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Toda forma de amor - Vol. 2
Toda forma de amor - Vol. 2
Toda forma de amor - Vol. 2
E-book193 páginas2 horas

Toda forma de amor - Vol. 2

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Sobre este e-book

O segundo volume da duologia "Toda forma de amor" é um livro que relata histórias emocionantes e verdadeiras de personagens LGBT+ que enfrentam desafios e superam preconceitos em sua jornada pelo amor. A obra traz uma variedade de temas, desde amores proibidos e relacionamentos secretos até a busca pela aceitação e a luta contra a discriminação. Com personagens fortes e relacionamentos inesperados, "Toda forma de amor, volume 2" é uma leitura inspiradora e emocionante para todos aqueles que acreditam que o amor verdadeiro não tem fronteiras.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de jul. de 2020
ISBN9786580275700
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    Toda forma de amor - Vol. 2 - Cartola Editora

    SaintClair

    Então você percebe que uma semana é tempo demais

    Narciso

    Antes, eu costumava pensar que logaritmo seria a coisa mais difícil que eu aprenderia enquanto respirasse. O nome dava medo: logaritmo. Tinha consoantes demais para minha alma de meio grama, e eu bem aprendi que conforme crescemos parece que mais pesados vamos ficando.

    Do outro lado da rua, fica uma papelaria. E parece aleatório de se citar, entretanto é importante. O que tem do lado de dentro é que importa, sempre importa. Então, dentro da papelaria, ficava meu casal favorito do planeta todo: duas garotas com ar de cansaço, mas com risinho cordial a qualquer cliente que se atrevesse a comprar alguns cadernos por lá. Elas eram simplesmente adoráveis, porém nunca tive coragem de ir àquele lugar, nem que fosse para gastar uma moeda solitária.

    Ainda assim, fui curiosa o suficiente para pedir a ajuda de Gustavo, meu amigo. Ele me chamou de covarde quando eu lhe disse que queria que ele atravessasse a rua, comprasse qualquer coisa aleatória e, quem sabe, descobrisse para mim o nome das proprietárias. Gustavo tem um jeito de falar igualzinho ao da mãe dele, é tão adorável.

    Ele voltou com uma cartela de adesivos sortidos do Homem-Aranha, além de uma dupla de títulos na ponta da língua: Ana Carla e Luísa. Depois dessa descoberta, rotineiramente, eu gostava de mover os lábios formando seus nomes para, em seguida, sorrir. Sorria pouco, mas sorria.

    A verdade é que jamais pensei em me apresentar. Apreciava somente as mirar, de vez em quando, do outro lado da calçada enquanto servia as mesas do restaurante. Alguém me dizia:

    — Sem cebola, por favor! —E eu me encontrava distante demais da realidade para registrar, totalmente encantada. No meio da papelaria vazia, Luísa e Ana Carla balançavam seus corpos como se dançassem, abraçadas, provavelmente pensando que ninguém as veria. Ali, eu concluía que chegar ao meio-fio delas e tentar conhecê-las, com palavras e tudo, seria invasivo. Eu queria que seus momentos sozinhas fossem sozinhos, de fato. Só delas. E, no entanto, tão secretamente meus também.

    É a mesma sensação de assistir ao casal da sua série preferida acontecer. Exceto que a vida real é insanamente mais delicada e abrupta, viva. Tem cheiro de ferida aberta. Por isso, algo ardia realmente ao que Luísa e Ana Carla se amavam diante do mundo.

    Mas, infelizmente, a coisa mais difícil que eu tive que aprender enquanto respirava é que coisas bonitas não foram feitas para durar. Às vezes, o mundo é percebido dos ângulos mais feios.

    Foi naquela tarde que aconteceu. Naquela tarde, não tinha chuva nem frio. Não tinha dia quente nem ensolarado. Na verdade, pouco importava o tempo, a rua, as coisas do lado de fora.

    Naquela tarde, a papelaria fechou suas portas transparentes mais cedo que o normal e isso me fez franzir o cenho. Escutei alguém me chamando:

    — Mirela, fecha a conta aqui pra gente! — Porém pouco importava o que ocorria do lado de fora.

    Do lado dentro, Ana Carla e Luísa tinham os olhos mais tristes que eu já as tinha notado ter. Não sei dizer se havia lágrimas, todavia ambas discutiam o mais alto que o horário comercial permitia.

