Entusiastas do Desenvolvimento: A Fundação Nacional do Índio e o Projeto Modernizador da Ditadura (1969-1974)
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Entusiastas do Desenvolvimento - Breno Luiz Tommasi Evangelista
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
À minha tia-avó Marly, minha primeira professora de História e
grande apoiadora da minha aventura acadêmica.
À minha mãe, que me observa com alegria de algum lugar.
PREFÁCIO
Desde os primeiros momentos após o golpe civil-militar de 1964, que instaurou uma ditadura no Brasil, observadores políticos e intelectuais têm se dedicado a refletir sobre tais eventos. À direita e à esquerda, desde então, apareceram análises que buscavam compreender o que havia acontecido. Entre as direitas, vencedoras, escrever sobre o evento era fundamental para consolidar uma narrativa vitoriosa, justificar o golpe, transformado aqui em intervenção militar
, salvadora da Pátria e dos valores cristãos ocidentais, escolher e honrar seus heróis. Mas foram entre as esquerdas, derrotadas, que se multiplicaram os relatos e as análises, buscando compreender as razões daquele revés político e histórico. E na medida em que o regime se consolidava no poder, ampliando e aperfeiçoando os mecanismos de combate aos inimigos do regime
, não se tratava mais de apenas compreender o golpe e a derrota das esquerdas, mas de denunciar seus malfeitos, as perseguições e os crimes cometidos em nome da Pátria e da segurança nacional.
Em movimento similar e ainda ao longo da ditadura, a academia esforçou-se também para compreender e explicar 1964 e o regime que se seguiu. Tal movimento ganhou força a partir da década de 1980, na medida em que o processo de transição democrática avançava e a ditadura parecia ficar para trás. A temática, no entanto, demorou um pouco mais a interessar aos historiadores. A partir da década de 1990, porém, os debates em torno da História do Tempo Presente e uma concepção mais complexa do papel do historiador diante do presente ganhou espaço na historiografia brasileira. Então, os historiadores se aproximaram em definitivo do tema da ditadura, que a princípio parecia fortemente contaminado pelo presente e suas disputas políticas. Naturalmente, no entanto, alguns temas chamavam mais atenção: em um primeiro momento, por exemplo, a necessidade de compreender a derrota das esquerdas somada a certo fascínio pela épica da luta armada levou a uma concentração de estudos sobre as oposições, armadas ou não, à ditadura. Os partidos políticos e as dinâmicas e disputas no interior da caserna também foram rapidamente transformados em objeto de interesse. Levou um pouco mais de tempo para que a repressão tornasse alvo de estudos mais detalhados, em função mesmo do problema do acesso aos documentos.
Ainda assim, em todo o país e também no exterior, uma vasta e diversificada historiografia veio se formando e se transformando, partindo de pontos de vista distintos e adotando perspectivas teóricas e metodológicas também plurais. Nas primeiras décadas do século XXI, tal historiografia conheceu profundo processo de renovação. Assim, se em um primeiro momento a produção acadêmica, de maneira geral, tendeu a confundir-se com os imperativos políticos próprios do processo de redemocratização e de construção da memória sobre o passado recente, com o passar dos anos, tal processo se complexificou. O acesso a novas fontes, a partir da lenta abertura de arquivos; a renovação metodológica e o trabalho a partir de certos conceitos; o aprofundamento do diálogo com outras experiências autoritárias do século XX; a entrada em cena de novas gerações de pesquisadores e, mais recentemente, os efeitos, ainda que tardios, dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV): todos esses elementos possibilitaram uma expressiva ampliação dos objetos, bem como a renovação dos olhares sobre velhas temáticas e ajudam a explicar um expressivo crescimento quantitativo e qualitativo dos estudos históricos sobre a ditadura.
O trabalho de Breno Tommasi é, sem dúvida alguma, parte importante e necessária deste vigoroso processo de renovação dos estudos sobre a ditadura de 1964. O livro Entusiastas do desenvolvimento: a Fundação Nacional do Índio e o projeto modernizador da ditadura (1969-1974) trata de temática fundamental, embora ainda pouco trabalhada pela historiografia, qual seja, a questão indígena durante os anos mais violentos – e também de maior popularidade – da ditadura. Especificamente, o autor preocupa-se com as formas a partir das quais o Estado brasileiro produziu, a partir de discursos, narrativas oficiais e imagens, uma representação muito específica sobre o indígena ao longo daqueles anos. O que o regime considerava que deveria ser dito sobre os índios brasileiros? O que não deveria ser dito? Que políticas foram adotadas para aquela população? Como a ditadura buscou articular a questão indígena à sua política de modernização, altamente predatória?
