Guerra Ao Esquizoafetivo
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Guerra Ao Esquizoafetivo - Kazuo Leonardo Miyaura
ISBN: 978-65-00-41106-5
Meu pai quis criar um filho que fosse um grande homem. Ele usou o que conhecia sobre Hitler, Napoleão e grandes conquistadores da Roma antiga. Isso foi na década de 80. Mas à medida que o tempo foi passando e os EUA foram ganhando a guerra fria, meu pai passou a me ensinar valores norte-americanos.
Era o ano 2000. Eu estava na casa da minha avó em São Paulo quando o carteiro me entregou em mãos uma fita VHS do Poliedro, um curso pré-vestibular de São José dos Campos. Eu pretendia entrar no ITA e depois de assistir à fita decidi encarar o desafio. Eu fui preparado para passar na FUVEST, mas um ano naquele cursinho especializado para o ITA seria muito legal, não apenas pelo aprendizado, mas por estar perto do ITA todos os dias, ter professores do ITA todos os dias, estar bem próximo do seu sonho. E o ITA foi fundado baseando-se no MIT, o Instituto de tecnologia de Massachusetts nos EUA, uma das melhores escolas de engenharia do mundo. Era um pouquinho dos EUA no Brasil.
Eu estava lá no meio da primeira turma do curso, muito empolgado pelo quanto eu estava aprendendo e com a competitividade pelas notas. Mas mesmo com o desempenho bom, perto do fim do ano eu achei que não conseguiria passar. Então decidi rapidamente ir para a USP, estudar lá um ano para abrir a mente e depois retornar ao Poliedro se fosse necessário. No ITA, é possível fazer carreira militar como engenheiro da Força aérea brasileira e era exatamente isso o que eu queria. Tive muita influência de jogos de guerra no computador que para mim eram quase simuladores. Foi também nessa época o ataque às torres gêmeas em Nova York. Um aluno abriu a porta do refeitório e gritou Tão atacando os Estados Unidos!
. Todos foram correndo para a televisão. Vi a torre com muita fumaça e a manchete America under atack
.
Em poucos instantes o segundo avião bateu na segunda torre e ninguém acreditava no que via.
As provas vieram e como previ, não passei. Como também previ, passei na USP e foi com facilidade. Foi no ano de 2002. Na aula magna da Poli vi o professor alertar todos os alunos a respeito de grupos religiosos que andavam abordando as pessoas no campus para evangeliza-las. Eu achei ruim ver aquele alerta. Eu fazia orações todos os dias durante o cursinho pedindo para passar no ITA, mas que fosse feita a vontade dele. Foi orientação do meu pai. Depois, já na USP, senti uma falta de orientações a respeito de uma vida mais adulta e pedi isso para o meu pai. O que ele me disse foi que seguisse a Deus. Obedecendo a ele, quando cruzei com aqueles religiosos no campus, aceitei o convite de conhecer melhor o que eles faziam.
Chamava-se Igreja de Cristo Internacional ou Movimento de Boston.
Era norte-americana e quando conheci um ex-aluno do Poliedro entre eles ficou fácil me encaixar. Era uma igreja radical e por vezes chamada de seita.
Com o tempo, diferenças começaram a surgir e a igreja me expulsou dizendo: Condenamos você ao inferno.
. Eu achei que aquilo não era de Jesus e fui embora.
Nas férias do meio do ano, eu estava estudando para passar no ITA.
Mas também comemorei a aprovação em um curso diferenciado na universidade chamado Ciências Moleculares. Ele era destinado à formação de pesquisadores e tinha, claro, muita ciência, porém o diferencial era a liberdade acadêmica. O aluno poderia estudar o que quisesse depois de concluído o ciclo básico de matérias.
Pouco mais de um mês estudando nesse curso, uma coisa estranha aconteceu. Eu estava escrevendo uma equação na lousa para um amigo ver e de repente tive a sensação de estar sendo observado. Na hora ideias como Os Estados Unidos estão espionando você. Você é bom demais.
começaram a aparecer. Em seguido esses pensamentos simplesmente sumiram.
As aulas continuaram e outra coisas estranha aconteceu. Eu comecei a perder o interesse nas matérias. Meu amigo falava Estuda!
com um tom de aconselhamento. A única coisa que me mantinha ativo era querer passar no ITA como eu havia planejado. Então, vendo que as matérias do Ciências Moleculares estavam ficando avançadas demais para o meu objetivo, deixei o curso justificando simplesmente que queria ingressar no ITA, por causa principalmente da carreira militar. Era tudo verdade, mas eu estava um pouco enfraquecido. Pouco antes de eu ir embora uma turma de alunos da faculdade de psicologia foi ao curso de Ciências Moleculares e em meio à piadinha de cientistas precisarem de aconselhamento psicológico eu peguei o contato com uma delas.
Nessa época eu tinha uma namorada, a Patrícia. Ela não estava gostando nem de militarismo e nem de religião e essas eram as coisas que eu estava perseguindo. Então eu terminei com ela e foi dramático. Mas ela era uma garota muito legal.
No fim do ano descansei e de novo não havia passado no vestibular do ITA. Então me preparei para mais um ano no Poliedro em São José dos Campos, a cidade do ITA.
O curso começou e logo de cara minha colocação foi o 9º lugar de 200
alunos da turma ITA. É uma excelente colocação, mas quando eu a vi no quadro, meu mundo caiu. Eu achei que já tinha feito um ano de Poliedro, depois eu fui para a USP, estudei seis meses de engenharia na Poli, fui para o Ciências Moleculares estudar ciência profissional, volto para o cursinho e fico apenas em nono? Eu tinha que estar no mínimo entre os três primeiros, 4º eu deixaria passar e me esforçaria mais. Mas 9º não foi o bastante para mim.
Comecei a questionar tudo, se eu estava no lugar certo, se eu realmente servia para aquilo e concluí que eu poderia não conseguir ser tão bom quanto eu gostaria de ser. Fui conversar com o Nicolau, o diretor do curso. Impressionou-me a simplicidade com que ele decidia as coisas. Eu falei que queria ser militar. Então ele disse que era ITA ou IME. Aí eu falei que não gostava do Rio de Janeiro. Aí ele respondeu "Então é ITA. Você pode pôr todas
as suas fichas aí.". E com a sabedoria que ele me pareceu ter, eu perguntei sobre religião e falei sobre o que aquela igreja da USP fez comigo. Não lembro o que ele respondeu, mas me lembro de que depois eu o vi num ritual