Avessos
De Nice Luconi
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Avessos - Nice Luconi
Sumário
Capa
Folha de rosto
Escrever para mim
PARTE 1
Ao avesso
Chicletes, ele e eu
Eu e o vento
Feliz Ano Novo em família
A cristaleira
Os próximos anos
E por falar em saudade
O último voo
Promovido a irmão
Aniversariei
Se eu tenho religião?
Quanta alegria que a vida traz
As minhas sobrancelhas
Vida após a morte
Temperança
A graça de ser mãe
De mãos dadas
Dia dos Mortos
PARTE 2
Bic
Deus me defenda
Esperança
Liberdade e dignidade
Mãos para o céu
O mundo de lá
Adeliar
Disciplina-erótica
Escada rolante
Claquete
A louca do mosquito
Noite de boteco
Elogio
Despedida
Como andam os meus talheres?
Alegria
Falta de A - Z
Estou ficando louca
O acaso
Não brigue com o fio
O corpo e o tempo
Ser leve
Perdão
Quieta menina
Rotina
O medo
Trabalhador animado
Velhice ou cansaço?
O que os olhos veem o coração sente
Sabonete líquido em óleo
Perdido no nada
Vai lacear
Vogar a vida
Um átimo de mim
Tempo
Desejo
Saudade
PARTE 3
Por que sou psicóloga?
Depressão acorrentada no mas
Terapeuta se emociona?
Que lindo que é sonhar
Neurótico ou problemático?
Depressão
Modeladora do destino
A linha tênue da vida
Cronos
Eu atraí ou eu me distraí?
Coitadismo
O dia nosso de cada noite
Ambiguidade
Pelo resto da vida
Caso ou compro uma bicicleta?
Autoestima
Psicoterapia, a primeira sessão
Psicoterapia, a última sessão
Silêncio
Vítima
Depressão e gratidão
A que deuses eu sirvo?
Extrema Velhice
Não à invisibilidade
Preguiça de si
Tirar a Sombra da sombra
O corpo é o palco das emoções
Adjetivação abusiva nunca mais
Não dou conta
Sentido da Vida
Preciso te contar um sonho
Pro-curar
Sacrifício
Sem mais perguntas
Assim eu ando psicóloga
Créditos
Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão.
_ _ _ MARIO QUINTANA
Escrever para mim
É contar histórias
algumas vividas
outras recolhidas no caminho.
É usar palavras como pincéis
múltiplas cores
aromas e sabores.
É equilibrar-me em corda bamba
andar de mãos dadas
e mergulhar em saudades.
É aniversariar e adeliar adoidada
repelir mosquitos
e amar rotinas.
É andar distraída
me entregar ao acaso
e vogar a vida.
É tornar verbo alguns sujeitos
mascar chicletes
e bailar passos de tempos a ventos.
É desejar, temperar e elogiar.
É necessidade e vulnerabilidade
correr riscos emocionais
e não temer incertezas.
Escrever para mim
É versar em AVESSOS.
agulhaNice costura Avessos. Conversa enquanto borda. Escreve como quem fala, faz pausas inusitadas, e acaba por prender-se às saias do próprio trabalho. E isso diz quase tudo o que se precisa saber: Nice acerta e erra e ri de si própria enquanto se diverte fazendo o que faz bem: bordar avessos e ressignificar os dias. Trabalho de Penélope, ela observa a vida somente para desfazê-la e — incansável coletora de delicadezas — tramar novamente seus fios em crônicas e poesias. Do cotidiano, um leitor apressado classificaria. Mas é preciso ler, deixar-se impactar pelo fragmento do fio, deixá-lo escapar da agulha e recolocá-lo, assumindo o trabalho proposto. E é só nessa altura da leitura que algumas sentenças colam em nós, repercutem durante os dias, viram telas entremeadas as nossas próprias circunstâncias.
