Cláusula de Exclusividade
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Cláusula de Exclusividade - Vicente Bagnoli
Cláusula de Exclusividade
ANÁLISE CONCORRENCIAL A PARTIR DO CASO DOS CRÉDITOS CONSIGNADOS
2014
Vicente Bagnoli
Alexandre Augusto Reis Bastos
Amanda Renata Enéas Navas
Prefácio: Fabiano Jantália
Posfácio: Marcos Paulo Veríssimo
logoalmedinaCLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
ANÁLISE CONCORRENCIAL A PARTIR DO CASO DOS CRÉDITOS CONSIGNADOS
© ALMEDINA, 2014
AUTORES: Vicente Bagnoli
Alexandre Augusto Reis Bastos
Amanda Renata Enéas Navas
DIAGRAMAÇÃO: Edições Almedina, SA
DESIGN DE CAPA: FBA
ISBN: 978-85-63182-99-9
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bagnoli, Vicente
Cláusula de exclusividade / Vicente Bagnoli,
Alexandre Augusto Reis Bastos, Amanda Renata
Enéas Navas. -- 1. ed. -- São Paulo : Almedina, 2014. ISBN 978-85-63182-62-3
1. Cláusula de exclusividade 2. Crédito consignado 3. Direito da concorrência I. Bastos,
Alexandre Augusto Reis. II. Navas, Amanda Renata Enéas. III. Título.
14-05489 CDU-34:33:381.81
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito da concorrência : Direito econômico
34:33:381.81
Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem de informações, sem a permissão expressa e por escrito da editora.
Agosto, 2014
EDITORA: Almedina Brasil
Rua Maria Paula, 122, Cj. 207/209 | Bela Vista | 01319-000 São Paulo | Brasil
editora@almedina.com.br
www.almedina.com.br
Agradecemos aos colegas e amigos que, cada um, de alguma forma, contribuiram para a vitória alcançada que resultou na realização deste livro: Miguel da Costa Carvalho Vidigal, Daniel Ribeiro Kaltenbach, José Carlos Magalhães Teixeira Filho, Célia Froufe, Juliano Basile, Marcio de Carvalho Silveira Bueno, Eduardo Caminati Anders, Laércio Farina e Pedro Dutra.
PREFÁCIO
Desde o primeiro dia de sua formação nos bancos da graduação, o profissional da área jurídica é talhado por seus professores – ou, usando a linguagem própria de nossa seara, doutrinado – e por eles etiquetado como operador do Direito
. O uso amplamente disseminado – e, porque não dizer, indiscriminado – dessa qualificação para o profissional da área jurídica, em manuais de introdução ao estudo do direito, tem um efeito potencialmente inibidor da atuação desse profissional. Afinal, um operador
lida com ferramentas já prontas, forjadas por outros, e não desfruta de espaço para produzir algo verdadeiramente novo.
Nesse contexto, por mais espírito crítico que possua, o estudante de Direito acaba, de forma sutil e subliminar, sendo induzido a assumir uma posição quase contemplativa da ciência jurídica. Para esse profissional em formação, o Direito seria, metaforicamente falando, como uma bela pintura, fruto da criação de um ser iluminado (entre nós qualificado como jurista
), que poderia ser no máximo analisada, mas jamais modificada em sua essência. Nesse contexto, bom operador do Direito
seria aquele capaz de captar a essência da inspiração quase divina do jurista, explicitando seus termos e dando-lhe aplicabilidade àquele caso específico.
Em minha visão, é na constatação e na superação desse verdadeiro aprisionamento reflexivo que se situa o marco inicial da carreira de um advogado verdadeiramente virtuoso. É a partir daí que o advogado deixa de ser um expectador passivo e contemplativo do Direito e passa a concebê-lo como algo vivo, resultante de um processo no qual seu papel não é o de mero operador, mas de protagonista ou co-autor. A partir do momento em que se dá conta disso, a contribuição do advogado não mais se limitará a beneficiar seus clientes em vitórias pontuais: como partícipe da criação jurídica, sua atuação – com novas ideias e concepções, consolidadas, por exemplo, em precedentes jurisprudenciais – tenderá a trazer benefícios a toda a coletividade, alterando verdadeiramente os contornos do Direito enquanto produto da criação doutrinária e jurisprudencial.
A obra que segue adiante é uma expressão dessa atividade criativa e inovadora que é própria de grandes e virtuosos advogados. A partir de um notável esforço de elaboração argumentativa na defesa de seus clientes, Vicente Bagnoli, Alexandre Bastos e Amanda Navas lançaram novas e paradigmáticas luzes sobre o regramento jurídico-concorrencial aplicável aos contratos de crédito consignado no Brasil.
A questão que se aventuraram a enfrentar era de grande repercussão e de grande complexidade. Afinal, se de um lado se alegava estar caracterizada uma infração à Ordem Econômica, em razão da existência de cláusula de exclusividade firmada entre uma instituição financeira e determinados entes públicos para processamento das operações de crédito consignado, por outro se vislumbrava como bastante plausível o argumento de que os contratos que instrumentalizaram esta exclusividade estavam acobertados pela liberdade de contratar, que é um dos mais importantes elementos ou componentes do princípio da livre iniciativa.