Essas são algumas das preocupações que conduzem a pesquisa do autor e conformam uma análise sofisticada, que não se contenta com maniqueísmos, propondo ao leitor um interessante painel sobre que tipo de indígena a ditadura evocava e, sobretudo, o que as representações em torno do índio podem nos dizer sobre o próprio regime.
O livro que Breno nos apresenta é resultado de sua notável dissertação de mestrado defendida em 2020 no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF). O autor oferece-nos o resultado de extensiva e cuidadosa pesquisa em documentos de tipos variados, que nos dão a dimensão do investimento realizado pela ditadura na produção de um determinado discurso e imagem sobre o indígena que oscilava entre o desejo de integrar e de demarcar uma diferenciação entre um nós civilizado e um outro, selvagem.
Em particular, Breno concentra-se no estudo do órgão indigenista brasileiro, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e, a partir dela, realiza uma análise instigante. Isso porque o autor traz a Funai para o centro de sua investigação, mas o faz de forma complexa: ao mesmo tempo que cuida de realizar um exame aprofundado e rigoroso do órgão como instituição, seu funcionamento, sua burocracia, os interesses a que servia e a política que o pautava, Tommasi não descuida do fato de que uma instituição precisa também ser compreendida a partir da dinâmica social e intelectual que a compõe. Nesse sentido, realiza um trabalho brilhante ao se concentrar sobre os agentes produtores de tais discursos e imagens: suas redes de sociabilidade, perspectivas, experiências e trajetórias. Em que tais elementos interferiram na realização do trabalho que executavam? Como se davam suas relações com a ditadura?
Assim, a partir da Funai, Breno realiza um trabalho interessantíssimo, em diálogo fértil e enriquecedor com as mais recentes pesquisas sobre a ditadura no Brasil: por um lado, interessa discutir as políticas de modernização do regime, seu avanço pela Amazônia e as formas encontradas para conciliar um projeto modernizador altamente predatório com as políticas voltadas para as populações indígenas; por outro, não escapa ao autor o fato de que nem sempre as relações que envolveram a intelectualidade que comandava a Funai e a ditadura foram simples.
Sob esse aspecto, o trabalho realizado pelo autor se destaca pela competência com que nos apresenta trajetórias intelectuais de modo complexo: mobilizando categorias como dissensão, acomodação e zona cinzenta, Tommasi demonstra que o binômio adesão e resistência é insuficiente para compreendermos a dinâmica dos comportamos sociais sob a ditadura. Breno apresenta-nos uma Funai viva, ambivalente, cujos funcionários agiam, reagiam e se acomodavam às políticas da ditadura, conforme as circunstâncias e os diferentes contextos.
É também extremamente relevante e original a análise que o autor realiza sobre o projeto de modernização da ditadura. Isso porque Breno não perde de vista que a Funai, objeto de seu estudo, foi criada e teve suas políticas aperfeiçoadas e aprofundadas justamente no momento em que o projeto modernizador do regime avançava de forma sem precedente. Assim, o livro, como propõe o próprio título – Entusiastas do desenvolvimento –, apresenta-nos um quadro absolutamente interessante dos anos do chamado Milagre Brasileiro. Recorrendo ao conceito de opinião, Tommasi demonstra como o discurso modernizador, a euforia desenvolvimentista e nacionalista foram capazes, efetivamente, de mobilizar a sociedade. O entusiasmo diante do desenvolvimento e do progresso de que nos fala o livro e do qual a Funai e seus membros foram expressão, não estavam, contudo, circunscritos ao órgão. Ao contrário, tratava-se de processo mais amplo, uma opinião dominante no seio da sociedade.
O olhar lançado para os anos do Milagre é ele também profundamente nuançado. Não foge ao autor o fato de que o projeto modernizador encarnado pela ditadura, e do qual a Funai foi um braço importante, só pode ser plenamente compreendido na medida em que adicionamos à equação, além do entusiasmo, a violência. Desse ponto de vista, a política indigenista é mais uma vez um bom exemplo de como o discurso ditatorial nos anos do milagre sintetizava o elogio ao progresso e a necessidade de reprimir.
