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Por que calar nossos amores?: Poesia homoerótica latina
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Por que calar nossos amores?: Poesia homoerótica latina
E-book336 páginas3 horas

Por que calar nossos amores?: Poesia homoerótica latina

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Sobre este e-book

Este livro, uma antologia bilíngue de poesia romana de temática homoerótica, abarca uma série de gêneros e subgêneros da poesia antiga, como a épica, a bucólica, a elegia, o epigrama e a lírica.

Estes textos tesos são, em primeiro lugar, objetos estéticos, mas que intentam e logram comparar-se à beleza daqueles que ora eram sujeitos, ora objetos nas camas desses poetas. E estes os celebram em artefatos textuais que emulam em seus músculos rijos um Eros/Amor que é sempre verbo feito carne. Percorrendo várias gerações de poetas latinos, encontramos neste livro uma profusão de tratamentos distintos do tema, indo do tom direto em Catulo ao oblíquo em Horácio; da celebração da hombridade amorosa entre guerreiros aos amores entre deuses e homens; da sátira contra ex-amantes aos conselhos bastante apropriados de sedução e paciência dados por Tibulo.

Ricardo Domeneck
IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de mai. de 2017
ISBN9788582176085
Por que calar nossos amores?: Poesia homoerótica latina

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    Por que calar nossos amores? - Raimundo Carvalho

    Copyright © 2017 Autêntica Editora

    Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

    coordenação da coleção clássica, edição e preparação

    Oséias Silas Ferraz

    revisão

    Guilherme Gontijo Flores Lúcia Assumpção Márcio Meireles Gouvêa Júnior Oséias Silas Ferraz

    capa

    Diogo Droschi (Sobre imagem © Ciolca | Dreamstime.com)

    diagramação

    Larissa Carvalho Mazzoni

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Por que calar nossos amores? : Poesia homoerótica latina / organização Raimundo Carvalho...[et al.]. -- 1. ed. -- Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2017. -- (Coleção Clássica)

    Outros organizadores: Guilherme Gontijo Flores, Márcio Meirelles Gouvêa Júnior, João Angelo Oliva Neto

    Edição bilíngue: latim/português

    Bibliografia

    ISBN 978-85-8217-602-3

    1. Poesia latina I. Carvalho, Raimundo. II. Flores, Guilherme Gontijo. III. Júnior Gouvêa, Márcio Meirelles. IV. Oliva Neto, João Angelo.

    16-09252 CDD-871

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Poesia : Literatura latina 871

    www.grupoautentica.com.br

    Belo Horizonte

    Rua Carlos Turner, 420 Silveira . 31140-520 Belo Horizonte . MG

    Tel.: (55 31) 3465 4500

    Rio de Janeiro

    Rua Debret, 23, sala 401

    Centro . 20030-080

    Rio de Janeiro . RJ Tel.: (55 21) 3179 1975

    São Paulo

    Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, Horsa I 23º andar . Conj. 2301 . Cerqueira César . 01311-940 São Paulo . SP

    Tel.: (55 11) 3034 4468

    Prefácio

    O amor dos homens

    Márcio Meirelles Gouvêa Júnior

    O imaginário acerca da Roma antiga foi moldado quase que inteiramente pelas narrativas deixadas pelos próprios romanos. Fizeram parte desse imaginário os excessos de seus imperadores, a crueldade impiedosa das relações de poder e, sobretudo, a imensa luxúria da corte e dos cidadãos. A fabulosa riqueza obtida nas conquistas do Mediterrâneo, o acesso à opulência dos requintados e decadentes reinos helenísticos, o contato com os exóticos costumes do milenar Egito e as amplas permissividades sexuais de um mundo ainda não constrangido pela moral judaico-cristã compuseram, pelos séculos de construção narrativa, um amplo cenário de licenciosidade e devassidão, que nunca mais foi alcançado nas descrições históricas ocidentais, como se a Roma descrita por si própria fosse um interminável banquete do liberto Trimalquião, da obra de Petrônio.

    Amplificando de modo quase absurdo a realidade, os exemplos desse imaginário orgiástico construídos pelos romanos foram muitos e bastante elaborados, tendo, em regra, servido aos mais diversos interesses políticos, seja para detratar os poderosos governantes caídos em desgraça, como no caso da maioria das narrativas sobre Calígula, Nero, Cômodo, Caracala ou Heliogábalo; seja para fortalecer, por evidente contraste, os cidadãos e governantes considerados virtuosos segundo a moralidade romana do período, como Tito, Antonino Pio ou Marco Aurélio; seja, enfim, como uma sátira de costumes, como nos romances latinos – Satyricon e Asno de Ouro.

