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Direito e Processo Penal: reflexões críticas contemporâneas
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E-book452 páginas5 horas

Direito e Processo Penal: reflexões críticas contemporâneas

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Sobre este e-book

Trata-se de uma obra coletiva com o propósito de permitir reflexões a respeito de temas relevantes e atuais dentro do Direito e Processo Penal. A ideia é possibilitar aos profissionais um raciocínio crítico, propiciando uma atuação profissional marcada pela necessidade da concretização dos direitos constitucionais fundamentais, demonstrando que para compreender os complexos fatores que se relacionam com a criminalidade, é necessário analisá-la a partir de vários enfoques, percebendo as incidências ideológicas, políticas, sociais, econômicas, culturais, com o objetivo de construir meios legítimos de repressão à criminalidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de mai. de 2021
ISBN9786559564750
Direito e Processo Penal: reflexões críticas contemporâneas

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    Direito e Processo Penal - José Carlos Trinca Zanetti

    Sumário

    A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DAS METAPUNIÇõES NA EXECUÇÃO PENAL

    Matheus de Paula Toledo¹

    1. INTRODUÇÃO

    Compreende-se por metapunição, neste estudo, aquela que é aplicada durante o cumprimento de sanção derivada de sentença penal condenatória, ou seja, a sanção dentro de uma sanção.

    No Brasil, a Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984) trata das sanções disciplinares a partir de seu art. 49, sendo estas necessárias para a mantença da disciplina nas instituições prisionais.

    O instituto da execução penal definitiva, para que seja aplicado, pressupõe a prática de um crime e uma decisão terminativa que imputa, de forma quantificada, pena ao ato ilícito praticado.

    A pena, conforme prevê disposições normativas nacionais, tratados internacionais de direito humanos, doutrina e jurisprudência, tem como função a ressocialização do indivíduo, sendo que, para que tal função seja efetivada, o poder executivo, incumbido de aplicar a pena - que é monopólio do Estado - pratica condutas que almejam levar o apenado à reintegração social.

    De tais condutas, a aplicação de sanções aos apenados por descumprimento de disposição legal ou institucional legítima se vê preponderante. Michel Foucault, em sua obra, Vigiar e Punir, faz comparativo de diversas instituições, dentre elas as prisionais, estudantis e militares. De ambas, segundo o autor se exprime disciplina aos seus componentes, conforme cita o ilustre epistemólogo francês:

    Os recrutas são habituados a manter a cabeça ereta e alta; a se manter direito sem curvar as costas, a fazer avançar o ventre, a salientar o peito, a encolher o dorso; e a fim de que se habituem, essa posição lhes será dada apoando-se contra um muro, de maneira que os calcanhares, a batata da perna, os ombros e a cintura encostem nele, assim como as costas das mãos, virando os braços para fora, sem afastá-los do corpo [...] (FOUCAULT, 1997, p. 125)

    O trecho supracitado mostra uma conduta de pré-produção de disciplina de um militar francês, diferente das metodologias adotadas pelas instituições prisionais, que trabalham as condutas na suma maioria das vezes para reprimir atos dos apenados.

    Há de se pensar neste ponto, sobre a inconstitucionalidade de nova violação de direitos de um sujeito que já tem um direito fundamental violado, qual seja, o da liberdade. A acepção da palavra inconstitucionalidade não se atém ao fato de estar ou não prevista determinada norma no texto constitucional, mas sim na afronta que disposição infraconstitucional faz com eventual previsão constitucional.

    De plano, observa-se que a Constituição nacional vigente não possui disposição expressa quanto a legitimidade da aplicação de medida disciplinar ao apenado, sendo esta tratada tão somente por norma infraconstitucional.

    Deste modo, o presente estudo pleiteia delimitar a legitimidade da aplicação de tais medidas, considerando as disposições constitucionais e infraconstitucionais quanto ao conceito de metapunição.

    2. DAS METAPUNIÇÕES NA EXECUÇÃO PENAL

    2.1 DOS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS

    Sistema penitenciário, de maneira sintetizada, é o local, bem como o modo ao qual estão submetidos os indivíduos condenados a pena privativa de liberdade ou que a cumprem pena provisoriamente.

