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Os Crimes Azuis
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E-book374 páginas6 horas

Os Crimes Azuis

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Sobre este e-book

UM ROMANCE POLICIAL MAGNÍFICO, QUE TE PRENDERÁ DO COMEÇO AO FIM. 

Dois corpos encontrados em um lago.
Um agente especial promissor do FBI.
Um crime que ocorreu há quase vinte anos.
Um mistério que irá te prender.
_________________________________________________________
Se você gostou de romances como “O Silêncio dos Inocentes” ou da série da TV  “Twin Peaks” ou “True Detective”… essa história é perfeita para você.

Mais de 600.000 cópias vendidas no mundo todo!!!

O E-book em espanhol mais vendido na loja Kindle em 2016/2018!!!

CINCO ESTRELAS. UM ROMANCE POLICIAL MAGNÍFICO, QUE IRÁ TE PRENDER DO INÍCIO AO FIM.
"OS CRIMES AZUIS, de Enrique Laso e a forma com a qual ele conduz o agente especial Ethan Bush e toda sua equipe até o final da história é tensa, cheia de suspense e totalmente envolvente. Esse é um mistério de qualidade escrito por um novo talento - um talento mais do que bem-vindo ao gênero de suspense.”
Grady Harp, Crítico TOP-100/ Hall of Fame/ Vine Voice

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento11 de jun. de 2018
ISBN9781547534807
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    Os Crimes Azuis - Enrique Laso

    Às vezes a vitória e o sucesso podem ter um gosto amargo. Um gosto que pode ficar na memória por anos e impedir que se a glória seja celebrada para sempre.

    Esta é a história de um fracasso terrível...

    Capítulo I

    No momento em que me chamaram, uma semana já havia se passado desde a descoberta do segundo corpo. E esse era um grande retrocesso pois a maior parte das evidências havia desaparecido e agora eu precisava trabalhar com o pouco que a polícia local, desacostumada a lidar com estes tipos de crimes, coletara.  Felizmente foi—me designada uma unidade da polícia científica muito competente e durante nossa viagem de Washington até o Aeroporto Internacional de Kansas City imaginamos que no momento em que chegássemos no local encontraríamos uma cena do crime totalmente bagunçada por um grupo de agentes bem-intencionados, mas muito atrapalhados.

    Liz, que eu já conhecia profissionalmente desde o único caso em que trabalhei, entregou—me uma pasta com fotos; os corpos cianóticos de duas garotas nuas, abandonadas em um lago, como se fossem os restos de comida de um piquenique feito em uma manhã ensolarada de sábado. Olhei para os olhos abertos de uma das jovens, que não deveria ter mais de vinte anos, e senti que seu olhar me suplicava: Você precisa encontrar quem fez isso comigo.

    Chocado, devolvi as fotos e olhei pela janela da aeronave; já estávamos sobrevoando o estado de Illinois. O céu estava com poucas nuvens e me lembro de ter visto claramente — ou imaginado, talvez — a cidade de Springfield com seu famoso lago; e naquele instante um sentimento de paz tomou conta de mim, mas foi logo sobreposto pela sensação de terror ao imaginar o que eu encontraria mais adiante. Fechei meus olhos e mentalizei meu pai, jogando uma bola de basebol para que eu pegasse. Queria voltar para este momento, tão vívido para mim, e ficar lá para sempre.

    Mas eu precisava voltar à realidade; estava prestes a encarar um desafio pela frente e havia muito em jogo. Meu primeiro caso resolvido obteve um sucesso monstruoso. Fui capaz de fazer o perfil de um serial killer que estava atormentando os moradores da decadente cidade de Detroit por meses. No começo, vários detetives não estavam conseguindo relacionar os casos com os registros localizados no meio dos arquivos superlotados da cidade com a maior taxa de crimes dos Estados Unidos. E foi para aquele lugar que o meu novo chefe, Peter Wharton, diretor da Unidade de Análise de Conduta do FBI em Quantico, resolveu me enviar. Ele depositou sua confiança em mim por dois motivos: meu impecável registro acadêmico, que incluía o fato de que eu fora o melhor da minha turma de Psicologia da Universidade de Stanford; e minha notável habilidade de dedução, testada uma dezena de vezes por ele mesmo durante meu treinamento com crimes baseados em acontecimentos reais.  Eu não iria desapontá-lo. Após várias semanas de trabalho constante, não apenas consegui criar um perfil do criminoso com 92% de acerto, mas também defini seus pontos de ataque e localizei onde ele provavelmente vivia. Em três meses fomos capazes de pegar o monstro que ceifara a vida de nada menos que 21 almas inocentes.

