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Uma lembrança de Paris
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E-book239 páginas3 horas

Uma lembrança de Paris

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Sobre este e-book

Meng Xiang tinha sempre o mesmo pesadelo. Via-se criança, em Paris, antes da violenta catástrofe que destruiria a cidade. Apaixonado pela França, esse riquíssimo chinês decidiu consagrar toda sua vida à reconstrução da cidade. Mas o resultado, por mais fiel que fosse, não atraía os turistas. Parecendo mais com uma Disneylândia, faltava algo que desse alma à cidade.
Com a ajuda de seu mordomo, François, e de um jovem antiquário batizado Théophile Gautier, dedica-se a um projeto audacioso: formar seus funcionários para que se tornem parisienses!

Entre O Show de Truman e O fabuloso destino de Amélie Poulain, "Uma lembrança de Paris", terceiro livro de Jean Hamant, desenha um retrato surpreendente e satírico do que faz um parisiense e de sua imagem junto aos turistas estrangeiros.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento14 de dez. de 2017
ISBN9781507193259
Uma lembrança de Paris

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    Uma lembrança de Paris - Jean Hamant

    JEAN HAMANT

    UMA LEMBRANÇA DE PARIS

    Para May, minha mais fiel leitora.

    Inspirado em uma história real.

    Sumário

    1

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    1

    ––––––––

    Paris, numa tarde de julho. A agitação é a de um formigueiro: incessante, vibrante, frenética. O calor é opressivo; apenas uma leve brisa inconstante oferece algum alívio. Paris parece estranha sob o sol do verão, quase irreal. A atmosfera pegajosa, os ruídos do trânsito e a desordem oferecem um contraste cativante à digna serenidade dos incontornáveis da cidade: o Sena corre calmamente, a Torre Eiffel ergue-se acima da escaramuça, a Catedral Notre-Dame desafia o tempo, como uma avó que se distrai ao ver seus netos brincando diante dela.

    Paris é isso: uma contradição permanente, um equilíbrio precário entre o zumbido constante e a quietude atemporal dos monumentos que exalta a cidade com esplendor.

    Contra a correnteza de moradores e de turistas em plena efervescência, um jovem chinês está parado. No alto da colina de Montmartre, admira a paisagem, estupefato... Não sabe para onde nem para o que olhar tantas e tão numerosas são as maravilhas a serem contempladas. Seus olhos não conseguem se fixar, estão constantemente em movimento, atraídos por um outro ponto no horizonte. A esta hora, o sol já iniciou sua descida no céu. Ainda é dia, mas a luz é mais doce e colore a cidade de rosa e alaranjado, sublimando sua beleza. Para um adolescente de doze anos, a atmosfera tem algo de fantástico: Meng Xiang tem a impressão de estar mergulhado em um sonho.

    Desembarcara de Xangai há três dias, com seus pais, que lhe tinham dado essa viagem como um presente surpresa. Acumulando noites curtas, a diferença de fuso horário e a excitação de estar neste lugar, eles perambulam, atordoados, como tantos outros concidadãos, no meio desta vasta terra desconhecida.

    Enquanto vai saltando com uma perna só as calçadas dos bairros populares, seus olhos amendoados analisam cada detalhe com o frescor inocente de sua idade. Munido da máquina fotográfica, um presente de seu último aniversário, está em missão fotográfica para seus colegas de classe. Absorve como uma esponja a atmosfera de Paris: as motos barulhentas, a correria dos nativos — sempre apressados —, o cheiro de um quiosque de doces logo atrás dele preparando pralinas. Nem os gritos dos artistas amadores com bigodes lustrosos, nem o tocador de acordeão tocando Mon amant de Saint-Jean, pela ducentésima vigésima sétima vez do dia podem perturbar sua fascinação e sua concentração. Eles fazem parte de um todo.

    Já seus pais escutam atentamente o discurso do guia, que evoca a dimensão sagrada da colina de Montmartre, lugar de culto desde o início dos tempos, fascinando todas as outras crianças de sua idade que participam da visita. Meng Xiang não ouve; está com a cabeça em outro lugar, em outro momento. Sob seus olhos, a cidade se revela inteiramente. Embaixo da colina, perto do carrossel, um casal recém-casado posa. Meng Xiang, esboçando um sorriso cúmplice, observa-os. É preciso ser imortalizado aqui, nesta terra sagrada, neste segundo preciso. Guardar um pouco desta alma parisiense consigo, como uma bênção para um casamento feliz. Para o casal, este será provavelmente um dos momentos mais significativos da vida deles.

