Os bastidores da paródia de notícias: sensacionalista e cia
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Os bastidores da paródia de notícias - FILIPE MACON PEREIRA SANTOS
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
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Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
À vida.
Miau, miau, au, au.
A todos os animais deste mundo, seja com rabo, chifre ou pata, especialmente
ao meu gato, por me fazerem perceber que sempre há algo diverso de mim
em meu curso. Nem por isso deixamos de viver em paz!
Para além das telas,
Para além do papel,
Para além das ondas, além dos horizontes...
À diferença, cabe o comunicado.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu pai, Juca, e à minha mãe, Marta; à minha namorada, Ana Licia. Lembro-me ainda de meu avô Lucius que não está mais neste mundo, mas me ligaria para transmitir suas palavras como o fez na época da graduação. Faço a extensão dos votos à minha vó Gremilda e sua memória.
Aos professores que acreditaram neste projeto: meu orientador, Muniz Sodré, e minhas professoras Marialva Barbosa e Leticia Cantarela Matheus.
Aos que transmitiram força pela fé coletiva, com toda a humildade.
Agradeço ainda aos que prestam atenção nos dizeres deste livro, transmitindo minha felicidade de poder contribuir com estudos futuros, se for o caso.
Apresentação
Quem não já se deparou com um site cheio de notícias com cara de coisa séria, mas que no fim das contas era tudo piada? Fica a pergunta: essa piada deveria ser levada a sério? Este livro revela intenções por trás da paródia do jornalismo na internet. Nos últimos dez anos, houve esse maior número de portais e blogs com texto fortemente imitativo do discurso jornalístico, mas por uma lente invertida do humor, que possibilita a construção de olhares sobre a sociedade e talvez sobre o próprio jornalismo na revisão de sua prática. Selecionei o blog censurado Falha de S. Paulo, o site com atividades cessadas Meiu Norte e o portal G17, ainda em vigor na ocasião deste estudo. Todos chegaram ao grau de semelhança em relação ao domínio de conhecidos portais de jornalismo – Folha de S. Paulo, Meio Norte e G1. Entrevistei Nelito Fernandes, idealizador do site precursor do gênero no Brasil, Sensacionalista, que alcançou mais de um milhão de acessos diários. Apesar de partirem da base comum da paródia, é proposta uma diversidade de políticas, que podem ser combinadas com a ironia e a sátira no ambiente da rede.
O autor
Prefácio
Filipe Macon transforma em objeto de estudo um fenômeno aparentemente banal – as chamadas fake news – apontando para importantes contradições da dinâmica comunicacional contemporânea, especialmente da comunicação em ambiente digital. Com um olhar arguto, o autor trata esse tipo de conteúdo que circula na internet não sob a ótica moralista de quem denuncia uma fraude, mas procurando entender o recurso das figuras de linguagem para a ressignificação do noticiário real
.
O pesquisador coloca em cena o problema das fronteiras entre realidade e ficção nos espaços midiáticos, que ele chama de lugares de engano, ou zonas de contato entre linguagens conotadas e denotadas: os portais de notícias falsas. Nesta obra, o autor privilegia a perspectiva da paródia como um modo de criar paratextos ao noticiário. Por isso a paródia apresenta-se como potencialidade para compreender as notícias cotidianas de maneira diferente. O leitor poderá concordar com as interpretações propostas por Filipe ou discordar delas, mas dificilmente negará a riqueza retórica de tal recurso.
O historiador antigo Tácito (55-120) nunca deixou de considerar as notícias falsas como fator histórico. Ele falava da força dos boatos, pois as pessoas fingem enquanto acreditam
, fantasiam e acreditam
ou ainda imaginam e, ao mesmo tempo, acreditam nas próprias imaginações
¹. A precisão sobre a tradução, nesse caso, importa menos do que admitir que, se um grande historiador como Tácito levou em conta o papel do engano no desenrolar dos acontecimentos, não seria estranho levar em conta o falso e o fictício no sistema de comunicação, mesmo se tratando de um diálogo com o jornalismo.