    Assim que retornei à Washington, não apenas meus colegas me receberam como um herói, mas Peter também passou a me notar como o ícone de uma nova geração de agentes especiais que estava surgindo em Quantico. Meu sucesso, inegavelmente, era em maior parte devido a ele e, logo, pertencia a ele.

    Apenas seis meses haviam se passado desde então. Meio ano dormindo sobre os louros conquistados, aproveitando o paraíso, observando a ação dos bastidores, enquanto aperfeiçoava minha habilidade em desvendar casos; uma vida confortável e fácil. Mas nada é para sempre.

    Aquele jatinho me levava a cerca de 965 quilômetros por hora numa altura de mais de 40 mil pés diretamente para um destino incerto que poderia marcar meu futuro: ser bem—sucedido abriria portas no FBI; fracassar despertaria dúvidas acerca das minhas habilidades e, até que eu assumisse outro desafio, ninguém mais teria certeza se eu, Ethan Bush, era um gênio que teve um lapso perdoável ou apenas um desperdício de tempo e dinheiro que teve uma tacada de sorte.

    Capítulo II

    Levou cerca de uma hora para chegar à delegacia de Jefferson County, localizado nos arredores de uma cidadezinha chamada Oskaloosa, na rodovia US—59. Viajamos em uma van confortável guiada por um oficial do condado, amigável, mas um tanto distante, provavelmente sob as ordens de seu superior —  em pequenos condados como este, a recepção de agentes federais é geralmente realizada com muita discrição.

    A delegacia localizava—se em um imóvel térreo modesto, com fachadas recém rebocadas em um cinza muito agradável. Ao sair da van, senti uma rajada de ar fria e úmida.

    — Hoje será um dia bom. O vento vem do oeste e é resfriado pelo lago — disse o oficial friamente, enquanto nos guiava para dentro do prédio.

    Clark Stevens, o xerife do condado, esperava por nós em uma sala espaçosa com uma mesa redonda no centro, uma TV de 50 polegadas na parede e dezenas de fotografias, anotações e várias folhas soltas de relatórios presas com percevejos em outra parede de cortiça. 

    — Bom dia. Você deve ser Ethan Bush e este deve ser a sua equipe formidável — disse Clark, estendendo sua mão de forma amigável, embora eu não tivesse entendido muito bem o que ele quis dizer com "equipe formidável".

    — Exatamente! É um prazer imenso conhece-lo, xerife Stevens. Obrigado por nos receber em seu condado — falei com uma premeditada delicadeza.

    Apresentei as três pessoas que me acompanhavam e que seriam basicamente meu apoio pessoal nesta missão.

    — Pedi ajuda ao FBI porque um crime como esse jamais ocorreu em nosso pequeno condado; foram dois casos em apenas uma semana — disse Stevens, provavelmente pretendendo deixar bem claro que ele era o chefe ali e que, sem o seu chamado, nós jamais estaríamos naquele local.

    — Mas é claro, xerife, você pode contar com nossa total colaboração — respondi, embora soubesse que mais cedo ou mais tarde alguma tensão iria surgir entre nós.

    — Jefferson County tem menos de 20 mil habitantes e Oskaloosa tem pouco mais que mil. O lugar mais confortável para ficar nas redondezas é em um acampamento no lado sudeste do lago, mas não achamos muito apropriado para vocês então resolvemos acomodá-los em uma residência do município. Deixamos tudo limpo e eu espero que vocês se sintam em casa. Diariamente alguém fará a limpeza e preparará as refeições para que vocês tenham a conveniência de um hotel em um ambiente familiar.

