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Palas - Contos e Cantadas do Centro do Recife
Palas - Contos e Cantadas do Centro do Recife
Palas - Contos e Cantadas do Centro do Recife
E-book141 páginas1 hora

Palas - Contos e Cantadas do Centro do Recife

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Sobre este e-book

'Palas – Contos e Cantadas do Centro do Recife' é um livro de contos, com uma série de histórias sobre o jeito peculiar do recifense de iniciar flertes, paqueras ou grandes romances. Pala é um termo típico da capital pernambucana que tem a mesma conotação de cantada, galanteio, sedução, conversa, papo, lábia. Com toda sua natural mania de grandeza, quem é de Recife logo se qualifica fazendo parte do povo mais "paloso" em linha reta da América Latina, gerando certo ciúme nos olindenses que também disputam essa alcunha.
IdiomaPortuguês
EditoraBadoque
Data de lançamento18 de ago. de 2021
ISBN9786500289305
Palas - Contos e Cantadas do Centro do Recife

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    Palas - Contos e Cantadas do Centro do Recife - Gil Luiz Mendes

    contracapa

    Copy­right © 2020 by Gil Luiz Men­des

    To­dos os di­rei­tos re­ser­va­dos

    Capa

    Re­na­to da Cu­nha

    Re­vi­são

    Fa­bi­a­na Ces­quim

    Di­a­gra­ma­ção

    An­drea Kul­pas

    Ebo­ok

    ISCS

    ISBN (li­vro fí­si­co)

    978-85-923703-3-6

    ISBN (li­vro di­gi­tal)

    978-65-00-28930-5

    ___________________________________

    Luiz Men­des, Gil

    Pa­las – Con­tos e Can­ta­das do Cen­tro do Re­ci­fe / Gil Luiz Men­des – São Pau­lo: Ba­do­que Li­vros, 2020.

    Para Ber­nar­do Wic­tor e Mar­cus Igle­si­as, com­pa­nhei­ros de bo­ê­mia e aven­tu­ras pe­las ruas de to­dos os cen­tros

    O amor co­meu meu es­ta­do e mi­nha ci­da­de

    (João Ca­bral de Melo Neto)

    encontros

    gringa

    inverno

    afinidades

    novidade

    bichos

    forró

    assalto

    samba

    sorte

    paixões

    compras

    poema

    arte

    aluno

    peso

    solidão

    zen

    cinema

    cliente

    amores

    reflexo

    íntimos

    corrida

    delicadeza

    moda

    asma

    presente

    pressa

    ajuda

    erros

    prefacio

    uma pa­li­nha so­bre a ge­o­gra­fia sen­ti­men­tal de Gil Luiz Men­des

    LI­TE­RA­TU­RA SEM FRES­CU­RA, NA PRO­SÓ­DIA DE PER­SO­NA­GENS do mi­o­lo do Re­ci­fe, no rit­mo de quem fala e toma uma cer­ve­ja com a boy­zi­nha na pra­ça Ma­ci­el Pi­nhei­ro, uma cer­ve­ja com amen­doim tor­ra­do ou co­zi­do, bem ali na es­qui­na - hoje uma casa de mpó­veis - onde mo­rou Cla­ri­ce Lis­pec­tor; mas isso nem vem ao caso, vale a ca­dên­cia do agá da con­quis­ta, a es­pe­ra do bote lí­ri­co, com uma fra­se sim­ples, mas com a po­tên­cia de um cal­di­nho de su­ru­ru com ca­cha­ça, ele&ela, vale o azou­gue, o mo­men­to, o ba­que, o es­ta­lo, a fome de tudo, o for­ró - quan­do tu ba­lan­ça dá um nó na mi­nha pan­ça -, o sam­ba, o reg­gae, a la­ri­ca de vi­ver, o gloss que der­re­te di­an­te da fal­ta de fas­tio e do de­se­jo ma­ni­fes­to à quei­ma-rou­pa, a sus­tan­ça, a pau­du­res­cên­cia, a mu­ci­ca do sus­pen­se e da es­pe­ra por aque­le bei­jo, ave pa­la­vra! que coi­sa lin­da.

