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Alteração das circunstâncias e justiça do contrato
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Alteração das circunstâncias e justiça do contrato
E-book214 páginas2 horas

Alteração das circunstâncias e justiça do contrato

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Sobre este e-book

O presente volume reúne três textos sobre a alteração das circunstâncias e da justiça do contrato.
IdiomaPortuguês
EditoraPrincipia
Data de lançamento21 de out. de 2021
ISBN9789897164330
Alteração das circunstâncias e justiça do contrato

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    Alteração das circunstâncias e justiça do contrato - Manuel A. Carneiro da Frada

    ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS E JUSTIÇA DO CONTRATO

    Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor; reprodução proibida. Sem o prévio consentimento escrito do editor, são totalmente proibidas a reprodução e a transmissão desta obra (total ou parcialmente) por todos e quaisquer meios (eletrónicos ou mecânicos, transmissão de dados, gravação ou fotocópia), quaisquer que sejam os destinatários ou autores (pessoas singulares ou coletivas), os motivos e os objetivos (incluindo escolares, científicos, académicos ou culturais), à exceção de excertos para divulgação e da citação científica, sendo igualmente interdito o arquivamento em qualquer sistema ou banco de dados.

    Título

    Alteração das Circunstâncias e Justiça do Contrato

    Autor

    Manuel A. Carneiro da Frada

    Edição e copyright

    Princípia, Cascais

    1.ª edição – setembro de 2021

    © Princípia Editora, Lda.

    Design da capa Rita Maia e Moura (sob imagem da 1.ª edição de Utopia, de Thomas More, 1516)

    Execução gráfica Artipol • Depósito legal 487072/21

    Princípia

    Rua Vasco da Gama, 60-C – 2775-297 Parede – Portugal

    +351 214 678 710 • principia@principia.pt • www.principia.pt

    facebook.com/principia.pt • instagram.com/principiaeditora • linkedin.com/company/principiaeditora

    Manuel A. Carneiro da Frada

    ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS E JUSTIÇA DO CONTRATO

    APRESENTAÇÃO

    As páginas que se seguem versam o magno tema da alteração das circunstâncias e da justiça do contrato.

    Começam por constituir como que uma memória livre daquilo que, em matéria de alteração das circunstâncias, se discutiu e convocou na ação judicial que o Banco Santander Totta intentou em Londres contra um conjunto de empresas de transporte portuguesas (Metropolitano de Lisboa, Metro do Porto, Carris e STCP), reclamando o pagamento de avultadas quantias de que tais empresas se teriam tornado devedoras em virtude de diversos contratos de swap que com elas celebrara.

    Viviam-se, após 2008, os efeitos de uma profunda crise financeira de dimensão mundial, e o caráter exorbitante dos montantes reclamados – cuja satisfação era suscetível de conduzir à completa desestruturação financeira, ou mesmo à insolvência, das entidades prestadoras de serviços públicos de transporte nas duas principais cidades do país – assegurou ao tema uma compreensível atenção da opinião pública.

    Mas também se revelou desafiante, aos olhos do jurista, a problemática em causa, pela mobilização extraordinariamente rica, e a coordenação extremamente dinâmica a que obrigou, de diversos institutos e linhas dogmáticas centrais do direito privado português. Designadamente a respeito do tema central da alteração das circunstâncias, renovadamente convocado em tempos atuais de incerteza e insegurança motivadas pela pandemia originada pela Covid-19.

    A ele se dedica o primeiro dos estudos deste volume. Na sua base encontra-se a nossa nomeação como perito pelo High Court of Justice/Queen’s Bench Division/ Commercial Court, convidado a depor, a par de outros temas, sobre o disposto no direito português da alteração das circunstâncias no quadro da crise financeira eclodida em 2008, e a sua articulação com o regime e as exigências de contratos de swap como os que haviam sido celebrados entre o Banco Santander Totta e as Empresas de Transporte lusas.

    A sua marca de origem – os relatórios e esclarecimentos periciais que apresentámos – transparece no caráter «corrido» e fragmentário das considerações que se seguem. Não nos tendo sido possível dá-las, na altura, à estampa por contingências universitárias, também agora só limitadamente nos foi possível desenvolvê-las e atualizá-las, particularmente em função da abundante e qualificada doutrina entretanto surgida. Apesar destas limitações – e não constituindo embora esta, também, uma monografia académica, reflexo de uma investigação estruturada e completa –, esperamos, contudo, que possam constituir um contributo útil para o aprofundamento do inesgotável tema da alteração das circunstâncias, em particular na sua relação com contratos relativos a instrumentos financeiros como os swaps.

    O litígio que constituiu a occasio próxima das nossas reflexões configura, na realidade, sob diversos aspetos, um autêntico hard case que convoca princípios e conceções fundamentais do nosso sistema jurídico. Se não seria razoável presumir oferecermos-lhe a one right answer thesis reivindicada por Dworkin, confiamos que o nosso contributo possa ajudar a vencer o ceticismo daqueles que, na esteira de Hart, dela descreem: pois acreditamos, v.g., no espaço doutrinal germânico, com Canaris, Bydlinski ou Picker, que a racionalidade jurídica, perpassada pelo pensamento dogmático, possibilita o estabelecimento de preferências entre teses diversas e uma justificabilidade objetiva dos critérios corretos de um direito justo.