    O anedotário da licenciosidade e das práticas sexuais dos dignatários romanos é, desse modo, extenso e rico. Bons exemplos são encontrados nas narrativas das vidas dos imperadores. De Tibério, o príncipe que governou Roma de 14 a 37 d.C., foram célebres as diversões eróticas na Vila de Júpiter, localizada na ilha de Capri. Caracterizaram-no uma crueldade desmedida e uma sexualidade inteiramente perversa e ilimitada, cujos requintes aliavam uma violência desmesurada aos prazeres do imperador. Reportou-as Suetônio, o biógrafo dos doze primeiros Césares:

    No seu retiro na ilha de Capri, [Tibério] até ordenou a construção de um gabinete, que se tornou a sede de sua secreta libertinagem e para onde ele levou, buscados em todas as partes, grupos de moças e rapazes praticantes de cópulas monstruosas, aos quais chamava spinthrias, para que, conectados em grupos de três, mutuamente se conspurcassem na sua frente, de modo que diante dessa visão se excitassem seus esgotados desejos. Ele adornou os quartos, espalhados por diversos locais, com quadros e estátuas que continham cenas e figuras muito lascivas, e ali dispôs livros [vindos] de Elefantina, a fim de que, pelas posições neles ensinadas, não faltasse nenhum modelo do esquema proposto. Nas florestas e também nos bosques, por toda parte, ele idealizou lugares consagrados a Vênus, e distribuiu, pelas grutas e cavernas das rochas, grupos de jovens de ambos os sexos, vestidos com roupas de faunos de ninfas. Por essa razão, os habitantes da ilha chamavam-no publicamente de Caprino.

    [Tibério] agitava-se por uma infâmia ainda maior e mais torpe, que dificilmente se pode ouvir ou contar, e que muito menos se pode crer. Parece [ele] que ensinava as crianças de tenra idade, as quais ele chamava de peixinhos, a nadar e brincar entre suas coxas e a pegar seu membro com a língua e os dentes. Também [ensinava] as crianças um pouco mais firmes, mas ainda não desmamadas, a sugar seu membro como se fossem seios, muito mais inclinado a esse tipo de prazer em função de sua natureza e idade. Uma vez que ganhou um quadro de Parrásio, em que Atalanta com a boca servia obedientemente a Meleagro, sob a condição de que se a tela lhe desagradasse ele receberia um milhão de sestércios, [Tibério] não somente a quis, mas ainda lhe dedicou um lugar no seu quarto. Da mesma forma, diz-se que, certa vez, ao realizar um sacrifício, foi seduzido pela face daquele que lhe entregava o incenso e não pôde se conter; logo que a cerimônia divina foi concluída, ordenou que fosse conduzido imediatamente e o estuprou, ao mesmo tempo que [estuprou] o irmão flautista. A seguir, uma vez que os dois haviam reclamado da afronta que receberam, mandou que lhes quebrassem as pernas.

    Nessas narrativas sobre a vida dos imperadores, ainda mais famosos e espetaculares talvez tenham sido os comportamentos insanos e depravados de Calígula, que governou de 37 a 41 d.C. Mais uma vez, os registros de Suetônio os narram. A prática do incesto talvez tenha sido a transgressão mais citada pelo biógrafo:

    Com todas as suas irmãs [Calígula] manteve o costume do incesto. Em pleno banquete, colocava alternadamente cada uma delas debaixo de si, enquanto sua esposa ficava por cima. Acredita-se que tenha maculado a virgindade de Drusila ainda quando trajava a toga pretexta, uma vez que fora surpreendido em coabitação com ela pela avó Antônia, junto à qual eram educados.

    Nesse sentido, além do incesto, para incrementar o seu constante ultraje à moralidade romana, Calígula ainda buscou atingir a própria sociedade, por meio das mulheres casadas e dos cidadãos livres. Submetendo-os à prostituição, Calígula compartilhava com aqueles que não compunham a corte imperial a sua própria devassidão:

    E para que não faltasse nenhum gênero de extorsão, estabeleceu em seu palácio um prostíbulo, com quartos separados e decorados de acordo com a dignidade do lugar, nos quais ficavam matronas e homens livres. Mandou nomencladores às praças e basílicas das cercanias para convidarem jovens e velhos à luxúria.

