Era uma vez... outra vez: a reinvenção dos contos de fada
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Era uma vez... outra vez - Carolina Chamizo Henrique Babo
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
Agradecimentos
À minha mãe, que sempre me incentivou à leitura e aos estudos, que me contou a primeira história, que me deu o primeiro livro de contos de fada e que me presenteia com eles até hoje.
Ao meu pai, pelo carinho, pela compreensão e pelo apoio às minhas decisões. Mesmo as que ele considera malucas. Mas ele sabe que as melhores pessoas são assim.
Ao Davi, meu amor, meu amigo, meu namorado, meu marido, meu príncipe encantado. O responsável por realizar, todos os dias, meu próprio conto de fada de final feliz. Ontem. Hoje. Amanhã. Para Sempre.
Às fadas e às bruxas, pela inspiração, magia e encantamento.
Há sempre um pouco de conto de fada acontecendo na vida.
(Marie Louise Von Franz)
APRESENTAÇÃO
O reino dos contos de fada é amplo, profundo e alto, cheio de
muitas coisas: lá se encontram todos os tipos de aves e outros
animais; oceanos sem praias e estrelas sem conta; uma beleza
que é encantamento e um perigo sempre presente; alegria
e sofrimento afiados como espadas. Um ser humano talvez possa
considerar-se afortunado por ter vagueado nesse reino, mas sua
própria riqueza e estranheza atam a língua do viajante que as
queira relatar. E, enquanto está lá, é perigoso que faça perguntas
demais, pois os portões podem se fechar e as chaves se perder.
(TOLKIEN, 2013, p. 5)
Acredito que não haja outra maneira de começar este livro sem que precisemos recorrer a três palavras mágicas. Três palavras que, pronunciadas em conjunto, são capazes de nos retirar de nosso mundo real
e nos transportar diretamente para um reino de magia e fantasia. Um lugar muito, muito distante, conhecido por diversos nomes. País das Maravilhas. Terra do Nunca. Cidade das Esmeraldas. Belo Reino. O mundo dos Contos de Fada, que começa com o Era Uma Vez
.
Um local habitado por príncipes, princesas, reis, rainhas, fadas encantadas, bruxas malvadas, feitiços, poções mágicas, florestas, castelos e dragões. Esses e tantos outros elementos e personagens povoam nosso imaginário desde que somos crianças. Quantas vezes já ouvimos ou contamos essas histórias? Quantas vezes não torcemos para o sapatinho caber no pé de Cinderela, para a Fera se transformar em um belo príncipe ou para a Branca de Neve não morder a maçã envenenada? Mas ela sempre morde, não é mesmo?
E pensar que essas belas narrativas, contadas pelos seres humanos desde os tempos mais remotos, são originadas em nosso interior, em contato direto com a nossa essência, pois nascem e vivem dentro de nós. Elas podem nos alertar de perigos quando estes nos são impostos, mostrando de que maneira devemos agir. Elas conseguem nos propor os mais importantes ensinamentos, sempre de uma maneira espontânea, natural. Ou são capazes simplesmente de ficar quietas, esperando que sejam chamadas, como a princesa que dorme e aguarda o seu despertar.
Despertar esse que acontece quando entramos em contato com nossas narrativas, com nossas imagens primordiais, arquetípicas (JUNG, 2012). Mesmo que elas não sejam oferecidas em sua forma original, ou que tenham sido modificadas, alteradas. Ainda assim. Quando reconhecemos algumas dessas estruturas é como se algo falasse dentro de nós, como se algo mais forte que a própria consciência emergisse, como se ouvíssemos um chamado.
Dessa forma, quando vi as histórias de que eu tanto gostava serem transformadas uma a uma em contos reinventados, quando notei que as princesas estavam se transformando em vampiras, quando desconfiei que os vilões estavam sendo perdoados
e quando percebi que lobos (ou seriam lobisomens?) estavam sendo adicionados às narrativas, não pude ignorar esses indícios. Algo de muito estranho estava acontecendo. E precisava ser investigado.
Mas entrar no mundo das narrativas fantásticas é sempre muito perigoso. Há quem diga que as pessoas que cruzam essa passagem não retornam mais. Ou, quando retornam, estão mudadas, transformadas. Como se tivessem sido enfeitiçadas por uma bruxa ou encantadas pelas bênçãos de uma fada. Cruzar o Belo Reino é uma tarefa para heróis e heroínas. Eu precisava me arriscar. E me arrisquei. E o que descobri?
Descobri que... ah, não. Não revelarei mais nada aqui. Para participar desta aventura você precisará ler o livro que está em suas mãos. Acho que já falei demais. As boas histórias não necessitam de uma apresentação tão longa.
Voltemos então àquelas palavras mágicas do início do texto, o Era Uma Vez
que corresponde ao início da maioria dos contos maravilhosos. Mas apenas se quiser, é claro. Você já foi alertado sobre os perigos dessa caminhada. A decisão de me seguir ou parar por aqui é sua. Se você optar por parar, garanto que nenhum mal lhe ocorrerá e que continuará sua vida tranquilamente. Se me seguir, por outro lado, chegará ao Reino dos Contos de Fada e voltará dessa jornada um tanto transformado. A toca do coelho é logo ali. Basta virar a página.
