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Leitura, Discurso e Cognição
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E-book364 páginas4 horas

Leitura, Discurso e Cognição

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Sobre este e-book

Abordando a leitura sob a perspectiva cognitiva, Leitura, Discurso e Cognição perscruta os processos cognitivos e metacognitivos implicados na compreensão leitora em língua materna e estrangeira, assim como a coesão e a coerência enquanto elementos fundamentais da textualidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de jan. de 2021
ISBN9786555237382
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    Leitura, Discurso e Cognição - Lucilene Bender de Sousa

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    Não é no silêncio que os homens se fazem,

    mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.

    (Paulo Freire)

    AGRADECIMENTOS

    Dedicamos o nosso agradecimento nesta obra:

    À nossa estimada orientadora, Prof.ª Dr.ª Lilian Cristine Hübner, pelos anos de dedicação, trabalho e comprometimento na orientação de nossas teses e estudos.

    À Capes, que nos concedeu bolsa parcial para a realização do doutorado e bolsa sanduíche para o estágio no exterior.

    À PUCRS, pela rica formação e experiência acadêmica que nos proporcionou ao longo de nosso curso de doutoramento.

    Ao IFRS, pelo afastamento concedido para a realização do doutorado, o que nos permitiu mais tempo de dedicação ao curso e à pesquisa.

    Aos nossos queridos familiares e amigos(as), pelo incondicional apoio.

    PREFÁCIO

    Aos leitores,

    Com imenso carinho e honra, apresento este livro, fruto de anos de estudo aprofundado e comprometido com a produção em ciência em nosso país, produzido por minhas orientandas de doutorado, agora doutoras e professoras do ensino básico, técnico e tecnológico (EBTT), da área de Linguagens, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).

    Apresento aos leitores uma obra redigida a partir das reflexões e estudos desenvolvidos por três doutorandas de destaque, a quem tive a honra e o privilégio de orientar durante seus doutoramentos junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras – Linguística da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Devido à sua dedicação e à qualificação de suas pesquisas, obtiveram bolsas Capes para o desenvolvimento de seus estudos de doutoramento na PUCRS, bem como bolsas pela mesma Agência para aprimorar seus estudos teóricos e experimentais em renomadas instituições americanas, junto a pesquisadores ícones internacionais em suas áreas de expertise.

    O livro contempla, como fio condutor, discussões aprofundadas sobre um dos temas mais relevantes no atual cenário nacional: a leitura e sua compreensão. Diante de um quadro com resultados preocupantes quanto ao desempenho dos nossos estudantes no ensino fundamental e médio, trata-se de uma obra muito relevante para a formação de professores e de licenciandos de Letras, Pedagogia e áreas afins implicadas com o ensino tanto de língua materna como de línguas adicionais.

    A obra é composta por cinco capítulos, seguidos de um glossário com os principais conceitos e palavras-chave presentes ao longo dos capítulos, definidos de forma didática e sucinta.

    O primeiro capítulo, de autoria da Dr.ª Lucilene Bender de Sousa, enfatiza o reconhecimento e a integração de palavras para uma melhor compreensão do contexto discursivo, incluindo reflexões sobre estudos utilizando o priming e o processamento léxico-semântico no nível da palavra. A autora, em sintonia com estudos atuais nacionais e internacionais, demonstra a importância do conhecimento léxico-semântico como basilar para a compreensão leitora. Em seguida, o capítulo dois, de autoria da Dr.ª Fernanda Schneider, aborda de forma muito detalhada e aprofundada questões relacionadas à coesão e à coerência textuais, trazendo as bases fundamentadoras de tais discussões a partir da perspectiva dos mais renomados pesquisadores nessas áreas. O capítulo, devido à sua densidade, serve de apoio a estudiosos na área por abarcar várias concepções sobre coesão e coerência textuais. O capítulo três, elaborado pela Dr.ª Lucilene Bender de Sousa, discute teórica e empiricamente questões atinentes ao perfil de alunos que, sem demonstrarem problemas no nível da decodificação das palavras, apresentam dificuldades de compreensão do que leem e ouvem. O texto aponta para outras questões, para além da decodificação, que comprometem a compreensão de textos apresentados tanto na modalidade escrita quanto na auditiva. Além disso, propõe possibilidades de intervenção pedagógica a partir do uso de tarefas de integração local e global juntamente às atividades de compreensão leitora. Já o capítulo quatro, desenvolvido pela Dr.ª Diane Blank Bencke, tece a relação entre proficiência leitora em língua materna e em língua adicional, habilidade em funções executivas e a capacidade de metacognição. Para tanto, a autora fundamenta conceitos implicados na discussão, como o bilinguismo, as funções executivas e o papel da proficiência na língua adicional, trazendo à tona a questão da proficiência leitora nas duas línguas e o papel do nível de metacognição dos leitores para lidar com a compreensão do que leem tanto na língua materna quanto em outra língua que dominam.  Ao término, discutem-se as implicações educacionais. Finalmente, o capítulo cinco, escrito pelas três autoras, contempla os leitores com uma excelente discussão sobre os tipos de métodos e de instrumentos de pesquisa e avaliação da compreensão leitora, desde o uso de protocolos verbais, tarefas abertas e de múltipla escolha, até o uso de técnicas de neuroimagem. A partir dessa reflexão, destacam as vantagens e as desvantagens de cada método e técnica a fim de auxiliar e orientar professores e pesquisadores em leitura na escolha da forma mais adequada e eficiente a adotarem em cada contexto.

