A Experiência da Leitura entre Adolescentes: Rio De Janeiro e Barcelona
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Sobre este e-book
A autora traça um percurso que parte da teoria, dos conceitos de livro, leitura e recepção, chegando à parte empírica, aos leitores. Para isso utilizou a bagagem teórica das ciências humanas e sociais, em particular a comunicação, a história e a antropologia, acompanhando os grandes nomes da história do livro e da leitura, como Roger Chartier, Robert Darnton e Alberto Manguel, para chegar ao leitor, este desconhecido.
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A Experiência da Leitura entre Adolescentes - Isabel Siqueira Travancas
prazer.
Sumário
1 LIVRO, LEITURA, LEITOR 19
2 O TRABALHO DE CAMPO
E SUAS METODOLOGIAS 39
3 RIO DE JANEIRO: leitores
e não leitores 65
4 BARCELONA: bibliotecas,
escolas e leitores 83
5 LEITURA: entre a
obrigação e o prazer 99
REFERÊNCIAS 111
ÍNDICE REMISSIVO 119
Não gosto tanto
de livros
como Mallarmé
parece que gostava
eu não sou um livro
e quando me dizem
gosto muito dos seus livros
gostava de poder dizer
como o poeta Cesariny
olha
eu gostava
é que tu gostasses de mim
os livros não são feitos
de carne e osso
e quando tenho
vontade de chorar
abrir um livro
não me chega
preciso de um abraço
mas graças a Deus
o mundo não é um livro
e o acaso não existe
no entanto gosto muito
de livros
e acredito na Ressurreição
dos livros
e acredito que no Céu
haja bibliotecas
e se possa ler e escrever
Adília Lopes
1
LIVRO, LEITURA, LEITOR
A leitura do mundo precede a leitura da palavra.
Paulo Freire
Introdução
O senso comum, os meios de comunicação e a escola afirmam que os jovens não leem, e estes são acusados de estar excessivamente conectados aos computadores e celulares. Há uma visão generalizada de que os livros estão perdendo espaço em diversos países, principalmente entre os jovens. Venho me questionando sobre a leitura no Brasil, a formação do leitor e qual o papel da escola nesse contexto. O ponto de partida para este estudo foi uma enorme curiosidade sobre a relação de adolescentes do Rio de Janeiro e de Barcelona com a leitura. Decidi então investigar esses jovens de realidades tão distintas. Uma parte em um país de jovens, mas conhecido por não ser leitor, e outra em um país com tradição de leitura. Gostaria de averiguar como se dá esse contato com o livro na adolescência, se esses adolescentes leem, como leem e quais são as suas interpretações do que leem. Pensando um pouco nos termos de Martin-Barbero (2001), que fala em modos de ver para pensar a televisão, pretendo discutir os modos de ler.
Portanto o livro foi o eixo central do trabalho que desenvolvi porque coloca, a meu ver, muitas questões num momento de predominância de mídias digitais e audiovisuais, e também por oferecer uma gama ampla de estilos e gêneros. Sabe-se que o romance é o gênero privilegiado dos leitores e do mercado editorial brasileiro e internacional. O gênero mais lido e mais vendido. Apesar de o Brasil não ter uma tradição de leitura entre sua população, nem o hábito disseminado de forma abrangente, os livros para jovens têm vendido milhões de exemplares, como os das séries Harry Potter e Crepúsculo, ou os livros de Thalita Rebouças, para citar um caso brasileiro.
Entendo o livro como um suporte midiático que serve de base para diversas estratégias, por meio das quais aquele migra para outras plataformas digitais nas quais sua narrativa ganha espaço e passa a circular mais velozmente em territórios longínquos. Busco aqui pensar o livro também como um produto midiático, não obstante certa resistência
do próprio universo acadêmico de entender o livro enquanto um produto da indústria cultural, tirando do livro a suposta aura
de objeto sagrado, de valor intelectual e que, portanto, não pode ser concebido dentro dos mesmos padrões de um filme, uma série de TV ou um CD.
Pierre Bourdieu (1997) salienta que um dos traços característicos do mercado de bens simbólicos é a recusa de reconhecer o seu caráter comercial. Ou seja, entender o livro como um produto midiático significa enxergá-lo enquanto um objeto da indústria cultural, nos termos de Theodor Adorno e Max Horkheimer (1990). Para estes a ideologia dessa indústria é o negócio, e a sua técnica levou à padronização e à produção em série.
O texto ganhou diferentes suportes para muito além do livro físico que permitem que a liberdade de leitura continue em expansão. Mas qual o significado do avanço tecnológico no caso brasileiro? Nem sempre os números são otimistas. A pesquisa Retratos da leitura no Brasil, realizada em 2007 pelo Instituto Pró-Livro (RETRATOS..., 2008, p. 27), constatou que existem no país 95 milhões de leitores e 77 milhões de não leitores, e a média de livros lidos por habitante, ao longo de um ano, está em torno de 1,2 (sem contar com os escolares) e 4,7 livros (incluindo os escolares). A casa é o lugar predileto para 57% dos entrevistados, enquanto que 4% leem em algum meio de transporte e 1% em lan house. Sabe-se que, quanto maior a escolaridade, mais tempo é dedicado à leitura de livros. Ou seja, é na escola que se lê mais. Por outro lado, ficou claro por meio da pesquisa que grande parte do universo estudado abandona o livro ao sair da escola. A trajetória escolar não ajudou a criar leitores e não propiciou um vínculo entre livro e leitor que independa da obrigatoriedade e do ensino. Ou seja, é na escola onde se lê. E é importante pensar como esta pode ser um espaço de estímulo à leitura, seja escola pública ou particular. Na Espanha, por meio dos discursos dos adolescentes, percebi que a função da escola também tem deixado a desejar no quesito estímulo à leitura, mas em grau menor do que no Brasil. A leitura não se tornou um hábito nem um prazer para uma grande parcela da população brasileira, segundo os dados desse levantamento. Sem dúvida, vários fatores contribuem para isso. O número de municípios com biblioteca é um deles. O Brasil ainda tem 112 municípios sem bibliotecas públicas de um total de