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Fios de Seda
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E-book425 páginas7 horas

Fios de Seda

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Sobre este e-book

Do leito de um imperador, ao coração de um príncipe, e ao lado direito de uma imperatriz, Yaqian abre caminho pelas décadas mais turbulentas da história da China e testemunha a queda da dinastia Qing.       

Quando eu era criança, achava que o meu destino era viver e morrer nas margens do rio Xiangjiang, como minha família havia feito por gerações. Nunca imaginei que a minha vida me levaria à Cidade Proibida e à corte da última imperatriz da China.                                                  
Nascida no meio do nada, Yaqian, uma garotinha bordadeira da província de Hunan, encontra o caminho para a corte imperial, um local de intrigas, desejos e traições. Do leito de um imperador, ao coração de um príncipe, e ao lado direito de uma imperatriz, Yaqian abre caminho pelas décadas mais turbulentas da história da China e testemunha a queda da dinastia Qing.              

Os fãs de Amy Tan, Lisa See, Anchee Min e Pearl S. Buck vão adorar este romance de estréia de Amanda Roberts. Esta novela ricamente descritiva e, meticulosamente pesquisada, dá vida à opulência da Corte Qing, à medida que as vidas de Yaqian e da Imperatriz Cixi se entrelaçam ao longo de seis décadas. 

Gênero: FICÇÃO / Patrimônio Cultural 
Secundário Gênero: FICÇÃO / Histórica 
Idioma: Inglês 
Palavras-chave: ficção histórica, chinês, China, romance, dinastia qing 
Contagem de palavra: 100.000 

Informações sobre vendas:

Venda intensa, mais de 500 cópias por mês por quase 2 anos após o lançamento. No seu auge, vendeu mais de 1.000 cópias por mês durante vários meses. Tem sido consistentemente classificado, entre as 10 melhores obras de ficção chinesa histórica, desde o seu lançamento e, frequentemente, aparece nas categorias de ficção cultural e biográfica. 


 

IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de set. de 2019
ISBN9781547599585
Fios de Seda

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    Fios de Seda - Amanda Roberts

    1

    Hunan Rural, 1846

    Eu ri quando o bicho rastejou por meus pés. A pequena larva gorda avançou pelo meu calcanhar, pelas pontas dos meus dedos e pelo meu tornozelo.  Gritei rindo quando um dos meus primos me segurou, me impedindo de retirar o verme. Poderia ter chutado aquele bicho, mas não queria machucá-lo, só aproveitar as sensações. Cada pequeno passo do bicho da seda produzia arrepios que chegavam até as minhas costas. E eram centenas de passos. Foi delicioso. E, como eu sabia que isso fazia a minha prima feliz, pensar que ele estava me torturando, então fingia que estava lutando.

    Um dos meus outros primos correu e bateu no irmão, na parte de trás de sua cabeça com um galho de árvore. Aquele que me atormentava acabou perdendo o interesse por mim e me soltou. Os meninos perseguiam uns aos outros. Poderia segui-los, mas gostava de ficar sozinha com os meus bichos-da-seda. Peguei o sujeitinho que estava rastejando pelos meus dedos e coloquei na maior folha de amoreira que pude encontrar, e depois voltei a trabalhar colecionando casulos de bicho-da-seda.

    Minha família tinha um pequeno pedaço de terra perto do rio Xiangjiang em Hunan. Como meu pai era filho único e eu era o seu único filho, a capital nos concedeu apenas um terreno para o cultivo de bichos-da-seda, e outro para o cultivo de alimentos. Não era suficiente para sustentar uma família de três pessoas, mas vivíamos ao lado de muitos membros da família de minha mãe, que tinham muitos filhos e, portanto, mais terras. Todos nós vivíamos cultivando e compartilhando tudo juntos. Eu tinha três tios e sete primos homens. Também tinha duas primas, mas elas eram adultas e casadas. Elas tinham ido morar com as famílias de seus maridos, então eu era a única garota da casa com a minha idade. Isso era uma coisa boa, de certo modo; porque a presença de muitas meninas representaria um peso na renda da família.

