Um estranho no meio da noite
De Matias Faber
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Sobre este e-book
Na véspera de Natal, uma família, que mora em uma casa no meio do campo, recebe a visita de um estranho, que pede para usar o telefone.
Então, o que era para ser uma feliz ceia com a família, transforma-se em uma noite insana e sangrenta.
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Um estranho no meio da noite - Matias Faber
Parte 1
Dirigia em alta velocidade. Minhas mãos não tremiam. Nunca tremeram. No pára-brisa, uma forte tempestade se desmanchava. Era por volta das dez da noite... não sei bem. Perdi a noção do tempo no posto de gasolina. Só sei que é noite. A infeliz coincidência é que hoje é véspera de Natal.
Sinto-me solitário. Poderiam os mortos falarem? É uma pena que não. Se fosse assim, colocaria Gisela no banco do passageiro em vez do porta-malas. Que menina linda, disse-me ter dezessete anos. Acho que ainda sou meio louco por ela. Os cabelos pretos, curtos e com uma franjinha na testa. Odeio ficar deprimente. Sou meio carente de atenção.
Os faróis do meu corcel mal iluminam a estrada de terra. Tenho quase certeza que vou me esborrachar em algum barranco daqui a pouco. Tanto faz. A morte é a menor das minhas preocupações. Estou mais preocupado querendo saber para onde estou indo. Comecei a descer uma ladeira e coloquei no ponto morto, só muito tarde percebi que estava a mais de cem por hora, o corcel perdeu a traseira e se não fosse pelo bendito barranco, só Deus sabe onde iria parar.
Tentei ligar o carro, o motor roncou até se afogar. Peguei meu terno no banco traseiro e no porta-luvas, meu punhal. A noite seria longa. Saí do carro deixando a chave no contato, quem sabe um dia eu voltaria para buscar aquela lata velha.
A chuva era tão forte que chegava a machucar. Olhei para os dois lados da estrada. Um relâmpago iluminou por segundos aquele breu. Não tinha a menor noção da onde estava. O jeito era seguir em frente. Fui me despedir da minha Gisela. Desamarrei a corda que prendia a tampa do porta-malas.
Ela ainda estava ali. Aonde mais poderia estar? Não conseguia vê-la, mas podia imaginar o corpo nu pálido, o rosto bem inchado pelas pancadas, a boca rasgada de orelha a orelha, imitando um grande sorriso. Procurei por sua mão, quando a encontrei, tão dura como pedra, saquei o punhal do bolso e cortei o que achava ser o dedo mindinho. Mais um souvenir para minha coleção. Deixei o porta-malas aberto e comecei a caminhar pela estrada barrenta. Andei muito, sentia os pés encharcados dentro do tênis.
Parecendo uma miragem no meio do deserto, eu vi uma bela mansão de três andares, com muitas janelas acesas. Ela ficava no alto de um morro, rodeada por grandes árvores. É uma dessas casas que você tem inveja de quem mora nela. Aposto que devia ter uma bela leitoa no forno e uma grande árvore de natal na sala. A família toda já deveria estar reunida, esperando meia noite chegar para abrirem os presentes. Deveria ter crianças, muitas crianças. Meu badalo se acendeu e forçou a braguilha.
Quando dei por mim, já tinha pulado a cerca e caminhava em direção a porta. Estranhei não ver nenhum carro estacionado. Até parecia que não tinha ninguém naquela bela mansão. Fiquei com os ouvidos atentos. Não ouvi uma música de natal ou risadas, nem conversas. As janelas do andar debaixo eram escondidas por cortinas. Talvez a família já estivesse fazendo a ceia.
Bati forte na porta imaginando quem seria meu anfitrião. Seria um homem? Um caipira? Uma mulher? Velha? Um garotinho inocente de oito anos. Escutei a porta sendo destrancada e logo vi as feições de uma senhora muito simpática, cabeça branca de cabelos e óculos de aro fino. Baixinha, usava um vestido simples, chinelo com meias. Ela me mostrou sua dentadura brilhante e disse:
— Meu Deus, entre meu querido, está todo molhadinho - disse com a voz frágil, cheia de uma compaixão sincera.
— Desculpe aborrecê-la senhora, não quero molhar seu carpete.
— Deixe de frescura meu filho e entre logo antes que apanhe uma pneumonia - não tive tempo de responder, ela me agarrou pelo braço e me puxou para o vestíbulo. Escutei a porta sendo trancada nas minhas costas.
— Olha só você, ta todo molhadinho, meu Jesus amado - matracou a velha. Esse excesso de gentileza me deu vontade de arrebentar aquela dentadura. Mas naquele momento, estava mais distraído examinando o lugar onde fui me meter. No vestíbulo havia duas portas fechadas e uma escada. Mesmo ali, não conseguia ouvir nenhuma conversa, nem um chiado. Difícil acreditar que aquela velhinha estava sozinha naquele palácio. Seria muito fácil.
— O que aconteceu? - perguntou ela segurando em meu braço e me fazendo andar em direção a escada.
— Meu carro pifou aqui perto. Vim ver se poderiam me emprestar o telefone - menti. Onde raios aquela velha ia me levar. Tinha um medo patético do que ela queria comigo. Pressentia que seria estuprado. Logo eu.
— E pra quem você pensa que vai ligar? Estamos a quilômetros da cidade, está chovendo e acha mesmo que um mecânico iria deixar sua família para vir arrumar um carro no meio da chuva na véspera de natal?
Subimos as escadas e entramos em um extenso corredor de carpete vermelho. As paredes pintadas de um branco reluzente e diversas portas de mogno fechadas. Podia jurar que estava dentro de um hotel.
— Queria ligar para