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Pétalas de cerejeira
Pétalas de cerejeira
Pétalas de cerejeira
E-book258 páginas3 horas

Pétalas de cerejeira

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Sobre este e-book

Esse é o início de uma coleção. Mas não uma coleção comum, e sim muito especial: uma coleção sobre deusas feita somente por mulheres fortes como as que serão retratadas.

Cada volume abrangerá uma mitologia, e o primeiro conta histórias sobre as divindades femininas da mitologia japonesa.

Como em quase todas as mitologias, os contos da mitologia japonesa incluem um grande número de deuses, deusas e espíritos, e a maioria das histórias diz respeito à criação do mundo, à fundação das ilhas do Japão e às atividades de divindades, seres humanos, animais, espíritos e criaturas mágicas.

São histórias pouco conhecidas, porém belíssimas, cheias de significados e elucidações para um povo milenar, que até hoje nutre por tais aventuras e desventuras um fascínio honroso e duradouro.

Conheça os textos e as autoras presentes no livro:

A Compaixão de Débora – Edilaine Cagliari

A Dançarina Mascarada – Bia Ramos

A Deusa e o Camponês – Michele Kataoka

A Deusa e o Dragão – Tábatha Gagliera

A Ilha de Chihiro – Ursula Lieselotte

A Kitsune do Vento – Alexia Morgan

A Melodia das Nuvens – Bruxa das Letras

A Origem de Kannon – Priscila Morais

A Razão do Amor – Meg Mendes

A Semente do Coração Puro – Fernanda Schuquel Machado

A Sombra Felina – Min Alves

A Youkai da Neve – C. B. Kaihatsu

Akairo no Ken – Ivy Mallviery

Benzaiten e a Flor de Lótus – Karollen Araújo

Candeia – Berenice Domingues

Cheiro de Sal – Laura SaintCroix

Deusa Mãe – Bruny Guedes

Ensinamentos de Benzaiten – Ellen Giacomelli

Eu Nem Lembro de Você – S. Guerra

Fluidez, Ocarina e Youkai – G. L. Fellowynn

Furusato – Y. M. Dias

Kitsune de Izanami – Jacqueline F. Silva

Koneko – Natália Mussato

Koryo – Natália Mussato

Meiko e a Grande Onna Bugeisha – Yulli Martins Pimentel

No Meio da Neve – Thais Rocha

O Conto da Princesa Sakuya – Marianne Fuziama

O Poder de Benzaiten – Camilla Carneiro

O Sonho da Neve – Alessandra Lumertz

Os Três Legados – Fernanda Schuquel Machado

Solo Fértil – Mini Cared

Três Dias de Uma Vida – Luciana Araújo

Uma Sacerdotisa – Apodyopsis

Viagem Sagrada – Ellen Giacomelli
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de fev. de 2021
ISBN9786587084305
Pétalas de cerejeira

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    Pétalas de cerejeira - Bruny Guedes

    Apresentação

    Esse é o início de uma coleção. Mas não uma coleção comum, e sim muito especial: uma coleção sobre deusas feita somente por mulheres fortes como as que serão retratadas.

    Cada volume abrangerá uma mitologia, e o primeiro contará histórias sobre as divindades femininas da mitologia japonesa.

    Como quase todas as mitologias, os contos da mitologia japonesa incluem um grande número de deuses, deusas e espíritos, e a maioria das histórias diz respeito à criação do mundo, à fundação das ilhas do Japão e às atividades de divindades, seres humanos, animais, espíritos e criaturas mágicas.

    São histórias pouco conhecidas, porém belíssimas, cheias de significados e elucidações para um povo milenar, que até hoje nutre por tais aventuras e desventuras um fascínio honroso e duradouro.

    A compaixão de Débora

    Edilaine Cagliari

    Passava das vinte e duas horas quando Débora saiu da empresa encarando a chuva fina que caía. A reunião que a manteve desde as dezoito no escritório, e de onde imaginou sair com o cargo de gerente jurídico, cuidando das filiais em todo o país, se estendera muito mais do que o previsto, e, além de não conseguir a vaga, agora estava desempregada. Na caixa que carregava, contendo seus pertences de doze anos de trabalho como advogada assistente, a desilusão era o que mais pesava.