    Meus pais estavam aflitos por eu ser uma garota. Uma filha entre um monte de meninos era algo bom, mas ser um filho único quando se é uma menina, é algo muito desesperador. Sei que os meus pais tentaram ter mais filhos. Muitas vezes ouvi meu pai ofegando tarde da noite, enquanto tentava plantar uma semente na minha mãe, mas os filhos nunca vinham. 

    Meus pais sempre brigavam – o meu pai ameaçando expulsar a minha mãe e arranjar uma nova esposa, e a minha mãe gesticulando com uma faca no seu rosto e ameaçando cortar o seu semeador. Falava em adotar um dos meus primos, e comprar uma concubina ou em arranjar um casamento para mim, só para garantir um genro. Nenhuma dessas coisas aconteceu e aprendi a ignorar as ameaças dos meus pais. Passava pouco tempo em casa, e sem um consolo procurava os bichos-da-seda.

    No verão, levava a minha cesta para os campos de amoreira e recolhia os casulos. Tinha que arrancar os casulos brancos e macios das folhas cuidadosamente para não danificar a seda ou ferir a pequena lagarta que estava lá dentro. Mesmo em um único lote, coletava centenas por dia. Também cuidava dos arbustos de amoreira e das lagartas e traças vivas. Se uma amoreira estivesse doente ou morrendo, movia todas as lagartas, uma por uma, para outra planta e desenterrava a planta ruim. Se uma planta tivesse muitas larvas e estivesse se desnudando, transferia os seus moradores para que voltasse a crescer forte. As lagartas comiam muito. Um arbusto poderia se apresentar exuberante e vibrante em um dia e completamente nu no dia seguinte.

    No meio do dia, quando estava com calor e fome, ia até as margens lamacentas do rio e comia um pouco de baozi como café da manhã. Então me despia e nadava nas águas rasas perto da costa. Crianças de campos vizinhos, de pescadores e catadores de caranguejos, se juntavam a mim. Jogávamos água umas nas outras e ficávamos brincando até que a parte mais quente do dia tivesse se passado, depois voltávamos às nossas tarefas. Permanecia no campo até que a minha cesta estivesse cheia, e depois voltava para casa caminhando o mais devagar possível.

    Na maioria dos dias, chegava em casa na mesma hora que o meu pai, e ele carregava minha cesta na parte de trás de seu carrinho pequeno, junto com as cestas que meus primos haviam enchido – quando eles conseguiam encher alguma coisa – e me preparava para o jornada do dia seguinte até a cidade mais próxima de Changsha, para a venda e o comércio. 

    Minha família era pobre demais para poder comprar o equipamento necessário para extrair a seda dos casulos, então todos os dias o meu pai levava os casulos que haviam sido colhidos para a cidade e os vendia em troca de dinheiro, ou os trocava por arroz ou fios de algodão baratos para costurar e bordar. Eu implorava ao meu pai para que me levasse para a cidade com ele. 

    Das margens do rio Xiangjiang, onde nadava, podia ver a ponte que levava à cidade e muitos prédios, alguns muito mais altos que as pequenas casas da aldeia. A poeira subia porque passavam muitas pessoas e carroças pelas ruas da cidade. Mas nunca estive lá sozinha. Na verdade, nunca fui para além das terras da minha família.             

    Seu lugar é com a sua mãe, o meu pai sempre dizia. Não acho que ele soubesse quanto tempo passava com mnha mãe. A casa era abafada e escura, e eu não queria aprender a limpar, cozinhar ou costurar. Adorava estar lá fora com os meus pequenos bichos-da-seda. E como era apenas uma filha sem valor, acho que minha mãe preferia me ver o mínimo possível. Ela nunca me pediu para ficar lá dentro com ela para aprender o trabalho de alguém. Minha família sempre viveu vidas separadas – meu pai na cidade, minha mãe em casa e eu no campo. E isso me agradava muito.