    Ninguém escutava na rua, mas eu conseguia ver cada ato da cena. Gritavam e gritavam, agitavam os braços, andavam de um lado a outro e riam, riam em escárnio uma da outra. Restava-me olhar, e meus olhos entristeceram-se junto. Elas brigavam.

    Em um ou dois instantes, Ana Carla marchava para fora do estabelecimento levando embora todo o seu orgulho. Luísa trancava o seu por trás da fechadura da loja. E eu fechei a conta dos fregueses.

    Apesar de já tê-las visto discutindo vez ou outra, jamais chegara a tanto. Nenhuma delas jamais fugia. Elas sempre esperavam, esperavam até que soubessem se amar de novo. Eu torcia por elas como o maior dos gestos, mas, naquele dia, uma foi embora. Meu peito rompeu como se fosse fim de mim, como se fosse o término do meu próprio amor.

    Foi porque eu soube.

    Algo dentro de mim simplesmente me disse que meu casal favorito tinha acabado sem volta. Eu escutei, dolorida, porque minha alma já tem mais de um quilograma. Eu estou mais velha, muito mais velha e pesada do que todas as versões de mim. Quando me pesam em balança, eu não tenho mais o direito de acreditar que as coisas vão melhorar.

    Antes, eu costumava pensar que pequenas alegrias eram tudo que se podia tirar de coisas simples da vida. Até que isso mudou também.

    Porque tudo que eu pude sentir, na semana seguinte, quando Ana Carla adentrou a papelaria de um jeito simples e sem rodeios, foi um susto. Eu prendi a respiração para valer, ao passo que ela abria a porta com uma das mãos, carregando na outra uma flor.

    Foi assustador.

    Luísa recebia-a com seu sorriso mais aberto, tinha também uma flor entre os dedos. Qualquer um podia dizer o quanto o tempo lhes doía pela maneira como elas sorriram.

    Assim, as duas se beijaram como se elas, elas mesmas, fossem encerrar o mundo com as próprias mãos nuas. Meu coração batia forte, eufórico como nunca. Feliz. Eu estava feliz com toda a verdade que conheço.

    Isso me deixou tão pensativa, as coisas são engraçadas. Antes de recolher alguns copos sujos, dei uma olhada ligeira na cartela de adesivos que eu mantinha no bolso. E talvez a felicidade me seja mais feliz quando não é minha.

    Acho que eu deveria escrever sobre isso.

    Jaime morreu

    Leonardo de Minas

    Eram seis da tarde e a tarde morria. Os primeiros morcegos saíam esvoaçando para caçar traças e outros insetos voadores junto ao cemitério, perto dos postes de iluminação. Junto a uma das tumbas, um jovem dos seus 18 anos ajoelhava em frente a uma rosa vermelha que quase brilhava sob a luz alaranjada e o escuro de uma noite limpa.

    O ar fedia a perda e a despedida, envolvendo as flores, a campa, e Edu. Só Jaime, debaixo de uns palmos de terra, se escapava. Afinal, sempre escapara a todos os perigos e sustos, menos naquele dia em que os bastões fardados tinham sido mais fortes que o seu crânio e os pontapés tinha vencido sua musculatura abdominal.

    Jaime tinha morrido. E com ele o tesão da alegria no ativismo e o terror-viado, como lhe chamavam os homofóbicos do bairro quando lhes gritava a plenos pulmões das injustiças que lhe tinham chegados aos ouvidos e dos destratos a gente do arco-íris como ele apelidava, que lhe haviam informado.

    — Com esse viado não brincam não!… — repetia sem cessar quando os encontrava, erguendo a sua soqueira. — Essa a gente enfia em cara de cu!

    Para aquele rapaz homem de 22 anos, 1,90 m e 92 quilos, repleto de músculo e dotado de uma mente guerreira, cada dia era uma batalha contra quem desde muito jovem o discriminava. Começara na escola, com colegas e professores zoando de seus trejeitos, e continuara na Universidade com uma série de companheiros de classe que o provocavam e que normalmente levavam de resposta uma gargalhada na primeira vez, um aviso na segunda e um gancho na terceira. Tudo na rua, claro, que Jaime não se deixava comprometer durante as aulas.

    Mas Jaime sabia que era mortal. E o seu gosto pelo futebol o expunha a essa finitude. Adepto do Fogão desde pequeno, seu entusiasmo e ferocidade assustavam até alguns dos outros membros da torcida.

    Seu ponto fraco era Edu. Por isso, poucos eram os que os viam juntos. Encontravam-se de forma discreta no apartamento de Jaime e passavam dias inteiros juntos quando o mais velho não tinha nenhum projeto em mãos. Essa era vantagem de ser programador de Java em freelance, dizia.

