Viver sem linguagem: linguagem, mente e cérebro
De Celso Novaes
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Viver sem linguagem - Celso Novaes
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA
À memória da minha mãe, Georgete, por ela ter me dado as mãos.
À minha mulher, Regina, por ela estar sempre de mãos dadas comigo.
Aos meus filhos, Lúcia e Renato, por terem me propiciado a experiência de dar as mãos.
AGRADECIMENTOS
Minha trajetória como professor de Linguística na Universidade Federal do Rio de Janeiro tem incluído uma atuação tanto na área de Letras quanto na área de Fonoaudiologia. Na área de Letras, lecionando uma disciplina que trata do nosso conhecimento linguístico que independe da escola, mais especificamente do conhecimento sintático. Na área de Fonoaudiologia, lecionando uma disciplina que trata das alterações desse conhecimento linguístico em decorrência de lesões neurológicas. Essa dupla atuação se tornou possível em função da minha dupla formação: bacharel em Ciências Biológicas e doutor em Linguística.
Desde o início da minha atuação, sobretudo no curso de Fonoaudiologia, senti falta da existência de um livro escrito em português que conjugasse os conhecimentos provenientes da área de Linguística com aqueles provenientes da área de Ciências Biológicas, especialmente dos estudos do sistema nervoso.
O tempo foi passando e eu sempre ouvia da minha colega de trabalho, Urânia Marinho, a mesma ponderação: por que você não escreve um livro a respeito? Este livro é em grande parte uma resposta a essa colega e grande amiga. Por isso, o meu primeiro obrigado vai para ela.
De alguma maneira, várias outras pessoas esperavam isso de mim, entre elas posso citar vários dos meus orientandos e ex-orientandos do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dentre os quais destaco Adriana Leitão Martins, atual colega de departamento. O meu muito obrigado a ela, em especial por ela ter lido uma versão inicial deste trabalho, sugerindo diversos ajustes e modificações.
Agradeço também à minha filha, Lúcia, que, mesmo distante, fez questão de ler uma versão preliminar desta obra, sugerindo várias correções não só textuais como também de digitação. Agradeço ainda ao meu filho, Renato, por estar sempre interessado no meu trabalho.
Finalmente, agradeço à Regina Novaes, minha companheira há muitos anos. Juntos, começamos a estudar Biologia. Ela interessada em plantas e eu em sistemas de integração – sistemas hormonal e nervoso. Cada um seguiu o seu caminho acadêmico, mas, sem ela ao meu lado e sem o equilíbrio gerado por essa convivência, certamente eu teria tido muito mais dificuldades para chegar aonde cheguei.
Prefácio
Há três semanas, Celso Novaes me falava do livro que tinha escrito e me perguntava se eu escreveria o prefácio. Lógico. Afinal, receber um convite de um amigo e colega de departamento – o de Linguística e Filologia da UFRJ –, por quase três décadas, é receber uma mostra de consideração que, para mim, equivale a receber um tipo informal de dignidade acadêmica. Perguntei, então, qual o tema do livro. E a resposta foi apenas sintaxe!
.
A primeira linha do manuscrito permitiu perceber que a resposta breve ficava muito aquém do tema da obra. Viver sem linguagem traz para primeiro plano a questão das afasias, o problema linguístico decorrente de lesões neurológicas ‒ de que Celso Novaes fez seu campo de estudo.
E a sintaxe? A sintaxe de base chomskyana fundamenta as explicações linguísticas. Mas o texto transita pelo dualismo mente-corpo, que organiza os capítulos A linguagem na mente
e A linguagem no cérebro
. O leitor é convidado a compreender a linguagem transitando por autores como Lacan, Freud, Piaget, Caramazza, Grodzinsky etc. Essa é a base para a discussão que contrasta A linguagem na vida diária e Viver sem linguagem. Para o autor, nas suas próprias palavras, ele desafia-se a uma tarefa extremamente pretensiosa
, a saber, mostrar como um paciente com lesão neurológica que afeta áreas cerebrais relacionadas direta ou indiretamente com a linguagem sobrevive
. E propõe-se, então, a discutir como deve ser para um indivíduo viver com a linguagem fragmentada em decorrência de uma lesão no hemisfério esquerdo, justo o hemisfério que parece dar identidade ao indivíduo
. Para isso, o texto dá voz àqueles que a perderam. Essa é a beleza do livro.