    Com muito orgulho e alegria, convido a todos a lerem esta obra, a qual certamente será um recurso de apoio a disciplinas da graduação em Letras e cursos afins, devido à atualidade e ao aprofundamento teórico e reflexivo das discussões abordadas, dentro de um tema crucial para o desenvolvimento de nosso país: a habilidade leitora. Desejo a todos uma ótima leitura!

    Prof.ª Dr.ª Lilian Cristine Hübner

    Professora adjunta do curso de Letras e do

    Programa de Pós-Graduação em Letras (Linguística) da PUCRS.

    Pesquisadora de Produtividade em Pesquisa do CNPq

    APRESENTAÇÃO

    Este livro apresenta estudos que versam sobre a temática da leitura, do discurso e da cognição. Leitura compreendida enquanto processo psicolinguístico, considerando-se a interação dos aspectos linguísticos e cognitivos, como raciocínio, memória, atenção e conhecimento de mundo; e discurso, na sua definição mais ampla, adotado como sinônimo de texto. Inserida nessa temática, a presente obra abarca questões relevantes acerca da linguagem sob o viés da linguística textual e da psicolinguística.

    Leitura, Discurso e Cognição é fruto direto de nossas teses (SOUSA, 2015; SCHNEIDER, 2018; BENCKE, 2018), experiências e conhecimentos adquiridos ao longo dos quatro anos de doutorado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tivemos o privilégio de realizar o curso em uma universidade que é referência em pesquisa no Brasil, sob a cautelosa orientação da Prof.ª Dr.ª Lilian Cristine Hübner; e fomos agraciadas pela Capes com bolsas de doutorado sanduíche em renomadas universidades americanas – o que enriqueceu ainda mais o presente trabalho.

    Em 2015, a professora Lucilene Bender de Sousa foi acadêmica visitante no Learning, Research and Development Center (LRDC), da University of Pittsburgh, sendo orientada pelo Prof. Dr. Charles Perfetti no desenvolvimento teórico e metodológico de sua tese, a qual investigou a relação entre compreensão leitora, conhecimento e integração léxico-semântica. Em 2017, a professora Fernanda Schneider, em busca de aprimorar seus conhecimentos sobre as bases neurais da linguagem e o impacto da lesão cerebral pós-acidente vascular cerebral (AVC), realizou estágio de doutorado no Laboratório de Neurolinguística do The Graduate Center, The City University of New York (CUNY), sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Loraine K. Obler. Também em 2017, a professora Diane Blank Bencke, com o propósito de qualificar teórica e metodologicamente a sua tese de doutorado sobre o impacto da proficiência leitora e das habilidades em funções executivas na metacognição em leitura, atuou como acadêmica visitante na Graduate School of Education, University of California, Berkeley, sob a orientação do Prof. Dr. David Pearson.

    Além disso, as autoras Fernanda Schneider e Diane Blank Bencke contaram com o afastamento total das atividades do Instituto Federal do Rio Grande do Sul para a dedicação exclusiva ao doutorado – o que foi fundamental para a realização dos estudos. Tendo em vista esse contexto, reunimos, neste livro, importantes capítulos das nossas teses visando refletir e discutir as questões que perpassam pela leitura ou pelo discurso. Os capítulos apresentados nesta obra foram construídos a partir de criteriosas pesquisas bibliográficas guiadas por teorias que são referência nas temáticas exploradas e em estudos experimentais atualizados. Entretanto, ressaltamos possíveis limitações diante da complexidade das temáticas aqui abordadas. Sendo assim, reconhecemos que a ciência da leitura ainda tem uma longa trajetória nessa difícil tarefa que é a descrição da leitura, do discurso e da cognição. Do mesmo modo, os estudos envolvendo coesão e coerência textuais apresentam, ainda, importantes questões a serem contempladas, tanto no que se refere ao discurso oral, por exemplo, na linguagem atípica – deficit decorrentes de lesões cerebrais pós-AVC (SCHNEIDER, 2018) – quanto no texto escrito trabalhado em sala de aula e produzido pelos alunos.

