Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI: textos e contextos
Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI: textos e contextos
Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI: textos e contextos
E-book233 páginas2 horas

Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI: textos e contextos

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

O presente volume se propõe a contribuir com os estudos literários no que tange à necessidade de colocar em pauta a produção de autoria negra brasileira contemporânea modulada sobre questões, temas, linguagens e estéticas cruciais para que se reflita acerca das relações étnico-raciais no âmbito do imaginário literário. Neste sentido, estudos de diversos especialistas que se debruçaram sobre a literatura brasileira mais recente compõem o livro, apresentando análises transversais da produção de escritores e escritoras que publicaram toda ou parte de sua obra neste século.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de fev. de 2024
ISBN9786586268522
Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI: textos e contextos

Relacionado a Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI

Ebooks relacionados

Crítica Literária para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI - Michel Mingote Ferreira de Ázara

    capa_08_Relacoes_Etnico-raciais-1400.jpg

    Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI: textos e contextos

    Michel Mingote Ferreira de Ázara

    Rafael Climent-Espino

    (Organizadores)

    Relações étnico-raciais na literatura brasileira do século XXI: textos e contextos

    1ª EDIÇÃO

    BELO HORIZONTE

    2023

    Elaborado por Maurício Amormino Júnior — CRB6/2422

    Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)

    Publicação financiada pela Faculdade de Artes e Ciências e pelo Departamento de Línguas e Culturas Modernas da Baylor University

    Copyright © 2023

    Todos os direitos reservados. Este livro ou parte dele não pode ser

    reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da Editora

    Editor Executivo

    Ricardo S. Gonçalves

    Editores Coleção Polifonia

    Maria Elisa Rodrigues Moreira

    Juan Ferreira Fiorini

    Revisão

    Corina Maria Rodrigues Moreira

    Conselho Editorial

    Dr.a Ana Carolina Vilela-Ardenghi (UFMT)

    Dr. André Tessaro Pelinser (UFRN)

    Dr.a Bruna Fontes Ferraz (CEFET-MG)

    Dr.a Daniela Correa Leite (in-Próprio Coletivo)

    Dr.a Letícia Fernandes Malloy Diniz (UFRN)

    Dr.a Luisa Angélica Paraguai Donati (PUC-Campinas)

    Dr.a Maria Alzira Leite (UTP)

    Dr.a Maria Elisa Rodrigues Moreira (UPM)

    Dr.a Regina Pires de Brito (UPM)

    Dr.a Rosângela Fachel de Medeiros (UFPel)

    Produção

    Tradição Planalto Editora

    www.tradicaoplanalto.com.br

    Tel.: +55 (31) 3226-2829

    Sumário

    A problemática racial na literatura brasileira do século XXI em contexto

    Michel Mingote Ferreira de Ázara

    Rafael Climent-Espino

    A construção conceitual de raza: propostas teóricas

    Ana María Gómez-Bravo

    Entre o dito e o não dito, tudo se escuta: linguagem e identidade em O avesso da pele, de Jeferson Tenório

    Luana Della-Flora

    Abliterações, de Paulo Dutra: entre a poética e a política da sobrevivência

    Luiz Henrique Oliveira

    Um olhar a partir das poéticas pretas

    Marcos Antônio Alexandre

    Vaga Carne ou sobre como o teatro de Grace Passô tece imagens fabulares

    Soraya Martins Patrocínio

    A morte também aprecia o jazz, de Edimilson de Almeida Pereira: diálogos amefricanos

    Michel Mingote Ferreira de Ázara

    Quilombos, quilombolas e quilombismo: raça, espaço e terra em Torto arado, de Itamar Vieira Junior