    2

    Hunan Rural, 1847

    Corri entre as fileiras de amoreiras com lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Derrubei os casulos de bicho-da-seda que havia recolhido naquele dia, com tanto cuidado, no chão e os senti sendo esmagados sob os meus pés, mas não parei. Mamãe corria atrás de mim, com os seus pés grandes e soltos batendo contra a terra dura.  Atravessei uma pequena abertura em uma linha de arbustos para chegar à linha seguinte, lançando no ar dezenas de mariposas assustadas que tentavam flutuar, enquanto pareciam voar com suas asas de uma forma inútil.

    Yaqian! Minha mãe gritou meu nome, seguido por palavrões que não me atrevo a repetir.

    Mas não parei. Não por ela, nem por meus preciosos bichos-da-seda. Tinha que proteger os meus pés do que estava por vir. Se os meus pés fossem amarrados e quebrados, nunca mais seria capaz de andar pelos campos para cuidar de minhas queridas lagartas, ou retornar ao rio Xiangjiang para nadar em suas águas frias com os meus amigos.  Nunca seria capaz de convencer o meu pai a me levar para a cidade para ver o que acontecia com os casulos, depois que eles deixavam de receber os meus cuidados amorosos.

    Não podia permitir que os meus pés, meu único meio de liberdade, fossem amarrados como os de minha avó e de minhas tias. É verdade que não queria pés grandes, chatos e feios como os da minha mãe. Ela era alta, larga e feita para os trabalhos forçados. Eu era pequena, gentil e delicada. Rápida como um gato e silenciosa como um rato. Não tinha dúvidas de que os meus pés ficariam pequenos por conta própria para sempre.

    Houve alguma discussão a respeito de amarrar os meus pés. Sendo o único filho de meus pais, o meu casamento seria a melhor coisa a fazer, a melhor para eles.  Mas se não pudesse cuidar dos bichos-da-seda, essa tarefa seria passada para os meus primos, que não eram conhecidos por serem responsáveis ​​e tinham outros trabalhos para fazer. A minha família com toda certeza perderia a renda necessária, se eu não pudesse trabalhar. Mas se fizesse um bom casamento, depois esse sacrifício poderia valer para alguma coisa.

    Meus pais decidiram procurar os conselhos de uma mulher que lia a sorte. Ela chegou cedo em uma manhã, antes da minha fuga diária para os campos, cambaleando em seus minúsculos pés atados com apenas uma bengala para segurá-la na posição vertical. Mamãe atenciosamente a recebeu em nossa casa, oferecendo-lhe chá, nozes e amoras, que recusou enquanto pegava as suas anotações para ver os meus números. Depois de alguns minutos, ela falou.

    Três... seis... nove... ela murmurou para si mesma. Três… seis… nove… que maravilha! O que quer dizer Laoma?, Perguntou a minha mãe. Tem certeza de que esses números são verdadeiros? Nascida no terceiro mês, no sexto dia e na nona hora? - perguntou a vidente.  A minha Mãe acenou concordando. Esses números são todos muito bons. Não está exatamente na linha de um tigre, o ano em que sua filha nasceu, mas é uma cabra, pelo nome de família. Acho que a garota incorpora a essência do yang . Outro bom sinal!

    O que tudo isso significa? Minha mãe a cutucou.

    Ela tem sorte, disse a mulher, com orgulho. "Três, seis, nove, todos bons números. O bode, o oitavo animal, o número oito significa prosperidade! E a cabra significa elegância, refinamento.

    As cabras são feias! Minha mãe declarou, me olhando.

    Enruguei meu nariz para ela e coloquei a minha cabeça sobre a mesa, suspirando de tédio.

    Pele cinza, grandes chifres, língua ofensiva. Como pode uma cabra ser uma coisa boa? , Perguntou minha mãe.

    Você já viu uma cabra na natureza?, Perguntou a vidente. "Você não conhece as grandes montanhas do ocidente? As cabras podem escalar uma rocha subindo em pedras muito pequenas.  Pisam de forma delicada e graciosa. Possuem grande habilidade no que fazem. Muitas pessoas que se identificam com a cabra são criativas e espertas. Acredite em mim, a cabra é sinal de verdadeira prosperidade para uma menina que tem os números de nascimento tão felizes.