    Chegou ao estacionamento molhada, mas não se sentiu com vontade de correr. Abriu o carro, colocou a caixa no banco de trás, tirou os sapatos de salto e os colocou à frente do banco do carona. Sentiu o chão frio sob os pés, e a cabeça ferver.

    Desde que a vaga fora anunciada, três meses antes, Débora dera seu máximo para colocar-se como candidata ao posto. Sua vida social fora deixada de lado, debruçou-se sobre os processos todos — incluindo vários que não eram de sua área — e resolveu um a um, deixando em dia um setor que penava sob a administração do antigo gestor. Criara procedimentos, regras, manuais e treinamentos para que os parceiros de negócios pudessem também se proteger de possíveis processos que, além de mancharem a marca, davam uma dor de cabeça evitável.

    Poucas horas antes, irradiava alegria e satisfação e agora, quase num piscar de olhos, sua vida parecia apenas uma ruína de algo que existiu, como aquelas casas em construção pela metade, quando um casal decide se separar antes da conclusão da obra. Olhou uma última vez para a empresa e lembrou de quando entrou, estagiária ainda, entre cinco rapazes. Trabalhou na expedição de documentos, depois aprendeu a protocolar pedidos jurídicos no cartório, mais tarde veio o protocolo eletrônico para alguns casos. Todos os seus colegas haviam sido promovidos antes, a postura de um advogado deveria ser mais masculina — era o que ouvia. Mesmo assim, seguiu estudando e dedicando-se à empresa.

    Oportunidades surgiam em outros locais, porém queria fazer carreira ali. Entre assédios de colegas associados — advogados já com suas próprias salas, na empresa, e que viam em Débora alguma competência e lindas pernas torneadas. Algumas vezes, sentiu-se pressionada a aceitar as propostas, e os galanteios cada vez mais ousados deixavam implícito o que significava lealdade e vestir a camiseta da empresa. Ou as saias curtas, no caso.

    Seu namorado, Leonardo, acabou servindo como um para raios, visto que uma moça solteira com mais de vinte e dois anos era algo muito estranho e causava falatórios. Assim, durante o tempo que durou o namoro, pôde proteger-se debaixo das asas de um homem — que não passava de um moleque, mas, ainda assim, homem — e angariou certo respeito. Não a si, já sabia.

    Enfim, a trajetória havia sido interrompida naquele dia, na reunião infinita, que mostrou todos os porquês de Débora ser a escolha mais acertada, caso não fosse mulher. Obviamente, nada dito de forma explícita, apenas argumentos como precisaremos de você em tempo integral, e não queremos estragar seu sonho de maternidade, ou acreditamos que nosso posicionamento no mercado agora precisa ser mais ousado, agressivo, na jugular, impiedoso. Débora sabia que havia um teto de crescimento dentro da empresa para mulheres, já havia inclusive sido alertada para isso, porém apenas ali, nas voltas e voltas que diretores cruéis davam para lhe dar um sonoro não, percebeu que o que acontecia a várias mulheres ao seu redor e pensava ser vitimismo, não era.

    A água da chuva já escorria por seu cabelo, sentia nas laterais do rosto a sensação de cócegas de algumas gotas descendo e se misturando às suas lágrimas. Claro, que, durante a reunião, no momento em que tentou argumentar e defender seu merecimento, alguém trouxe água e pediu que se acalmasse. É um dos motivos pelos quais precisamos de alguém que possa usar a sua assertividade sem se exaltar dessa forma, Débora. No comando, precisamos de líderes impassíveis, não histéricos. Mais ou menos como os anteriores Está nervosinha? ou quando voltava das raras férias Descansadinha? ou cheia de trabalho Apavoradinha? Agora, se a vissem, certamente teriam certeza de terem feito a escolha mais acertada, visto que chorar é fraqueza, coisa de mulherzinha.

    Débora respirou fundo e olhou ao redor; muito havia mudado no tempo em que esteve ali. Aquele estacionamento enorme e apenas para funcionários da empresa era, antes, um terreno onde crianças brincavam. O prédio anterior, de dois andares, dava lugar a uma imponente construção de nada menos de doze andares. Doze, o número de anos que passara ali.