    Rafael Climent-Espino

    Sobre os autores

    A problemática racial na literatura brasileira do século XXI em contexto

    Michel Mingote Ferreira de Ázara

    Rafael Climent-Espino

    O movimento transcultural e transnacional da Negritude, surgido em Paris na década de 1930, cristalizou, com a aparição do termo na literatura, especificamente no Diário de um retorno ao país natal, de 1939, do escritor martinicano Aimé Césaire (2021), diversas manifestações culturais e estético-literárias que giravam em torno da cultura negro-africana e afrodiaspórica.¹ Além do Afrocentrismo, do movimento Pan-africanista, dos múltiplos movimentos de vanguarda das décadas de 1920 e 1930, e das diversas eclosões relacionadas à razão negra (Mbembe, 2018), no que tange à cultura e à literatura, a Negritude também aglutinou em seu bojo diversos movimentos que surgiram em contextos díspares, como aqueles advindos do Harlem Renaissance, nos Estados Unidos, nos anos de 1920, além dos oriundos do Indigenismo da literatura haitiana, dos anos de 1920, e do Negrismo cubano de Nicolás Guillén, dos anos de 1930. Neste sentido, a Negritude abarcou as inquietações e problemáticas presentes em diversos autores negros como, por exemplo, as que se encontram nos escritos dos haitianos Jean Price-Mars (1876-1969) e Jacques Roumain (1907-1944); dos americanos Martin Robison Delany (1812-1885), W. E. B. Du Bois (1868-1963) e James Mercer Langston Hughes (1902-1967); dos jamaicanos Claude McKay (1889-1948) e Marcus Garvey (1887-1940); do cubano Nicolás Guillén (1902-1989); do francês Leon Damas (1912-1978); do senegalês Léopold Sédar Senghor (1906-2001), além do próprio Aimé Césaire (1913-2008).

    A emergência do termo se configurou como um marco da tomada de consciência da condição do ser negro através da literatura. As reverberações de tais movimentos, no Brasil,² se deram sobretudo a partir da década de 1930, com, por exemplo, o Teatro Negro de Abdias do Nascimento, na década de 1940, e a escrita de alguns autores que surgiram nas décadas subsequentes, como Solano Trindade, Adão Ventura, Muniz Sodré, Oswaldo de Camargo, Edimilson de Almeida Pereira, Conceição Evaristo, Cuti, Nei Lopes, Carolina Maria de Jesus, até os mais recentes, como Jarid Arraes, Itamar Vieira Júnior, Lubi Prates, Jeferson Tenório, Marcelo Ariel e Ricardo Aleixo. Em 1978 surgiu o primeiro volume dos Cadernos negros, importante publicação ainda em atividade, que lançou e publicou diversos autores negros brasileiros, e que tem sua editoração e organização a cargo do grupo paulista Quilombhoje. É importante destacar também a presença de questões ligadas à Negritude, no contexto do Romantismo, na poesia de Castro Alves e no fundamental Luiz Gama. Ainda no contexto romântico, caberia ressaltar o primeiro romance escrito por uma brasileira: Úrsula (1859), da escritora negra Maria Firmina dos Reis, cuja produção se volta para as mazelas do processo de escravização (Reis, 2018). Na poesia simbolista de Cruz e Sousa, embora não exista uma defesa premente da Negritude, as questões relacionadas à revolta contra a escravidão e contra o preconceito racial emergem em diversos momentos de sua obra poética, como se pode observar no soneto Escravocratas, uma crítica mordaz e satírica à branquitude e àqueles que fomentaram o processo de escravização:

    Oh! trânsfugas do bem que sob o manto régio

    manhosos, agachados — bem como um crocodilo,

    viveis sensualmente à luz dum privilégio

    na pose bestial dum cágado tranqüilo.

    Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas

    ardentes do olhar — formando uma vergasta

    dos raios mil do sol, das iras dos poetas,

    e vibro-vos à espinha — enquanto o grande basta.

    O basta gigantesco, imenso, extraordinário —

    da branca consciência — o rútilo sacrário

    no tímpano do ouvido — audaz me não soar.

    Eu quero em rude verso altivo adamastórico,

    vermelho, colossal, d’estrépito, gongórico,

    castrar-vos como um touro — ouvindo-vos urrar! (Cruz e Sousa, 2008, p. 67).