    Pa­las – Con­tos e can­ta­das do Cen­tro do Re­ci­fe é li­te­ra­tu­ra iti­ne­ran­te por uma ge­o­gra­fia afe­ti­va da ca­pi­tal per­nam­bu­ca­na, mas sem­pre com um des­fe­cho que jus­ti­fi­ca a ca­mi­nha­da apa­ren­te­men­te sem rumo. Car­los, Sa­mu­el e Isac fa­zem um tra­di­ci­o­nal pas­seio to­dos os dias. A jor­na­da tem iní­cio na Rua da Ma­triz, atra­ves­sa a Pra­ça Ma­ci­el Pi­nhei­ro, pas­sa pe­las ruas da Con­cei­ção e do Gi­ri­qui­ti e tem seu pon­to de re­tor­no na Rua do Pro­gres­so, na al­tu­ra do cru­za­men­to com a Rua das Nin­fas. O per­cur­so de ida e vol­ta tem qua­se 1.800 me­tros e dura exa­tos 44 mi­nu­tos. É li­te­ra­tu­ra de flâ­neur, de ba­ter per­nas, de­cen­te va­ga­bun­da­gem sob a bri­sa ou a cal­dei­ra do Hell­ci­fe.

    Uma es­pe­ra em uma pa­ra­da de ôni­bus, Mar­ce­lo, um dos can­tan­tes ou can­ta­do­res – a can­ta­da por si é nes­te li­vro um gê­ne­ro li­te­rá­rio – con­tem­pla uma lin­da con­tra­di­ção que usa ócu­los e mo­le­tom. Dia de Re­ci­fe frio, ge­la­do, in­ver­no nos seus 20 graus. Si­bé­ria para os pa­drões lo­cais. Li­nhas adi­an­tes, o mais cha­pan­te des­fe­cho en­tre as bre­ves nar­ra­ti­vas des­te li­vro. Spoi­ler zero, baby, sin­ta o cli­ma no in­fer­ni­nho des­tas pá­gi­nas. Di­vi­di­do por En­con­tros, Pai­xões e Amo­res, Pa­las é de­li­ci­o­so como uma cer­ve­ja bem ge­la­da com jabá no Mer­ca­do da Boa Vis­ta, ou­tro pon­to no ro­tei­ro sen­ti­men­tal des­ses con­tos. O lei­tor pas­seia tam­bém pelo bair­ro de São José e sen­te a for­ça dos ori­xás no pá­tio de São Pe­dro.

    E todo cui­da­do é pou­co, ami­gas, com um cer­to du­blê de John Wai­ne dos tró­pi­cos. Não que ele, mes­mo no fa­ro­es­te re­ci­fen­se, não te­nha a sua de­li­ca­de­za. É li­te­ra­tu­ra, uma pala, uma pa­li­nha aba­li­za­da, baby, e de pri­mei­ra, com di­rei­to tam­bém a can­ta­das com o char­me do ci­ne­ma fran­cês. Vá na paz, como se fos­se para a fic­tí­cia Ba­cu­rau, e ande com es­ti­lo na tra­ves­sia da Sete de Se­tem­bro para a Rua do Hos­pí­cio, aí você já che­gou ao Beco da Fome, onde a po­e­sia in­de­pen­den­te da ci­da­de rei­nou nos anos 1970/80 e ser­ve de ce­ná­rio para a pro­sa subs­tan­ci­o­sa de Gil Luiz Men­des.