    — Dá para programar nas teclas e fazer nossos programinhas — dizia provocador para Edu.

    Geralmente, se seguia uma boa dose de mimo, sexo do bom, e uma tarde passada em frente da TV. Se alguém tocava na campainha recebia um fora na hora. Aquelas eram suas tardes a dois e nada desse mundo se podia intrometer.

    Para Edu, os dias passavam na sombra do medo, apesar de amar aquele homem. Franzino, ar magrela, trazia nos olhos a expressão de um cachorro sem dono e o delineador que sempre fazia questão de colocar quando saía à noite. De dia, quando o sol raiava, a sua pele branca leitosa se resguardava das queimaduras e era lá que escrevia seus contos, seus romances e preparava seu futuro literário, feito de candidaturas a concursos de todos os países que encontrava, com escritos em Português, Inglês, Francês, Espanhol e até Russo. A sua veia poliglota vinha de uma infância passada viajando à volta do Mundo, de pai russo e mãe brasileira educada na Argentina, e de uma fome pelas letras que não cessava.

    Quando Jaime saía para a torcida em dia de jogo, Edu sempre ficava em sua casa, um minúsculo quarto numa casa de família, o único que a sua baixa renda podia sustentar. Nunca ligava a televisão. Sempre esperava um telefonema de Carlão, o companheiro de torcida mais próximo de Jaime, o informando de que algo tinha corrido mal. E várias vezes, não menos de uma por ano, ao longo dos quatro em que namoravam, tinha corrido para o hospital.

    No dia em que Jaime morreu, não ligaram da torcida nem da Urgência. Foi Edu quem encontrou seu homem no morro, roxo de hematomas por todo o corpo, cabeça rachada, despido e coberto de sangue, na boca, no abdômen e no ânus. Não ligou para a autoridade porque sabia que a autoridade chamaria Clóvis para tratar do caso. E Clóvis e seus comparsas o haviam morto, com a autorização do prefeito e o apoio da sua gente de bem.

    Ligou só para a mãe Joana, sua mãe e dois ou três amigos, para tratar do funeral. E se abraçou ao seu amor, sob a chuva que caía. Até que os separassem às 3 da tarde para enviar o corpo para a morgue. E começasse o processo que levaria ao velório e ao funeral, no dia seguinte.

    ***

    Eram seis da tarde e a tarde não havia sobrevivido. Os morcegos esfomeados saíam esvoaçando para caçar besouros e outros insectos voadores junto ao cemitério, perto dos postes de iluminação. Junto a uma das tumbas, o jovem de 18 anos, de joelhos, finalmente respirou de alívio pelo fim do suplício e chorou ante a campa, pousando uma rosa vermelha que quase brilhava sob a luz alaranjada e o escuro de uma noite limpa.

    O ar fedia a perda e a despedida, envolvendo as flores, a campa, e Edu. Só Jaime, debaixo de uns palmos de terra, se escapava. Afinal, sempre escapara a todos os perigos e sustos, menos naquele dia em que a brutalidade de quem executa, às ordens de quem manda, com a cumplicidade de quem, nos corredores do poder, e nas esquinas das ruas e nas janelas das casas, condena e não toma uma atitude em nome do respeito e da defesa de toda a forma de amor.

    Edu ainda não sabia que se apaixonaria um dia, por um homem tão frágil como ele se sentira até aquele momento. Nem que viria a se tornar num político de carreira, ativista, e assessor júnior do líder no processo que levaria a que aquele estado se tornasse numa terra onde as uniões homoafetivas já não necessitavam de autorização do tribunal, mercê de decisão do Corregedor Geral de Justiça, depois de requerimentos feitos à entidade por diferentes órgãos: o Programa Estadual Rio Sem Homofobia, a Defensoria Pública do Estado do Rio, o Departamento de Projetos Especiais do Tribunal de Justiça do Rio e a OAB-RJ, com um deputado federal.

    ***

    Eram 6 da tarde e a tarde se preparava para renascer adulta no dia seguinte, após o embalo de Morfeu de toda uma noite ainda criança e a adolescência da manhã. Os morcegos, ainda por saciar, saíam esvoaçando para caçar insectos voadores, sapos, pequenas aves e todos aqueles que não se escondiam debaixo do chão. Junto a uma das tumbas, o jovem de 18 anos, de joelhos, morria por dentro, porque Jaime havia

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