    Além disso, o autor se voltou contra a escravidão e o preconceito racial em diversos textos publicados no jornal Tribuna Popular. Mas é sobretudo na prosa, como no texto intitulado O Emparedado, do livro Evocações, que a condição dos negros na sociedade brasileira e o protesto contra as teorias racializantes da época ganham destaque:

    Foi bastante pairar mais alto, na obscuridade tranquila, na consoladora e doce paragem das Ideias, acima das graves letras maiúsculas da Convenção, para alvoroçarem-se os Preceitos, irritarem-se as Regras, as Doutrinas, as Teorias, os Esquemas, os Dogmas, armados e ferozes, de cataduras hostis e severas.

    Eu trazia, como cadáveres que me andassem funambulescamente amarrados às costas, num inquietante e interminável apodrecimento, todos os empirismos preconceituosos e não sei quanta camada morta, quanta raça d’África curiosa e desolada que a Fisiologia nulificara para sempre com o riso haeckeliano e papal! (Cruz e Sousa, 1995, p. 661).

    O texto em fúria de Cruz e Sousa se volta contra o racismo científico em voga à época, todos os empirismos preconceituosos que procuraram afirmar e comprovar a pretensa inferioridade do negro. Como bem salientou Duarte (2018), a prosa e a poesia de Cruz e Sousa podem ser compreendidas para além da imagem mormente veiculada de poeta obcecado por signos da branquitude:

    No caso do poeta catarinense, um acesso, por ligeiro que seja, a dados de sua biografia, indicará a existência de outras possibilidades de interpretação distintas daquela obsessão pela branquitude que muitos enxergam como dominante em seu projeto poético. A confissão angustiada presente no Emparedado explicita não ser Cruz e Sousa um negro de alma branca, apesar da formação europeizante que recebeu e do refinado conhecimento que possuía da poesia e da cultura ocidentais. O emparedamento a que está submetido pelo fato histórico da escravidão, reforçado pelos estigmas com que são rebaixados os de pele escura mesmo após o término formal do regime, repercute em seus escritos construindo novas possibilidades de leitura. Como no caso de Machado e tantos outros, há que se levar também em conta a produção jornalística do poeta, inclusive no que tem de confessional, para conhecer seu profundo desprezo pela elite que fazia do trabalho escravizado fonte de lucro e poder. A partir de então, ter-se-á uma dimensão mais ampla do conjunto da obra (Duarte, 2018, p. 149).

    A Negritude norteou grande parte da produção estético-cultural negro-africana e afrodiaspórica nas Américas. Embora diversas críticas ao movimento tenham sido tecidas ao longo do tempo, chegando até a decretar o epitáfio da Negritude — caso, por exemplo, da obra Bom dia e adeus à Negritude, de René Depestre, de 1980 —, esse movimento, para além da influência direta — tanto formal quanto temática — na poesia negra brasileira, se configurou como um marco na tomada de consciência da condição de subalternidade do negro e no consequente movimento de resistência e configuração de uma identidade negra. Desta forma, compreendemos aqui a Negritude como fora enunciado por Zilá Bernd no seu fundamental O que é Negritude:

    [Em] um sentido lato […] negritude, com n minúsculo (substantivo comum) — é utilizada para referir a tomada de consciência de uma situação de dominação e de discriminação, e a consequente reação pela busca de uma identidade negra. Nessa medida, podemos dizer que houve negritude desde que os primeiros escravos se rebelaram e deram início aos movimentos conhecidos por marronnage, no Caribe, cimarronaje, na América Hispânica, e quilombismo, no Brasil, iniciados logo após a chegada dos primeiros negros na América (Bernd, 1987, p. 27).³

    Ademais de ter sido, enquanto movimento, um momento pontual da trajetória de formulação de uma identidade negra, a Negritude,⁴ em seu sentido mais amplo, norteou a produção estético-cultural afrodiaspórica. Neste sentido, Zilá Bernd (1988, p. 95-99) aclara que "[…] o discurso poético é que se torna o lugar de criação do conceito de negritude e da tomada de consciência de ser negro. Aqui, o conceito não se constitui como entidade diferente ou anterior ao fato poético, mas desenvolve-se em e através dele".

