hegemonia de um deles ou de única explicitação de princípios.

    Érazoável fazer críticasàideologia. Trata-se de uma reação conservadora ao ataque devastador da esquerda. O problema consiste em como enfrentar a onda de certa origem marxista-leninista, sempre massificada, uniforme, adestrada como os ursos de um circo, bloco sem liberdade, centralismo doutrinário, acrítico, cego aos princípioséticos, mas fiel ao valor dos fins com meios abomináveis.

    Daí a necessidade de ‘formular doutrina lastreada em princípios, porém não dogmáticos, como instrumento para enfrentar ideólogos e seus marionetes, bonecos a repetir, no colo do ventríloquo, os jargões monótonos da ideologia vulgarizada, concepções fundadas em vulgatas filosóficas.

    As concepções políticas dependem da filosofia de vida adotada.

    A divisão de águas está na cosmovisão ou mundividência.

    HERÁCLITO E DUAS HISTÓRIAS

    Há duas histórias referidas a Heráclito, em Éfeso, século VI a. C. (lembradas por Heidegger), das quais é possível retirar ensinamentos.¹ Na primeira, estranhos teriam ido à casa do filósofo e o encontraram junto ao forno, aquecendo-se. Ficaram impressionados como ele estava em situação tão corriqueira e que, ainda mais, os encorajava a entrar, pronunciando as seguintes palavras: Mesmo aqui, os deuses também estão presentes.

    Na segunda história, Heráclito dirigiu-se ao templo de Ártemis para jogar dados com as crianças. Quando cercado por efésios, exclamou: Seus infames, o que estão olhando aqui espantados? Não é melhor fazer o que estou fazendo do que cuidar da Pólis junto com vocês?

    Eis as razões para cuidar da Política.

    A inserção de todos no mistério do mundo leva à consideração da presença de Deus, de maneira que a ação na política não pode olvidar a realidade da religião, como base para as posturas no convívio social.

    Há necessidade de participar da vida comunitária, apesar dos políticos, os quais nos levam a preferir jogar dados com as crianças a cuidar da Pólis.

    Enquanto os assuntos da cidade forem conduzidos pelos outros e não por nós, o risco do governo dos piores deve estimular-nos à participação.

    NECESSIDADE DOUTRINÁRIA

    A formulação de doutrina política visa a reatar os laços éticos entre os membros do povo. É a maneira de desencadear, no plano das ideias, processo para regenerar a política.

    As crises não dão sinais de solução, salvo se houver a incidência de ideias das quais nasça o caminho a seguir. Um ponto relevante está em impedir a divisão entre os integrantes da comunidade nacional; em repelir a propaganda dialética e diabólica na tentativa de opor pobres e ricos, negros e brancos, nordestinos e sulistas, patrões e operários, alunos e professores, mulheres e homens, homossexuais e heterossexuais, progressistas e reacionários (os conservadores). Trata-se de impedir a hipocrisia presente no maniqueísmo e no relativismo.

    Impõe-se superar o desconhecimento do caminho a seguir: ignoranti quem portum petat nullus suus ventus est.

    Para formular a doutrina é preciso estabelecer princípios e a partir deles trabalhar com as ideias.

    PRINCÍPIOS

    Princípio é aquilo de que algo, de qualquer maneira, procede ou resulta; aquilo de que decorrem as outras coisas ou lhes serve de norma diretriz.  Nesse sentido, há os princípios do pensamento e os princípios para ação.

    Os princípios podem ser classificados de acordo com a maneira pela qual uma coisa procede de outra.  Podem ser simples começos, quando se referem a tempo (o princípio da semana na segunda-feira); a espaço ou extensão (o fim do caminho de casa); a movimento (o início de uma viagem); a pensamento (o início de um raciocínio).  Podem ser ônticos: os de que dependem e resultam a essência e a existência dos seres.  E podem ser também as leis, os princípios em virtude dos quais se realiza a ordem.

    Os princípios ônticos são as causas.