O status do fingido e a ambiguidade dos sites noticiosos analisados por Filipe acabam indiretamente dizendo muito acerca do jornalismo produzido hoje em dia. Ainda que os donos desses sites de paródia tenham negado uma intenção deliberadamente crítica aos jornais de verdade
, o fato de terem criado imitações verossímeis acreditadas como verídicas, como diz o autor, permite ao leitor produzir um estranhamento sobre o conteúdo noticioso e mesmo sobre o jornalismo. A rigor, independentemente da intenção de seus criadores, esses portais oferecem a oportunidade de catalisar um senso crítico quanto ao que se consome na mídia, dependendo da apropriação que o público faz. Os efeitos paródico, satírico, humorístico e crítico realizam-se na maneira como a pessoa consome aquele conteúdo, o que depende de seu repertório cultural. O trânsito entre essas zonas de engano dá-se com base numa cultura midiática marcada por intensas trocas intertextuais, tanto semânticas quanto formais, como as paródias ou os paratextos, como analisa Filipe.
O pesquisador procurou contribuir para o entendimento desse problema mais amplo ao investigar os portais paródicos Falha de S. Paulo, Meiu Norte e G17, porém estes são casos emblemáticos num cenário repleto de sites e perfis fakes em redes sociais, em que converge uma multiplicidade de enredos e de referências do universo dos leitores. São também exemplos desse fenômeno O Bairrista, Sensacionalista e Kibe Loco, dedicados ou a notícias falsas ou a paródias de notícias verdadeiras, e outros dedicados à sátira, como o blog da revista piauí, o The piauí Herald.
A cada ano, surgem novos exemplos dessa brincadeira com uma linguagem que seria definidora daquilo que é entendido como jornalismo. Isto é, algo reconhecido no senso comum como um gênero jornalístico serviu de paradigma para esses portais paródicos como protocolo de leitura. Entretanto, como bem lembra Filipe Macon, trabalhar com o riso no jornalismo não é novidade. Se por um lado os portais paródicos e satíricos parecem ter se multiplicado com o desenvolvimento da cibercultura, é preciso lembrar, como ressalta Filipe, que o ambiente digital provavelmente tenha apenas potencializado uma longa tradição satírica consolidada no jornalismo brasileiro.
O autor traz duas contribuições centrais. A primeira, ao admitir que as paródias representam o intuito de produzir humor, não caberia julgá-las sob parâmetros jornalísticos. Se um discurso possui intenção humorística, defende o autor, ele não pode ser avaliado segundo o paradigma da verdade, mas conforme o do riso. É por meio de uma prática lúdica que esse tipo de conteúdo faz sentido. A segunda grande contribuição de Filipe é pensar a ficção como um modo de gestão da vida social. Dizer que uma ação de comunicação se dispõe à ficção não significa afirmar que ela seja menor, nem que esteja apartada da realidade, pois mesmo as narrativas com pretensão à verdade, tais como o jornalismo, são a rigor ficções verbais.
Embora não possua compromisso com a denotação, a ficção mantém um grau de designação e por isso ajuda a entender a realidade social e a simbolizá-la na medida em que a submete a uma perspectiva particular. Por isso, podemos dizer que ela é também meio de conhecimento. Isso não significa que sejamos incapazes de distinguir entre as duas dimensões da comunicação, entretanto as formas com que se apresentam suas diferenças variam historicamente. A paródia jornalística ou os falsos noticiários brincam com esse efeito de embaralhamento entre os dois universos, promovendo e movendo zonas de contato ou lugares de engano.
Enquanto parte do público perceberá nesses falsos noticiários as fronteiras entre realidade e ficção, produzindo outras leituras mediante seus atravessamentos, haverá também leitores inadvertidamente enganados. Aparentemente, esse modelo de interação com as notícias falsas vai depender não somente da eficácia da própria paródia, mas ainda do tipo de inserção do leitor numa cultura midiática que exige competências para transitar entre múltiplas intertextualidades. Eventualmente, para aqueles que não percebem imediatamente a brincadeira, a descoberta desses embustes (hoaxes) no ato de leitura pode funcionar como um insight ou um alerta bastante útil para despertar uma consciência crítica sobre o jornalismo que se consome, que pode até mesmo ser mais ficcional que a ficção.
