A rainha da neve
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A rainha da neve - H.C. Andersen
A rainha de neve
Original title:
Snedronningen
Translator: Pepita de Leão
Copyright © 1844, 2020 SAGA Egmont, Copenhagen
All rights reserved
ISBN: 9788726294675
1. E-book edition, 2020
Format: EPUB 2.0
All rights reserved. No part of this publication may be reproduced, stored in a retrieval system, or transmitted, in any form or by any means without the prior written permission of the publisher, nor, be otherwise circulated in any form of binding or cover other than in which it is published and without a similar condition being imposed on the subsequent purchaser.
A rainha da neve
I – Os cacos do espelho
Pois bem: comecemos a história pelo princípio; e quando chegarmos ao fim, teremos certamente adquirido alguma experiência, pois entre os personagens há um sujeito maldoso, o mais maldoso de todos: o próprio diabo.
Estava ele um dia muito contente; acabava de falsificar um espelho, dando-lhe uma propriedade especial: tudo quanto era belo e bom que nele se refletisse, reduzia-se a tal ponto, que ficava quase em nada, ao passo que todas as coisas feias e más aumentavam, aumentavam, e pareciam assim piores do que na verdade eram. As mais belas paisagens, refletidas no tal espelho, dir-se-iam espinafres fervidos; e as pessoas mais formosas, as de melhor coração, tornavam-se em monstros; ficavam de cabeça para baixo, quase sem corpo, de tão amesquinhados; o rosto aparecia no espelho tão contorcido e contrafeito, que não passava de uma careta horrível, irreconhecível. Se havia nele a mais leve mancha de sarda, logo as manchas se espalhavam por todo o rosto, cobrindo o nariz e as faces.
— Como isto é divertido! — dizia o demônio, contemplando a sua obra.
Quando um pensamento piedoso ou sábio atravessava o espírito de um homem, o espelho se enrugava todo, e tremia. E o diabo, encantado, ria cada vez mais da sua engenhosa invenção. Os diabretes que iam à sua escola — porque ele era professor de diabolismo — saíram a espalhar que surgira um grande, um incalculável progresso: daquele dia em diante era enfim possível ver com exatidão o que eram o mundo e a humanidade. Percorreram o universo carregando o famoso espelho, e dentro de pouco tempo não restava um país, um só homem, que não se houvesse refletido nele, em termos de caricatura.
Depois, mais arrojados ainda, quiseram levá-lo ao céu, para se divertirem à custa dos próprios anjos; mas, quanto mais subiam no voo, mais o espelho se contorcia e mais tremia — porque se refletiam nele agora objetos divinos. E os diabretes mal podiam segurá-lo, de tanto que se sacudia. Continuaram, contudo, a voar, sempre para o alto, sempre para cima, cada vez mais perto dos anjos e de Deus. Mas de repente o espelho tremeu de tal maneira que escapou das mãos dos diabretes; precipitou-se para a terra, despedaçando-se em milhares de milhões de caquinhos.
Acontece, porém, que veio assim a causar mais males do que antes, pois as partículas eram pequeninas como grãos de areia e espalharam-se pelo mundo inteiro, impelidas pelo vento. Muitas pessoas receberam nos olhos aquela poeira funesta; e quando entrava um grãozinho daqueles num olho, lá se incrustava, e a vítima do espelho fatal via agora tudo disforme, tudo feio, tudo às avessas. Já não distinguia senão os defeitos de todas as coisas, as taras de todas as criaturas, porque cada farelinho conservava a mesma propriedade do espelho inteiro. Mas houve ainda casos piores: o fragmento descia até o coração de algumas pessoas, convertendo-o imediatamente em um bloco de gelo, de tão frio e insensível.
Além dessas partículas, ficaram também na terra alguns pedaços mais consideráveis, que podiam servir até para vidraças; era um horror então, avistar um amigo através daquelas lentes! Outros, menores, foram aproveitados para vidros de óculos, que os perversos punham diante dos olhos para ver — segundo diziam — claro, e discernir com justiça rigorosa. E quando tinham aqueles óculos sobre o nariz, riam e