    A palavra princípio, do latim principium, principii, significa primeiro, principal, o mais considerável. O ser é princípio de existência.  É também princípio de atividade.  Tudo se acha em movimento. Tudo se transforma. O ser é sempre ser em movimento. Todo ser é potência de outro. A semente é potência de árvore. A criança é potência de adulto. O homem é potência de um mistério. Mas o que é potência de alguma coisa é em si um ato. O que é potência de árvore é semente em ato. O fogo em ato faz com que o ferro frio se transforme em ferro quente.

    As causas são os seres em ato, graças aos quais todas as mudanças se verificam e em razão dos quais tudo acontece.  O princípio da causalidade diz isso mesmo: nada acontece sem causa. A causa é o próprio ser enquanto princípio de outro ser. Nada é causa de si. Todo ser é causa de outro ser. Causa é o princípio em virtude do qual um ser, realmente distinto desse mesmo princípio, é o que é. Causa não produz, somente, determinados efeitos, mas neles se prolonga; é o que comunica o ser a outra coisa.

    Dividem-se as causas segundo as três maneiras pelas quais um ser é causa de outro.

    A causa entra na constituição do outro ser; ou é o seu produtor ou é o seu fim.

    Como constituição do outro, a causa pode ser a matéria de que o outro é feito ou a forma que determina essa matéria.

    Como produtor do ser, a causa é eficiente; como seu fim, a causa é final; como constituição do outro ser, a causa é material ou formal.

    Há, assim, quatro espécies de causa.  Duas extrínsecas ao ser – a causa eficiente e a causa final; e duas intrínsecas ao ser – a causa material e a causa formal.

    Relevantes são os princípios, como causas, como valores, do ponto de vista da Lógica e da Axiologia.

    Quando falamos, por exemplo, em princípios gerais do direito, podemos ter uma visão positivista e pinçá-los do ordenamento ou porque estão nele expressos ou dele deduzidos porque implícitos. Há, todavia, uma visão do princípio pelo direito natural, como algo imutável e apto a ser cotejado com o direito positivo e, também, a formulação de princípios pela dogmática, longamente maturados pela experiência do direito e pelo exercício dos juristas.

    De maneira semelhante, os princípios doutrinários da ação política. Como agir? De que forma? Com que meios? Que fazer? Por quê? Com quais finalidades?

    A doutrina política há de partir de determinados princípios (causas formal, eficiente, material e final), os quais devem ser desenvolvidos.

    A propósito do Direito Constitucional, por exemplo, há discussão sobre o Poder Constituinte, que Carl Schmitt define como o poder de exceção de dizer qual é a Constituição, mas poderíamos dizer que o Poder Constituinte é a causa eficiente, a força que faz nascer a Carta Constitucional de um Estado (onde houver Constituição escrita, que seria a causa formal). A causa eficiente pode ser o povo, a assembleia dos representantes, o rei, o ditador, o exército, o partido hegemônico etc. A causa material aparece no conteúdo da Lei Maior ou no conjunto de leis, costumes, instituições, sem que haja necessariamente um código escrito. Mais importante de todas as causas é a causa final. Para que fins existe uma Constituição?

    CRISE

    A palavra crise tem o mesmo étimo que conhecimento, crítica. Quem está em crise é porquenãoconhece a si próprio e nãosabe para onde ir. O povo, nãoa massa na rua, precisa organizar-se e tomar consciência de si mesmo. Um Paísdesorientado nãosabe para onde ir. Isso decorreda ausência de compreensãosobre si próprio. O povo precisa tomar consciência de seu destino, aliásindissociável da parte do mundo em que se situa. Assim serápossível ao Paísencontrar a sua identidade, em termos culturais e políticos, sua maneira de ser.

    No momento de grandes transformações políticas, são lembrados os cinco legados do Ocidente Cultural: o logos, a ideia de pessoa, o Direito Romano, o liberalismo e a igualdade buscada pelo socialismo. A ideia de pessoa, fruto da cultura hebraico-cristã, de cunho eminentemente religioso, é um dos legados do Ocidente, e um dos valores fundamentais na construção da democracia. A adoção da pessoa como princípio torna inafastável o respeito à sua dignidade e aos direitos humanos.