    Assim, convidamos você, leitor, a conhecer um pouco deste trabalho, elaborado por linguistas, professoras da rede federal de ensino, da área de Linguagens e atuantes em sala de aula. A leitura dos capítulos pode ser aleatória, uma vez que abarcam diferentes questões, sem perder, no entanto, o foco unificador: os estudos da linguagem, especificamente envolvendo a leitura, o texto/discurso e a cognição.

    Boa leitura!

    As autoras

    Sumário

    1

    leitura E CONTEXTO 17

    Prof.ª Dr.ª Lucilene Bender de Sousa

    2

    COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAIS: UM PANORAMA 51

    Prof.ª Dr.ª Fernanda Schneider

    3

    PERFIL DOS LEITORES COM DIFICULDADES DE COMPREENSÃO

    e possibilidade de intervenção 81

    Prof.ª Dr.ª Lucilene Bender de Sousa

    4

    METACOGNIÇÃO E FUNÇÕES EXECUTIVAS NA LEITURA EM

    LÍNGUA MATERNA E LÍNGUA ADICIONAL 115

    Prof.ª Dr.ª Diane Blank Bencke

    5

    MÉTODOS DE PESQUISA SOBRE A COMPREENSÃO EM LEITURA 195

    Prof.ª Dr.ª Lucilene Bender Sousa

    Prof.ª Dr.ª Diane Blank Bencke

    Prof.ª Dr.ª Fernanda Schneider

    PALAVRAS FINAIS 223

    APÊNDICES 225

    APÊNDICE A

    QUESTIONÁRIO PARA OS PAIS 227

    APÊNDICE B

    QUESTIONÁRIO PARA OS PARTICIPANTES 231

    GLOSSÁRIO 235

    REFERÊNCIAS GERAIS 251

    ÍNDICE REMISSIVO 255

    1

    leitura E CONTEXTO

    Prof.ª Dr.ª Lucilene Bender de Sousa

    A palavra é para o psicólogo cognitivo e psicolinguista

    como as células são para os biólogos.¹

    (Balota et al.)

    Iniciamos este capítulo da mesma forma como começamos a leitura de qualquer texto, pelas palavras. Conforme explica Balota, elas são como as células da linguagem. Ou, na descrição de Elman (2009), tais quais ossos que contêm a informação linguística: fonológica, ortográfica, morfológica, semântica e sintática. São unidades constituintes do texto e, portanto, um importante, se não o mais importante, aspecto da leitura. Certamente, há os que se opõem a essa visão, mas ninguém pode negar que sem palavras não há leitura. Podem argumentar que sem letras também não há leitura e que sem morfemas não há palavras; no entanto, se essas letras e seus conjuntos significativos, os morfemas, não estiverem combinados em uma unidade-palavra, não temos o sentido completo.

    A metáfora da célula nos parece interessante, pois sabemos que uma célula sozinha não é autossuficiente, mas é seu conjunto que constrói um organismo. Da mesma forma, é o conjunto de palavras em relação, sintagmática e paradigmática, que constrói a unidade de sentido, o texto. Segundo Stahl (1991, p. 161, tradução nossa),

    [...] os modelos maiores de leitura parecem focar ou nos processos de reconhecimento de palavras (como ADAMS, 1990) ou nos processos de compreensão (como KINTSCH; VAN DIJK, 1978). O vocabulário está em algum lugar entre essas duas perspectivas, então, devemos olhar para ambas para entender o papel do significado das palavras na compreensão².

    O conhecimento léxico-semântico, conhecimento da forma e do significado das palavras, interfere desde o nível básico ao mais elevado nível da compreensão textual.