    Mas o que devo fazer com ela?, Perguntou a minha mãe. Como a cabra seria algo bom para mim?

    Primeiro, vamos ter que amarrar os pés dela.

    Prestei muita atenção à todas aquelas palavras. Não! Eu gritei. Não pode tocar nos meus pés!

    Silêncio, Yaqian! Minha mãe bronqueou. "Não me faça passar vergonha assim. Você fará como lhe dissermos.

    É uma parte da vida, Yaqian, disse a mulher da sorte, baixinho. Com os lindos pés atados, bons números e maneiras elegantes, você pode fazer um bom casamento.

    Como vai se tornar elegante?, Perguntou a minha mãe. Ela é muito espirituosa e não é muito bonita.

    A Mulher da Sorte apenas encolheu os ombros. Quando amarrar os seus pés, tudo mudará para ela.

    O meu coração afundou. Não queria mudar. Queria ter mais liberdade à medida que fosse ficando mais velha, não menos. Queria caminhar ao longo do rio e viajar com o meu pai para os mercados da cidade. Mas se os meus pés fossem amarrados, nunca mais sairia de casa.

    Não vou fazer isso! Gritei e corri para a porta da frente.

    Mamãe pulou da cadeira e correu atrás de mim, mas ela andava muito devagar. Abri a porta e corri para o campo tão rápido quanto os meus pés, livres, pudessem me levar.

    Era por isso que estava fugindo da minha mãe. Não sabia o que o futuro reservava para mim. Era criança - não conseguia pensar tão longe. Só sabia que, se meus pés estivessem presos, ficaria confinada em casa ao lado da minha mãe. E estaria destinada a viver na escuridão, limpando, cozinhando, fazendo bordados horríveis todos os dias. Não podia suportar esse pensamento.

    Enquanto corria, mamãe caiu e ficou para trás. Pensei que poderia escapar, mas para onde poderia ir? Não tinha dinheiro, e nem sapatos nos pés. Mas estava fugindo. Por enquanto, isso era tudo o que importava.

    Até que fui traída. Como um par de macacos selvagens, dois dos meus primos caíram sobre mim por detrás de uma árvore. Eles me derrubaram e perdi meus sentidos, por tempo suficiente para que um deles me pegasse pelos tornozelos e o outro pelos pulsos e ambos pudessem me arrastar de volta para casa. Gritei e chutei o máximo que pude, mas eram todos muito fortes e me cansei muito rápido. Achavam que a minha quase mutilação e tortura era algo divertido e hilariante e se sentiram triunfantes ao me entregarem para a minha mãe. Estava tão exausta que nem tive energia para chorar, quando minha mãe me bateu por precaução.

    Na noite em que a vidente lhe aconselhou, minha mãe foi até a sala do andar de cima, junto com uma de minhas tias, para começar o processo de envolver e amarrar os pés. Minha mãe já tinha visto isso, mas nunca tinha feito sozinha. Minha tia sabia como se sentiriam os pés quando amarrou os pés da própria filha vários anos antes.

    Mamãe segurou a minha cabeça e braços em seu colo, enquanto minha tia começou a enrolar as amarras em volta dos meus pés. No início, estavam apenas apertados e desconfortáveis, mas não doloridos.  E pensei que algo estivesse errado e a que a amarração não seria tão ruim assim. Então, elas me fizeram ficar de pé.

    No momento em que pus meu peso nos meus pés recém-amarrados, uma dor cegante se espalhou por todo o meu corpo. Gritei e tentei cair no chão, mas minha mãe me pegou e me segurou pelos braços, me forçando a ficar em pé. Ela ficou na minha frente, segurando os meus braços, e deu um passo para trás me forçando a dar um passo para frente. Era como se tivesse sido esfaqueada na sola do pé, a dor atravessou a minha cabeça. Queria desmaiar, mas minha mãe não deixou.