    Virou-se e entrou no carro, no lugar do motorista. Sua maquiagem ainda resistia à chuva e lágrimas. Deu a partida e resolveu voltar para casa, aquele apartamento que sequer mobiliara direito, graças à falta de tempo. Deixou tudo no carro, inclusive a bolsa com seu celular, subiu apenas com a chave, que girou na fechadura e depois jogou sobre a pilha de livros do sofá.

    Caminhou até o banheiro, apoiou-se com as mãos na pia, encurvada, e aos poucos levantou a cabeça, até que pôde finalmente ver seus olhos no espelho. Parecia tudo bem, mas sabia que por debaixo da maquiagem duas olheiras se escondiam. Olhou fundo dentro de seus olhos, procurando por si mesma, por cada plano que deixou de lado para alcançar o topo na empresa, por cada encontro que faltou com suas amigas. Estava sozinha, se sentia sozinha.

    Ergueu a mão direita e puxou o espelho em que se via, revelando o armário por trás dele. Ali, comprimidos, vitaminas, remédios para dormir e para ficar acordada, para se acalmar e para ter mais energia, para colocar no automático sua vida que seguia a passos rápidos para um destino que, agora, não existia mais.

    Um punhado deles e ela poderia enfim dormir. Quem sabe quando acordasse veria que tudo não passava de um pesadelo. Abriu a boca, jogou várias pílulas e com a mão em concha sorveu a água que saía da torneira. O gosto amargo dos remédios, unindo-se ao amargor que sentia em si. Lentamente foi até a cama, onde deitou-se e aguardou.

    Um barulho forte fez com que puxasse o ar rapidamente, sentando na cama. Levou alguns segundos até que percebeu que estava em casa, no próprio quarto. Quanto tempo havia passado? Da porta, uma luz parecia vir da sala, poderia ser a televisão. Levantou-se trôpega e seguiu ao encontro dela.

    — Quem é você? — perguntou para a pessoa que parecia familiar, de feições orientais, sentada perto da porta de entrada.

    — Sou a que tudo vê e tudo ouve — respondeu.

    — Não sei como entrou aqui, mas peço que saia — ordenou Débora. — Como entrou? — perguntou, vendo a chave sobre a pilha de livros.

    — Você me chamou e eu vim. — Sorriu docemente, de modo a espremer ainda mais os olhos.

    — Saia, eu não chamei ninguém, nem te conheço. Saia!

    — Sua dor não vai amenizar mesmo que consiga seu intento, Débora. Não permita que sua frustração te faça decidir pela morte.

    A voz doce e acompanhada pelo sorriso trouxe certo alívio, e Débora suspirou.

    — Eu não sei quem é você ou como sabe meu nome, ou mesmo como entrou aqui. Mas pra mim chega, não consigo mudar quem sou e nem quero. Estou cansada de servir apenas como objeto de desejo masculino e não ser levada a sério como profissional. Chega, as coisas são difíceis demais para quem nasce sob o castigo de ser mulher.

    — Eu sei, porém entenda que sua revolta só fará mal a si mesma. Não desista de si mesma, Débora, estou aqui porque você me chamou.

    — Quem é você, afinal? — perguntou a dona da casa, procurando manter seus olhos abertos diante da sensação de sono.

    — Sou Kannon, lembra? Estou aqui com você, como estive esse tempo todo. Ali… — Apontou para a estante, onde alguns objetos empoeirados ocupavam uma prateleira pequena.

    Débora seguiu com os olhos para a direção apontada e ali, entre um Ganesha, um Shiva e um porta incenso, estava a mesma face que via com vida à sua frente. Agora, em cores.

    — Como isso é possível? — perguntou. — Estou sonhando?

    Mantendo o sorriso, Kannon respondeu:

    — Chame como quiser, esse é seu estado de consciência elevada. Como quando meditava aqui mesmo, e falávamos com você através dos seus pensamentos. Não somos mais do que você mesma, em outros formatos.

    Na mente da jovem advogada, a batalha incansável entre a razão e a emoção. Sentia-se em paz, porém não podia acreditar que falava com uma estátua de gesso viva. Ainda assim, resolveu entrar na brincadeira.

    — Você está aqui para evitar que eu faça a única coisa que pode me dar paz agora?