    O logos - palavra - verbo - razão que afasta a irracionalidade, a perversão da droga e a inconsciência dos valores da história. O Direito pré-ordena os conflitos e mantém a paz.

    O liberalismo é criador da ordem constitucional, das declarações de direitos e da preservação da liberdade.

    A igualdade perante a lei, que a todos deve contemplar, possibilitando, ainda, que os bens materiais, espirituais e culturais sejam acessíveis a todos.

    A recuperação de valores históricos envolve aspectos positivos da trajetória do povo: o patriotismo e a unidade nacional; a plurietnia e a miscigenação racial; a conservação do espírito liberal; a tolerância; a religiosidade; a consideração com a dignidade da pessoa e o respeito à vida; a repulsa ao preconceito; a busca da igualdade possível; o culto aos heróis; a identidade cultural; a busca do Estado de justiça. O valor democrático reside no aprimoramento da representação política e no fim das influências oligárquicas e da hegemonia eleitoral do dinheiro.

    Em uma sociedade civil, é preciso haver laços éticos no povo e a presença de valores históricos; além da economia aberta e de responsabilidade governamental. Tudo para realizar a revolução social despegada do populismo demagógico.

    QUE FAZER?

    Que fazer? As reformas. E depois? A insurreição é difícil porque não há força paramilitar capaz da vitória. O caminho é longo e começa com um movimento nacional de forte conteúdo doutrinário e programático para regenerar a política e banir a classe política (que não deveria existir em uma democracia). Ostracismo para todos, sem distinção, ainda que os justos paguem pelos pecadores.

    TEORIA E AÇÃO

    Por que não teoria e ação? O País em chamas tanto materiais como espirituais! Há tempo para tudo. Pensar no dia seguinte. Daí a tentativa de síntese: liberalismo e democracia sociais acrescidos dos valores do humanismo cristão. Fique claro que se afastam todos os materialismos e relativismos. Nenhuma concessão ao marxismo, ao leninismo, ao gramscismo e ao populismo.

    Afastado o marxismo para o estudo do Brasil, sequer para explicar o capitalismo, aliás aqui inexistente, resta examinar com objetividade a tragédia do nosso povo. Há um povo brasileiro, síntese de todas as raças? A raça cósmica prevista por José Vasconcelos? Todos associados em torno de interesses comuns e de um consenso sobre o direito? Com a desigualdade exacerbada e dramática entre nós, pode existir um povo? O direito é possível?

    O Brasil existe. Precisamos descobri-lo na sua realidade e dentro de cada um de nós. Há um povo brasileiro. Pátria possível. Patriotismo, não nacionalismo. Sem exclusão das outras pátrias. Sem etnias. Sem patriotadas. Natural. Espontânea. Livre. Democrática. Onde não há lugar para o Estado totalizante. No seu lugar, o povo organizado pelos homens situados em seus círculos naturais de vida.

    A Política, vale dizer, quem a exercita (deveria ser o povo), há de avaliar o nosso destino? Quem dirá algo sobre a mocidade, vítima de tantas circunstâncias negativas: a exclusão econômica, a dissolução da família, a droga, a indisciplina, a devassidão dos costumes, a educação de gênero, a inoculação de ideologias e a partidarização da escola, o deboche materialista e anti-religioso, a promiscuidade sexual, o desprezo pela vida, o patrulhamento acadêmico por ideólogos, a instrumentalização da universidade visando à revolução perdida e que só atrapalha o desenvolvimento, o abandono de nossa história? Que diz a Política sobre a pátria e a fraternidade universal e a respeito do hino e da bandeira que intentam substituir nas passeatas deletérias?

    Temos os partidos políticos apenas com programas midiáticos na televisão e dinheiro público para reeleger parlamentares.