O livro de Breno Tommasi trata de temas ainda hoje sensíveis, legados pelo nosso passado recente. O autor encara tais temáticas com coragem e rigor metodológico, aliado a uma escrita fluida e sensível. É uma leitura, mais que nunca, fundamental para refletirmos sobre nosso passado, mas também – e por que não? – sobre nosso presente e futuro.
Janaina Martins Cordeiro
Professora Adjunta de História Contemporânea da UFF
Rio de Janeiro, fevereiro de 2021
LISTA DE ABREVIATURAS
Sumário
INTRODUÇÃO 15
CELEBRANDO O DIA DO ÍNDIO EM TEMPOS DE MODERNIZAÇÃO AUTORITÁRIA 15
1
QUESTÃO INDÍGENA NO BRASIL REPUBLICANO 25
1.1 Gênese da política indigenista brasileira 26
1.2 A ditadura e o discurso anticorrupção 32
1.3 O Relatório Figueiredo 40
2
A EXPERIÊNCIA MODERNIZADORA DO REGIME
AUTORITÁRIO 49
2.1 O projeto de desenvolvimento nacional 51
2.2 Fundação Nacional do Índio: estrutura e funcionamento 60
2.3 A repressão como política indigenista 66
3
SOCIABILIDADE INTELECTUAL NA FUNAI 75
3.1 Sociabilidade intelectual na Funai 76
3.2 Antônio Cotrim e as novas frentes de atração 83
3.3 Os sertanistas: entre a Funai e a ditadura 91
4
MOVIMENTOS DE OPINIÃO NA FUNAI 97
4.1 A trajetória de Francisco Meirelles 98
4.2 Apoena Meirelles e as críticas ao projeto modernizador 109
4.3 Para além da adesão e da resistência 119
5
OS DISCURSOS OFICIAIS SOBRE OS INDÍGENAS: INSTRUMENTOS EM DISPUTA 131
5.1 Luiz Beltrão, os índios e a Assessoria de Relações Públicas da Funai 132
5.2 A fundação conta sua história: os boletins informativos da Funai 148
5.3 O indígena no discurso oficial 161
CONCLUSÃO 173
POSFÁCIO 181
REFERÊNCIAS 187
INTRODUÇÃO
CELEBRANDO O DIA DO ÍNDIO EM TEMPOS DE MODERNIZAÇÃO AUTORITÁRIA
Celebrado desde 1943 no Brasil, o Dia do Índio tornou-se data relevante no calendário cívico brasileiro com a realização de diversos eventos e campanhas destinados a resgatar
as populações indígenas na memória nacional. O dia 19 de abril foi escolhido como data oficial pelo Instituto Indigenista Interamericano, durante o 1º Congresso Indigenista Interamericano, realizado em 1940 na cidade de Patzcuaro, México. No Brasil, a data comemorativa foi incorporada via decreto-lei¹ assinado por Getúlio Vargas. Nas décadas de 1940 e 1950, a importância do evento tornou-se crescente, culminando com a transformação do Dia do Índio em uma comemoração com eventos que ocorriam ao longo da semana.
Em 1970, ano em que a seleção brasileira de futebol conquistava o tricampeonato da Copa do Mundo, surgiu por parte do governo brasileiro a proposta de organizar um jogo de futebol para o encerramento da Semana do Índio
. Participariam desse evento duas comunidades indígenas — xavantes e karajás —, cada qual enviando um time com jogadores do próprio grupo para a disputa. A partida seria realizada em 19 de abril, no Estádio de Brasília, e, segundo afirmavam os jornais da época, contaria com a presença do então general-presidente da República, Emílio Garrastazu Médici; do ministro do Interior, general Costa Cavalcanti; e do presidente da Funai, o jornalista José de Queiroz Campos.
Apesar do espaço concedido pelos jornais nacionais para anunciar a cerimônia, nos dias seguintes nenhuma linha foi publicada sobre o resultado do jogo. Apenas dois anos depois, em 1972, o Boletim Informativo da Funai dedicava algumas páginas a outra partida, esta ocorrida em junho daquele ano, segundo a publicação. Nessa revista trimestral, produzida e divulgada pela Assessoria de Relações Públicas da Funai (ARP-Funai), o jogo era tratado como grande expressão do esforço da Fundação Nacional do Índio (Funai) pela integração do indígena à sociedade. Nas palavras do redator, a cerimônia poderia ser definida como uma confraternização intertribal pelo esporte assimilado, sem quebra dos padrões culturais de origem de cada tribo
².