    Mas o grupo de turistas volta a movimentar-se. Conduzidos entre pontes, ruas e edifícios, eles avançam com pressa, para não perder nada da cidade. Uma caminhada tão cansativa quanto estimulante, em que tudo tem história. Uma breve parada na Ilha Saint-Louis para degustar um sorbet no Berthillon, avaliado pelo guia como um dos melhores sorveteiros da capital, e se lançam novamente nas ruas parisienses. A máquina fotográfica está a mil; o que se deve guardar de tudo isso? Será que já vimos as atrações mais belas ou ainda falta muito? Cada novidade o arrebata, e os buquinistas às margens Grands Augustins, estes guardiões da memória, o fascinam. Todas essas imagens, todas essas emoções, prometeu conservá-las, intactas, para si e para seus próximos.

    Ao virar em uma ruela, o grupo para em uma dessas pequeninas lojas de lembranças que pululam no bairro. Sua mãe demora-se em frente a uma bolsa rosa decorada com retratos de celebridades parisienses da moda, enquanto seu pai gira o suporte de cartões postais na esperança de achar o mais engraçadinho. O garoto está cativado por um desses globos de neve e diverte-se virando-o várias vezes para ver os flocos pousarem delicadamente em cima de um Arco do Triunfo, uma Sacré- Cœur e uma Torre Eiffel liliputianos. Um símbolo guardado numa bola de vidro, para melhor conservá-lo. Imaculado. O universo todo pode evoluir, mas esse pedacinho tão típico da França nunca enfrentará os estragos do tempo, promete a si mesmo.

    E dizer que tudo isso está chegando ao fim. Três diazinhos somente para descobrir as maravilhas da capital! Hoje, na noite do 14 de julho, tudo estará acabado. Esse 14 de julho tão estimado pelos parisienses, esse 14 de julho símbolo da Revolução Francesa, quando a população revoltosa, refratária à ordem estabelecida, insurge-se contra aquele que encarnava o poder despótico e esclerosado, e contra aquela que aconselhava os habitantes esfomeados para que, na falta de pão, comessem brioches. Meng Xiang descobriu esse relato em uma brochura achada na recepção do hotel, no dia em que chegou.

    O garoto esperava de pés firmes pelos fogos de artifício deste 14 de julho desde que conheceu esse marco simbólico da História da França.

    Estamos aqui, finalmente! Após o jantar em uma das embarcações amarradas às margens do Sena, Meng Xiang e seus pais instalam-se na esplanada do Trocadéro, abarrotada, claro, como em todos os anos, como se a cidade inteira tivesse marcado de estar ali. Pouco a pouco, o calor do dia ameniza-se. Meng Xiang junta-se à multidão, radiante por fazer parte do povo de Paris. Nesta noite, ele fará parte da comemoração deste país que o intrigava tanto quanto o fascinava.

    Vinte e três horas. O espetáculo começa. Meng Xiang está encantado; sob a iluminação dos fogos de artifício, os monumentos revelam outra dimensão, cuja beleza, quase irreal, é ainda mais surpreendente aos seus olhos.

    E, de repente, ela aparece: a Torre Eiffel. Dominando a paisagem, esse amontoado majestoso de ferro, radioso como um totem sagrado. A Cidade Luz oferece ao jovem seu símbolo eterno. Ele busca a mão de sua mãe para melhor compartilhar a emoção em que submerge diante de um espetáculo tão grandioso. Rapidamente, como boa companheira de viajante aprendiz, sua máquina fotográfica lembra-o de que deve registrar o momento.

    Ele a empunha e a leva aos olhos. Onde está é um bom lugar, mas, com certeza, pode encontrar outro melhor. Aproxima-se da beira da esplanada. Uma salva azul, como toque impressionista, é deflagrada novamente. Será que poderia fixar eternamente este belo quadro na película, já que só lhe resta uma única foto em seu aparelho? Meng Xiang afasta-se um pouco para achar um melhor ângulo. Um grupo de espectadores, também preocupados em aproveitar a noite, coloca-se diante de sua lente. Merde, diz em um francês circunstancial. Desloca-se então para o lado, esperando assim ter mais chance, quando outros espectadores também à procura do melhor ângulo vêm colar-se a ele. E outros, e mais outros. Será que não conseguiria tirar essa maldita foto? O destino parece persegui-lo. Meng Xiang pragueja internamente. Conseguiria, sim ou não, imortalizar esse pedacinho de Paris, sem a multidão de parisienses que o atrapalha? Como fazem os autores de cartões postais para oferecer essa visão perfeita da Notre-Dame descobrindo-se atrás das folhagens? Era ilusão de uma fotomontagem, talvez? Ou será que eles também esperam pelo momento propício, passando horas a escrutar o menor movimento humano, antes de fotografar o monumento em sua nudez? O jovem turista decide tirar a sua foto, pouco importando se ela não for perfeita. Afinal de contas, tinha prometido a si mesmo essa foto, merece-a e, além disso, não tem a paciência de um fotógrafo de animais selvagens.