    Em matéria de alteração das circunstâncias, a sentença proferida no termo da lide deu razão aos argumentos que apresentamos ao tribunal londrino, reconhecendo às Empresas de Transporte, à luz do direito luso, uma pretensão de resolução de sete dos nove contratos de swap celebrados entre as referidas entidades; embora tenha preferido aplicar ao caso o direito inglês e outras valorações, alegadamente imperantes nesse direito, convocado pela jurisdição anglo-saxónica.

    Uma razão particular que concorre para justificar o possível interesse do leitor por este tema central para a teoria do contrato encontra-se, hoje, na situação de emergência sanitária que experimentamos e nos tempos de incerteza que vivemos: se a invocação da alteração das circunstâncias se refugia com frequência em generalidades – urgindo por isso uma sua dogmatização mais especificadora no quadro das diversas perturbações do programa obrigacional e da distribuição do risco contratual –, recrudesceu sem muito o interesse pelo seu impacto na vida do contrato: pois são evidentemente muito semelhantes – e em muitos aspetos, agravadas – as ponderações que, seguindo a lição de 2008, importará hoje fazer.

    Interliga-se o segundo escrito constante deste volume. Ele compreende as reflexões gerais que, inspirados também pelo referido caso, propusemos já sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros. Desse modo se alcança – considerando também um tema de inegável atualidade – não só a possibilidade de uma leitura mais completa da complexidade das diversas vertentes que a referida litigância assumiu (rematada depois por uma nota final, aliás, à margem do direito), como se chama a atenção para a necessária integração dogmática entre o problema da alteração das circunstâncias, por um lado, e o da formação e do conteúdo do contrato, por outro.

    O terceiro e último escrito versa já sobre a situação de emergência sanitária surgida em 2020 em virtude da Covid-19. Sem ignorar a necessidade de se respeitarem certas regras comuns de distribuição do risco contratual, reúne um conjunto de reflexões acerca da alteração das circunstâncias que a pandemia veio suscitar com especial clareza; e nele se propõem ao diálogo algumas teses de caráter genérico, aplicáveis também a outras modificações profundas – socioeconómicas, políticolegislativas, naturais – de bases e condicionantes gerais da vida social.

    Trazida centralmente à discussão numa problemática como esta, a justiça é sempre a nobre e (na verdade) única missão legitimadora dos juristas: se importa muito, nos tempos que correm, que a sua estrela brilhe no caminho do jurista, porfiemos nós em procurar e seguir a sua luz; como a seu tempo e há cinco séculos, também além-Mancha, a Utopia de Thomas More nos quis convidar a que procedêssemos (pela mão do navegador português Rafael). Que a ela – à utopia do direito justo numa sociedade inexoravelmente imperfeita – importa demandarmos sempre de novo, por sobre todos os obstáculos, recorda-no-lo, hoje como na época de Quinhentos, o exemplo de fortaleza e pundonor do seu ínclito Autor.

    É esse, afinal, o fio condutor, íntimo e último, das considerações que se seguem.

    Porto, Maio de 2021

    Manuel A. Carneiro da Frada

    Parte I

    BANCA, SWAPS, ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS, CRISE FINANCEIRA MUNDIAL

    Memória livre de uma litigância justa*

    * Nos 25 anos da CMVM, a propósito dos swaps portugueses em Londres.

    Preliminar

    1. O caso-base e as principais questões em sede de alteração das circunstâncias; coordenadas metodológicas gerais

    I – O litígio deflagrado em 2008 entre o Banco Santander Totta e um conjunto de empresas portuguesas do setor dos transportes – Carris, STCP, Metropolitano de Lisboa e Metropolitano do Porto (doravante, Empresas de Transporte) – em torno de um conjunto de contratos de swap que com elas celebrara em Portugal, no contexto de diversos financiamentos que lhes haviam sido concedidos por diversas entidades, constitui o caso-base das considerações que se seguem. Elas visam esclarecer melhor um conjunto de questões importantes no âmbito da figura jurídica da alteração das circunstâncias que esse litígio pôs de manifesto.

    Na origem da disputa esteve o facto de, para responderem à profunda crise financeira de 2008, as autoridades europeias terem determinado uma descida muito acentuada da Euribor, prolongada depois por um tempo record; o que implicou para as Empresas de Transporte perdas catastróficas no âmbito de alguns contratos de swap, por elas celebrados, que tinham tal taxa por referente.

    Encetaram-se negociações, e diversos outros bancos, em situações semelhantes, resolveram por acordo com as Empresas de Transporte as dificuldades surgidas em torno dos contratos de swap com estas celebrados. O Santander Totta, porém, ao contrário dos demais, seguiu uma via litigiosa, e intentou uma ação visando o cumprimento integral de tais contratos por ele celebrados com as Empresas de Transporte, tendo escolhido a jurisdição inglesa para o efeito. Assim subtraiu o caso à apreciação dos tribunais portugueses, e conseguiu afastar a lei portuguesa, o que veio a comprovar-se determinante para o resultado da lide.

