Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI: textos e contextos
()
Sobre este e-book
Relacionado a Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI
Ebooks relacionados
Literatura e interartes: rearranjos possíveis: - Volume 5 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMachado de Assis, o cronista das classes ociosas: Jornalismo, artes, trabalho e escravidão Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCruz E Sousa Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAntologia de poesia afro-brasileira: 150 anos de consciência negra no Brasil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMacunaíma E Martin Cererê: Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Massacre dos Libertos: Sobre raça e República no Brasil (1888-1889) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNegrismo: Percursos e configurações em romances brasileiros do século XX (1928-1984) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLésbia: Edição revista e atualizada Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEntre Atlânticos: protagonismo, política e epistemologia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO negro visto por ele mesmo: ensaios, entrevistas e prosa Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAna Cristina Cesar: O sangue de uma poeta Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDo radical em revolução às conflitualidades: o pensamento de Antônio Callado no romance Quarup Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMacunaíma Nota: 5 de 5 estrelas5/5Reencontro Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMemória e identidades negras patrimonializadas: (Brasil - séculos XX/XXI) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasÓdio à literatura: Uma história da antiliteratura Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEnsino E Aprendizagem De Língua Espanhola/machado De Assis:o Escritor Do Século Nota: 0 de 5 estrelas0 notasIdentidade nacional e modernidade brasileira Nota: 4 de 5 estrelas4/5O Negro: de bom escravo a mau cidadão? Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPós abolição e cotidiano Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA grande fala do índio guarani e A catedral de colônia Nota: 1 de 5 estrelas1/5O cego e o trapezista: Ensaios de literatura brasileira Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA cidade assassinada Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Poesia Urbana na Legião de Renato Russo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPoesia Negra: Solano Trindade e Langston Hughes Nota: 5 de 5 estrelas5/5Marx selvagem Nota: 5 de 5 estrelas5/5Poéticas do contemporâneo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasRevista Continente Multicultural #263: Respeito F.C. Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSuplemento Pernambuco #195: De onde venho Nota: 0 de 5 estrelas0 notasGenealogia da Ferocidade: Ensaio sobre Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Crítica Literária para você
O mínimo que você precisa fazer para ser um completo idiota Nota: 2 de 5 estrelas2/5Olhos d'água Nota: 5 de 5 estrelas5/5Coisa de menina?: Uma conversa sobre gênero, sexualidade, maternidade e feminismo Nota: 4 de 5 estrelas4/5História concisa da Literatura Brasileira Nota: 5 de 5 estrelas5/5Cansei de ser gay Nota: 2 de 5 estrelas2/5A Literatura Portuguesa Nota: 3 de 5 estrelas3/5Um soco na alma: Relatos e análises sobre violência psicológica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasComentário Bíblico - Profeta Isaías Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHécate - A deusa das bruxas: Origens, mitos, lendas e rituais da antiga deusa das encruzilhadas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Literatura: ontem, hoje, amanhã Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPara Ler Grande Sertão: Veredas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasRomeu e Julieta Nota: 4 de 5 estrelas4/5Sobre a arte poética Nota: 5 de 5 estrelas5/5Os Lusíadas (Anotado): Edição Especial de 450 Anos de Publicação Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFelicidade distraída Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Literatura Brasileira Através dos Textos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHistória da Literatura Brasileira - Vol. III: Desvairismo e Tendências Contemporâneas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA formação da leitura no Brasil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Jesus Histórico Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEscrita não criativa e autoria: Curadoria nas práticas literárias do século XXI Nota: 4 de 5 estrelas4/5Fernando Pessoa - O Espelho e a Esfinge Nota: 5 de 5 estrelas5/5Palavras Soltas ao Vento: Crônicas, Contos e Memórias Nota: 4 de 5 estrelas4/5A arte do romance Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAulas de literatura russa: de Púchkin a Gorenstein Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMimesis: A Representação da Realidade na Literatura Ocidental Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPerformance, recepção, leitura Nota: 5 de 5 estrelas5/5Introdução à História da Língua e Cultura Portuguesas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Não me pergunte jamais Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO tempo é um rio que corre Nota: 4 de 5 estrelas4/5
Avaliações de Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI - Michel Mingote Ferreira de Ázara
Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI: textos e contextos
Michel Mingote Ferreira de Ázara
Rafael Climent-Espino
(Organizadores)
Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI: textos e contextos
1ª EDIÇÃO
BELO HORIZONTE
2023
Elaborado por Maurício Amormino Júnior — CRB6/2422
Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
Publicação financiada pela Faculdade de Artes e Ciências e pelo Departamento de Línguas e Culturas Modernas da Baylor University
Copyright © 2023
Todos os direitos reservados. Este livro ou parte dele não pode ser
reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da Editora
Editor Executivo
Ricardo S. Gonçalves
Editores Coleção Polifonia
Maria Elisa Rodrigues Moreira
Juan Ferreira Fiorini
Revisão
Corina Maria Rodrigues Moreira
Conselho Editorial
Dr.a Ana Carolina Vilela-Ardenghi (UFMT)
Dr. André Tessaro Pelinser (UFRN)
Dr.a Bruna Fontes Ferraz (CEFET-MG)
Dr.a Daniela Correa Leite (in-Próprio Coletivo)
Dr.a Letícia Fernandes Malloy Diniz (UFRN)
Dr.a Luisa Angélica Paraguai Donati (PUC-Campinas)
Dr.a Maria Alzira Leite (UTP)
Dr.a Maria Elisa Rodrigues Moreira (UPM)
Dr.a Regina Pires de Brito (UPM)
Dr.a Rosângela Fachel de Medeiros (UFPel)
Produção
Tradição Planalto Editora
www.tradicaoplanalto.com.br
Tel.: +55 (31) 3226-2829
Sumário
A problemática racial na literatura brasileira do século XXI em contexto
Michel Mingote Ferreira de Ázara
Rafael Climent-Espino
A construção conceitual de raza: propostas teóricas
Ana María Gómez-Bravo
Entre o dito e o não dito, tudo se escuta: linguagem e identidade em O avesso da pele, de Jeferson Tenório
Luana Della-Flora
Abliterações, de Paulo Dutra: entre a poética e a política da sobrevivência
Luiz Henrique Oliveira
Um olhar a partir das poéticas pretas
Marcos Antônio Alexandre
Vaga Carne ou sobre como o teatro de Grace Passô tece imagens fabulares
Soraya Martins Patrocínio
A morte também aprecia o jazz, de Edimilson de Almeida Pereira: diálogos amefricanos
Michel Mingote Ferreira de Ázara
Quilombos, quilombolas e quilombismo: raça, espaço e terra em Torto arado, de Itamar Vieira Junior
Rafael Climent-Espino
Sobre os autores
A problemática racial na literatura brasileira do século XXI em contexto
Michel Mingote Ferreira de Ázara
Rafael Climent-Espino
O movimento transcultural e transnacional da Negritude, surgido em Paris na década de 1930, cristalizou, com a aparição do termo na literatura, especificamente no Diário de um retorno ao país natal, de 1939, do escritor martinicano Aimé Césaire (2021), diversas manifestações culturais e estético-literárias que giravam em torno da cultura negro-africana e afrodiaspórica.¹ Além do Afrocentrismo, do movimento Pan-africanista, dos múltiplos movimentos de vanguarda das décadas de 1920 e 1930, e das diversas eclosões relacionadas à razão negra
(Mbembe, 2018), no que tange à cultura e à literatura, a Negritude também aglutinou em seu bojo diversos movimentos que surgiram em contextos díspares, como aqueles advindos do Harlem Renaissance, nos Estados Unidos, nos anos de 1920, além dos oriundos do Indigenismo da literatura haitiana, dos anos de 1920, e do Negrismo cubano de Nicolás Guillén, dos anos de 1930. Neste sentido, a Negritude abarcou as inquietações e problemáticas presentes em diversos autores negros como, por exemplo, as que se encontram nos escritos dos haitianos Jean Price-Mars (1876-1969) e Jacques Roumain (1907-1944); dos americanos Martin Robison Delany (1812-1885), W. E. B.
Du Bois (1868-1963) e James Mercer Langston Hughes (1902-1967); dos jamaicanos Claude McKay (1889-1948) e Marcus Garvey (1887-1940); do cubano Nicolás Guillén (1902-1989); do francês Leon Damas (1912-1978); do senegalês Léopold Sédar Senghor (1906-2001), além do próprio Aimé Césaire (1913-2008).
A emergência do termo se configurou como um marco da tomada de consciência da condição do ser negro através da literatura. As reverberações de tais movimentos, no Brasil,² se deram sobretudo a partir da década de 1930, com, por exemplo, o Teatro Negro de Abdias do Nascimento, na década de 1940, e a escrita de alguns autores que surgiram nas décadas subsequentes, como Solano Trindade, Adão Ventura, Muniz Sodré, Oswaldo de Camargo, Edimilson de Almeida Pereira, Conceição Evaristo, Cuti, Nei Lopes, Carolina Maria de Jesus, até os mais recentes, como Jarid Arraes, Itamar Vieira Júnior, Lubi Prates, Jeferson Tenório, Marcelo Ariel e Ricardo Aleixo. Em 1978 surgiu o primeiro volume dos Cadernos negros, importante publicação ainda em atividade, que lançou e publicou diversos autores negros brasileiros, e que tem sua editoração e organização a cargo do grupo paulista Quilombhoje
. É importante destacar também a presença de questões ligadas à Negritude, no contexto do Romantismo, na poesia de Castro Alves e no fundamental Luiz Gama. Ainda no contexto romântico, caberia ressaltar o primeiro romance escrito por uma brasileira: Úrsula (1859), da escritora negra Maria Firmina dos Reis, cuja produção se volta para as mazelas do processo de escravização (Reis, 2018). Na poesia simbolista de Cruz e Sousa, embora não exista uma defesa premente da Negritude, as questões relacionadas à revolta contra a escravidão e contra o preconceito racial emergem em diversos momentos de sua obra poética, como se pode observar no soneto Escravocratas
, uma crítica mordaz e satírica à branquitude e àqueles que fomentaram o processo de escravização:
Oh! trânsfugas do bem que sob o manto régio
manhosos, agachados — bem como um crocodilo,
viveis sensualmente à luz dum privilégio
na pose bestial dum cágado tranqüilo.
Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas
ardentes do olhar — formando uma vergasta
dos raios mil do sol, das iras dos poetas,
e vibro-vos à espinha — enquanto o grande basta.
O basta gigantesco, imenso, extraordinário —
da branca consciência — o rútilo sacrário
no tímpano do ouvido — audaz me não soar.
Eu quero em rude verso altivo adamastórico,
vermelho, colossal, d’estrépito, gongórico,
castrar-vos como um touro — ouvindo-vos urrar! (Cruz e Sousa, 2008, p. 67).
Além disso, o autor se voltou contra a escravidão e o preconceito racial em diversos textos publicados no jornal Tribuna Popular. Mas é sobretudo na prosa, como no texto intitulado O Emparedado
, do livro Evocações, que a condição dos negros na sociedade brasileira e o protesto contra as teorias racializantes da época ganham destaque:
Foi bastante pairar mais alto, na obscuridade tranquila, na consoladora e doce paragem das Ideias, acima das graves letras maiúsculas da Convenção, para alvoroçarem-se os Preceitos, irritarem-se as Regras, as Doutrinas, as Teorias, os Esquemas, os Dogmas, armados e ferozes, de cataduras hostis e severas.
Eu trazia, como cadáveres que me andassem funambulescamente amarrados às costas, num inquietante e interminável apodrecimento, todos os empirismos preconceituosos e não sei quanta camada morta, quanta raça d’África curiosa e desolada que a Fisiologia nulificara para sempre com o riso haeckeliano e papal! (Cruz e Sousa, 1995, p. 661).
O texto em fúria de Cruz e Sousa se volta contra o racismo científico em voga à época, todos os empirismos preconceituosos
que procuraram afirmar e comprovar a pretensa inferioridade do negro. Como bem salientou Duarte (2018), a prosa e a poesia de Cruz e Sousa podem ser compreendidas para além da imagem mormente veiculada de poeta obcecado por signos da branquitude:
No caso do poeta catarinense, um acesso, por ligeiro que seja, a dados de sua biografia, indicará a existência de outras possibilidades de interpretação distintas daquela obsessão pela branquitude que muitos enxergam como dominante em seu projeto poético. A confissão angustiada presente no Emparedado
explicita não ser Cruz e Sousa um negro de alma branca
, apesar da formação europeizante que recebeu e do refinado conhecimento que possuía da poesia e da cultura ocidentais. O emparedamento a que está submetido pelo fato histórico da escravidão, reforçado pelos estigmas com que são rebaixados os de pele escura mesmo após o término formal do regime, repercute em seus escritos construindo novas possibilidades de leitura. Como no caso de Machado e tantos outros, há que se levar também em conta a produção jornalística do poeta, inclusive no que tem de confessional, para conhecer seu profundo desprezo pela elite que fazia do trabalho escravizado fonte de lucro e poder. A partir de então, ter-se-á uma dimensão mais ampla do conjunto da obra (Duarte, 2018, p. 149).
A Negritude norteou grande parte da produção estético-cultural negro-africana e afrodiaspórica nas Américas. Embora diversas críticas ao movimento tenham sido tecidas ao longo do tempo, chegando até a decretar o epitáfio da Negritude — caso, por exemplo, da obra Bom dia e adeus à Negritude, de René Depestre, de 1980 —, esse movimento, para além da influência direta — tanto formal quanto temática — na poesia negra brasileira, se configurou como um marco na tomada de consciência da condição de subalternidade do negro e no consequente movimento de resistência e configuração de uma identidade negra. Desta forma, compreendemos aqui a Negritude como fora enunciado por Zilá Bernd no seu fundamental O que é Negritude:
[Em] um sentido lato […] negritude, com n
minúsculo (substantivo comum) — é utilizada para referir a tomada de consciência de uma situação de dominação e de discriminação, e a consequente reação pela busca de uma identidade negra. Nessa medida, podemos dizer que houve negritude desde que os primeiros escravos se rebelaram e deram início aos movimentos conhecidos por marronnage, no Caribe, cimarronaje, na América Hispânica, e quilombismo, no Brasil, iniciados logo após a chegada dos primeiros negros na América (Bernd, 1987, p. 27).³
Ademais de ter sido, enquanto movimento, um momento pontual da trajetória de formulação de uma identidade negra, a Negritude,⁴ em seu sentido mais amplo, norteou a produção estético-cultural afrodiaspórica. Neste sentido, Zilá Bernd (1988, p. 95-99) aclara que "[…] o discurso poético é que se torna o lugar de criação do conceito de negritude e da tomada de consciência de ser negro. Aqui, o conceito não se constitui como entidade diferente ou anterior ao fato poético, mas desenvolve-se em e através dele".