    Nesse imaginário de luxos e extravagâncias atribuído pelos historiadores romanos à sociedade de Roma, é provável que tenha sido Nero, governante de 54 a 68 d.C., o imperador cujas perversões foram as mais relatadas e elaboradas. Último herdeiro da dinastia augustana, sua devassidão foi ressaltada por todos os imperadores seguintes que buscaram afirmar sua própria estirpe. Assim, Nero se transformou em uma espécie de monstro absoluto, contra quem todos os descalabros foram imputados. Desrespeito aos deuses e aos costumes, incesto e obscenidades caracterizaram-no:

    Sem falar de sua prática sexual com jovens livres e com as mulheres casadas, ele violentou Rúbia, uma virgem vestal. Pouco faltou para que se unisse em justo matrimônio à liberta Ateia, obrigando os cônsules a perjurarem ao dizer que ela provinha de estirpe régia. Esforçou-se por transformar em mulher o jovem Esporo, arrancando-lhe os testículos, e o conduziu, em celebérrima pompa e com os ritos esponsais, à solenidade das núpcias, e o tratou como sua esposa. Não sem humor alguém disse que as coisas iriam bem para o gênero humano se Domício, pai de Nero, houvesse tido uma tal esposa. Esse Esporo foi enfeitado com os ornatos das imperatrizes e foi levado em liteira, acompanhado [por Nero] ao mercado da Grécia, e logo, ao de Roma, perto dos arredores de Sigilária, beijando-o a todo instante. De fato, teria apreciado ter praticado sexo com sua mãe, mas teria sido impedido pelos inimigos dela, para que a feroz e imoderada mulher não prevalecesse com aquele gênero de prestígio – o que ninguém duvidava, além do mais depois que aceitou entre suas concubinas uma meretriz, que tinha a fama de ser parecidíssima com Agripina. Dizem, também, que todas as vezes em que era transportado na liteira com sua mãe ficava evidente seu libidinoso incesto, pelas manchas espalhadas em suas vestes.

    Além disso, aliava-se uma profunda crueldade a seus fetiches e fantasias:

    Manchou sua pudicícia de tal modo que, maculando quase todos seus membros, imaginou um novíssimo tipo de divertimento. Coberto por uma pele de fera, saía de uma jaula e atacava as virilhas de homens e mulheres amarrados em postes. Depois de fartamente haver saciado seu furor, entregava-se a seu liberto Doríforo, que, como Esporo, fora sua esposa. Com gritos e gemidos imitava as virgens ao serem violentadas.

    Talvez, no entanto, o imperador que melhor correspondeu ao licencioso imaginário acerca de Roma tenha sido Heliogábalo, o jovem sírio que governou Roma de 218 a 222 d.C. As narrativas a seu respeito reportadas na História Augusta alcançam o inimaginável. Heliogábalo apresentava-se diante da corte com o corpo depilado e vestido de Vênus, e deixava cair seu manto, pondo-se desnudo, com as mãos a cobrir o sexo. Ele construiu banhos públicos em seu palácio, para poder avaliar o tamanho dos membros viris; mandou procurar pelo império e entre os marinheiros os ὀνόβελοι (aqueles com pênis de asno), e:

    Nomeou para a prefeitura do Pretório um dançarino, que atuara em Roma como histrião; nomeou para prefeito da guarda o auriga Córdio, e, para prefeito dos víveres, o barbeiro Cláudio. Promoveu a outros cargos os indivíduos recomendados a ele pela enormidade dos membros viris.

    Porém, julgar a realidade romana apenas a partir desses registros sobre os luxuriosos costumes imperiais, eivados de matiz político e ideológico, conduz o leitor desavisado a uma profunda distorção de perspectiva. Apesar desse rico imaginário acerca da licenciosidade romana criado pelas narrativas de poder a serviço das políticas e interesses pessoais dos governantes, há de se ter em mente que, a despeito da imensa diferença entre os valores e comportamentos sexuais do mundo antigo e aqueles da época atual, os sentimentos de afeição e de desejo humanos transcendem os preconceitos de cada tempo, e mesmo em uma era de tantos excessos e de exageros no uso dos prazeres, como foi o período histórico romano, os sentimentos amorosos foram capazes de encontrar expressão. Como as proibições antigas se faziam antes sobre a condição social dos parceiros do que sobre o seu gênero, o sentimento de afeição era inteiramente possível e comum. Um breve registro de Plutarco sobre os costumes republicanos romanos mostra-o bem:

    Não era incomum ou vergonhoso para os homens mais velhos o amor dos escravos que estavam em sua fase de maior beleza, como ainda hoje as comédias testemunham.