    Enquanto os acordes da Orquestra Nacional de Paris preludiam o buquê final, de repente o estrondo de uma formidável explosão ressoa, seguido de um flash.

    Larguei minha máquina, que se despedaçou no chão, Meng Xiang lembra-se de fragmentos. E em seguida? Um urro enorme dado simultaneamente por milhares de mulheres e homens reunidos. E, depois, o pânico total. O que aconteceu?

    Instintivamente, Meng Xiang procura seus pais com o olhar. Não teve tempo nem de avistá-los, e sua mãe já berrava em sua direção.

    — Xiang! Vem aqui imediatamente!

    Uma enorme cacofonia reina nesta praça, onde, um punhado de segundos mais cedo, o garoto preparava-se para tirar a foto que imaginava ser o símbolo de seu périplo. O guia, habitualmente tão jovial, parece uma estátua, incapaz de pronunciar uma única palavra.

    Em pânico e sem fôlego, a multidão amontoa-se ao redor deles, procurando abrigo na estação de metrô mais próxima. Por sorte, a estação Trocadéro abre sua boca, pronta para engolir os cidadãos perdidos.

    Pela primeira vez, vi meus pais fraquejarem diante de mim. Totalmente desorientada, incapaz de conter sua agitação, minha mãe foi a primeira a desabar. A viagem — um presente dela e do meu pai para mim, sabendo de meu interesse pela França e sua cultura, do alto de meus doze anos — assumia uma dimensão dramática.

    Meng Xiang e sua família, completamente abalados, estão literalmente em um cerco organizado pelas equipes de emergência nos corredores do metrô, das plataformas até as escadas rolantes que outrora serviram de brinquedos para o garoto, durante sua curta estadia. Esta noite, porém, imóveis, elas perderam a magia. As sirenes de alerta vomitam decibéis ao mesmo tempo que as mensagens pedindo calma são difundidas, adicionando mais confusão ao pânico.

    Meu pai começou a murmurar uma frase incompreensível. Interrogava minha mãe com o olhar: ela distinguiu que da boca dele saía um dialeto do Jiangxi, terra de origem de meu avô. Papai nunca utilizou esse dialeto em nossa presença. A situação devia ser realmente grave.

    A multidão sitiada no subsolo espera pelos acontecimentos futuros com uma angústia que não dá mais para disfarçar. Os parisienses presentes na esplanada no momento da explosão são os mais aflitos.

    Os muros do metrô começam subitamente a vibrar. Um ligeiro tremor telúrico une-se ao estrondo de uma explosão. A mãe de Meng Xiang aperta-o contra o peito. Seus companheiros de infortúnio retêm o fôlego enquanto a terra treme; alguns imploram uma última vez aos seus deuses que os livrem em um rompante de febre mística. Foram apenas alguns segundos; segundos mais longos que toda a eternidade.

    E, então, o silêncio.

    Pesado.

    Tenso.

    Perturbado somente pelo tilintar surdo das luzes intermitentes do metrô.

    Levantei a cabeça com prudência e procurei meu pai com o olhar. Ele ainda estava ali, ao meu lado. Estávamos vivos e era a única coisa que importava naquele instante.

    Por reflexo, e meio em vão, cada um tenta contatar o exterior: um amigo ou um parente com quem pudesse obter um pouco de informação; as comunicações estão interrompidas — até mesmo os telefones de emergência estão fora de serviço. É um milagre os muros terem resistido. O burburinho logo começa a aumentar entre homens e mulheres que estavam ali para comemorar a História e que agora se encontram refugiados a aproximadamente vinte pés sob a terra até tornar-se uma cacofonia incompreensível. O caos ainda reina, mas uma coisa é certa: parisienses e turistas estão presos. Será muito corajoso quem ousar subir à superfície.

    Um grupo de uma dezena de pessoas propôs-se, no entanto, a subir. É preciso ver o que resta ao redor. Eles sobreviveram, mas e Paris?