A autora
Prefácio
As fadas importam
Na mitologia egípcia existia a figura de um deus muito famoso com cabeça de íbis, que é uma ave de pescoço longo e bico em forma de meia lua. Chamava-se Toth. Na extensa lista de suas invenções encontravam-se os números e o cálculo, a geometria e a astronomia, o jogo de damas e os dados... E, também, a escrita.
E é aqui que nossa história começa. Certo dia, Toth foi ter com o poderoso deus-rei Amon para apresentar a ele algumas de suas novas invenções.
Estava entusiasmado:
– Tem uma aqui que é muito especial, meu caro rei – disse Toth. – Vai tornar os egípcios mais sábios, porque fortalecerá a memória deles.
– E como se chama essa coisa tão maravilhosa?
– A escrita – respondeu Toth. – Olhe aqui como funciona...
– Sei não...
– Como não sabe? A escrita é ótima para a memória e a sabedoria. Um verdadeiro remédio!
– Remédio? Acho que você inventou mesmo foi uma droga. Com ela, os egípcios irão se tornar preguiçosos, além de esquecidos. Onde já se viu? Em vez de cultivar a memória, irão confiar apenas naquilo que está escrito...
Vale a pena conferir a resposta completa de Amon, nas palavras do filósofo grego Platão (2007, p. 119):
– Tal coisa tornará os homens esquecidos, pois deixarão de cultivar a memória, confiando apenas nos livros escritos; só se lembrarão de um assunto exteriormente e por meio de sinais, e não em si mesmos. Logo, tu não inventaste um auxiliar para a memória, mas apenas para a recordação.
Amon continuou:
– Transmites aos teus alunos uma aparência de sabedoria, e não a verdade, pois eles recebem muitas informações sem instruções e se consideram homens de grande valor, embora sejam ignorantes na maior parte dos assuntos. Em consequência, serão desagradáveis companheiros, tornar-se-ão sábios imaginários ao invés de verdadeiros sábios.
Fico imaginando a cara de Toth. Ou melhor, o bico.
Trazendo para os nossos dias, o professor e pesquisador Luís Mauro Sá Martino, meu colega na Faculdade Cásper Líbero, reconhece nessa história uma das mais antigas críticas à técnica, no caso, à técnica da escrita. No livro Teoria das mídias digitais (2014), considerando que a escrita é também um tipo de mídia, Martino aponta uma curiosidade: a preocupação do deus-rei Amon lembra muito de perto o que se ouve cada vez mais sendo dito nos dias de hoje sobre o uso de algumas das mais populares tecnologias de informação e de comunicação.
Com tantas maravilhas tecnológicas, estaríamos emburrecendo? Sei lá. Como diria o tcheco-brasileiro Vilém Flusser (1920-1991), acabamos virando funcionários da técnica que desenvolvemos para nos auxiliar. Funcionários, ele disse. Às vezes, até escravos.
Boa essa discussão. Muito boa.
Sábio Amon, portanto. Mas, também, sábio Toth. Porque ninguém está aqui para abominar a escrita, a técnica, a mídia. Deus me livre! Afinal de contas, eu me encontro aqui, bem na frente de um belíssimo computador... escrevendo.
Obrigado, Toth! Embora, infelizmente, eu não entenda nada dos hieróglifos que você teria inventado!
Remédio e droga
Remédio, em grego, é pharmakon. Daí o termo farmácia. É nesse sentido que Toth via a escrita, como uma coisa boa.
Mas pharmakon, em grego, é também droga, no sentido negativo. Daí o termo drogaria. Farmácias e drogarias. Amon, em sua fala, assume esse sentido negativo da palavra.
Qual dos dois tem razão, Toth ou Amon?
A pergunta está longe de ser boa. Ela nos remete a um modo de pensar que é fortemente questionado neste livro que você, caro leitor ou leitora, tem em mãos. Ela nos vem dessa nossa velha e carcomida tradição de criar dualismos o tempo todo, do tipo certo-errado, bom-ruim, bandido-mocinho... Aí, ou é Amon ou é Toth. Um pensamento reconhecidamente pobre.
Como se fosse assim tão fácil compreender o mundo, colocá-lo numa caixinha, explicá-lo. Numa visão diferente, que chamamos compreensiva e que estamos perseguindo nesta nossa conversa, Toth e Amon precisam conversar bastante um com o outro. Aliás, devem estar tagarelando até hoje, porque a luta para fugir do dualismo não é fácil. O dualismo simplifica as coisas, por isso atrai tanto as nossas mentes. Mas também superficializa. Emburrece.
Porque o mundo é misturado
, você lê em Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. É complexo, diria Edgar Morin: são muitos os sentidos que se tecem e entretecem uns com os outros.
Você