    A doutrina destaca três sistemas utilizados no mundo durante os tempos, quais sejam, o Pensilvânico ou Filadélfico, o Auburniano e o Progressivo, sendo que este é o utilizado no Brasil atualmente.

    O sistema Pensilvânico ou Filadélfico, inaugurado em 1790 na prisão de Walnut Street, tem como base o Direito Canônico, onde o apenado ficaria isolado em cela separada dos demais, sem qualquer contato com o mundo exterior enquanto perdurasse a pena.

    O sistema Auburniano teve origem na penitenciária de Aburn, no estado de Nova York, em 1818. Este sistema tornou a pena relativamente maleável, uma vez que durante o dia permitia o trabalho coletivo dos condenados, no entanto no período noturno, eles teriam de manter silêncio absoluto.

    Vê-se diferença entre os dois sistemas mencionados, uma vez que aquele não permitia contato algum entre os reclusos, e este o permitia durante o dia nas atividades laborais.

    Por fim, a doutrina cita o sistema progressivo, que surgiu na Inglaterra em meados do século XIX. Este sistema separava a pena em três fases. Na primeira, o apenado vivia em isolamento celular diurno e noturno, podendo variavelmente ser submetido a trabalho obrigatório.

    Na segunda fase, o apenado submetia-se a trabalho coletivo durante o dia e a isolamento celular no período noturno. Nesta fase, começava o sistema de benefícios ao condenado com bom comportamento, como ocorre no Brasil, onde o apenado recebia vales, os quais numericamente dividia os reclusos em classes.

    Ao dissertar sobre progressão, há de se ver o sentido contrário da palavra, a regressão, que é utilizada também no sistema penitenciário brasileiro como forma de disciplina, um dos pilares da reeducação, no entanto, pela relevância do direito legitimamente violado, sua expressão deveria estar no texto constitucional.

    2.2 DA EXECUÇÃO PENAL

    2.2.1 DIREITOS HUMANOS E EXECUÇÃO PENAL

    Em assuntos delicados como o da execução penal, que envolve indivíduos, como dizia Foucault, - domesticados - por terceiros, nada mais convencional que a intervenção de direitos humanos em tal matéria. Para tanto, ademais será discorrido sobre pontos específicos de duas normas que tratam, dentre outros assuntos, de execução penal, quais sejam, Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e Regras Mínimas das Nações Unidas Para Tratamento de Presos (Regras de Mandela).

    2.2.1.1 REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA TRATAMENTO DE PRESOS (REGRAS DE MANDELA)

    A ONU, em uma assembleia geral em 1955, aprovou uma minuta chamada regras mínimas das nações unidas para tratamento de presos, mais conhecidas como regras de Mandela. Tal minuta traz ao ordenamento jurídico brasileiro orientações para o tratamento do preso a serem seguidas pelos executores penais.

    Cabe salientar que as Regras de Mandela não possuem hierarquia alguma no ordenamento jurídico brasileiro, servindo apenas de soft law, ou seja, não vinculam o ordenamento, apenas servem de diretriz.

    Quanto a classificação do preso, a minuta das Regras de Mandela diz que os diferentes tipos de presos devem cumprir sua pena separados, levando em consideração seu sexo, idade, antecedentes criminais, razões da detenção e necessidades de tratamento. No Brasil, tal classificação é realizada pela Comissão Técnica de Classificação (CTC) nos primeiros dias em que o preso é submetido ao cumprimento da pena imposta por sentença transitada em julgado. Quanto a finalidade da classificação do preso, cita a minuta das Regras de Mandela:

    Regra 93. 1. As finalidades da classificação devem ser: (a) Separar dos demais presos aqueles que, por motivo de seu histórico criminal ou pela sua personalidade, possam vir a exercer uma influência negativa sobre os demais presos; (b) Dividir os presos em classes, a fim de facilitar o tratamento, visando à sua reinserção social. 2. Na medida do possível, as unidades prisionais, ou setores separados de uma unidade, devem ser usadas para o tratamento de diferentes classes de presos (BRASIL, Conselho Nacional de Justiça, p. 39).