    — Perfeito — disse Liz dando um passo à frente que, até aquele momento, permanecia ansiosamente calada.

    Clark se levantou, pegou duas pastas de um armário arquivo e as jogou na mesa.

    — Isto é tudo que temos até agora: o relatório do médico legista, a histórias das duas garotas, fotografias e os criminosos fichados do condado.

    Peguei um dos arquivos o olhei. Em Quantico tínhamos apenas duas páginas e quatro ou cinco fotografias das cenas do crime.

    — Xerife, quero que a minha equipe realize uma nova autópsia nos dois corpos... — murmurei, sabendo que esta era a primeira vez em que colocava os pingos nos is.

    Stevens levantou-se, respirando fundo. Ele era um homem maduro de aparência sensata, que havia voluntariamente pedido nossa colaboração, mas que sabia que provavelmente a questão acabaria fora de seu alcance.

    — Você ainda não leu o relatório forense?

    — Nós iremos ler. Mas Liz, Mark e Tom possuem vasta experiência em realizar autópsias em casos de homicídios.  Espero que você compreenda.

    — Claro, claro. Mas veja, Ethan... posso te chamar de Ethan?

    — Com certeza. Eu até me sentiria mais confortável — respondi com sinceridade.

    — Perfeito. Chame-me de Clark. Como eu disse, Ethan, eu realmente chamei vocês, pedi a sua ajuda...

    O xerife Stevens respirou fundo novamente. Sua presença, toda sua comunicação não-verbal, ajudou-me significativamente a compreender sua situação, e assim senti uma empatia imediata por ele.

    — Sim? —  Perguntei com respeito, encorajando-o a continuar.

    — Olhe, como disse antes, não estamos acostumados a lidar com assassinatos; embora já tenhamos solucionado alguns antes sem muitos problemas. Mas este é diferente. Encarar um serial killer, você sabe o que eu quero dizer...

    — Clark, acredito que seja muito cedo para falar em serial killer. É verdade que dois corpos foram encontrados no mesmo local, há com apenas uma semana de diferença entre os dois crimes, e isso nos leva inevitavelmente a crer que o assassino seja o mesmo. Mas em Quantico, aprendemos a não fazer julgamentos precipitados. O segundo assassinato pode ter sido realizado por um copycat[1], que é alguém tão cruel e simples assim. Dois homicídios não fazem uma série — argumentei, embora concordasse internamente com ele. Mas também era verdade que eu fui treinado para não fazer nenhum julgamento precipitado.

    O xerife andou até mim. Calmamente, pegou o arquivo que acabara de me entregar e retirou uma folha marcada com um Post-it azul.

    — E três assassinatos... fazem uma série?

    Olhei para a folha em que ele apontava com o dedo. Era a imagem de uma jovem, diferente daquelas duas que eu havia visto durante o voo para Kansas City. Pela qualidade da cor e deterioração da fotografia dava para notar que havia sido tirada há um bom tempo. Fiquei confuso.

    — Não compreendo... fomos informados que eram apenas duas garotas — eu disse com tanto ódio que era capaz da minha voz ser ouvida em Washington.

    — Acalme-se, Ethan. Mantivemos esta informação em sigilo até que vocês chegassem pois eu queria discutir isso após a leitura do relatório. Esta garota era Sharon Nichols e ela não foi morta ontem. Seu corpo sem vida apareceu no mesmo local que as outras duas infelizes, mas em 1998, ou seja... há quase 17 anos. Foi um caso não-resolvido que acabou arquivado, como muitos outros. É por isso que precisamos de vocês. Estamos com medo de estarmos enfrentando um serial killer que voltou à região... e quem saberá quantas vítimas ele pode ter feito durante os quase últimos vinte anos!

    Capítulo III

    Naquela noite eu sonhei com meu pai. Estávamos juntos em campo de basebol completamente vazio. Aquele provavelmente era o campo do San Francisco Giants, mas não posso afirmar com certeza pois meus olhos estavam fixos em meu pai. Ele era o lançador e eu segurava um taco infantil. À distância, meu pai parecia enorme, praticamente invencível. Seus profundos olhos negros sempre me inspiraram respeito — um respeito adquirido por meio da autoridade do conhecimento, não por imposição de força física.