    Não caia, Yaqian! Ela gritou. Você deve andar. Quanto mais você andar, mais rápido os seus pés encontrarão a sua nova forma e tudo isso acabará.

    Minha tia gentilmente esfregou as minhas costas para me acalmar. Sabia que a minha mãe estava mentindo. A dor nunca passaria.

    Todos os dias, mamãe me obrigava a andar sobre os meus pés atados para quebrar os pequenos ossos. A única coisa que desejava era o entardecer, que era quando a mamãe desembrulhava os meus pés, os lavava, prendia as minhas unhas e as embrulhava ainda mais. Naqueles poucos momentos em que meus pés estavam livres, o alívio absoluto tomava conta de mim.

    Demorou duas semanas até que o primeiro osso quebrasse. Ao ouvir o som da rachadura, uma luz branca e brilhante passou pelos meus olhos. Desabei no chão e vomitei. Minha mãe correu para o meu lado. Pensei que ela iria me agarrar e me forçar a ficar em pé, mas em vez disso esfregou as minhas costas e sussurrou: Boa menina.

    A ternura repentina de minha mãe me surpreendeu. Nos meus seis anos de vida, não me lembrava de vê-la falando gentilmente, me segurando perto dela ou dizendo palavras de amor. Talvez ver sua filha sentindo tanta dor pudesse mover, até mesmo, o seu coração de pedra. Seja qual fosse o motivo, aquilo me deu forças para continuar. Minha mera existência tinha sido uma grande decepção para ela. Com certeza, poderia suportar isso.

    Ofeguei com a doença e a dor, mas sabia que não havia como voltar atrás. Peguei na mão dela e lentamente me levantei. Dei outro passo e ouvi outro estalo. Desta vez, agarrei o braço de mamãe em busca de apoio, mas não caí. Dei outro passo e depois outro. Perdi a noção de quantos ossos quebrei naquele dia, e nos dias que se seguiram.

    Depois de alguns meses, os meus pés assumiram uma forma inteiramente nova. Não usava nenhum sapato desde que a amarração começou, e nenhum dos meus antigos caberia agora, de qualquer modo. 

    Minha tia me trouxe um par de chinelos velhos como presente. Eram azuis com um acabamento preto feito de fios de algodão grosso. Mas na frente eles tinham o mais belo embelezamento que já tinha visto. A mamãe me disse que eram penas de pavão. Não tinha ideia do que eram pavões, mas daquele dia em diante eu os amava. A forma do olho e as cores azul, verde e vermelha, nas penas, tinham o design mais adorável que já havia visto. Não acreditava que algo assim tão adorável pudesse existir na natureza.

    A mamãe era terrível no bordado. Nós não tínhamos muitas coisas bordadas - não tínhamos onde usar uma decoração tão inútil - mas ela tinha alguns pequenos pedaços de panos decorativos, camisas e sapatos que ela fizera quando menina para o seu dote, e eu deveria passar os meus dias criando itens bordados para o meu próprio dote. 

    Sempre achei que os itens bordados da minha mãe eram as coisas mais feias que já tinha visto. O fio era áspero e grosseiro, as costuras eram muito distantes e irregulares, as cores não se complementavam e os animais que ela tentava fazer eram difíceis de identificar.  Sempre achei que se era assim que o bordado deveria parecer, preferiria não pensar nele.

    Mas nos sapatos que minha tia havia me dado, a primeira peça de bordado que havia visto, reconheci alguma beleza. É verdade que eles eram rudes e simples, mas podia ver o quanto eram bonitos.

    Admirava os sapatos, virando-os repetidamente em minhas mãos. O acabamento preto era muito sem graça, então estudei uma forma de como poderia remover os fios, e costurar novamente o desenho usando novos ângulos e espaçamentos, para poder torná-lo ainda mais delicado e decorativo. Passei os dedos pelas penas de pavão e decidi que, se o fio fosse mais fino, e os pontos de costura estivessem mais próximos uns dos outros, se destacariam mais à distância. Peguei uma agulha da cesta de remendos de mamãe e me retirei para o meu quarto para trabalhar.