    É sabido que todo ser humano tem direito a uma vida digna, e para o preso não é diferente. Assim como um cidadão comum tem direito à moradia, o preso também tem direito a acomodações suficientes para sua estadia humanitária. Para tanto, as Regras de Mandela estipulam que nas acomodações onde os presos passarão tempo deve haver a entrada de luz e ar suficiente para a mantença de sua integridade física e psíquica.

    Apesar de não serem vinculantes ao ordenamento jurídico brasileiro, a tripartição do poder do estado deveria aderir às Regras de Mandela, uma vez que boa parte dos dispositivos da cartilha já se encontram positivados na CF/88, além de a minuta prover regras humanitárias e respeitadoras dos princípios fundamentais para uma vida digna.

    2.2.1.2 CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA)

    A Convenção Americana de Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica é um tratado internacional entre os países membros da Organização dos Estados Americanos e que foi subscrita durante a Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos em 1969.

    Não tendo passado pelo processo positivado no art. 5º, §3º² da CF/88, incluído pela EC/45 de 2004, o Pacto de São José da Costa Rica possui status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, está abaixo das normas constitucionais e acima das normas infraconstitucionais.

    Em se tratando de execução penal, passo a expor pontos específicos expostos no pacto.

    Traz o art. 5º, item 2 do Pacto de São José da Costa Rica que [...] toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. Vê-se no dispositivo em tela o princípio da dignidade humana e de uma pena humanizada, onde o preso deve ser tratado no período de cumprimento de pena com o mínimo necessário para garantir sua dignidade.

    O item 4³ do artigo supracitado traz a classificação e a diferenciação dos presos condenados e em processo judicial, ou seja, preventivos, dizendo que os mesmos devem ser mantidos separados e submetidos a tratamentos diferenciados.

    Por fim, cabe apontar o item 6⁴ do dispositivo em questão, que traz a readaptação social como finalidade essencial da pena, o qual será de suma importância para a fundamentação de eventual constitucionalidade das metapunições na execução penal.

    Possuindo hierarquia supralegal, o Pacto de São José da Costa Rica tem de ser respeitado, inclusive quanto a conflitos com a Lei de Execuções Penais, o que não é realidade em várias instituições prisionais do país, cabendo ao poder público a fiscalização da real aplicação da lei e possível interdição de instituições inadequadas.

    2.2.2 DA EXECUÇÃO PENAL E SEUS PRINCÍPIOS

    2.2.2.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

    O princípio da legalidade trata da necessidade fundamental e absoluta de que qualquer dispositivo que regulamente a execução penal, seja ele material ou processual, deve estar tipificado na referida Lei 7.210/84 ou no Código de Processo Penal, para ter aplicação prática, como trata seu artigo 2º:

    Art. 2º A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal. Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária (BRASIL, Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984).

    2.2.2.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE

    O princípio da igualdade, presente no art. 5º, caput, da CF/88⁵ e no art. 3º, parágrafo único, da Lei 7.210/84, trata da não distinção entre os cidadãos. Apesar da perda de liberdade, todos os outros direitos do preso permanecem preservados, não havendo discriminação de qualquer natureza.

    Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política (BRASIL, Lei de Execução Penal, 1984)

    2.2.2.3 PRINCÍPIO DA JURISDICIONALIDADE

    O princípio da jurisdicionalidade, depreendido do art. 2º, caput, da lei 7.210/84 (BRASIL, 1984), que diz: - a jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal - , trata da natureza das decisões relativas à execução penal.

    Em questão de jurisdição ou não, as decisões judiciais, como progressão, regressão, dentre outras, existem duas correntes. Por um lado, juristas italianos defendem a natureza administrativa das decisões, por outro, juristas alemães defendem a jurisdicionalidade das decisões judiciais, considerando-as como qualquer outra decisão judicial interlocutória, meramente processual, como leciona Mirabete:

    Na doutrina há, basicamente, duas posições a respeito da natureza jurídica da execução penal. De um lado, juristas alemães, principalmente, a jurisdicionalidade da execução penal, alicerçados no brocado latino jurisditio sine executione esse non potest. De outro, os processualistas italianos e franceses, de modo geral, entendem que a execução penal é uma atividade prevalentemente administrativa, dotada, no entanto, de jurisdicionalidade episódica (MIRABETE, 1995, p. 41).