    Aliás, todo o financiamento público para eleições, incluindo o fundo partidário, constitui contradição para o próprio sistema representativo liberal, uma vez que este propõe a possibilidade da substituição dos delegados representantes nas eleições sucessivas. É a forma possível de revogação do mandato de direito público. Se o representante maneja o dinheiro para as eleições e, mais do que isso, propõe emendas orçamentárias para os núcleos populacionais que o elegeu, então a locação do dinheiro público para as eleições nada mais representa do que a garantia de sua reeleição, o que desnatura o sistema na sua pretensão representativa.

    Nenhuma alteração significativa na representação. Nada de novo na estrutura do Estado e menos no sistema de governo (presidencialismo com poderes absurdos condicionados à partilha parlamentar nem sempre digna). O Brasil precisa voltar a falar. Não bastam a imprensa, a rua, a internet, as redes sociais. O povo precisa organizar-se e encontrar os meios de manifestar-se. Necessitamos de uma democracia orgânica.

    POLÍTICA, OBJETO e FINS.

    Antes de formular os princípios políticos para desdobrá-los em doutrina, convém assinalar o objeto e os fins da Política.

    Confundir-se-ia Política com o estudo do Estado, isto é, com a Teoria Geral do Estado? Ou seu objeto consiste no poder em todas as suas formas? Ou, apenas o poder legítimo em razão da dicotomia governantes e governados? Seria a Política o estudo jurídico do Estado?

    De qualquer maneira, quando o poder deixou de ser anônimo e pessoal, presente no totem da sociedade primitiva, para individualizar-se no chefe e, depois, institucionalizar-se, a Política visou à escolha dos governantes e o sistema necessário para isso. Quem deve ser o chefe? Como escolher o governo? Quais os instrumentos do homem para governar-se? As normas jurídicas devem ser impostas ou referendadas pelo povo? Que é o povo?

    A Política, como filosofia ou como ciência prática ou teórica, tem por objetivo alcançar o bem comum: algo que a todos aproveite e a todos aperfeiçoe, como seres humanos vivendo nas suas comunidades naturais.

    Importante escandir, como se fosse um verso, a epígrafe colocada no proêmio deste livro, a título conceitual da política. O texto de Julien Freund (1921-1993), um liberal conservador crítico, que introduziu na França as ideias de Max Weber, procura exaurir aspectos necessários da política, uma atividade social. Ação humana, logo do homem, ser social e político. A política está ligada à ideia de força, no sentido de sua utilização para manter a sociedade organizada com um governo. Essa força necessária como coerção utilizada pelo Estado (dando a esse termo sentido amplo), está condicionada pelo Direito no mundo civilizado. Trata-se da força do Direito e não do direito da força. Não se diga que o Direito se distingue pela força, nem que a norma jurídica caracteriza-se pela coatividade, antes ela é imperativo com atributos próprios. Goffredo Telles Júnior dizia que a norma jurídica é um imperativo atributivo, porque atribui a alguém o direito de exigir o seu cumprimento quando ela for violada. O Direito integra o bem comum, embora o ordenamento jurídico seja o único bem estritamente comum a todos. O problema está em que o Direito se vincula ao poder. Assim a política é mesmo atividade do homem, como ser social, voltada para assegurar pela força, fundada no Direito, a segurança exterior, a qual garante ao grupo, à tribo, à nação ou, no caso mais visível, ao Estado Nacional, sua independência, jurisdição sobre seu território e sua população, ou, ainda, para os saudosistas de tempos idos, a soberania.

    Lógico é que para tanto – a realização efetiva da atividade social em tela – há de haver consenso interior, que é o atributo necessário do Direito. O consenso do povo. Sua adesão à ordem, de maneira a evitar as divergências e lutas, provocadas pelo dissenso vivo nos conflitos decorrentes de opiniões, às vezes ideológicas; de pregações revolucionárias inconvenientes à unidade. No entanto, a pluralidade, a divergência, a diversidade de opiniões são necessárias para evitar-se a uniformidade totalitária ou os exageros autocráticos. Assim, a política visa a garantir a ordem no seio de lutas que emanam da divergência de opiniões e de interesses.

    PRINCÍPIOS POLÍTICOS FORMULADOS.