    Tinha planejado remover apenas alguns detalhes e fazer algumas pequenas alterações, mas antes que percebesse, removi todos. Usei minhas unhas para tornar as cordas mais finas e longas. Então comecei a bordá-los da maneira como os imaginava em minha mente. 

    Depois de algumas horas, terminei o esboço e minhas ideias ganharam vida. Levei dois dias para terminá-las, e elas eram as coisas mais lindas que já tinha visto. Ainda havia sobrado uma longa corda vermelha, que envolvi em um pano e que coloquei ao lado da minha cama, já pensando em usá-la em um projeto futuro.

    No dia seguinte, minha tia voltou e trouxe a vidente com ela para examinar o meu progresso. Quando a mulher estendeu a mão para ver os meus pés, orgulhosamente me sentei em uma cadeira na frente dela, puxei a perna da minha calça e coloquei o meu pé na mão dela com o sapato, ainda entando de pé. Minha tia, a mulher da sorte e a minha mãe olharam para o sapato, surpresas.

    Onde conseguiu esses sapatos?, Perguntou a minha mãe.

    Não são os sapatos que dei a ela, minha tia respondeu.

    Estes são adoráveis, disse a mulher da sorte com um sorriso.

    Eu os fiz, disse com um largo sorriso.

    Mamãe deu uma tapa no meu rosto. Não minta! Ela retrucou.

    Não estou mentindo, eu disse, esfregando a minha bochecha. Peguei os sapatos que a tia me deu e refiz a costura para torná-los mais bonitos.

    A mulher da sorte segurou meu pé com o sapato na mão e virou de um lado para o outro.

    Isso é realmente lindo, disse ela. Eu já vi centenas de chinelos bordados na minha vida, mas esse sapato é o mais original. Imagine o que ela poderia fazer com linhas de boa qualidade em vez de usar materiais baratos.

    O que você quer dizer?, Perguntou minha mãe.

    Deixe-me pegar os sapatos, disse ela. Eu acredito que posso vendê-los na cidade amanhã.

    Não, eu disse. Estes são os meus sapatos. Eu tenho muito amor por eles. Eu mesma os fiz.

    Dê-lhe os sapatos, Yaqian!, Ordenou mamãe. Se ela pode vendê-los, pode fazer um novo par para você.

    Lágrimas quentes encheram os meus olhos. Não queria outro par, mas não tinha escolha. Tirei os sapatos e joguei-os pelo quarto. Mamãe levantou a mão para me atacar de novo, mas depois pensou melhor e viu que estávamos na presença da mulher da sorte. Ela pisoteou para pegar os sapatos, tirou um pouco do pó e os entregou com cuidado para a vidente, que os colocou em sua bolsa.

    Agora, então, disse a mulher da sorte. Vamos dar uma olhada em seus pés.

    Ela disse que minha tia tinha feito um trabalho muito bom ao amarrar os meus pés e que eles se curariam bem. Não eram os menores pés que já vira, mas eram satisfatórios. Não falei com ela pelo resto da noite e queria ir para o meu quarto depois que saiu, mas os pequenos pés amarrados não pisavam muito bem.

    Dois dias depois, ela voltou e entregou para a minha mãe três moedas de prata. Era mais dinheiro do que meu pai costumava receber por vender duas cestas de casulos de bicho-da-seda.

    Tudo isso por um par de sapatos?, Perguntou a mãe, chocada.

    A mulher da sorte concordou e pegou um pedaço de papel. E há pedidos para mais cinco pares.

    Mamãe afundou em uma cadeira, incapaz de acreditar em sua boa sorte. Olhou através do quarto para o meu pai que estava sentado junto à lareira. Vamos precisar de muitos fios, disse ela.

    Ele concordou.


    Nos meses que se seguiram, fiz dezenas de pares de sapatos. Para mim, cada um era mais bonito do que o anterior. Experimentei diferentes tipos de padrões, cores e técnicas. Quanto melhor ficavam os sapatos, mais dinheiro a vidente nos trazia e mais pedidos também. Comecei a usar materiais melhores. Meu pai comprou fios de seda real, o que fez uma grande diferença. O fio simplesmente deslizava pela seda barata que cobria os sapatos e, em minutos, uma imagem começava a aparecer.