    2.2.2.4 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

    Por se tratar também de direito processual, a execução penal, como dito a pouco, profere decisões em sentenças judiciais, portanto, alguns princípios processuais como o contraditório são conservados.

    O contraditório se encontra positivado no art. 5º, LV da CF/88 e detalha que - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, consiste na ciência prévia das partes antes de qualquer ato processual, a fim de proporcionar às partes tempo para suas contestações -. Quanto ao princípio do contraditório leciona Mirabete.

    Pelo princípio do contraditório, que consiste na igualdade das partes dentro do processo, é necessário que se dê ciência dos atos praticados ao condenado e ao Ministério Público, fiscal da execução, pois somente assim se poderá efetivá-lo. É decorrência desse princípio o direito de também produzirem, em igualdade de condições, as provas relativas às suas pretensões; de se manifestarem a respeito da matéria a ser objeto de decisão jurisdicional (MIRABETE, 1995, p. 46).

    2.2.2.5 PRINCÍPIO DA HUMANIZAÇÃO DA PENA

    Este princípio é de suma importância para o tema abordado no presente trabalho e está presente no inciso XLVII e alíneas do art. 5º da CF/88⁶. A ressocialização do indivíduo depende, dentre outros, da aplicação de pena plausível, proporcional ao ilícito cometido e de prazo certo. Quanto à dignidade humana na execução penal, a cartilha das regras mínimas para o tratamento de presos cita:

    Todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor e dignidade inerentes ao ser humano. Nenhum preso deverá ser submetido a tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos presos, dos servidores prisionais, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser sempre assegurada (BRASIL, Regras Mínimas Das Nações Unidas Para o Tratamento de Presos, 2016)

    Não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, fato que se lícito fosse, tornava a ressocialização, nesses casos, de ineficácia absoluta. Também não haverá pena e caráter perpétuo, que, como a de morte, não tem um prazo certo para término, e, sendo esta, até o fim da vida do condenado, torna-a igualmente ineficaz.

    Não haverá penas de trabalhos forçados. A metodologia de aplicação de pena adotada no princípio pelos sistemas penitenciários nacionais, adotam o trabalho dentro, e condicionalmente fora do presídio, mas de forma facultativa, sendo que o trabalho estará disponível para o indivíduo que dele requerer, dando assim, uma certa liberdade ao indivíduo.

    Não haverá pena de banimento. Se tal espécie de pena fosse aplicada a condenados pela justiça brasileira, a ressocialização não teria sentido, nem porque ser aplicada, pelo fato de o possível recuperando não estar no território jurisdicional nacional.

    Não haverá penas cruéis. Penas como a de galés, onde o condenado passa a maior parte de sua estadia no sistema prisional amarrado à uma bola de ferro com densidade considerável, que torna a locomoção impossível, tendo esta pena, o objetivo de punir o sujeito praticante de ilícitos, não atribuindo sua principal função, a de ressocialização.

    2.2.2.6 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

    O princípio da individualização da pena encontra-se positivado não só na Lei 7.210/84, em seu art. 5º⁷, mas também é dispositivo do texto constitucional, no art. 5º, XLVI⁸, tendo como ideia principal o fato do preso ser diferente um do outro, com variação de condutas e bens jurídicos atingidos.

    O direito penal brasileiro tem uma certa diferença de condutas e bens jurídicos tutelados, como exemplo, o art. 121⁹ do Código Penal tem conduta e bem jurídico tutelado diferente do crime de furto¹⁰ (Art. 155 do CP), onde aquele possui como conduta o ato de matar e como bem jurídico tutelado a vida, e este, possui como conduta o subtrair, e como bem jurídico tutelado o patrimônio, como leciona Mirabete.

    Com estudos referentes à matéria, chegou-se paulatinamente ao ponto de vista que a execução penal não pode ser igual para todos os presos - justamente porque nem todos são iguais, mas sumamente diferentes - e que tampouco a execução pode ser homogênea durante todo o período de seu cumprimento (MIRABETE, 1997, p. 50).