Mas o caso FESEMPRE tinha outro componente substancialmente importante, que o tornava verdadeiramente desafiador: a controvérsia estava imersa em um contexto regulatório e normativo verdadeiramente híbrido, por envolver uma discussão sobre conduta concorrencial de uma instituição financeira. Na realidade, a questão que se controvertia no caso estava no cerne de uma conhecida fricção – aliás, não restrita nem ao sistema financeiro, nem ao ordenamento jurídico brasileiro – entre regulação setorial e regulação concorrencial.
No âmbito do sistema financeiro, mesmo quando considerado o cenário internacional, essa fricção, até o advento da recente crise financeira, nunca se mostrou muito intensa. Com efeito, uma análise retrospectiva mais atenta dos arranjos regulatórios internacionais e de suas fontes normativas na área revela que, historicamente, a grande preocupação das autoridades de regulação e supervisão dos mercados financeiros sempre foi – e por certo continua sendo – a prevenção e a solução das crises. É de se notar, assim, que a preocupação maior sempre foi a de manter o sistema incólume, à prova de fraudes e de riscos. À vista de tão relevante e complexa missão, não era de surpreender que as preocupações de natureza concorrencial atraíssem tão pouca atenção.
O Acordo de Basileia, principal fonte de princípios para a regulação e a supervisão financeiras, é uma boa evidência do que se afirma. A primeira versão do acordo (usualmente conhecida como Basileia I), editada em 1988, tinha como foco o risco de crédito. Suas prescrições estavam direcionadas para o estabelecimento de regras acerca do capital dos bancos e, portanto, circunscritas aos riscos próprios das instituições financeiras. Em sua segunda versão (Basileia II), editada em 1996, o acordo teve seu escopo significativamente ampliado. Passou-se então a focar também o risco de mercado, e segmentos como os de derivativos, de futuros e de opções que entraram de vez no radar regulatório a ponto de ensejar capítulos específicos voltados para o aprimoramento da disciplina dos mercados financeiros em seu sentido amplo. Ainda assim, não se vislumbrava nada mais efetivo em termos concorrenciais.
Nesse período em especial, algumas particularidades do sistema financeiro brasileiro tornaram a preocupação estrutural ainda mais forte: na década de 1990, vivenciamos um importante momento de transição, no qual uma verdadeira revolução financeira se operou a partir das bem sucedidas medidas de estabilização monetária que vieram a lume com o Plano Real. Sua adoção, como se sabe, induziu a uma drástica depuração do sistema: muitas instituições que sobreviviam graças à ciranda financeira inflacionária foram a pique. Em tal quadro, não havia mesmo sentido em cogitar mais fortemente qualquer outra preocupação que não fosse a própria solidez e segurança do sistema financeiro. Afinal, antes de qualquer outra coisa, era a própria sobrevivência do sistema estava em jogo. Em consequência, ganhou coro, no Brasil, a convicção de que haveria uma relação inversa entre a solidez ou solvência do sistema e seu grau de concorrência, de modo que, no limite, seria perfeitamente aceitável tolerar algum grau de concentração em prol da sobrevivência do sistema.
Pelo sim, pelo não, essas reflexões e a edição da Lei nº 8.884, em 1994, levaram a uma conduta mais firme do Banco Central do Brasil no sentido da afirmação de sua competência para zelar pelas condições de concorrência no sistema financeiro. Mas, ainda assim, muito mais por conta da preocupação da autarquia com o controle de estruturas sobre a higidez do sistema do que com o controle de condutas em si.
Essa preocupação estrutural, contudo, não era apenas do Banco Central brasileiro. Tanto assim que ocupou pauta dos debates que culminaram com a edição de Basileia III, em 2011, declaradamente focada no aperfeiçoamento da capacidade dos bancos de absorver choques e crises oriundas não apenas do próprio sistema financeiro, mas também de outros setores da economia. É bem verdade que essa preocupação acabou potencializada pela recente crise do subprimes, mas ela verdadeiramente já existia. Basileia III, assim trouxe pelo menos duas recomendações aplicáveis diretamente ao controle de estruturas: o princípio nº 6, que preconiza a necessidade de se atribuir poderes ao supervisor financeiro para apreciar transferências significativas
de propriedade ou controle do capital dos bancos; e o princípio nº 7, que preconiza a importância de se atribuir estes mesmos poderes ao supervisor financeiro para assegurar que as estruturas corporativas não exponham o banco a riscos indevidos nem impeçam uma supervisão eficaz
.
Esse breve escorço nos mostra que, por questões ínsitas à própria dinâmica – e às crises – do sistema financeiro, as questões concorrenciais, mesmo quando presentes na agenda regulatória do setor, historicamente se circunscreveram ao controle de estruturas. Naturalmente, há estudos oficiais acerca do tema, no Brasil e nos demais países, mas, até então, a agenda dos reguladores e supervisores financeiros estava – e, em outros países, efetivamente ainda está – eminentemente voltada para aspecto estrutural.