    Mundividência e o Homem. Visão espiritual do mundo e do homem, concebido como pessoa, pleno de dignidade, sujeito de direitos. Valorização do homem situado na família, no bairro, no trabalho, na cidade, no país, na igreja, no clube, na escola, na oficina de trabalho e no mundo. Rejeição a todos os materialismos e relativismos.

    Liberdade pessoal, condicionada pelo direito e sem prejuízo da coletividade e da liberdade dos outros. Busca da igualdade, não apenas formal em face da lei, mas na fruição de todos os bens naturais e os da produção de que todos participam.

    Família, formada pelo matrimônio do homem e da mulher, fundamento da república.²

    Direitos humanos, a partir do direito à vida, em todas as suas manifestações, desde a concepção, bem como a uma existência digna.

    Liberdade de religião, de crenças, de manifestação de pensamento e de imprensa. Laicidade positiva. Democracia Social e humanismo cristão.

    Estado Democrático de Direito, com o governo das leis e não dos homens, com o objetivo de transformar-se em Estado de Justiça, com a inclusão de todos na participação no processo social, econômico e político.

    Representação lastreada nos partidos políticos autênticos, com programas definidos e claros na execução das políticas públicas. Participação do povo nos partidos e nas decisões dos governantes. Governo do povo, a partir dos municípios. República e sua defesa (Ditadura). Criação de um sistema de defensores do povo (tribunato), como elemento indispensável à república.

    Liberalismo e capitalismo. Defesa da livre iniciativa e do mercado, como meios indispensáveis para a garantia da liberdade e da igualdade, com a ressalva de eventuais fundamentos materialistas, individualistas e economicistas, sem que se desconsiderem os eventuais prejuízos ao problema social das desigualdades sociais.

    Poder Judiciário independente e subordinado à lei interpretada conforme os princípios do Direito, sem possibilidade de julgamentos contrários a ela.

    Educação como direito de todos e dever do Estado.

    POLÍTICAS PÚBLICAS.

    A formulação de princípios visa à formação doutrinária de um movimento para regenerar a política e reatar a união patriótica entre os brasileiros.

    Para tanto, o primeiro passo está na fixação dos princípios doutrinários para, depois, discutir as políticas públicas e os temas programáticos, condicionados pela conjuntura (política comercial, agrária, industrial, financeira, ecológica, infraestrutura, transporte, saneamento, tecnologia e educação).

    CAPÍTULO II

    MUNDIVIDÊNCIA ³

    CONCEPÇÕES CONDICIONANTES

    A

    s nossas concepções políticas e jurídicas, pessoais e existenciais, sociais e religiosas, resultam da filosofia de vida por nós adotada.

    Tudo o que nós pensamos depende de uma visão do mundo, de uma cosmovisão ou mundividência.

    Essa condição evidencia-se no tocante à Política.

    A concepção espiritual do homem acarreta considerá-lo um ser religioso.

    A atitude espiritualista oferece um ideário otimista na medida em que acena com uma salvação derradeira, a qual conforta as agruras da injustiça dos homens e da sua perversidade.

    O que está presente na visão espiritualista do mundo reside na ideia de pessoa, a qual não é de igual maneira aceita pelos materialistas em geral, reunindo ateus, agnósticos, racionalistas radicais, positivistas e partidários do radicalismo laicista.

    MATERIALISMO

    O conhecimento para o materialismo e para o positivismo tem pontos de contato. O objeto para um e para outro é a matéria.⁴ Ludwig Feurbach é o pai do materialismo moderno. ⁵ O materialismo nega a existência de Deus. A matéria é o único princípio. O pensamento, mero acidente da força. O materialismo difere do idealismo, que é o seu contrário, mas que padece de igual premissa ontológica. De um lado, só a matéria existe. De outro, o mundo se resume à ideia de que evolui na vida e na história. O materialismo gerou o marxismo, que tem raízes em Feurbach. O idealismo foi a base do fascismo, que levou à ideia-Estado a todos os desenvolvimentos possíveis. O espiritualismo não é idealista, voltou-se para a realidade humana que se desenvolve no plano das ideias, cogitáveis para a compreensão de si e do mundo, mas assume a parte material da vida e a ambiguidade humana.⁶