    Para isso o princípio da individualização da pena, separando e categorizando os praticantes de ilícitos criminologicamente, onde um condenado pelo art. 155 do CP terá maneiras diferentes de estadia penitenciária das de um condenado pelo art. 121 do CP, com o fim de reeducação individual, aplicando- se assim, conjuntamente, o princípio da isonomia aristotélica, onde os desiguais são tratados desigualmente a fim de sanar suas necessidades.

    2.3 DA DISCIPLINA

    2.3.2 DA ESSENCIALIDADE DA DISCIPLINA PARA O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO PRIMORDIAL DA PENA

    Segundo Alexis Augusto Couto de Brito (2018), disciplina consiste na - manutenção do conjunto de regras de conduta dos diversos membros pertencentes a um agrupamento, para proporcionar seu bem-estar e o bom andamento dos trabalhos".

    A disciplina, portanto, é indispensável para a mantença da ordem no sistema penitenciário, bem como para o cumprimento da função essencial da pena, e conforme dispõe o Pacto de São José da Costa Rica, a reintegração social. Neste sentido leciona ainda Alexis Augusto Couto de Brito (2018): - Por meio da disciplina, a ordem do estabelecimento será mantida, o que é indispensável ao cumprimento das finalidades da pena -.

    Para que seja efetivada a mantença referida neste capítulo, a aplicação de sanções é medida que se faz necessária. Há de se ver ainda, conforme citado na subseção 2.1 deste estudo, que o sistema progressivo, adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro não impõe tão somente malefícios ao apenado, mas também benefícios por bom comportamento, que no mais serão dissertados.

    2.3.1 DA PROGRESSÃO E REGRESSÃO DE REGIME

    Dispõe o art. 112 da Lei nº 7.210, de 1984 que:

    Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

    Extrai-se do dispositivo supracitado, e é característica essencial do sistema penitenciário progressivo, o beneficiamento do apenado com bom comportamento e que atende aos preceitos de disciplina institucional. Além da progressão de regime, outros institutos como a remição também se fazem presentes para fins educativos.

    A regressão por sua vez diz respeito à inobservância de normas legais ou legitimamente institucionais, onde o condenado passa do regime em que se encontra para um mais gravoso. Neste sentido dispõe o art. 118 da Lei nº 7.210/84.

    Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

    I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;

    II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111).

    É neste ponto que o objeto de estudo do presente trabalho, as metapunições, entra, uma vez que esta diz respeito à punição sobre punição, o que ocorre em caso de regressão de regime.

    Tal questionamento é feito de forma análoga por Loïc Wacquant, ao citar as supermax, que eram prisões dentro de prisões, estabelecimento muito utilizado no início da dispersão do sistema penitenciário progressivo nos Estados Unidos. Quanto à supermax, cita o autor que:

    [...]"supermax designa uma espécie de metaprisão, uma prisão para a prisão, uma instalação dedicada em todos ou na maioria dos seus aspectos (arquitetura, tecnologia, atividades, os horários e as relações sociais, etc.) para redobrar o tratamento que a penitenciária inflige sobre os mais recalcitrantes a ela, e, portanto, voltada para a dissolução - ou melhor, desaparecimento" - as lacunas, falhas e contradições daquele tratamento[...]. (WACQUANT, L. 2013, p. 278)

    Neste compasso, o presente estudo procura desvendar a característica constitucional do bis in idem praticado nas penitenciárias brasileiras, esmiuçando o conceito de inconstitucionalidade, bem como os princípios da execução penal dispostos no texto constitucional ou em normas de patamar hierárquico análogo.

    2.3.2 DA FALTA DISCIPLINAR

    Entende-se por falta disciplinar a prática de ato positivo ou negativo, obrigatório ou proibido por lei ou norma institucional, conforme prevê o art. 49, caput da Lei nº 7.210/84, As faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e graves. A legislação local especificará as leves e médias, bem assim as respectivas sanções.

    Segundo o art. 50 da Lei de Execuções Penais, comete falta grave o indivíduo condenado à pena privativa de liberdade que:

    I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; II - fugir; III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; IV - provocar acidente de trabalho; V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas; VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei. VII - tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.