Leticia Cantarela Matheus
Doutora em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGCom-Uerj)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
PARÓDIA E JORNALISMO: CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS
1.1 A paródia em outros tempos
1.2 Memória coletiva: os lugares da paródia e do jornalismo
1.3 Vínculos de discursividade com o jornalismo: lugares dos enganos
1.4 Um olhar espelhado: ironia de (um) jornalismo?
CAPÍTULO 2
SOBRE A PARÓDIA
2.1 Os desvios da paródia: música, teatro e literatura
2.2 A radicalidade da paródia do jornalismo: Apporelly, o Barão de Itararé
CAPÍTULO 3
ESTUDO DE CASO: FALHA DE SÃO PAULO, MEIU NORTE E G17
3.1 Sociograma
3.2 Paratexto
3.3 Falha de São Paulo
3.4 Meiu Norte
3.5 G17
CAPÍTULO 4
ENTREVISTAS
4.1 Entrevista com Lino Bocchini
4.2 Entrevista com Rafael Gustavo Neves
4.3 Entrevista com Nelito Fernandes
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Se tem bigodes de foca, nariz de tamanduá [...], também um bico de pato e um jeitão de sabiá [...], mas é amigo, não precisa mudar e eu adoro,
adoro, difícil é a gente explicar.
(A Turma do Balão Mágico)
Meu nome é Filipe Macon Pereira Santos. Esqueceram muito o Pereira e o Santos; ficaram mais com os dois primeiros. Em família me chamam de Filipe. No trabalho, na escola e na universidade é Macon. Nunca entendi isso direito. Minha namorada até me dizia que um nome era mais sério que o outro. Coisas da memória das pessoas que gravam uma forma ou outra de se referir a mim. Mas eu sei quando estão falando comigo, e quem me conhece acho que sabe mais ou menos o que esperar de mim – se bem que gostamos de ser surpreendidos de vez em quando.
No caso de Nelito Fernandes, idealizador do site Sensacionalista, eu ainda não sabia muito o que esperar de suas atitudes. Era uma entrevista preciosa para o escopo deste livro sobre o lugar das piadas com notícias na internet – sua página na internet atingiu mais de um milhão de acessos num dia. O horário para meu encontro na casa dele no Rio de Janeiro foi marcado, mas nem tanto assim. Por e-mail, a combinação prévia foi para as 11 horas da manhã. Porém, como eu já estava na Tijuca por volta de umas dez e pouco, resolvi ligar, recebendo como resposta: "Se quiser vir andando, vem". Até então me permeava a dúvida se chegando antes poderia incomodar. Que nada! O que destoou soou bem.
Cheguei ali à residência dele no início da subida para o Alto da Boa Vista e fui muito bem recebido. Tudo daquele jeito: protocolos que se quebravam. Depois de ter uma conversa maravilhosa com a governanta, que me abrigou, recebi o carinho da cachorra de estimação, Pipoca...! Era o nome dela. Poder acariciá-la me acalmava para minha primeira entrevista de história oral.
Eu estava na antessala. Olhava para a sala – de onde esperar que Nelito viria? E ele veio, mas por trás de mim... Não esperava que fosse dali, e ainda com um papagaio cinza no braço. Só não fiquei mais surpreso com o bichano porque a governanta já havia me adiantado que ele vivia ali também. Entretanto, imaginar que o entrevistado fosse me dar a primeira impressão com a ave no braço foi demais. Não aguentei! Pus meu braço à frente para o papagaio passar e ele passou. Estava selado o primeiro cumprimento.
Nelito estava de camisa e bermuda, bem à vontade em sua casa. Um café e água foram-me oferecidos. Pedi o café com açúcar. O entrevistado acompanhou-me na bebida, mas disse: Prefiro puro!
. Está certo que, à primeira vista, a inversão de pedir o aperitivo amargo está longe de ser esperada, contudo talvez essas demonstrações servissem para ilustrar o tom da própria vida de Nelito: o que está só na ficção também pode estar, de maneira bem-humorada, mais próximo da realidade do que se imagina; basta que nos deixemos levar pelo movimento. Afinal, de vendedor de raspadinhas na rua, ele veio me dizer que só passou a frequentar restaurantes chiques quando virou jornalista – o que antes era algo tão distante quanto ir à Disney.