    Eu adorava deixar todos os sapatos lindos. Cada par terminado que segurava em minhas mãos, fazia o meu coração disparar. Meus dedos muitas vezes impediam que o trabalho pudesse ser feito com muita precisão e meu pescoço e ombros doíam de ficar me debruçando sobre os sapatos por horas a fio, mas cada sapato valia o meu esforço. Para mim, não eram apenas sapatos, mas obras de arte.

    A única coisa que odiava era nunca poder ficar com nenhum deles. Meus pés estavam presos já há quase um ano e, embora tivesse feito inúmeros pares de sapatos, não havia nem um único par que fosse meu. Todos os dias, quando a mulher da sorte ou o meu pai retiravam uma nova cesta de sapatos, eu lutava contra as lágrimas e ficava de mau humor na cama por um dia ou dois, até sentir vontade de começar o processo outra vez. Todo o trabalho e beleza que havia colocado em cada um e nunca mais poderia vê-los novamente.

    Eu sentia orgulho do meu trabalho, e meus pais se sentiam gratos pelo dinheiro que ganhava, embora tendo seis anos de idade e os pés recém-amarrados, devesse pensar apenas em como diminuir os meus pés. Amarrar os pés de uma garota era um verdadeiro investimento. Seu único objetivo deveria ser conseguir o menor número de pé possível, para ter um bom casamento. Isso beneficiaria a família quando conseguisse um genro rico. O fato de uma garota ganhar dinheiro por conta própria poderia ser considerado uma anomalia. 

    Mamãe deveria amarrar os meus pés, todas as noites, deixando-os cada vez mais apertados, certificando-se para que eu andasse todos os dias. Minha mãe ou minha tia ainda amarravam os meus pés toda noite, os pés sempre tinham que ser limpos, lubrificados e as unhas presas para evitar a infecção, mas não fui obrigada a andar sobre elas para continuar o processo de ruptura. Ainda sentia dores constantes durante esse tempo, mas pelo menos a dor não havia piorado.


    Durante uma de suas visitas, a vidente disse que tinha boas notícias para mim. Eu vou trazer um convidado muito especial para conhecê-la na próxima semana, Yaqian, disse ela. Quem é?, Perguntei. Alguém que vai mudar o seu destino, ela explicou com um brilho nos olhos. O que é o destino?, Perguntei. Yaqian! Mamãe gritou. Pare de fazer perguntas estúpidas e volte ao seu trabalho.

    Andei até a lareira e peguei o meu bordado sem obter resposta para a minha pergunta, mas continuei ouvindo enquanto falavam. Eu lhe disse que ela seria criativa, disse a vidente. O fio dela é longo, reto e forte. Seu futuro é brilhante. Você estava certa, Laoma, disse a mãe. Sua criatividade nos beneficiou muito. Pela primeira vez, meu marido e eu poderemos dar hongbao aos nossos sobrinhos para o Festival da Primavera. "

    A vidente zombou disso. Por que desperdiçar um bom dinheiro com porcos sem nenhum valor? Ela agitou uma vara plana com números pintados nela, dentro de uma xícara de madeira, e lançou-a. Pegou a vara e estudou-a de perto. Ela olhou para mim e depois se voltou para minha mãe. Essa filha lhe trará grande prosperidade, muito mais do que se fosse um menino. Acho que ainda haverá muitos garotos em seu futuro, e Yaqian será a pessoa que os trará para a sua vida.

    Ela vai conseguir um bom casamento? minha mãe perguntou. Ela nos trará um genro rico e terá muitos filhos? Não consigo ver claramente como isso acontecerá, mas Yaqian trará muitas bênçãos para essa família… com minha ajuda. O convidado que está trazendo? A vidente concordou.