    A visão materialista do universo, da vida, da história e do homem conduz a conceitos economicistas, sem qualquer perspectiva acerca do destino humano. O materialismo exclui a religiosidade do homem e da vida. No entanto, é impossível desconsiderar os valores culturais, impregnados de espiritualidade religiosa. O materialismo reduz toda realidade à matéria, que segundo a cosmogonia dos pré-socráticos resultava dos quatro elementos (água, terra, ar, fogo). Daí o atomismo, o epicurismo, o estoicismo, todos com influência até os dias de hoje.

    A concepção materialista tem variado no pensamento filosófico, conforme o significado do que seja a matéria. Em geral, o materialismo nega a existência de Deus, da alma e de todo o mundo espiritual, opondo-se, portanto, a toda espiritualidade e rejeitando a existência original do espírito.

    Duas teorias materialistas foram importantes no século 19, o positivismo cientificista de Augusto Comte e o marxismo. Ambas com influência no século XX.

    MARXISMO

    O marxismo contaminou algumas mentes, indicou a tragédia das gerações frustradas pela não realização revolucionária. Os homens seriam meras sementes de um futuro incerto e mesmo improvável, sem qualquer perspectiva espiritual acerca do destino além da existência terrena.⁷

    Na sociedade socialista pregada por Marx, instrumento para a fase final comunista, os bens de produção ficariam nas mãos do Estado sob o domínio do proletariado, até que resolvida a luta de classes. Então, a fase socialista daria ensejo ao comunismo, espécie de paraíso terrestre, o governo dos homens e das coisas por si sós.

    Não obstante a crítica ao marxismo, dado seu humanismo exagerado, há de considerar-se haver nele elementos que, por vias transversas, exaltam a liberdade do homem na sua relação com a natureza.

    O marxismo oferece uma ideia do homem, senhor de si e da história, plenamente livre, construindo uma sociedade sem opressão ou qualquer domínio, humanizando a natureza e a si próprio. Marx pretendeu transformar o mundo, não pensá-lo. Sua experiência, todavia, redundou em colossal desastre. Representou a mais terrível ilusão, um fracasso na execução do seu programa político. Resultou na tirania fundada na ditadura do proletariado, sem qualquer perspectiva de superação. Ao contrário de afastar o Estado (o mesmo de Hegel, do fascismo, do nazismo e do capitalismo), foi o aprimoramento de seus defeitos. Gerou uma nova classe de burocratas e integrantes do aparelho policial. Tornou inviável a declaração de direitos em conformidade com as conquistas ocidentais. Adotou um planejamento de alto custo, sem a colaboração das forças espontâneas da economia. Foi condição para crimes contra a humanidade. Exportou a teoria e a prática de uma revolução mundial que, além de causar grandes males, não se realizou nem ajudou ao desenvolvimento dos povos. Sua teoria da mais-valia foi superada pela evolução capitalista. No lugar do socialismo, impôs o capitalismo de Estado e a brutalidade do comunismo de guerra ou de caserna. Evidenciou o equívoco de seu fundamento científico, uma vez que a tentativa revolucionária se deu em país agrícola e não como consequência do capitalismo industrial.