No caso do Brasil, como mencionamos anteriormente — embora as reverberações diretas do movimento só fossem aparecer com o Teatro Experimental do Negro (TEN) de Abdias do Nascimento, na década de 1940 —, nas primeiras manifestações de autores negros o que se observa são as aparições das diversas problemáticas e preocupações que giravam em torno da denúncia da condição do negro na sociedade brasileira, da busca de uma identidade negra e, neste sentido, da Negritude.⁵ Assim, podemos afirmar que autores como Luiz Gama, Lino Guedes e Maria Firmina dos Reis, entre outros, foram as primeiras vozes a formularem a Negritude no Brasil. No caso de Lino Guedes, por exemplo, autor de livros como o ensaio intitulado Luiz Gama e sua individualidade literária (1924) e as coletâneas de poemas Black (1926a), O Canto do Cysne Preto (1926b), Ressurreição negra (1936a) e Negro Preto Cor de Noite (1936b), a tomada de consciência da condição do negro na sociedade brasileira também se dá pela valorização e encômio da mulher negra, como se pode observar no poema Dictinha
:
Penso que talvez ignores,
Singela e meiga Dictinha,
Que desta localidade
És a mais bela pretinha:
Se não fosse profanar-te,
Chamar-te-ia… francesinha!
Então, quando vais à reza
Com teu vestido de cassa,
Não há mesmo quem não fale,
Orgulho da minha raça:
— Olha que preta bonita
E que andar cheio de graça!… (Guedes, 1938).
Nas palavras de Toller (apud Duarte, 2011, p. 353), a ideologia racial
de Lino Guedes […] exortava a população negra […] ao trabalho, à educação, à prosperidade e conferia ao acesso à propriedade o estado de respeitabilidade
. Nesse sentido, ainda conforme Toller, o primeiro poeta assumidamente negro do século XX […] optou por um didatismo explícito que, muitas vezes, interpôs-se entre a sua criatividade e a realização de sua poesia
(apud Duarte, 2011, p. 353).
Durante o século XX, novas formulações teóricas, úteis para propor análises abrangentes da literatura afro-brasileira do século XXI, foram conceitualizadas por intelectuais e críticos brasileiros com o objetivo último de entender a cultura afrodiaspórica brasileira e sua relação com outras diásporas negras tanto da América do Sul como do Norte. Assim, por exemplo, o conceito de amefricanidade
, de Lélia Gonzalez, é essencial para entender que as comunidades de afrodescendentes no continente americano tiveram e têm uma história comum. Gonzalez detalha as características desse conceito da seguinte forma:
As implicações políticas e culturais da categoria de amefricanidade (Amefricanity) são, de fato, democráticas; exatamente porque o próprio termo nos permite ultrapassar as limitações de caráter territorial, linguístico e ideológico, abrindo novas perspectivas para um entendimento mais profundo dessa parte do mundo onde ela se manifesta: A AMÉRICA como um todo (Sul, Central, Norte e Insular). Para além do seu caráter puramente geográfico, a categoria de amefricanidade incorpora todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural (adaptação, resistência, reinterpretação e criação de novas formas) que é afrocentrada, isto é, referenciada em modelos como: a Jamaica e o akan, seu modelo dominante; o Brasil e seus modelos iorubá, banto e ewe-fon. Em consequência, ela nos encaminha no sentido da construção de toda uma identidade étnica. Desnecessário dizer que a categoria de amefricanidade está intimamente relacionada àquelas de pan-africanismo, négritude, afrocentricity etc.
[…] Ontem como hoje, amefricanos oriundos dos mais diferentes países têm desempenhado um papel crucial na elaboração dessa amefricanidade que identifica na diáspora uma experiência histórica comum que exige ser devidamente conhecida e cuidadosamente pesquisada. Embora pertençamos a diferentes sociedades do continente, sabemos que o sistema de dominação é o mesmo em todas elas, ou seja: o racismo, essa elaboração fria e extrema do modelo ariano de explicação, cuja presença é uma constante em todos os