    — Você tem dois strikes, então precisa se concentrar neste lançamento — ele disse, como se fosse meu treinador, ao invés de adversário.

    — Entendi! — Exclamei, encorajado pelas suas palavras.

    Concentrei-me naquela bola de couro brilhante que estreávamos naquela manhã e ajustei meu boné de forma que o visor protegesse meus olhos do sol do meio-dia. Meu pai lançou a bola de uma forma que somente os profissionais lançavam, mas por sorte eu consegui dar uma tacada perfeita que me permitiu correr até a primeira base. Corri feito um raio e antes que meu pai — que não estava se esforçando tanto assim — pudesse pegar a bola, consegui fazer um home run em tempo recorde.

    — Perfeito, Ethan! Hoje você vai ganhar uma cerveja gelada.

    Durante minha adolescência, meu pai às vezes me oferecia algumas cervejas como recompensa. Por um lado, era uma forma de estarmos entre homens e por outro creio que ele queria que o meu primeiro contato com o álcool, que inevitavelmente aconteceria, ocorresse com ele de uma forma que pudesse controlar.

    No sonho, meu pai tirou duas Budweisers de uma caixa cheia de gelo e entregou-me uma com um sorriso tão radiante que praticamente iluminou todo o estádio. E então sentamos no banco.

    — Você não gosta de basebol... né?  Ele perguntou, com o olhar distante, como se evitasse meus olhos para que eu pudesse criar coragem para responder.

    Pensei por um instante. Aquela pergunta me assombrava há anos. Desde o momento em que deixei o time de basebol da escola para fazer parte da equipe de atletismo. Era algo que apenas minha mãe sabia, mas mantivera em segredo até então.

    — Eu adoro. Adoro ir ao estádio com você para ver os Giants jogarem — respondi, tentando me esquivar do problema.

    — Você sabe que eu não estou falando disso. Sei que você gosta de assistir basebol e se diverte ao ir aos jogos embora eles durem quase cinco horas. Estou falando de jogar basebol...

    Nos sonhos, o tempo passa de um jeito diferente do mundo real. Eu pensei ter demorado dois ou três dias para responder ao meu pai, que esperava em silêncio por minha resposta.

    — Não, pai. Eu não gosto. A única coisa que gosto no basebol é saber que passarei algum tempo com você.

    Meu pai me abraçou com força e eu pude ver seus olhos marejados de emoção. Ele era um cara forte e durão, mas com um coração do tamanho do mundo.

    — Sabe, só agora que eu vi você correndo pelas bases, fiquei impressionado; nem um cheetah poderia te alcançar.

    — É verdade! — exclamei, aliviado.

    — Você gosta de correr?

    Esta pergunta me pegou desprevenido e por um instante pensei que minha mãe contara nosso segredo.

    — Sim, eu gosto muito, papai. Desde os dois últimos anos em que faço parte da equipe de atletismo, ao invés de jogar basebol... —  Fiquei pálido.

    Meu pai me deu dois tapinhas nas costas e lançou um olhar repleto de admiração.

    — O quanto você gosta do atletismo?

    — Sou um dos melhores! — Exclamei. Isto não era totalmente verdade: Eu não era UM dos melhores... Eu era O melhor; um dos melhores corredores de meia-distância de toda a Califórnia.

    — Então está decidido. A partir de hoje nada de basebol. Bem, claro que eu ainda vou te levar aos jogos dos Giants. Mas irei assistir aos seus treinos. Quero estar contigo nos locais em que você é feliz, meu filho.

    Acordei ensopado de suor como se tivesse corrido a Maratona de Boston em uma manhã terrível de primavera. Levei um tempo para lembrar que estava na casa que o xerife nos acomodara.