    O materialismo dialético é obscuro, porque o seu processo supõe o homem enquanto princípio oposto à matéria para se realizar. Ora, ou o homem é também matéria e não há dialética, ou o homem não se reduz à matéria e a dialética não é materialista. A ética marxista afirma o homem como valor absoluto, contra as opressões, as alienações, porém não reconhece a existência de valores que sustentariam tal afirmação. Uma ética só tem sentido se guiada por valores intertemporais, permanentes e históricos, que valham por si sós, independentemente das circunstâncias. Valores que resultam apenas do processo histórico não bastam para fundamentar uma ética humana. Se o homem não existe como valor, senão ao termo do processo histórico da produção, ele não pode ser salvo. Deveríamos, então, bendizer os que, escravizando o homem, criaram as condições dialéticas necessárias à sua libertação. Se o homem, porém, pode tomar consciência de suas alienações é porque tem consciência e é livre, e as alienações não são o que Marx pretendia que fossem. Se a história é um processo que caminha para a libertação final por intermédio da luta de classes, então é possível concluir que no dia em que o comunismo se realizasse a história terminaria, porque desapareceria a luta de classes, a força motora do processo do materialismo histórico. Se a salvação se verifica apenas no fim da história, qual o destino de todos aqueles que viveram, lutaram e trabalharam para esse triunfo antes da chegada do fim? O paraíso comunista é destinado a alguns privilegiados. O marxismo, pretendendo lutar contra todos os privilégios, é o sistema que, se verdadeiro, garantiria o maior de todos os privilégios: a salvação reservada e dada de presente a alguns que nada fizeram para merecê-la.

    Durante anos a vulgata marxista intentou conquistar as consciências dos jovens nas escolas, nos campos e nas fábricas. Logrou sucesso em parte. Quando o debate se implantou, verificou-se a fragilidade intelectual e cultural da vulgata. Os verdadeiros marxistas, sobretudo os críticos, se afastaram. Sobraram, para a movimentação política, o lumpenproletariat, que não tem consciência de classe, e a societas sceleris de movimentos sociais, que pretendem a revolução e fazem de conta querer as reformas.

    O espectro do stalinismo assumiu o inconsciente dos comunistas e eles passaram a acusar os outros dos crimes que admitiram e sobre os quais, força da disciplina partidária, silenciaram.

    A catástrofe do marxismo decorreu do fim da guerra fria, da queda do muro de Berlim, do desaparecimento da URSS, da internacionalização capitalista da China, da globalização.

    Não obstante o grito dos oprimidos e a sede de justiça dos Evangelhos, os cristãos se desalinharam perante a questão social, porque nem todos admitem a aliança com ateus e agnósticos, não pela ideologia em si, mas em face de algumas posições inaceitáveis pelo Cristianismo.

    Conscientes da nova realidade e de décadas de trabalho perdido, muitos marxistas temperaram suas ideias ou as abandonaram e se deslocaram para a social democracia. Outros tentaram o aparelhamento do Estado e de seu duplo (entidades da administração indireta). Engendraram os movimentos sociais para a revolução pelas massas adestradas da periferia, mas acabaram marginalizados e sem qualquer perspectiva revolucionária. Sem as antigas fontes financeiras, associaram-se ao capital e não previram a corrupção em seus próprios quadros.

    UM PARÊNTESIS PARA A CHINA

    O comunismo chinês tem contornos diferentes dos da antiga União Soviética. A começar pela ideia da revolução mundial, a qual, apesar das divergências entre Stalin e Trotsky, tinha como meta realizar nos diversos países o movimento semelhante ao ocorrido na Rússia, no começo do século 20, chefiado pelo Partido Comunista, com congêneres espalhados por todo o mundo. A China parece ter consciência de sua força na presença mundial, sem necessidade de maior propaganda política ideológica. Mao Tsé Tung (1893-1976), fundador da República Popular da China, a partir do partido criado por ele, apesar dos inúmeros problemas decorrentes de uma população de número inimaginável (um bilhão e quatrocentos milhões de habitantes), deixou conquistas importantes embora alcançadas por violência brutal. A China ficara unificada, fato inédito em muitos séculos. Mao estava próximo de desafiar o plano mundial dos Estados Unidos. No entanto, as reformas eram inevitáveis. Foram conduzidas por Deng Xiaoping que, depois de exilado, voltou ao poder. Ele havia sido humilhado na Revolução Cultural, porém construiu o socialismo com características chinesas. Sua tenacidade e seu bom senso estão descritos por Henry Kissinger ⁸: competência profissional, equilíbrio entre centralização e descentralização, tecnologia moderna (estudantes mandados para o exterior, flexibilidade ideológica, pragmatismo, infraestrutura notável). A China como superpotência é legado de Deng: segunda economia mundial, grandes reservas em moeda estrangeira, cidades com arranha-céus. Deng desmantelou as comunas populares, que prejudicavam a produtividade. Fechou empresas estatais, privatizou as habitações e criou um sistema de bem-estar (pensões e assistência médica). De certa forma, abraçou o capitalismo, enfatizou a necessidade de afrouxar as restrições ideológicas para pensar-se por própria conta. Foram abertos espaços para que empresas estrangeiras fabricassem produtos (mão de obra barata). O mérito deveria substituir o dogmatismo ideológico. A liberalização da economia foi consequência necessária, embora não haja uma democracia pluralista à moda ocidental. A proposta de uma política de abertura econômica para o mundo exterior intentou a democracia socialista que não se confunde com a democracia burguesa e individualista. Deng procurou reformar o partido e, de certa forma, criticou o maoísmo.