    Xico Sá

    encontros

    encontros

    gringa

    Eram qua­se três da tar­de e fa­zi­am qua­se trin­ta e três graus em um ter­cei­ro dia da se­ma­na do mês mar­ço quan­do Iza jo­gou as mo­chi­las no chão, res­pi­rou pro­fun­da­men­te e en­xu­gou a gota de suor que es­cor­ria pelo lado di­rei­to da sua face. A ca­mi­se­ta era bran­ca, a pele aver­me­lha­da e os ca­be­los ama­re­la­dos. Des­ta­ca­va-se pela sua al­tu­ra da mul­ti­dão que de­sem­bar­ca­va na­que­le mo­men­to na es­ta­ção Re­ci­fe do me­trô. Era sua pri­mei­ra vez no Bra­sil e es­co­lheu co­me­çar no Re­ci­fe sua ex­cur­são pela Amé­ri­ca do Sul por con­ta de um car­tão-pos­tal que caiu em suas mãos em São Pe­ters­bur­go. A ima­gem mos­tra­va um bo­ne­co gi­gan­te em for­ma de galo que era re­ve­ren­ci­a­do por mi­lha­res de pes­so­as. Sua vi­a­gem ti­nha de co­me­çar nes­se exó­ti­co lu­gar.

    Acos­tu­ma­da com o trans­por­te pú­bli­co de mas­sas, Iza dis­pen­sou a ofer­ta de ta­xis­tas e atra­ves­sou a pas­sa­re­la lo­ca­li­za­da em cima da Ave­ni­da Mas­ca­re­nhas de Mo­ra­es para ir ao Cen­tro da ci­da­de pela li­nha fér­rea. O co­mér­cio am­bu­lan­te foi o pri­mei­ro con­ta­to da jo­vem rus­sa com a cul­tu­ra per­nam­bu­ca­na. Ofe­re­çam de tudo para ela du­ran­te o tra­je­to. Pi­po­ca doce ou sal­ga­da, amen­doim, pa­ço­ca, fone de ou­vi­do, cho­co­la­te, pas­ti­lha de men­ta, cor­ta­dor/ra­la­dor/des­cas­ca­dor de le­gu­mes. De­sem­bol­sou a nota de dez re­ais que con­se­gui­ra em uma casa de câm­bio, ain­da no ae­ro­por­to, e des­ti­nou-a ao moço ma­gro, de ta­tu­a­gem tri­an­gu­lar na tes­ta, que to­ca­va um xote ao vi­o­lão. Iza achou o rit­mo mui­to pa­re­ci­do com reg­gae, e como Bob Mar­ley faz su­ces­so na ter­ra dos cza­res, a me­ni­na de olhos cla­ros es­ta­va en­can­ta­da com seus pri­mei­ros 57 mi­nu­tos no Bra­sil.

    Acos­tu­ma­da com o trans­por­te pú­bli­co de mas­sas, Iza dis­pen­sou a ofer­ta de ta­xis­tas e atra­ves­sou a pas­sa­re­la lo­ca­li­za­da em cima da Ave­ni­da Mas­ca­re­nhas de Mo­ra­es para ir ao Cen­tro da ci­da­de pela li­nha fér­rea. O co­mér­cio am­bu­lan­te foi o pri­mei­ro con­ta­to da jo­vem rus­sa com a cul­tu­ra per­nam­bu­ca­na. Ofe­re­çam de tudo para ela du­ran­te o tra­je­to. Pi­po­ca doce ou sal­ga­da, amen­doim, pa­ço­ca, fone de ou­vi­do, cho­co­la­te, pas­ti­lha de men­ta, cor­ta­dor/ra­la­dor/des­cas­ca­dor de le­gu­mes. De­sem­bol­sou a nota de dez re­ais que con­se­gui­ra em uma casa de câm­bio, ain­da no ae­ro­por­to, e des­ti­nou-a ao moço ma­gro, de ta­tu­a­gem tri­an­gu­lar na tes­ta, que to­ca­va um xote ao vi­o­lão. Iza achou o rit­mo mui­to pa­re­ci­do com reg­gae, e como Bob Mar­ley faz su­ces­so na ter­ra dos cza­res, a me­ni­na de olhos cla­ros es­ta­va en­can­ta­da com seus pri­mei­ros 57 mi­nu­tos no Bra­sil.