Pois bem, de que ficção e realidade falamos quando o jornalismo parece sentir os efeitos da mistura dos dois, mais do que nunca? Parto do pressuposto de que há imitação da narrativa jornalística, acreditada como verídica pela verossimilhança, mas sujeita a graus de distanciamento crítico pela paródia. Proponho avaliar os modos como as subversões na linguagem da imprensa sugerem um imaginário de visões espelhadas de mundo, incluindo uma possível revisão da prática jornalística, pela lente invertida do humor. O tema é relevante por envolver um gesto comunicacional que reinventa significações, a fim de assumir uma posição que deve ser contextualizada na sociedade. Penso em uma negociação de sentido em relação ao jornalismo.
Atos de paródia já ocorrem há muito tempo, chegando a incomodar até mesmo instituições como a Igreja na Idade Média (BAKHTIN, 1987), enquanto reverberava o efeito cômico. Da mesma forma, a paródia no jornalismo brasileiro também não é novidade, sendo praticada em publicações humorísticas que circulavam no Brasil nas primeiras décadas do século XX, a exemplo do jornal A Manha², do Barão de Itararé, paródia de A Manhã. Contudo, desde o início dos anos 2000, verifico uma expansão mais evidente da paródia nas produções jornalísticas, além do fato de ser exercida sob uma lógica de rede pela internet.
Experimentamos um momento para os processos comunicacionais em que duas camadas dão lugar ao exercício das atividades cotidianas em sua expressão. Considero um espaço físico da vida urbana, mas entendido num território híbrido, com o ambiente via internet, no qual é possível a expressão do afeto, das convicções, a invenção e a reinvenção de significados. A internet endossa uma lógica de rede em que há aparentemente mais acesso e conectividade, mobilidade e deslocamento, por vários lugares possíveis, em meio ao fluxo de informações em que se inserem jornalismo e sites de paródia.
A expectativa de um discurso acreditado como verídico produz muitas vezes confusões decorrentes da possibilidade de acreditar na veracidade de uma notícia publicada, mas que era falsa. Foi o que ocorreu no site Sensacionalista. Com base na imagem de um casal com um bebê encontrada na internet, uma reportagem fictícia foi escrita com o título Casal de São Paulo batiza o filho como Facebookson e causa polêmica no mundo
. Não só houve quem acreditasse que aquilo de fato tinha se dado, como também portais de notícias reais, como Alagoas 24 horas e O Impacto, da Paraíba, replicaram a notícia.
Os sites de paródia sobre o jornalismo realizam cópia de formatos jornalísticos, chegando a fazer trocadilhos com os domínios, ou seja, com o endereço dos sites, atuando diretamente na localização, uma das questões centrais da vida na cidade em rede. O assunto alcançou até mesmo os tribunais, com o jornal Folha de S.Paulo pedindo a censura do blog de paródia Falha de São Paulo, que teve o domínio suspenso. A ação causou repercussão não só no Brasil (portal Observatório da Imprensa), como também em organizações internacionais, como a Repórter Sem Fronteiras.
Pesquisa quantitativa sobre consumo de mídia feita pelo Ibope em 2014, sob encomenda da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, mostra que mais da metade (53%) das pessoas confia sempre ou muitas vezes nas notícias de jornais impressos, embora 75% dos brasileiros não sejam leitores dos periódicos. Na mesma proporção, mais da metade (53%) dos entrevistados confia poucas vezes em notícias de sites, redes sociais ou blogs. Mas nem por isso o Facebook deixa de ser a fonte mais acessada de informação na internet e as redes sociais receberem a maioria das citações.
No dia 22 de abril de 2012, foi publicada, no jornal O Globo, a reportagem É tudo mentira
, com o subtítulo "Sites de humor com notícias falsas, como O Sensacionalista, O Bairrista, G17 e 2030, vivem ‘boom’ e, com a ajuda das redes sociais, repercutem como verdade". O texto procurava mostrar que os portais de humor sobre o jornalismo proliferaram no Brasil, além de ilustrar casos de notícias