    No caso do Brasil, como mencionamos anteriormente — embora as reverberações diretas do movimento só fossem aparecer com o Teatro Experimental do Negro (TEN) de Abdias do Nascimento, na década de 1940 —, nas primeiras manifestações de autores negros o que se observa são as aparições das diversas problemáticas e preocupações que giravam em torno da denúncia da condição do negro na sociedade brasileira, da busca de uma identidade negra e, neste sentido, da Negritude.⁵ Assim, podemos afirmar que autores como Luiz Gama, Lino Guedes e Maria Firmina dos Reis, entre outros, foram as primeiras vozes a formularem a Negritude no Brasil. No caso de Lino Guedes, por exemplo, autor de livros como o ensaio intitulado Luiz Gama e sua individualidade literária (1924) e as coletâneas de poemas Black (1926a), O Canto do Cysne Preto (1926b), Ressurreição negra (1936a) e Negro Preto Cor de Noite (1936b), a tomada de consciência da condição do negro na sociedade brasileira também se dá pela valorização e encômio da mulher negra, como se pode observar no poema Dictinha:

    Penso que talvez ignores,

    Singela e meiga Dictinha,

    Que desta localidade

    És a mais bela pretinha:

    Se não fosse profanar-te,

    Chamar-te-ia… francesinha!

    Então, quando vais à reza

    Com teu vestido de cassa,

    Não há mesmo quem não fale,

    Orgulho da minha raça:

    — Olha que preta bonita

    E que andar cheio de graça!… (Guedes, 1938).

    Nas palavras de Toller (apud Duarte, 2011, p. 353), a ideologia racial de Lino Guedes […] exortava a população negra […] ao trabalho, à educação, à prosperidade e conferia ao acesso à propriedade o estado de respeitabilidade. Nesse sentido, ainda conforme Toller, o primeiro poeta assumidamente negro do século XX […] optou por um didatismo explícito que, muitas vezes, interpôs-se entre a sua criatividade e a realização de sua poesia (apud Duarte, 2011, p. 353).

    Durante o século XX, novas formulações teóricas, úteis para propor análises abrangentes da literatura afro-brasileira do século XXI, foram conceitualizadas por intelectuais e críticos brasileiros com o objetivo último de entender a cultura afrodiaspórica brasileira e sua relação com outras diásporas negras tanto da América do Sul como do Norte. Assim, por exemplo, o conceito de amefricanidade, de Lélia Gonzalez, é essencial para entender que as comunidades de afrodescendentes no continente americano tiveram e têm uma história comum. Gonzalez detalha as características desse conceito da seguinte forma:

    As implicações políticas e culturais da categoria de amefricanidade (Amefricanity) são, de fato, democráticas; exatamente porque o próprio termo nos permite ultrapassar as limitações de caráter territorial, linguístico e ideológico, abrindo novas perspectivas para um entendimento mais profundo dessa parte do mundo onde ela se manifesta: A AMÉRICA como um todo (Sul, Central, Norte e Insular). Para além do seu caráter puramente geográfico, a categoria de amefricanidade incorpora todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural (adaptação, resistência, reinterpretação e criação de novas formas) que é afrocentrada, isto é, referenciada em modelos como: a Jamaica e o akan, seu modelo dominante; o Brasil e seus modelos iorubá, banto e ewe-fon. Em consequência, ela nos encaminha no sentido da construção de toda uma identidade étnica. Desnecessário dizer que a categoria de amefricanidade está intimamente relacionada àquelas de pan-africanismo, négritude, afrocentricity etc.

    […] Ontem como hoje, amefricanos oriundos dos mais diferentes países têm desempenhado um papel crucial na elaboração dessa amefricanidade que identifica na diáspora uma experiência histórica comum que exige ser devidamente conhecida e cuidadosamente pesquisada. Embora pertençamos a diferentes sociedades do continente, sabemos que o sistema de dominação é o mesmo em todas elas, ou seja: o racismo, essa elaboração fria e extrema do modelo ariano de explicação, cuja presença é uma constante em todos os

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1