    O sonho fora curioso: fatos se misturaram com cenários imaginários. Não compreendi por que minha mente pegou momentos que ocorreram no passado e plantou-os no presente. Instintivamente, peguei meu smartphone e procurei na agenda até encontrar o contato: Pai. Enquanto pressionava o botão Ligar, lembrei que ninguém atenderia a ligação. Seu antigo telefone celular estava guardado como um tesouro em uma gaveta no meu apartamento nos arredores de Washington. Continuei pagando mensalmente a conta da operadora, mesmo tendo se passado quase dez anos que meu pai fora enterrado em um pequeno cemitério em Mariposa, Califórnia.

    Capítulo IV

    A mesma van que nos trouxe do aeroporto de Kansas City agora nos levava ao lago onde os corpos foram encontrados. Desta vez quem dirigia era um agente, Ryan Bowen, jovem sério e distante, mas com uma aparência muito profissional.

    — No verão esta é uma área muito procurada; mas nesta época do ano, quando o clima agradável começa, não é comum que alguém apareça — ele disse, enquanto apontava para uma estrada de terra batida que passava por alguns arbustos do outro lado do lago, à distância.

    — Mas... não estamos muito perto da estrada? — Tom perguntou, antecipando minhas intenções.

    — Estamos sim. Curioso, não?

    Passamos cuidadosamente por uma estrada de terra cheia de caulim, seguindo a trilha que os outros veículos, provavelmente SUVs deixaram antes e que agora parecia profunda e seca. Ryan estacionou próximo à alguns arbustos e, após sair do carro, guiou-nos até um buraco na terra marcado por galhos partidos.

    — Aqui é onde as duas foram encontradas — disse o policial secamente.

    Liz, Mark e Tom rapidamente começaram a trabalhar. Eles estavam muito bem equipados. Mesmo sem as roupas necessárias, eles não haviam esquecido nenhum de seus preciosos equipamentos forenses essenciais.  Fiquei atrás com Ryan, pois não queria atrapalhar o trabalho da minha competente equipe.

    Notei rapidamente que algo estava errado. Estávamos de costas para as margens do Lago Perry, bem distantes dos locais mais movimentados, a apenas 15 metros da água. Mas o local que o policial Bowen havia nos mostrado era um pântano. Peguei as fotos do suposto local onde as vítimas foram encontradas e notei que seus corpos nus estavam levemente submersos naquilo que parecia uma lagoa rasa.

    — Você está certo de que este é o local onde os corpos foram encontrados? —  Perguntei, confuso.

    Ryan deu uma olhada nas fotos que estavam em minha mão direita e lançou-me um olhar arrogante.

    — Claro. Esta área inunda sempre que chove. Aí, após alguns dias, vira o lamaçal que você está vendo aí.

    — Então... choveu a semana toda? —  Insisti, tentando mostrar que minha desconfiança permanecia e que isto me levaria a um lugar que jamais imaginaria.

    — Não — respondeu categoricamente. Ele então passou a mão em sua barba que parecia não ter sido feita há três dias e, aparentemente incomodado, chutou a grama.  — Agora que você pergunta, lembro-me que apenas choveu na noite anterior aos assassinatos...

    Deixei Bowen para trás perdido em seus pensamentos, e passei a me concentrar nos meus. Se o assassino fosse a mesma pessoa, certamente não era um idiota. A ideia de que procurávamos um assassino desorganizado parecia cada vez menos provável, embora ainda não pudesse descartá-la. Ele era alguém que sabia que aquela chuva seria um sério obstáculo para a investigação do crime. Havia muito tempo que eu deixara de acreditar em coincidências, mas ainda assim era muito jovem para rejeitá-las totalmente. Refiz a rota natural da estrada que o suspeito deve ter feito para chegar até aqui. Rapidamente fui atrás das marcas dos pneus das SUVs que nos serviram de trilha para chegar neste local.

    — Eles tiraram as marcas dos pneus? —  Perguntei, para que Ryan me ouvisse e saísse de seus devaneios.

    — Não, não... Não creio que houvessem marcas de pneus aqui.

    — Então... e estas marcas?

    — Devem ser do carro da delegacia, um Ford Explorer Interceptor — o policial respondeu naturalmente.

    Um SUV da polícia. Era possível, mas eu queria dispensar a ideia de que as rodas haviam apagado as marcas anteriores dos pneus.