    Assim a China, depois de Mao, teve crescimento econômico inigualável, além de participação expressiva no plano mundial, e é exemplo de processo histórico iniciado com elementos do socialismo soviético, porém com ingredientes do capitalismo ocidental.

    O regime chinês é o de partido único. O Partido Comunista chinês é ágil para fugir dos dogmas diante do capital, de maneira a abraçar o avanço do capitalismo sem democracia. A democracia socialista chinesa abrange um sistema de assembleias populares como centro decisório da estrutura do Estado, com consulta à população envolvendo tanto os órgãos estatais como os do Partido. Há procedimentos legais na tomada de decisões e mecanismo de eleição direta na base e liderança central na cúpula partidária. Xi Jinping (líder do sistema) fala em Estado de Direito socialista, democracia à chinesa, desenvolvimento voltado para o povo.⁹ As grandes reuniões do Partido (tem cerca de 90 milhões de associados) são fechadas, como as do Congresso quinquenal, do Comitê Central (200 membros) e do Bureau político (25 integrantes). As decisões são unânimes. A TV pública transmite os discursos de Xi Jinping. Escolas do partido formam líderes para a formação dos quadros dirigentes partidários.

    O Partido tem aberto para pequena participação de mulheres, que tiveram expressivo papel no início da Revolução, mas Xi insiste em que o papel das mulheres na família é muito importante.

    O marxismo chinês consiste em uma mistura do confucionismo, do marxismo alemão, do leninismo soviético e da experiência da guerrilha chinesa. Mao Tsé Tung ficou mais tempo no poder do que qualquer outro governante comunista. Assim, o marxismo chinês nada mais é do que o pensamento daquele líder, que escreveu, aliás, muitos ensaios reveladores daquelas fontes. Muito do marxismo chinês teve como objetivos salvar a China de seus inimigos externos e fortalecer o País e sua modernização. Para tanto, foram utilizadas ideias de variadas origens. O fundamento do marxismo chinês está, sem dúvida, na concepção materialista de Marx sobre a história e sua base na luta de classes, bem como no controle das forças da produção. No entanto, em face da necessidade de acelerar a mudança social antes do florescimento do capitalismo, teve-se em vista mais o voluntarismo do que o materialismo e o determinismo. Assim, com base em Lênin e em Trotsky, as pessoas com visão puderam vislumbrar as fases revolucionárias e acelerá-las na transição dos diversos estágios. Trata-se da revolução permanente. Após a morte de Mao surgiu a valoração da subjetividade e da individualidade como agentes ativos da transformação. Os escritos de Mao, sob o ângulo epistemológico, revelavam a democracia a partir dos líderes da guerrilha que consultavam e ensinavam o povo, de maneira a utilizarem muito do confucionismo. Os futuros dirigentes encarregaram-se das transformações.¹⁰

    Apesar disso tudo, a China revela uma fisionomia muito similar ao fascismo. O aumento da dívida pública é visto como fruto da especulação financeira e as empresas precisam seguir a orientação do Estado. O governo, leia-se o Partido, propõe famílias maiores e restrições ao aborto – o que é louvável – exalta a virilidade e a celebridade

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