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Meu amigo João
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E-book71 páginas55 minutos

Meu amigo João

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Sobre este e-book

Este livro reúne oito contos sensíveis e bem-humorados sobre amizade, solidariedade, ingratidão, infância, adolescência, estudos, carreira, família, convivência, acertos e desacertos, a vida rural e urbana e todo tipo de perdas.
"Somos um pouco das pessoas que pas sam pela nossa vida. Algumas já es tão em nós e nós nelas, de tal for ma misturados que não sabemos quem é a árvore e quem é o fruto. Ou tras aparecem, silenciosamente, em nosso ca mi nho. Nós as escolhemos, dam os a elas a cha ve de nossos segredos, ou elas nosescolhem e abrem suas portas para que en tremos. E há as quenem chegamos a co nhe cer, mas que vivem dentro de nós antesmesmo de nascermos. Às vezes, nos dão a cor dos olhos; às vezes,o jeito de olhar. Algumas nos deixam o seu melhor, como umtesouro; outras nos levam as ilusões, e roubam nossos sonhos."
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de mai. de 2013
ISBN9788506069707
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    Meu amigo João - João Anzanello Carrascoza

    João Anzanello Carrascoza

    Meu amigo

    JOÃO

    contos

    ilustrações

    Walter Vasconcelos

    Sumário

          Outras lições

          A segunda cartilha

          Canários

          Porão

    Biografia do autor

    Créditos

    MEU AMIGO

    JOÃO

    Saindo agora do escritório dele, recordei-me subitamente das palavras de minha mãe. A vida é uma ciranda, dizia ela, a gente dá a mão para uma pessoa hoje, outra nos estende a sua amanhã. E, como se reescrevesse o meu evangelho, lembrei-me da primeira vez em que o vi: João estava sob a sombra de uma mangueira no quintal de nossa vizinha, onde eu fora buscar folhas de louro a pedido de mamãe. Movia-se, silencioso, como uma serpente, procurando pedras no chão, com as quais depois derrubou duas mangas maduras; uma, que logo mordeu, sugando o suco como um seio; a outra, que deu a mim, a contemplá-lo, admirado. Havia pouco ele se mudara com a tia para a vila onde morávamos e, naquela manhã, ao me estender a fruta, disse apenas, É pra você!, e sumiu entre as árvores. Comoveu-me a sua inesperada generosidade, eu não estava habituado a ganhar nada de estranhos, era eu quem sempre dava. E descobri que ele não entrara ali como eu, pelo portão: João pulara o muro da vizinha. Mas em vez de desprezá-lo pelo roubo, admirei-o pela ousadia.

    Surpreendeu-me na semana seguinte, quando nos encontramos no catecismo, e a professora, após ler a Bíblia, explicou que João significava amigo de Cristo, e ele sorriu docemente para mim, sua mais nova conquista. Foi numa dessas aulas que me entreguei de fato a ele – já então nos conhecíamos melhor e bastava vê-lo amarrado à grossa corda de seu silêncio, os lábios unidos por pregos invisíveis, para saber que não se resignava à sua condição. Era uma tarde de inverno e, de repente, o horizonte enegreceu e uma inesperada tempestade desabou. Trovões eclodiam, ininterruptos, bombardeando nossos ouvidos; relâmpagos desenhavam no céu formas horripilantes, que víamos, assustados, pelos vidros da janela. A professora fechou a cortina, acendeu a luz da sala, onde nos reuníamos em roda, e tentou nos acalmar, enquanto galhos de árvores se estatelavam na rua ao bramir da ventania. A luz tremeu uma vez, outra, e na terceira se apagou. Vou procurar uma vela, disse ela, e então alguém sussurrou, aflito, Ai, meu Jesus! Reconheci a voz de meu amigo e senti o ar que sua mão deslocava, rasgando as trevas à procura da minha – e prontamente a estendi.

    Minha mãe se alegrava ao me ver com João. Nós dois nos divertíamos horas a fio com meus automóveis, piões, quebra-cabeças, soldados e índios do Forte Apache, dinheiros e cheques do Banco Imobiliário. E me elogiava, sempre em voz alta, para meus irmãos ouvirem, que eu sabia dividir como um autêntico cristão; afinal, ninguém podia ser feliz sozinho, o paraíso na terra eram as boas companhias. Não me admirou, numa das poucas vezes em que fui à casa de João – era sempre ele quem vinha à nossa –, encontrar em seu quarto brinquedos meus, alguns que eu supunha ter perdido: um avião de guerra, um carro de polícia, o trem elétrico. Ao me ver repentinamente ali, ele deu de ombros e me chamou para brincar na rua, como se aqueles brinquedos não tivessem para ele o valor que eu sabia terem. Não que eu os quisesse de volta, João é quem desejava ocultá-los de mim. Mas não me aborreci, eu sabia que nada pode ser dado se já não é do outro. E era eu ganhar uma bicicleta nova para ceder a ele a minha velha, sem hesitar em trocá-las no caminho e deixá-lo saborear algo que me alegrava possuir só para lhe oferecer. Era sobrar

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