    Nesse sentido, a descrição feita por Dion Cássio do luto amoroso do imperador Adriano, que governou Roma de 117 a 138 d.C., pela morte de Antínoo¹ não destoa das inscrições pompeianas preservadas pela erupção do Vesúvio como registro desse amor inter pares:

    Ó belo Sabino, Hérmero te ama.

    ou:

    Césio Fidelis ama Mécon de Nucéria.

    Finalmente, há ainda que se ter em mente que a literatura latina foi tributária e emulatória da literatura grega, na qual o homoerotismo, de feição social inteiramente diversa da realidade romana, era um tópos literário, ou seja, um modelo poético repetido pelos escritores, sob o exemplo de Safo, Íbico, Teógnis, Teócrito ou Anacreonte. Desse modo, em que pese o aspecto eminentemente literário que revestiu o conteúdo homoerótico presente nas obras dos poetas que pontilharam a literatura latina, será por meio de seus versos que se poderá ultrapassar o imaginário luxurioso com que as narrativas antigas caracterizaram a sociedade romana para assim, e só assim, se conseguir ter acesso a esse aspecto inerente à sexualidade humana.

    Não vamos negar tudo o que ficou registrado dos excessos luxuriosos dos imperadores e de outras altas figuras do Império Romano. Mas, a partir dos estudos de história da vida privada e da literatura podemos pensar que havia relações privadas em que a sexualidade tinha outro registro, o do afeto, do humano desejo de uma pessoa por outra. Um pouco disso é o que essa antologia poética nos mostra, a par com a beleza da poesia.

    Por que calar nossos amores?

    Que cada um cante seu amor – o canto acalma.

    1 Dio Cassius, 59, 11.

    Apresentação

    Que cada um cante seu amor

    Guilherme Gontijo Flores

    Provavelmente não havia homossexuais em Roma. Pelo menos não segundo nossas concepções modernas. Com isso, é claro, não se deve entender que não havia relações entre pessoas do mesmo sexo; o fato é que nossos modos de definição para heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, etc. simplesmente não se aplicam ao modo como os romanos encaravam sua própria vida sexual.¹ Certamente não é fácil determinar o sentido da sexualidade numa sociedade tão antiga e diversa da nossa, e por isso muitas vezes nos vemos como antropólogos diante de uma tribo com costumes tão diversos dos nossos, que nossos conceitos ocidentais modernos nem sequer se aproximam da visão que tentamos decodificar.

    Esta apresentação, portanto, não tem o intuito de explicar a sexualidade romana, mas apenas dar uma linha geral que explique como os romanos encaravam alguns aspectos daquilo que chamamos homossexualidade e que talvez seja descrito melhor como homoerotismo.² Em primeiro lugar, a ideia de homossexual como indivíduo que se identifica subjetivamente de acordo com a vida afetiva não aparece nos textos antigos, mas tanto sua terminologia como sua conceituação decorrem de estudos do século XIX mais voltados para uma normatização sexual. Para Foucault, foi apenas a partir do século XIX que a sexualidade tornou-se a chave da individualidade (1984, p. 137). É preciso ter em mente, portanto, que

    [...] a atração que em nossa sociedade sentimos pela diferenciação entre homossexuais e heterossexuais, a ponto de imaginar que não podemos viver sem ela, é tão naturalmente determinada quanto a divisão entre gentios e cristãos, católicos e protestantes, castos e libertinos, metropolitanos e colonizados, ocidentais e orientais, civilizados e primitivos, etc. Todas essas distinções foram ou são, em certas circunstâncias, tão ou mais importantes quanto a divisão dos homens em homossexuais e heterossexuais (

    Costa

    , 2002, p. 34).

    Com isso, temos um paradigma para a sexualidade que a interioriza como chave de entendimento do humano, de um modo que determina nosso pensamento acerca do sexo. No caso da homossexualidade, ela apareceu como uma das figuras da sexualidade que foi transferida, da prática da sodomia, para uma espécie de androgenia interior, um hermafroditismo da alma. O sodomita era um reincidente, agora o homossexual é uma espécie. Para falarmos do homoerotismo antigo, e mais especificamente romano, precisamos deixar de lado essa imagem de androgenia interior para tentarmos avaliar como os romanos se viam em relação à sexualidade.