    — Sim e não. Quero evitar, mas não é a única coisa. A paz está dentro de ti, não a procures ao redor.

    — Essa frase é do Buda! — protestou a moça.

    — Sim, mais um pouco de você, em outro formato. Todos somos apenas um, e você conhece a frase… se encontrar Buda, mate Buda. Porque não existe Buda fora de ti.

    — Eu não quero mais viver num mundo assim, com tanta injustiça!

    — Tenha compaixão, Débora. Compaixão, misericórdia e benevolência são o caminho.

    — Como devo sentir compaixão por quem me despreza? Como sentir compaixão por quem atravanca minha vida, torna tudo mais complicado?

    — A compaixão se refere a você mesma, não a outros. Veja, Débora, o quanto você batalhou para conseguir o que queria e, mesmo que não tenha conseguido o que merecia, precisa olhar para si mesma e se orgulhar. Sua compaixão por si mesma é necessária, para que as injustiças do mundo não te tragam raiva ou dor. Compaixão por tudo que você passou; não desmereça o caminho só porque não chegou ao destino.

    — E a misericórdia devo então oferecer a eles?

    — A si mesma, novamente. Perdoe-se por ter almejado algo e não ter alcançado. Perdoe-se por ter feito a si mesma experienciar toda a frustração de um sonho não realizado.

    — E a benevolência?

    — A benevolência novamente se trata de si mesma. Ofereça bondade a si. Acolha-se e seja bondosa, dê-se o carinho, a gratidão e a admiração que busca fora, no mundo. Seja benevolente com a Débora, trate-a bem.

    Débora ouvia atentamente, então abaixou a cabeça e a sacudiu de um lado a outro. Tudo que Kannon dizia fazia sentido, era tudo uma luta interna e não externa.

    Como que encontrando a solução que procurava, ergueu a cabeça novamente e Kannon não estava mais ali. Levantou-se vagarosamente, foi até a estante, pegou sua imagem em gesso e levou-a junto consigo até a cama, onde adormeceu.

    O sol ia alto quando abriu os olhos, a boca seca denunciava seu sono pesado. Aos poucos, a imagem de Kannon sentada na sala foi reavivando em sua tela mental, a voz doce e o sorriso meigo. Sorriu, sacudindo a cabeça para espantar aquele sonho esquisito. E, então, percebeu ali ao seu lado Kannon, em gesso, como que vigiando seu sono.

    A dançarina mascarada

    Bia Ramos

    Certa vez, em uma viagem que fiz ao Japão, fiquei encantada com a beleza natural de sua capital, Tóquio. Caminhava pelo Ueno Onshi Park sem conseguir evitar o meu encantamento por aquele lugar. Era mês de março, e exatamente naquela época podíamos ver numerosas árvores de cerejeira florescendo. Me encantei.

    Lá, existem várias tradições e costumes. Difícil era se acostumar, mas com o tempo vamos nos adaptando. E uma das tradições naquela época do ano era se reunir, com as famílias ou amigos, em piqueniques admirando as cerejeiras por todas as partes. Passavam-se horas lá, conversando e se divertindo, enquanto desfrutavam o cenário que era espetacular. Por onde passei, em minhas caminhadas sem destinos, conheci lugares com seus festivais tradicionais, onde podia-se encontrar eventos com barraquinhas de comidas, canções e danças diversas, entre outras atrações.

    E nesse passeio em especial, me deparei com algo que fez meu coração acelerar e ao mesmo tempo ameaçar de parar, ao avistar aquela mulher dançando ao som de uma canção que é conhecida como Kagura, uma dança, que mais tarde fiquei sabendo, se tratava de um ritual em que se transborda alegria. Não podia negar, meu sorriso se abriu assim que me deparei com ela, a moça que me conquistava a cada dia que passei em Tóquio. Não a conhecia, pois usava máscara, e também não poderia afirmar que fosse a mesma mulher todos os dias, mas algo em mim dizia que era ela. Não sabia de onde tirava tanta certeza, talvez pelos gestos únicos, que eram coisas peculiares dela.