    A ba­ga­gem de Iza era re­la­ti­va­men­te pe­que­na, le­van­do em con­ta sua in­ten­ção de pas­sar tre­ze dias na ci­da­de. Sem uma pro­gra­ma­ção de­fi­ni­da na ca­be­ça, que­ria fa­zer o mai­or nú­me­ro de pas­sei­os pos­sí­veis. An­si­o­sa que era, já que­ria co­nhe­cer al­guns pon­tos tu­rís­ti­cos an­tes mes­mo de che­gar ao ho­tel onde fi­ca­ria hos­pe­da­da. Viu pela in­ter­net que a Casa da Cul­tu­ra era um an­ti­go pre­sí­dio trans­for­ma­do em cen­tro de arte e que fi­ca­va bem per­to da es­ta­ção do me­trô. Não ti­nha dú­vi­da, se­ria a sua pri­mei­ra pa­ra­da no Re­ci­fe.

    Os sons, os chei­ros e as co­res da ci­da­de dei­xa­vam a tu­ris­ta bo­qui­a­ber­ta. Tudo era mui­to novo e mui­to exó­ti­co para aque­les dois olhos azuis que se per­di­am no ar. Per­di­dos tam­bém es­ta­vam seus pas­sos. Ta­ma­nho des­lum­bra­men­to fez Iza não per­ce­ber que já ti­nha pas­sa­do pela fren­te do lo­cal que pre­ten­dia vi­si­tar. Ca­mi­nho se co­nhe­ce an­dan­do, en­tão, vez em quan­do, é bom se per­der, já di­zia um po­e­ta pa­rai­ba­no. Iza es­ta­va fe­liz.

    Re­na­to mo­ra­va em uma ci­da­de da Mata Nor­te de Per­nam­bu­co e não ti­nha o cos­tu­me de atra­ves­sar a pon­te da Boa Vis­ta, ou Pon­te de Fer­ro, como é co­nhe­ci­da a es­tru­tu­ra de ador­nos me­tá­li­cos cons­tru­í­da em 1863. O fran­zi­no ra­paz de voz ana­sa­la­da e bi­go­de fino des­ceu de um ôni­bus na Ave­ni­da Dan­tas Bar­re­to com um en­de­re­ço e um nú­me­ro de te­le­fo­ne es­cri­tos em pe­da­ço de pa­pel. Nes­se lu­gar en­con­tra­ria um pri­mo que nun­ca vira an­tes e que o aju­da­ria a en­con­trar o em­pre­go em uma pa­da­ria.

    O ro­tei­ro que pre­ten­dia se­guir à ris­ca e sem mui­tas de­mo­ras teve de ser in­ter­rom­pi­do.

    To­dos os com­pro­mis­sos da­que­le dia po­de­ri­am fi­car para de­pois, o pri­mo o es­pe­ra­ria por todo o sem­pre, os pon­tei­ros dos re­ló­gios pa­ra­ri­am e o mun­do que ex­plo­dis­se e só so­bras­sem ele e aque­la ma­ra­vi­lha da na­tu­re­za que ca­mi­nha­va des­pre­o­cu­pa­da pelo ou­tro lado da rua. O sol sob a ca­be­ça já não o in­co­mo­da­va, o ba­ru­lho dos car­ros ti­nham, de al­gu­ma for­ma, to­ma­do ca­dên­cia, com­pas­so e me­lo­dia. Tudo ao re­dor es­ta­va fora de foco. Ape­nas a bran­cu­ra da­que­la moça que per­ma­ne­cia do ou­tro lado da rua, que ele ti­nha a cer­te­za de já ter vis­to em al­gum fil­me ou, quem sabe, em al­gum de seus mui­tos so­nhos, fa­zia-se ní­ti­da.

    Os seus pés, que tan­to an­da­ram em vão na­que­la tar­de, fi­ca­ram pre­ga­dos en­tre o meio-fio e os pri­mei­ros me­tros da via dos au­to­mó­veis.

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