Rio de Janeiro, 25 de setembro de 2018
Maria Carlota Rosa
APRESENTAÇÃO
Viver sem linguagem: linguagem, mente e cérebro é um livro que passeia pelas diferentes abordagens do estudo da linguagem. Valendo-se da sua dupla formação – em Biologia e em Linguística, o autor se propõe a abordar a universalidade da linguagem a partir dos seguintes pontos de vista, distribuídos pelos três primeiros capítulos: o cognitivo, o cerebral e o psíquico. O primeiro e o segundo apresentam o modo como a ciência linguística e a ciência cerebral veem a linguagem. O terceiro ponto de vista aborda o papel da linguagem no desenvolvimento cognitivo, na formação do inconsciente e na vida diária.
No quarto capítulo, o autor aborda o drama dos indivíduos que, em decorrência de uma lesão neurológica, veem-se sem linguagem, a propriedade definidora dos seres humanos. Além de apresentar os sintomas linguísticos segundo o ponto de vista dos neurologistas, dos linguistas e dos fonoaudiólogos, mostra como se sente uma pessoa privada de linguagem na sua vida diária, a partir do relato de indivíduos que tiveram comprometimento de linguagem em decorrência de lesões neurológicas, mas que se recuperaram parcial ou totalmente.
Além desses quatro capítulos, há um apêndice, no qual são discutidos os encontros e desencontros que ocorrem na tentativa de diálogo entre as ciências biológicas e as ciências humanas, revelando, de algum modo, a trajetória acadêmica do autor.
Sumário
PRIMEIRAS PALAVRAS
1
A LINGUAGEM NA MENTE
1.1 O surgimento da Linguística moderna e o conhecimento de linguagem
1.2 A metáfora da computação
1.3 Os pressupostos
1.3.1 A hipótese da modularidade da mente
1.3.2 A hipótese da determinação biológica da linguagem
1.4 Um exemplo de fenômeno sintático: a representação mental da flexão
2
A LINGUAGEM NO CÉREBRO
2.1 Afasia de Broca e localização das funções psicológicas
2.2 Afasia de Wernicke e conexionismo
2.3 Representação mental da flexão e área de Broca
2.4 Linguagem e área de Broca
2.5 Linguagem e outras áreas do cérebro
3
A LINGUAGEM NA VIDA DIÁRIA
3.1 A universalidade da linguagem
3.2 Linguagem e desenvolvimento cognitivo
3.3 Linguagem e inconscient
3.4 As funções da linguagem
3.5 A linguagem como ela é: a realização da flexão
4
VIVER SEM LINGUAGEM
4.1 Sobre a classificação das afasias e os diferentes níveis de análise
4.2 Freud e a hipótese funcional
4.3 Restos de linguagem, segundo o relato de ex-pacientes
4.3.1 Um escritor afásico
4.3.2 Uma neurocientista afásica
4.3.3 Um filósofo afásico
4.4 Restos de linguagem, segundo a minha observação
4.4.1 Uma professora afásica
4.4.2 Um bancário afásico
4.4.3 Um dj afásico
4.5 Afasia e realização da flexão
4.6 Plasticidade e recuperação
5
ÚLTIMAS PALAVRAS
6
Referências
7
APÊNDICE: BIOLOGIA E LINGUAGEM
7.1 Ciências Humanas e Ciências Naturais
7.2 O problema mente-corpo
7.3 Sobre a relevância de dados neuropsicológicos
7.4 Alguns problemas metodológicos residuais
PRIMEIRAS PALAVRAS
De acordo com dados do Ministério da Saúde, o acidente vascular cerebral, popularmente conhecido como AVC (ou AVE, de acidente vascular encefálico), é a primeira causa de mortalidade do Brasil. Quando o AVC não causa a morte, deixa, geralmente, sequelas que vão desde a paralisia dos membros superiores e inferiores a problemas de linguagem.
Os problemas de linguagem decorrentes de lesões neurológicas têm repercussões que podem ser investigadas de dois pontos de vista: o linguístico e o psíquico.