    Durante aquelas semanas visitando o parque, conheci muito sobre algumas das tradições daquele país, dentre elas a de como se originou aquela dança, a qual me atraiu muito. Dança dos deuses, como era conhecida, se originou quando Uzume, deusa da alegria e da esperança, foi a única que conseguiu fazer com que a deusa do Sol, conhecida como Amaterasu, saísse de dentro da caverna celestial onde se escondia, trazendo de volta a luz e o calor para o mundo.

    Segundo a mitologia, em uma briga com seu irmão, Susanoo, que no Xintoísmo, significa Deus das Tempestades, Amaterasu se isolou prometendo nunca mais iluminar e esquentar o mundo. Em um ato ousado, quando todos os outros deuses já haviam tentado de tudo para libertar a deusa da luz da sua tristeza infinita, Uzume começou a dançar e rir, mostrando também partes de seu corpo, fazendo todos rirem com seus atos espontâneos, despertando assim, a curiosidade de Amaterasu, fazendo com que ela saísse da caverna para ver qual era o motivo de tanta alegria lá fora, sendo que ela, uma deusa, estava triste e desolada no seu interior.

    Enfim, algo histórico que fez com que a tradição seguisse e a dança irradiasse alegria e esperança por todos os lugares. E eis também que me vejo viajando novamente para lá e revivendo essa parte importante de minha vida, mas o real motivo para voltar a Tóquio era para tentar reencontrar aquela dançarina mascarada, e ainda que fosse algo impossível de acontecer, restava um pingo de esperança, a que me agarrei de corpo e alma.

    Horas mais tarde cheguei. Era a segunda semana de março, e de longe podia ver o colorido das cerejeiras, trazendo alegria por onde floresciam. Precisava descansar, a viagem foi longa e ainda tinha muito o que fazer e chão a percorrer, em busca daquela que estava chamando pelo meu coração. O incrível era que eu não conhecia o rosto dela, mas lembrava das mãos naqueles leques coloridos, do seu corpo, mesmo dentro daquele quimono japonês. Fechei os olhos e adormeci com ela dançando em meus sonhos.

    No dia seguinte, segui para o parque onde sabia que aconteceriam as festas. Como sempre, as famílias e amigos estavam sentados nos gramados rindo e conversando. De longe dava para ver a alegria contagiante. Seria influência da deusa Uzume? Bom, se isso fosse de fato real, e sendo ela a deusa da alegria e da esperança, que me guiasse até a moça que eu buscava. Sorri e segui meu caminho, avistando ao longe as tendas e pessoas sentadas, apreciando um show que acontecia. Esperava de todo coração que ela ainda não tivesse se apresentado. Perguntei para alguém perto, se aquele espetáculo em especial tinha acontecido, e ela me informou que por ser uma dança bem conhecida, era sempre uma das últimas a serem apresentadas. Sorri. Olha a minha sorte lá. Eu a vi nesse dia e nos próximos, mas nunca tinha coragem de chegar perto ou de falar com ela.

    Duas semanas se passaram, e eu criando a tal coragem para abordar a moça que embalava meus sonhos. Ainda que a observasse dançando todas as tardes, não conseguia me aproximar. Na última semana de março acordei motivada, pois aquele seria o dia. Depois que me arrumei, segui para o local de sempre. A dança foi anunciada, e eu cada passo mais perto do palco. Podia ser só impressão minha, mas conforme me aproximava, sentia o olhar dela me seguir discretamente. Foram minutos? Horas? Dias? Não sei dizer, mas estava hipnotizada.

    Nem percebi que a música havia acabado, mas quando olhei novamente para o palco, ela não estava mais lá. Olhei em volta, procurando-a desesperadamente, mas não a achei. Algumas pessoas se levantavam para irem curtir outros espetáculos do dia, ou para comer nas diversas barracas que lá tinham, e eu, mais uma vez, perdi a oportunidade de chegar perto da moça. Me informei com algumas pessoas, mas não me deixaram chegar perto de onde os artistas estavam. Fiquei por ali, vendo minhas esperanças irem me abandonando por um tempo, até ver que não tinha mais motivo para estar lá. Resolvi voltar para o hotel, mas uma senhora que dançava alegre e me olhava sorrindo chamou minha atenção. Ela se aproximou e disse:

    — Não fique triste. Amanhã terá mais, e quem sabe não encontra o que buscas?

    — E

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