    — Alguém veio perturbar pedindo para tirar fotos antes do carro da polícia chegar aqui? ... — sussurrei, confiante.

    — A verdade é que eu não me lembro. Mas isto deve estar no arquivo que o xerife Stevens te entregou.

    Bowen estava certo. Todas estas informações deveriam estar lá, no meio dos papéis que eu segurava debaixo de meu braço esquerdo, mas que nem tinha analisado direito ainda. Inconscientemente eu sabia que estas informações iriam me levar a pré-julgamentos que eventualmente acabariam me influenciando. Estudei isso em uma dezena de casos. E isso quase ameaçou meu primeiro sucesso em Detroit.

    — Certo. Mas eu gosto de ter diferentes pontos de vista. Você sabe como são os psicólogos... o caminho certo para nós é o mais longo — tentei me defender.

    — Não tenho ideia...

    — Quais foram as pessoas que encontraram os corpos? — consultei, tentando mudar de assunto rapidamente.

    — Quais foram AS pessoas? É melhor perguntar quem foi A pessoa... —  respondeu o policial com confiança.

    Abri o arquivo, folheando-o rapidamente, como se eu já o tivesse analisado, mas entre aquelas páginas havia algo que ainda não se encaixava na informação que eu acabara de obter. E isso me deu um tempo para clarear a mente.

    — A mesma pessoa encontrou os dois corpos?

    — Sim. O nome dele é Tim Nolan; ele vem nesta parte do lago pescar robalos pois há muitos por aqui. Acredite — ele disse, ao notar algo provavelmente sombrio em meu olhar — ele não é um cara mau. Apenas vem aqui com frequência.

    — Sim, mas Ryan — chamei-o pelo seu primeiro nome para parecer mais confiante acerca de minha suposição — você precisa reconhecer que é muito suspeito que a mesma pessoa tenha encontrado dois corpos num período de sete dias.

    — Claro que é, mas se você o conhecesse há tanto tempo quanto eu, não pensaria assim.  — Mas creio que deva ser por isso que o Clark te pediu ajuda. Você não é preconceituoso, é?

    — Mais ou menos — respondi, percebendo que em cidades pequenas o trabalho da polícia é mais complicado do que parece visto de um escritório confortável nos arredores de Washington.

    De onde eu estava, próximo ao local onde a van estava estacionada, podia ver a margem esquerda do lago e parte da vala onde as vítimas foram encontradas; ao meu lado direito estava a sinuosa trilha de terra que nos levava à estrada. Olhei diversas vezes de um lado ao outro.

    — Esta é uma estrada movimentada?

    — Raramente tem movimentação mais de algumas vezes ao dia.

    — De qualquer forma, você tem que concordar que é muito arriscado se livrar de um corpo aqui. Eu mesmo teria procurado outro lugar.

    — Você tem razão — respondeu Bowen, concordando com a cabeça.

    — Somente alguém que conhecesse este lugar, que viesse com frequência, poderia se assegurar que não correria tantos riscos — eu disse.

    Capítulo V

    Liz tinha acabado de me contar que não conseguira muita coisa com a autópsia do corpo da primeira vítima, Clara Rose. Seu corpo, enterrado após a autópsia, encontrado na chuva e praticamente destruído após o primeiro exame forense, não estava preservado o suficiente para que conseguíssemos descobrir algo.

    Felizmente, com a segunda vítima, Donna Malick, o corpo estava em melhor estado de preservação pois ele foi mantido no necrotério e o xerife Stevens conseguiu convencer a família a adiar o funeral pois uma equipe do FBI estava a caminho e poderia ser necessária uma nova perícia. Ressentida, a família aceitou a situação e não se opôs, o que evitou a necessidade de uma possível intervenção da justiça.

    Enquanto Liz analisava o corpo de Donna, decidi alugar um Chevrolet Spark verde-limão para poder ter mais liberdade de locomoção e alguma independência da delegacia de Jefferson County.

    Com um mapa e o GPS do meu smartphone, passei a manhã dando voltas no lago e visitando os vilarejos mais próximos. Minha única intenção era me familiarizar com aquele ambiente em que eu sabia que provavelmente passaria semanas, talvez meses.