Do ponto de vista linguístico, pela análise lexical, sintática e fonológica da fala de indivíduos que sofreram lesões neurológicas. Essa análise, além da compreensão das modificações na linguagem após a lesão, propicia o entendimento do modo como ela está organizada na mente/cérebro de um indivíduo sem lesão, da mesma maneira que o entendimento de muitas funções metabólicas foi propiciado pela análise de casos de indivíduos que ingeriam uma quantidade insuficiente de vitaminas ou pela análise de casos de indivíduos que tinham uma baixa produção ou secreção de hormônios.
Essa contribuição que a análise de casos de déficits linguísticos decorrentes de lesões neurológicas pode dar à ciência pode ainda ser decomposta em contribuições ao estudo do cérebro e contribuições ao estudo da mente. No que diz respeito à contribuição aos estudos cerebrais, pode-se dizer que o estudo desses déficits pode nos ajudar a entender as áreas do cérebro que, de alguma maneira, estão associadas à linguagem. No que diz respeito à contribuição aos estudos mentais, pode-se dizer que o estudo desses déficits pode nos ajudar a avaliar a pertinência dos princípios linguísticos que têm sido postulados com a intenção de dar conta do conhecimento de linguagem que todos nós temos em condições normais.
Do ponto de vista psíquico, as repercussões decorrentes de lesões podem ser analisadas pelas alterações comportamentais que os déficits linguísticos provocam. O entendimento por detrás do reconhecimento de que os déficits linguísticos de alguma maneira têm repercussão sobre o comportamento dos indivíduos com lesão neurológica é que a linguagem tem papel ativo na estruturação psíquica. Sendo assim, indivíduos com lesão neurológica vivem não só o drama da privação da linguagem na sua vida diária, mas também o drama das alterações psíquicas e emocionais que essa privação impõe.
Neste livro, pretensiosamente, procuro discutir essas duas vertentes – a linguística e a psíquica. Para atingir esse objetivo, o livro está organizado da seguinte maneira. Nos dois primeiros capítulos, eu tento mostrar o fato de vivermos com linguagem, em duas instâncias diferentes: a mental e a cerebral. O primeiro capítulo é dedicado à instância mental enquanto o segundo é dedicado à instância cerebral. No terceiro capítulo, eu tento mostrar o papel da linguagem na nossa vida diária, no nosso desenvolvimento cognitivo e na formação do inconsciente. No quarto capítulo, tento mostrar aquilo que nos parece implausível: viver sem linguagem. De uma maneira um pouco mais detalhada, os parágrafos a seguir mostram o plano do livro.
No primeiro capítulo, eu tento traçar um quadro dos estudos da linguagem nos dias de hoje, com ênfase no modo como a linguagem está representada nas nossas mentes. Tento mostrar que os princípios mentais que dão conta do conhecimento linguístico são inatos, universais e específicos da linguagem, o que significa que, abstraídos alguns raros e graves casos de patologia, não existem indivíduos sem linguagem.
No segundo capítulo, eu tento traçar um quadro dos estudos da linguagem, com ênfase no modo como ela está alojada nos nossos cérebros. Tento mostrar a importância de uma área específica do lobo frontal do hemisfério esquerdo – a área de Broca – na representação da linguagem, a discussão envolvendo a exclusividade dessa área no fenômeno linguístico e a atuação de outras áreas nesse fenômeno.
No terceiro capítulo, eu retomo o tema da universalidade da linguagem, agora com o objetivo de mostrar o papel da linguagem nas nossas vidas diárias e o modo como ela facilitou o desenvolvimento da espécie humana. Discuto ainda nesse capítulo o papel da linguagem no desenvolvimento cognitivo e na formação do inconsciente.
No quarto capítulo, eu tento mostrar o drama dos indivíduos que, em decorrência de uma lesão neurológica, se veem sem linguagem, a propriedade definidora dos seres humanos. Apresento os sintomas linguísticos das afasias segundo o ponto de vista dos neurologistas, dos linguistas e dos fonoaudiólogos, tendo como parâmetro a primeira proposta de classificação das afasias, feita por Lichtheim. Contrastando com o que é mais usual, em vez de um relato do ponto de vista estritamente científico, eu tento mostrar como se sente uma pessoa privada de linguagem na sua vida diária, a partir do relato de indivíduos que tiveram comprometimento de linguagem em decorrência de lesões neurológicas, mas que se recuperaram parcial ou totalmente. Apresento ainda um pouco da minha experiência com indivíduos