    A vidente voltou alguns dias depois com sua estimada hóspede, a Senhora Tang. A Senhora Tang era a mulher mais linda que eu já tinha visto. 

    Alta com um longo pescoço branco usava um robe de seda verde bordado com flores amarelas. Seu cabelo estava cuidadosamente arranjado em cima de sua cabeça e decorado com pequenas joias, e os seus lábios estavam pintados de vermelho escuro. Imaginei que, se existissem fadas, deveriam se parecer com ela. Quando entrou em nossa sala de chão feito de terra batida, me senti muito pequena e imunda, embora sempre mantivesse minhas mãos limpas para trabalhar nos sapatos.

    Esta é a menina? Ela perguntou, olhando em direção a mim. Sorriu com um calor genuíno que nunca tinha visto antes nem mesmo na minha própria mãe.

    Sim, disse a vidente. O nome dela é Yaqian.

    A Senhora Tang sentou-se em uma cadeira perto da mesa e fez um sinal para que me sentasse na cadeira em frente a ela. Diga-me, Yaqian, ela me perguntou. Como aprendeu a fazer sapatos tão bonitos?

    Eu não sei, eu disse. Vejo figuras em minha mente e depois faço a imagem nos sapatos.

    Tem um talento natural, disse ela.

    Mamãe usou as duas mãos para oferecer à Senhora Tang uma xícara de chá quente. Ao aceitar, tomou um gole delicadamente antes de colocá-la na mesa. Ela se movia devagar e sem fazer qualquer esforço, como se antes tivesse ensaiado cada movimento de seu pulso e piscar de olhos, um milhão de vezes.

    Deixe-me ver as suas mãos, ela me pediu. Eu segurei as dela. Suas mãos estavam quentes por segurar a xícara e eram muito macias. Ela olhou para as palmas das minhas e examinou cada um dos meus dedos, notando especialmente os calos que haviam se desenvolvido nas pontas.

    Suas mãos estão bem formadas para esse tipo de trabalho, ela disse para mim. Seus dedos são finos e ágeis e desenvolveram calos nos locais certos.

    Corei enquanto ela falava. Suas palavras tão gentis se dirigiam diretamente a mim. Falava comigo como se eu fosse alguém que tivesse valor. E fez com que me sentisse importante.

    Eu te disse que ela tinha sorte, disse a vidente para a minha mãe.

    Na verdade, um pouco de tudo isso é sorte, disse a Senhora Tang, soltando as minhas mãos e pegando a sua xícara de chá. Mas é preciso muito mais do que sorte para se tornar uma mestra artesã, algo que ela poderia ser se ficasse sob os meus cuidados.

    A confusão se revelou na expressão em meu rosto. Olhei para mamãe, mas vi que o seu semblante duro não havia mudado.

    Yaqian, disse a Senhora Tang, olhando para os meus pés. Quantos anos você tem?

    Seis, respondi.

    Seus pés estão apenas no primeiro ano de prisão, sim?

    Balancei a cabeça.

    Ela se levantou e se virou para a minha mãe e para a vidente. A menina poderia se beneficiar muito indo para a minha escola, declarou. "Tem um talento natural único e dedos feitos para o trabalho de bordado, mas não tem nenhum treinamento e ainda não conhece as técnicas adequadas. Ao tornar-se minha aluna, não haveria limites para o que poderia alcançar.

    Se não conhecesse a minha mãe melhor, teria pensado ter visto os seus olhos se enchendo de orgulho naquele momento.

    Mas...nós... minha mãe gaguejou. Não temos nenhum dinheiro para enviá-la com você. Economizamos um pouco de dinheiro desde que Yaqian começou a fazer os sapatos, mas não é o suficiente para viver com uma pessoa tão importante como a senhora.

    Não posso levá-la agora, disse a Senhora Tang. "É muito jovem ainda e os seus pés não estão acabados. Não posso oferecer os cuidados diários de que vai precisar. Quando completar sete anos, eu a levarei. Isso lhe dará mais um ano para levantar o dinheiro.

    Ainda assim, Senhora Tang a minha mãe continuou. "Não

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