    Meus pais pegaram-me pela mão e juntaram-se ao grupo. Dava para ver a apreensão no rosto deles. O que descobriríamos na superfície? Esta viagem, desejada desde sempre e que deveria terminar em uma apoteose, tornara-se um pesadelo. Que baita fogo de artifício, hein?!, acreditei ouvir da boca de um homem que salientava a ironia da situação.

    O grupo assim constituído alcança a superfície.

    E vê...

    Ou melhor, não vê, pois não há mais nada para ver.

    Um sopro diabólico devastou Paris.

    Minha cidade, essa cidade que gostaria tanto de tê-la feito minha... A Torre Eiffel que contemplava há alguns poucos instantes agora está destruída. A noite compunha uma visão do inferno com Paris sob as chamas que a consumiam por todas as partes. Um ataque terrorista? Um castigo divino? No fim, as causas importavam pouco: por enquanto, apenas o resultado contava, e ele estava além do entendimento.

    Nada pôde proteger o lugar. Paris, sua história, seus monumentos, suas construções antigas e os bares de seus diferentes bairros, as ruas pavimentadas pensadas para brincadeiras de amarelinha, os pombos que caçoavam das gaivotas... Tudo isso era agora sonho longínquo e pesadelo bem real. A viagem terminava brutalmente, o mundo de Meng Xiang desmoronava. Sua inocência também.

    Penso ainda na foto que deveria ter tirado, ou que talvez tivesse tirado: acho que tive tempo de apertar o botão de disparo. Ela deve estar agora provavelmente enterrada com o aparelho, sob um monte de cinzas. Uma nova Pompeia desenha-se diante de mim e minha foto talvez seja um dia descoberta depois de muitos séculos, como vestígio arqueológico de uma época e de uma cidade que desapareceu para sempre.

    Paris foi arrasada, e eu com ela.

    O amor breve, mas intenso como uma paixão fulminante, que tive por essa cidade não existia mais.

    2

    ––––––––

    Meng Xiang acordou de um sono agitado. Sempre esse mesmo pesadelo: a noite do 14 de julho, ele garoto com seus pais, na esplanada do Trocadéro, a explosão e o pânico que logo sobrevieram. Um refúgio encontrado nos corredores do metrô mais próximo. E a descoberta de uma Paris devastada. O apocalipse.

    Com as mãos enrugadas, ele retira o capacete de eletrodos que usa todas as noites para dormir. Seus olhos abrem-se lentamente para a decoração art nouveau de seu quarto. Um estilo que aprecia bastante, principalmente os belos vasos de vidro de Emile Gallé. A representação de uma época distante, quando o progresso técnico se confundia sutilmente com a arte, e o Oriente, com o Ocidente.

    Senhor Meng está deitado ao lado de seu balão de oxigênio, onde testemunha uma saúde declinante. O velho levanta-se com dificuldade. O despertar é sempre brutal: em alguns segundos, deixa seu corpo de criança para habitar o de um velho. Noventa e três anos na semana passada. Um aniversário que suas articulações dolorosas relembram constantemente. Apanha sua bengala e dá alguns passos com equilíbrio incerto. O velho deambula neste cômodo grande demais para ele, tentando reunir alguns instantes amenos de suas lembranças embotadas. Um trauma arraigado nele, como uma mancha irremovível.

    Aproxima-se da janela que reduz o barulho da cidade e esquadrinha o horizonte com um olhar melancólico. Esse pesadelo... Paris..., devaneia.

    As forças parecem abandoná-lo. Contudo, a Paris que sempre imaginou está lá, estendida a seus pés, esplêndida e ainda adormecida.

    Seu sonho de criança.

    Dirige-se a uma pequena escrivaninha sobre a qual conserva a mais preciosa de suas lembranças. Agita o globo de neve e observa os floquinhos brilhantes caindo delicadamente, como na primeira vez, sobre essa Torre Eiffel que admira tanto. A atividade, fútil aos olhos de um adulto permanece carregada de significado para ele. A impressão excitante de ter uma cidade toda em suas mãos! Era o presente de seus pais, já falecidos, para seus doze anos. Eles partiram há muito tempo. Já o monumento está intacto, bem protegido por sua redoma de vidro que viu a passagem dos anos. Algo dessa vida anterior sobreviveu.

    Alguém bate à porta. Senhor Meng deixa entrar François, seu mordomo vestido com uma suntuosa sobrecasaca.

    — Permita-me lembrar o senhor de que a assembleia

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