A ausência de cobertura em 1970 indica que a partida pode não ter acontecido naquele ano, tendo sido cancelada ou adiada, ou que o evento não despertou reações muito entusiasmadas a ponto de mobilizar jornalistas para acompanhar o desenrolar dos lances em campo. Seria difícil crer, entretanto, que a cerimônia pública a ter lugar no principal estádio de Brasília, reunindo lideranças políticas como o próprio general Médici, seria ignorada.
Passados dois anos desde a primeira proposta, já em 1972 — ano marcado pelas comemorações do sesquicentenário da Independência do Brasil³ —, considerou-se viável a realização da partida mediante a organização de verdadeira mobilização de diversos setores da Funai e de outros órgãos para assegurar as condições básicas para que os indígenas participassem do evento. Como reforçado pelo texto do boletim, a preocupação central ao celebrar a partida era a integridade física dos indígenas, tanto no campo de jogo quanto pelo deslocamento e contato com indivíduos de fora das suas comunidades. Havia o temor de que os índios fossem contaminados por doenças para as quais não possuíam anticorpos, o que poderia causar um desastre e trazer consequências negativas para o governo.
A preocupação não era infundada. Poucos anos antes, entre 1967 e 1968, a ditadura era publicamente criticada em decorrência das conclusões do documento hoje conhecido como Relatório Figueiredo. O relatório foi resultado das investigações empreendidas por uma Comissão de Inquérito destinada a apurar denúncias sobre crimes praticados por funcionários do então Serviço de Proteção aos Índios (SPI). A repercussão de seus resultados, no Brasil e mesmo fora do país, elevou a questão indígena ao patamar de tema relevante para o governo. A estratégia adotada pelo regime, buscando contornar as consequências mais graves do documento, sobretudo a repercussão internacional dos seus resultados, acabou bem-sucedida, silenciando gradualmente o chamado escândalo do século
. Contudo, após as denúncias sobre as violências praticadas contra comunidades indígenas tornarem-se de conhecimento público, a atenção de grupos ativistas e órgãos internacionais preocupados com a situação dessas populações voltou-se para o Brasil de forma permanente. Apesar da tentativa de contornar o caso, a política indigenista brasileira ficou sob constante vigilância⁴.
Entre 1969 e 1974, as consequências mostraram-se quando surgiram diversos questionamentos sobre os possíveis impactos do projeto modernizador do governo Médici para as populações indígenas. A ditadura anunciava com entusiasmo as obras que seriam realizadas nos interiores do Brasil, mas surgiam, principalmente por parte da imprensa, perguntas sobre a temática indígena, sobretudo das comunidades localizadas na região amazônica, que seria alvo de obras como as importantes rodovias do período. Em decorrência do Relatório Figueiredo, o governo precisava demonstrar, por diversos meios, sua dedicação e seu respeito à questão indígena⁵. Entre as medidas adotadas para tanto, estava, justamente, a recuperação do Dia do Índio como data relevante dentro do calendário cívico do regime.
A partir da chegada dos militares ao poder, em 1964, a data passou a ocupar lugar marginal em face de outras comemorações. No ano de 1965, o Serviço de Proteção aos Índios emitiu nota declarando que não organizaria eventos para celebrar a festividade porque seu museu encontrava-se em obras⁶. Entre 1966 e 1968, observam-se comemorações localizadas, geralmente realizadas por instituições independentes, como a Associação Benjamin Constant, Deodoro e Floriano, a Associação Brasileira de Imprensa, a Academia Brasileira de Letras, o Museu Nacional, instituições de ensino, entre outras. O esquecimento
do Dia do Índio, deixado de lado pela ditadura, não passou em branco, sendo alvo de comentários na imprensa nacional.
Apenas em 1969 o então presidente da Funai, José de Queiroz Campos, fez uma convocação à união dos brasileiros objetivando o trabalho de integração do índio à sociedade nacional. Na mensagem, Queiroz Campos afirmava a necessidade de exaltação das mais elevadas conquistas éticas, econômicas e políticas
, tratando o indígena por "esquecido, tapuia