É aqui que se vislumbra uma importante contribuição que o caso FESEMPRE trouxe para o sistema financeiro brasileiro: pela primeira vez se discutiu, em um caso concreto, uma prática concorrencial de uma instituição financeira. A controvérsia trazida pelos autores desta obra, enquanto patrocinadores da causa administrativa que se estudará nas páginas que seguem, propiciou um saudável debate acerca do tema. E trouxe consigo pelo menos dois grandes benefícios. Em primeiro lugar, porque acabou se revelando como um evidente fator de estímulo à inovação normativa, que culminou com edição da Circular nº 3.522, de 14 de janeiro de 2011, a qual vedou a celebração de convênios, contratos ou acordos que impeçam ou restrinjam o acesso de clientes a operações de crédito ofertadas por outras instituições, inclusive aquelas com consignação em folha de pagamento
. Em segundo lugar, porque a própria instituição financeira envolvida decidiu, ao final, pela celebração de um Termo de Compromisso de Cessão de Prática com o CADE, demonstrando grande sensibilidade aos argumentos jurídicos deduzidos pelos advogados da FESEMPRE e, ao mesmo tempo, grande compromisso com um sistema financeiro verdadeiramente mais competitivo.
Nisto reside, a meu sentir, o caráter paradigmático do caso FESEMPRE: o debate jurídico-concorrencial deflagrado com a insurgência em face dos acordos de exclusividade no âmbito do mercado de crédito consignado acabou levando a uma nova postura não apenas dos regulados, mas também do próprio regulador diante do tema. Sua importância foi tão grande que, no cenário normativo delineado a partir de então, não subsiste margem normativa para uma nova discussão em torno da matéria. E com isso, é possível afirmar que os maiores beneficiados com o deslinde do caso não foram a FESEMPRE e seus filiados: foi a coletividade, destinatária precípua das regras concorrenciais.
Diante dos aspectos antes comentados, o caso FESEMPRE pode, com toda certeza, ser considerado como um importante marco do direito na concorrência brasileiro. Por isso, tenho a certeza de que o leitor apreciará, e muito, as páginas que se seguirão. Há nelas um riquíssimo manancial de informações, de grande valor tanto para os profissionais do ramo, quanto para a comunidade científica, e que deve ser sorvido em sua máxima extensão.
Boa leitura!
Brasília (DF), 1º de março de 2013
FABIANO JANTALIA
Doutorando e Mestre em Direito, Estado e Constituição (UnB)
Professor de Direito Bancário e de Direito Econômico do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP)
contato@fabianojantalia.com.br
I. Introdução
A exclusividade e de que modo ela pode ser compreendida como uma infração à ordem econômica é um dos temas mais desafiadores para se estudar o Direito da Concorrência. Enquanto substantivo feminino, cuja origem vem do adjetivo exclusivo, exclusividade é aquilo que exclui ou elimina, que tem poder para excluir; privativo, restrito; que não é compatível com outra coisa, e por privilégio, pertence a alguém. Exclusivo, enquanto substantivo masculino, é o direito de estar livre de concorrentes, por exemplo, livre de concorrentes no mercado.
A análise dos princípios constitucionais ensina que, em regra, a exclusividade não representa uma afronta à ordem econômica. À luz da propriedade privada, trata-se de garantia ao indivíduo, e como princípio da ordem econômica, pressuposto da liberdade de iniciativa. A propriedade privada é princípio típico das economias capitalistas, sem o qual não existiria segurança jurídica para os agentes econômicos atuarem nos mercados. Assim, a exclusividade à luz da propriedade privada é algo natural. Porém, sua leitura não pode ser feita afastada de outro princípio, o da função social da propriedade, o qual confirma o direito do indivíduo sobre a propriedade, mas que também impõe o cumprimento da função social da mesma.
A livre concorrência é outro princípio constitucional da ordem econômica essencial para analisar a exclusividade. Inserida no contexto da globalização econômica, no regime de economia de mercado, a livre concorrência assegura aos agentes econômicos a oportunidade de competirem de forma justa. A garantia da competição leal, isenta de práticas anticoncorrenciais e de utilização abusiva do poder econômico, é assegurada pelo Estado, instrumentalizado seja por autoridades regulatórias, seja pela autoridade de defesa da concorrência: o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Sempre que um agente econômico detentor de poder econômico ou posição dominante suficiente para alterar o livre funcionamento do mercado, alterando preços e qualidade do produto ou serviço, influenciando diretamente o comportamento dos seus rivais e, sobretudo, capaz de restringir e limitar a concorrência, muitas vezes fechando
o mercado, a exclusividade pode ser compreendida como infração à ordem econômica.
A Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, da mesma maneira como dispunha a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, tem a exclusividade como eventual infração à ordem econômica.
Conforme dispõe o art. 36 da Lei nº 12.529/2011 (que corresponde ao revogado art. 20 da Lei nº 8.884/1994), os atos que constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, sob qualquer forma manifestados, são aqueles que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: (i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;