    Se, por um lado, os gregos do período clássico tiveram a experiência da pederastia como instituição social (a saber, uma espécie de convívio do homem mais velho, erastés, com um jovem aprendiz, erómenos, que incluía também uma vida sexual, até que este jovem amadurecesse); por outro, nada na vida grega dava a entender que o indivíduo deveria fazer uma escolha entre a vida amorosa com meninos ou meninas: os momentos dessa vida sexual variavam de acordo com o período da vida, com a classe social, com a cidade, etc., tal como outras instituições, como o casamento, o trabalho, a guerra, etc. e não implicavam necessariamente uma identificação do indivíduo por sua orientação sexual,³ nem uma liberalidade total.⁴ Por isso Dover (1994, p. 236) afirma que:

    De um modo geral a busca por eromenoi era uma característica dos anos anteriores ao casamento [...], de forma que as mulheres tinham relativamente poucos motivos para temer que seus maridos estivessem criando laços homossexuais duradouros.

    Isso porque não havia culturalmente uma distinção entre homossexualidade e heterossexualidade: uma conduta sexual não eliminava a outra, porque os antigos não a pensavam em termos de orientação sexual clara.

    A oposição entre um homem temperante e senhor de si e aquele que se entregava aos prazeres era, do ponto de vista da moral, muito mais importante do que aquilo que distinguia, entre elas, as categorias de prazer às quais era possível consagrar-se mais livremente (

    Foucault

    , 2001, p. 167).

    Em segundo lugar, Roma não é igual à Grécia: a pederastia nem sequer foi uma instituição social romana⁵ e, quando nessa cultura, ela é muito mais uma leitura romana sobre o passado grego do que um acontecimento factual. Com isso, quero dizer que os exemplos poéticos que estão neste livro são muito mais um acontecimento estético com base na leitura dos gregos do que um reflexo factual da vida romana; ou, nas palavras de Florence Dupont e Thierry Éloi, os romanos pensavam seus prazeres a partir da Grécia (2001, p. 5). Talvez por isso haja muito menos exemplares de poesia homoerótica romana do que grega: trata-se mais, em grande parte, de uma recriação e releitura do outro do que de uma representação factual do mesmo.

    Aqui chegamos a um ponto importante: ao separar Grécia de Roma e afirmar que não houve pederastia romana, não pretendo dizer que não havia afetividade sexual entre os homens romanos, que o homoerotismo não acontecia de modo algum; pelo contrário, quero determinar melhor como esse homoerotismo se dava a partir dos discursos sociais. Isso implica que só podemos conhecer concretamente os discursos em torno da sexualidade, mas não a vida sexual privada de cada romano. Noutras palavras, podemos compreender minimamente o que se fala no espaço público, mas isso não representará toda a sociedade, já que, inevitavelmente, o que é considerado imoral e obsceno permanece em grande parte fora do discurso que foi conservado.

    Modos da sexualidade entre homens

    A lei romana prezava pelos corpos dos seus jovens cidadãos, tanto as meninas (uirgines) preservadas para o casamento como os meninos (pueri). Violar os corpos desses jovens constituía em crime de stuprum, mesmo que consentido, porque conspurcava a sacralidade desses corpos.⁶ No caso das meninas, é mais fácil compreendermos, porque até há pouco tempo uma lógica similar ainda resguardava a virgindade da moça de família; no caso dos meninos, embora a lógica pareça a mesma da nossa pedofilia, podemos perceber que há outras coisas em jogo. Não é que um homem não pudesse ter sexo com outro homem, nem que aos olhos dos romanos fosse estranho o desejo de um homem por um jovem (para eles, os corpos eram desejáveis e não havia problema nisso): um romano adulto poderia, sem maiores problemas, ter relações com um escravo do mesmo sexo; mas isso acontecia porque o corpo desse escravo, mesmo que criança, não estava submetido às mesmas normas do corpo do cidadão livre. Como afirma Carlos Ascenso André (2006, p. 178):

    [...] stuprum era um comportamento, portanto, ilícito. Não porque fossem homens ambos os parceiros, mas porque ambos eram cidadãos livres. Pederastia era, portanto, uma tradição grega e como tal assumida em Roma. O mesmo não se dirá da relação com alguém que não era um cidadão livre. Neste caso, a relação de poder fazia toda a diferença.

    Como objeto de posse, o corpo do escravo poderia ser usado pelo senhor como melhor lhe aprouvesse, sem que isso implicasse ofensa sexual a um dos dois: o senhor, como tal, fazia uso de seus objetos, e o escravo, sem domínio de seu corpo, cumpria

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