    Neste contexto, as Empresas de Transporte e o Santander Totta discutiram entre si, em Londres, inter alia:

    a) se o art. 437, n.º 1, do Código Civil português ¹ constituía uma regra imperativa, para efeito de saber se podia ou não ser afastada por contrato (como um contrato de swap de taxas de juro);

    b) se houve ou não, em virtude da crise financeira de 2008, uma alteração das circunstâncias nas quais as partes basearam a sua decisão de contratar;

    c) se tal alteração estava coberta pelos riscos próprios do contrato.

    De harmonia com as posições a tal respeito sustentadas, as duas partes concluíram diferentemente quanto a saber se havia, face ao direito português, contrariedade aos princípios da boa-fé na exigência do cumprimento das obrigações assumidas, de modo a justificar-se uma resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias: as Empresas de Transporte afirmando essa contrariedade, o Santander Totta negando-a.

    II – O litígio teve ampla repercussão na opinião pública portuguesa².

    Foi decidido publicamente por sentença do High Court of Justice Queen’s Bench Division, Commercial Court, Finantial List (Mr. Justice Blair), com data de 3 de março de 2016, consultável na íntegra em https://www.judiciary.uk/wp-content/uploads/2016/03/financial-list-BST-v-TCs-Approved-judgment.pdf³.

    Tal sentença veio, nas referidas questões, a reconhecer razão – a nosso ver, muito pertinentemente – às Empresas de Transporte perante a ordem jurídica portuguesa⁴.

    Centraremos nelas a nossa análise.

    III – O caso-base permite identificar facilmente alguns pontos críticos do tema da alteração das circunstâncias⁵. Sobre eles nos debruçaremos respeitando a sequência com que foram abordados e dilucidados no processo judicial correspondente.

    São eles:

    (i) A natureza dispositiva, ou não, do art. 437, n.º 1;

    (ii) O fundamento e os requisitos do regime da alteração das circunstâncias;

    (iii) O alcance da ressalva da parte final do art. 437, n.º 1, respeitante aos riscos próprios do contrato, e, consequentemente, a crise financeira como possível alteração anormal das circunstâncias com impacto nos contratos de swap celebrados.

    IV – Ao ilustrá-los a partir de um caso concreto, a índole do presente escrito harmoniza-se com alguns pressupostos e orientações metodológicas que temos também vindo a preconizar.

    Por um lado, dá-se expressão ao entendimento de que, na missão de realizar o direito, é o caso concreto que representa o prius metodológico de todo o jurista, por isso que é ele, a sua resolução, que constitui o princípio e o fim (últimos) do direito.

    Mesmo resguardando-nos abertamente da conceção (patentemente hiperbolizada) que pretende ser o direito tão-só constituído pelas «decisões» que o expressam⁶, a sua realização tem «no» caso a derradeira intenção.

    Por outro lado, realiza-se e exprime-se também o «método do caso» na transmissão do conhecimento jurídico; método que movimenta situações paradigmáticas para o estudo de problemas jurídicos típicos, e que temos propugnado no nosso ensino, em articulação com outras formas de aprendizagem, como fruto imediato da aludida compreensão da metodologia jurídica⁷.

    Vai consequentemente implícita uma certa conceção dela⁸. Em particular, a decidida superação de um modelo lógico-subsuntivo da realização do direito, e daquilo que este centralmente pressupõe: a «estanqueidade» entre a identificação, a interpretação e a integração das normas jurídicas aplicandas, por um lado, e a realidade fáctica subjacente, por outro⁹.

    Diante de situações paradigmáticas é tarefa do jurista proceder ao apuramento de modelos de decisão: modelos de variável complexidade que conjugam, prototipicamente também, um conjunto de argumentos (ou elementos decisórios) suscetíveis de conferir a resposta do direito a tais situações. Os princípios e normas que constituem o sistema jurídico surgem neles conjugados e coordenados segundo um peso e uma força típicos, em ordem a uma decisão (resolução) jurídica correta.

    Desta forma, o modelo de decisão posiciona-se a um nível intermédio entre a fundamentação «casuística» da solução e a enunciação abstrata e genérica dos critérios normativos que importa mobilizar. Estes são, no modelo de decisão, hierarquizados e compatibilizados segundo regras de prioridade e ordens de preferência.

    V – Uma última nota introdutória: o litígio entre o Banco Santander Totta e as Empresas de Transporte permitiu, no campo da alteração das circunstâncias, aferir critérios normativos da ordem jurídica portuguesa em situações-limite; sujeitá-la a um autêntico stress test.

    Situações como aquela convocam, como veremos, também por isso, uma certa conceção do sistema jurídico e dos seus sentido e intencionalidade últimos. Implicam, concomitantemente também, uma certa – e correspondente – metodologia.

    O seu caráter instrutivo reforça-se, pois, pela amplitude e pela profundidade das consequências jurídicas que, a vários níveis, implicam, envolvem ou projetam.

    ¹ São do Código Civil todas as disposições doravante referidas, exceto se do contexto resultar indicação diferente.

    ² Cfr., inter alia,

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