    Assim, em direção ao sul de Oskaloosa, visitei as vilas de Perry, Grantville, Meriden e por último Valley Falls. Cada vila não deveria ter mais que mil habitantes. Era pouco provável que cada um daqueles moradores soubessem o nome dos outros de cor, mas eu tinha quase certeza que eles deveriam conhecer pelo menos 90% dos habitantes daquela área. Cheguei a dirigir por 160 quilômetros, o que significava que aquelas vilas eram relativamente próximas e mais ou menos bem conectadas. Eram locais maravilhosos que seriam o sonho de qualquer aposentado. Fiquei incomodado com a ideia de que a paz daquele lugar paradisíaco fosse perturbada por dois crimes tão horríveis.

    Quando voltei à Oskaloosa, Liz me recebeu com um meio-sorriso e eu presumi que algo fora descoberto durante a segunda autópsia.

    — Você já comeu? — perguntei, antes de ir direto ao assunto.

    — Não, na realidade parece que eu não como há anos.

    — Certo. Bem, vamos à uma lanchonete no centro da cidade, parece que os hambúrgueres deles são ótimos, do jeito que você gosta.

    — Ótimo!

    No carro ao lado de Liz, lembrei do pouco tempo que ficamos juntos. Já se passaram alguns meses, mas a lembrança ainda era recente. Fui eu que, após várias noites e alguns finais de semanas juntos, resolvi acabar com o relacionamento. Liz era uma mulher incrível: inteligente, articulada, brilhante, amigável, comunicativa e sim, também muito bonita. Seus olhos azuis penetrantes e seu cabelo castanho claro de tamanho médio chamavam a atenção de todos. Mas eu senti que, enquanto ela estava tomada pelas chamas da paixão, apenas algumas faíscas lutavam para permanecer acesas em mim. E essa era uma situação muito incômoda que eu não queria prolongar.  Se após o término eu descobrisse que estava perdendo a mulher da minha vida, eu teria muito tempo para pedir perdão e tentar corrigir meus erros. Era o mais honesto a se fazer. Eu certamente arrisquei perdê-la para sempre. E não apenas perdi uma companhia passageira, mas também uma amiga do tipo que vale a pena manter por toda a eternidade. Agora, tempo suficiente se passou para que eu percebesse que ela, infelizmente, não era a mulher da minha vida, embora fosse uma garota sensacional. Entretanto, ainda sinto que a esperança de uma segunda chance ainda permanece acesa em seu coração.

    — Eu sei que você descobriu algo. Eu te conheço e o sorriso que você me deu quando cheguei te denunciou — disse, enquanto esperava que um garçom simpático nos trouxesse os hambúrgueres de 250 gramas com molho barbecue que pedimos.

    — Não consigo esconder um segredo de você...  Bem, assim como o xerife Stevens e o médico legista suspeitavam, posso confirmar que Donna Malick não foi morta no lago. Acredito que a mesma coisa possa ter ocorrido com Clara Rose. O legista não gravou a autópsia, mas tirou muitas fotos, que serão de grande ajuda mais tarde.

    O garçom chegou com nossos hambúrgueres enormes. Eu não era muito fã deste tipo de comida, mas Liz preferia ser convidada para comer em locais onde se sentia à vontade. E ela também adorava hambúrgueres.

    — Como você tem tanta certeza de que Donna não foi assassinada no lago...?

    — Ela foi envenenada por cianeto de potássio. Desconfiamos pela cianose em seu corpo, mas ainda não tínhamos certeza. A espuma que saía de sua boca e suas pupilas dilatadas também foram fatores importantes. Até o médico legista percebeu o cheiro familiar de amêndoas amargas. O exame toxicológico do que havia em seu estômago e o estado deplorável de seus pulmões não deixaram espaço para dúvidas — disse Liz, animada. É difícil explicar este tipo de satisfação. Uma pessoa normal geralmente se sente emocionalmente bloqueada pelo horror de um crime, mas nós, investigadores, estamos acostumados a ignorarmos a terrível impressão inicial e

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