Meio homem e outros contos

De Valentim Magalhães

"Meio homem" traz a triste história do engolidor de facas Faria, que na infância teve as pernas atrofiadas por doença e, para sobreviver, faz espetáculos dantescos, incluindo deixar-se picar por cobras. Em "Teorias", o narrador irônico conta como um advogado defensor do divórcio vê sua tese cair por terra. Por fim, em "Os pombos", a família do jovem Marques recebe a notícia do noivado de sua irmã por intermédio das aves.

• Idioma: Português
• Editora: Pop Stories
• Data de lançamento: 12 de set. de 2023
• ISBN: 9786554115421

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Meio homem

A Carlos Dias

Há tempos, como passasse pelas Folies Brésilienes, vi uns grandes cartazes estampados, em que se distinguia um homem sem pernas, tendo o pescoço e os braços envolvidos por grossas cobras. Era o Faria, engolidor de espadas.

Conheço-o há muito tempo. Vi-o uma vez, em casa de uma família, sobre uma mesa, introduzir pela goela, primeiro uma, depois duas, até quatro ou cinco pequenas espadas sem gume, até ao cabo, que era em forma de cruz.

Pouco antes dessa perigosa operação havia o pobre homem bebido uma xícara de café: uma das espadas saiu-lhe da garganta manchada por aquele líquido e uma outra manchada de sangue.

Em pequenito, aos oito anos – ou antes – atrofiaram-se-lhe as pernas, em consequência de um desastre; de forma que hoje, que é já um homem de quarenta anos, tem um robusto tronco de atleta com formidáveis bíceps e umas perninhas de criança, moles, inertes, que ele traz suspensas de uma tipoia, locomovendo-se por meio das mãos. Lembra um sapo.

Trabalhador e brioso, chefe de família além disso, resolveu