A literatura da Nice Luconi é leve, onde ser leve é honrar a primavera sem esquecer que a natureza ama transmutar-se
. É transcendente, fluida, faz-se de vãos temporais de escadas rolantes e salas de espera, quase como se usasse desse não tempo para desenhar outros sentidos. Ao longo do bordado, a literatura corta improváveis fios e não interrompe o trabalho para falar sobre o perdão: […] ali, no exato momento em que pedimos, concedemos ou negamos o perdão é que começa o desafio
. É preciso prestar atenção. Se em alguns poemas ela assume a inspiração da grande poeta Adélia Prado, como em Adeliei…
e em Aniversariei
, a posse da vida se transforma em ação, o verbo que germina escuta vira novamente substantivo raro, incomum em presença. Presença insuspeita que tangencia na memória do leitor a Cecilia Meireles, em que a escrita da Nice é seta de trajetória obscura, mas segue fiel em seu movimento e atenta em seu lugar.
Apresentar a prosa de Nice Luconi é perceber que sua alma se encontra bordada nas entrelinhas: ali — muito mais do que no lado direito de raros tecidos — vive a mulher em todas as suas instâncias, a filha, a criança no triciclo, a terapeuta, a moça que se casou com o filho do fotógrafo… seus textos são o amálgama resultante de preciosidades garimpadas todos os dias. Como na música, Nice também é como uma vigia que cata a poesia que os dias esquecem pelo chão.
Falar sobre esses Avessos, caríssimos leitores, é ceder ao injusto de algumas escolhas. Para elegermos alguns fios, invariavelmente, entornaremos pelo chão tanta poesia em perfeito estado de bordado. Daí é tarefa do leitor recolhê-los, tramar seu próprio lado e apresentá-lo. Ou não. É preciso deixar a cada um o seu próprio trabalho. O de Nice está impecável. Desfrutem.
_ _ _CECÍLIA CASSAL
Médica dermatologista.
1Aos dois anos de idade
o olhar sorridente
parecia dizer ao fotógrafo:
Vou me casar com
o teu filho, hein?
E não é que
me casei mesmo?
Ao avesso
Pouco importa o tempo que se leve. O importante são as descobertas, e eu descobri. Dali em diante usaria as meias ao avesso, sempre que fosse necessário ou possível.
Por quê? Porque há décadas eu brigava com as meias grossas de inverno e o enorme desconforto causado pelos nós
que arrematam suas costuras. Inúmeras tentativas. Troca de meias, de marca, de tecidos e nada, nenhum resultado. O desconforto continuava.
Mas, por fim, em algumas décadas, a solução foi encontrada! Meias ao avesso trazem todo o conforto que eu procurava. Os nós ficam do lado de fora. Minha pele fica livre deles e vida que segue com os pés aquecidos, logicamente, já que inverno aqui no Sul não é coisa para se brincar.
Hipersensibilidade? Chatice? Não sei. Acho que tudo isso, e mais ainda, explica um pouco dos meus pés hipersensíveis.
Mas o avesso me pegou de jeito e não permitiu que a história acabasse aqui: no desconforto dos meus pés e nos desafios invernosos.
O avesso me pegou em devaneios.
E se olhássemos a vida ao avesso? Se entrássemos no túnel do tempo e déssemos um mergulho no avesso com um novo olhar para a nossa história e seus cerzidos?
Se revisitássemos as costuras, tecidos e acabamentos de cada enredo que nos compõem? Se olhássemos os tantos nós que foram se emaranhando no tempo? Seus mais variados tamanhos e efeitos que se acumularam, enrijeceram e, quem sabe, viraram até doenças?
Se colocássemos os nós ao avesso e os enxergássemos de um outro lugar, em uma outra composição e perspectiva?
Se nos abríssemos para um novo contato e diálogo e buscássemos descobrir novas habilidades de convívio, já que cortar os nós nem sempre é de nossa competência e direito?
Se olhássemos a vida de trás para a frente, de lá para cá, de dentro para fora, do profundo ao visível? Que novas revelações, confortos e sensações descobriríamos?
Se virássemos a vida ao avesso o quanto possível fosse, não em busca de culpas, desculpas ou explicações racionais, mas em busca de um novo diálogo, compreensão e parceria com