    Já a grande contribuição de Perfetti (1985) à pesquisa em leitura foi enfatizar o papel do processamento linguístico para a compreensão leitora, lembrando que a leitura é um processo psicolinguístico, mas não é um jogo de adivinhação. Pelo contrário, é a interação de dois importantes sistemas: o linguístico e o cognitivo (raciocínio, memória, atenção, conhecimento de mundo etc.). De modo geral, poderíamos afirmar que a proposta de Perfetti é consoante com a visão simples da leitura de Hoover e Gough (١٩٩٠), na qual a leitura é composta por duas habilidades: a decodificação e a compreensão linguística. No entanto, Perfetti dá maior ênfase ao componente linguístico. A compreensão leitora é o resultado de processos que ocorrem simultaneamente em diversos níveis, e a eficiência do processamento linguístico em nível básico – reconhecimento e integração léxico-semântica – é a base para a eficiência de processos em níveis superiores. Mesmo que o leitor tenha plenas capacidades cognitivas, se não conseguir realizar o reconhecimento e a integração das palavras de forma efetiva, não conseguirá construir sentidos coerentes para o texto.

    O modelo de compreensão leitora que descrevemos foi proposto por Verhoeven e Perfetti (2008) e ilustra a interação dos diversos níveis de processamento, abrangendo tanto os processos ascendentes quanto descendentes, ou seja, os que têm início no reconhecimento de letras e palavras em direção à construção dos sentidos do discurso e os que partem do conhecimento prévio e da representação textual influenciando o nível lexical. A Figura 1.1 ilustra o modelo.

    Figura 1.1 – Modelo dos processos da compreensão leitora

    Legenda: Written text: texto escrito; Ortographic units: unidades ortográficas; Phonological units: unidades fonológicas; Word identification: identificação de palavra; Word-to-text integration: integração palavra-texto; Semantic units: unidades semânticas; Sentence representation: representação da sentença; Text model: modelo textual; Situation model: modelo situacional; Prior knowledge: conhecimento prévio.

    Fonte: Verhoeven e Perfetti (2008, p. 294)

    No modelo, os dois principais inputs da leitura são o texto e o conhecimento prévio, que interagem em processos ascendentes e descendentes, influenciando-se mutuamente. Os ascendentes são processos dependentes em grande parte do conhecimento e da habilidade linguística. Já os descendentes dependem mais do conhecimento de mundo e das experiências do leitor. Diferentemente de outros modelos de compreensão, nesse o processamento léxico-semântico não é meramente um ato mecânico que precisa ser ultrapassado para que haja compreensão. A compreensão não inicia no nível da sentença, e sim acontece já no nível lexical com o reconhecimento e a integração léxico-semântica. Neste capítulo, nos deteremos na descrição do reconhecimento de palavras e da importância do contexto para esse processo, uma vez que o contexto guia processos mais complexos, como o de integração global e inferência.

    1.1 RECONHECIMENTO DE PALAVRAS

    Não nascemos com o cérebro pronto para ler, afirma Dehaene (2012). O sistema visual humano não está preparado para o reconhecimento de letras. Conforme a hipótese da reciclagem neuronal, os neurônios da região responsável pelo reconhecimento de faces são reciclados, assumindo uma tarefa diferente da original e se especializando no reconhecimento de letras. Para isso, os neurônios da região occípito temporal esquerda precisam aprender a dissimetrizar e a reconhecer a diferença de posição dos traços dispostos à esquerda e à direita. Segundo o autor, só assim será possível reconhecer letras como p e q, b e d, pares formados por traços idênticos que se distinguem apenas na sua disposição lateral. Dehaene (2012) explica que os traços que compõem as letras – horizontal, vertical e ângulo – têm a sua origem em protoletras, que seriam como um alfabeto primitivo em nosso cérebro em que estocamos padrões de formas recorrentes na natureza.

    Apesar de reconhecermos letras de forma isolada, seu reconhecimento dentro de uma palavra é mais rápido e facilitado. Reicher (1969) descobriu, em seu clássico experimento, que as letras são identificadas mais rapidamente quando estão combinadas formando palavras do que quando estão isoladas ou dentro de uma sequência de letras que não formam uma palavra. Esse efeito, chamado de efeito de superioridade da palavra, desmistifica a visão de que a unidade mínima de reconhecimento da palavra, em leitores proficientes, seja a letra. Com base nesse estudo, novos modelos foram propostos considerando o efeito do contexto, como o Modelo de Ativação Interativa de McClelland e Rumelhart (1981), ilustrado na Figura 1.2, que tenta simular e explicar como ocorre o reconhecimento de letras levando em conta esse efeito.