    Por conseguinte, o art. 51 do diploma supracitado dispõe que comete falta grave o condenado à pena restritiva de direitos que: I - descumprir, injustificadamente, a restrição imposta; II - retardar, injustificadamente, o cumprimento da obrigação imposta; III - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

    As sanções pelo cometimento de faltas, por sua vez, estão dispostas no art. 53 da LEP, que aduz que:

    Art. 53. constituem sanções disciplinares: I - advertência verbal; II - repreensão; III - suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo único); IV - isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo, observado o disposto no artigo 88 desta Lei. V - inclusão no regime disciplinar diferenciado.

    Como se sabe no meio jurídico, o crime, segundo a acepção analítica da palavra é o ato típico, antijurídico e culpável.

    A infração disciplinar por sua vez traz conceito análogo, sendo um ato típico, tendo em vista o princípio da legalidade, podendo a tipificação estar na Lei de Execuções Penais em caso de falta grave, e nas normas institucionais ou locais, em caso de falta média ou leve. Um ato antijurídico por contrariar preceitos da Lei nº 7.210/84 e um ato culpável em razão da consciência da ilicitude.

    Uma vez conceituada de maneira análoga ao crime, a infração disciplinar, em regra, estaria sujeita às mesmas peculiaridades daquele, dentre elas, a vedação do bis in idem, através da coisa julgada, conforme dispõe o art. 5º, inciso XXXVI da CF/88.

    Pablo Rodrigo Aflen da Silva (2009, p. 2) ao conceituar o bis in idem cita que do direito penal, nada mais é do que corolário do ideal de justiça, uma vez que determina que jamais alguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato.

    Deste modo, a aplicação das metapunições, em primeira consideração fere o princípio supracitado.

    3. CONCLUSÃO

    Inicialmente insta dissertar sobre o conceito de inconstitucionalidade. Darcy Azambuja (1998), ao fazer menção a tal conceito cita que toda a lei ordinária que, no todo ou em parte, contrarie ou transgrida um preceito da Constituição, diz-se inconstitucional. Gomes Canotilho (1998) conceitua inconstitucionalidade como sendo toda lei que viola os preceitos constitucionais. Lúcio Bittencourt (1997) por sua vez cita que inconstitucional é toda lei que viola os preceitos constitucionais.

    Como se vê, inconstitucionalidade não consiste na falta de previsão constitucional, mas sim na afronta da lei ordinária ao texto.

    Ora, se a aplicabilidade da lei dependesse de plena previsão constitucional, a Carta Magna vigente seria composta por uma infinidade de dispositivos. Cabe explanar que a progressão de regime, por exemplo, que é um benefício do apenado, também não está disposta no texto constitucional, no entanto, sua aplicação não é inconstitucional.

    Há de se considerar, portanto, a hierarquia das normas no ordenamento jurídico brasileiro, onde de fato, a Constituição Federal é imperiosa, no entanto, ao passo da não disposição desta norma infraconstitucional pode plenamente legislar sobre todo e qualquer preceito.

    As metapunições, como já conceituado anteriormente, consistem nas penas aplicadas sobre as penas, como ocorre na regressão de regime por falta grave, por exemplo. Há de se ver neste momento, para se apurar a inconstitucionalidade de tal prática, a afronta desta à Constituição Federal.

    Em suma, eventual embate com a norma constitucional viria pelo fato de possível configuração de bis in idem, o que não ocorre, uma vez que a execução penal tem natureza autônoma do processo de conhecimento que gerou a quantificação da pena.

    Cabe salientar que o bis in idem depende de punição pelo mesmo fato, diferentemente do que ocorre na execução penal, que possui fato gerador totalmente independente, onde o apenado será punido de acordo com a falta grave cometida, não pelo crime em que foi condenado.

    Por fim, dispõe o art. 5º, item 6 da Convenção Americana de Direitos Humanos que As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.

    Feita tal consideração, verifica-se a imperiosidade da função ressocializadora da pena, sendo que todo possível deverá ser feito pela Administração Pública para cumprir tal regra.

    Partindo desta consideração, cabe apontar que a disciplina nas instituições prisionais é medida essencialíssima para a almejada reinserção social, uma vez que deixar os condenados à deriva, por sua própria vontade, não os instiga à melhora individual.

    Uma das formas de disciplina elencadas pela Lei nº 7.210 de 11 de julho

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