    Figura 1.2 – Representação do funcionamento do modelo de ativação interativa

    Fonte: McClelland e Rumelhart (1981, p. 380)

    De acordo com o modelo, primeiramente, percebemos os traços que compõem as letras. Em seguida, identificamos as letras correspondentes e, então, as palavras. No entanto, muitas vezes, o cérebro não precisa realizar esse processo passo a passo. Conforme a quantidade de informação disponível, o cérebro é capaz de antecipar a palavra sem que seja necessário processar cada traço e letra. Isso ocorre principalmente com palavras que possuem poucos vizinhos ortográficos, isto é, que têm ortografia semelhante. Dessa forma, é provável que o reconhecimento de água seja mais rápido do que de bala (fala, cala, gala, mala, pala, rala, sala, tala). Isso ocorre porque cada unidade componente dos três níveis de informação – traços, letras e palavra – é representada por um nó na rede ligada por meio de conexões excitatórias ou inibitórias com seus vizinhos. A ativação de um nó se espalha e provoca a ativação ou inibição de nós dos demais níveis, de forma que o processamento ocorre em ambas as direções, ascendente (bottom-up) e descendente (top-down), de forma paralela e simultânea, permitindo, assim, que o nível lexical influencie o processo em níveis inferiores desde o estágio inicial.

    Estudos sobre o movimento dos olhos comprovam que, de fato, durante a leitura não focamos cada letra ou palavra. Nossos olhos são capazes de perceber sete a nove letras por sacadas³. As palavras que recebem fixação são geralmente de conteúdo: substantivos, verbos e adjetivos; as demais, como artigos e preposições, são menos importantes, sendo rapidamente processadas. Just e Carpenter (1980) estimaram que 80% das palavras de conteúdo recebem fixação. E o tempo de fixação varia conforme a extensão, frequência e compreensão da palavra no contexto; portanto, evidencia o esforço cognitivo empreendido no processamento léxico-semântico. Sendo assim, o registro dos movimentos de retorno é uma ferramenta útil para a pesquisa dos processos envolvidos na leitura, visto que pode indicar dificuldade ou facilidade não só no reconhecimento da forma, mas também na construção do significado.

    O conhecimento da ortografia das palavras e a experiência acumulada na prática da leitura tornam o processo de reconhecimento progressivamente mais rápido, sendo a percepção guiada pelo conhecimento que temos das palavras, tanto de seus traços ortográficos quanto dos semânticos e sintáticos. Além do contexto lexical, níveis superiores de informação exercem um considerável efeito. O modelo textual e situacional, assim como o objetivo da leitura são exemplos de informações superiores que podem exercer influência no reconhecimento de palavras. Podemos observá-los atuando quando, por exemplo, temos a impressão de ver palavras que, na verdade, não estão no texto, ou porque fazem mais sentido do que a original, ou porque são semelhantes a ela.

    Segundo a hipótese da qualidade lexical de Perfetti e Hart (2002), a eficiência na identificação de palavras depende da qualidade da representação lexical, composta por três aspectos linguísticos: ortográfico, fonológico e semântico. A representação semântica reúne tanto a informação conceitual quanto a sintática. A qualidade da representação, ilustrada na Figura 1.3, é definida pela extensão com que cada constituinte é detalhado (ortográfica e fonologicamente) e diferenciado (semântica e sintaticamente) e ainda pela concatenação das ligações entre os constituintes. Perfetti (1992) entende que a informação fonológica é sempre ativada no acesso lexical e que os demais aspectos podem se ativar reciprocamente. Sendo assim, a leitura automática e eficiente só é alcançada com um conhecimento lexical consolidado e interconectado. A qualidade da representação lexical se desenvolve seguindo dois princípios: precisão e redundância. A precisão consiste em representações completas que são autossuficientes no reconhecimento da palavra. A redundância ocorre quando os níveis fonológicos e ortográficos se sobrepõem fornecendo informações idênticas e que automatizam o acesso lexical. Posteriormente, Perfetti (2007) acrescentou o princípio da flexibilidade considerando que, com o aspecto semântico, está representado o conhecimento do uso da palavra, o significado com seus traços pragmáticos. A flexibilidade é um princípio de qualidade fundamental para que ocorra a integração entre a palavra e o texto.

    Figura 1.3 – Exemplo de representação lexical de alta qualidade

    Legenda: Meaning system: sistema de significados; Orthographic system: sistema ortográfico; Phonological system: sistema fonológico.

    Fonte: Tan et al. (2005, p. 8.782)

    A forma como esses três aspectos lexicais interagem durante o reconhecimento de palavras é ainda controversa. Na tentativa de explorar a questão, têm se desenvolvido basicamente dois tipos de modelo, os de rota única e os de rota dupla. No primeiro, há apenas uma rota de reconhecimento de palavras, e nessa todos os níveis de informação participam. No segundo, há dois possíveis caminhos, com ou sem mediação fonológica.

    No modelo de Coltheart et al. (1993), os

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