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Os Sete Professores
Os Sete Professores
Os Sete Professores
E-book691 páginas9 horas

Os Sete Professores

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Sobre este e-book

Noah viveu uma infância vazia e uma adolescência medíocre ao ponto de nem ele mesmo achar que pudesse fazer algo de bom. Não fossem os pesadelos rotineiros, nenhuma emoção ele teria vivido. Isso mudou quando as sete figuras que o assombravam pelas noites ganharam vida a fim de guiá-lo por uma realidade fantástica.

As figuras o treinaram para viajar entre as dimensões, enquanto Noah tentava descobrir a verdade sobre a marca negra que tinha no braço, uma antiga maldição da qual seus novos tutores não esclareciam muito.

Agora, mesmo com uma ordem secreta atrás dos que são amaldiçoados, você será convidado a mergulhar com ele nos segredos que envolvem suas habilidades, descobrindo novos mundos e enfrentando o mais assustador dos monstros: o desconhecido.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de fev. de 2021
ISBN9786586904109
Os Sete Professores

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    Os Sete Professores - Julian D. Rooney

    Brasil.

    Em homenagem a todos os meus amigos e momentos que apenas tive por causa de vocês.

    Se não fosse por cada aventura, essa história nunca existiria;

    eu nunca existiria;

    não da maneira que sou.

    Por isso, agradeço também a duas pessoas em especial:

    Emi Endokrar, o que significa em minha língua

    Sou invencível

    e foi o que você sempre demostrou.

    Compartilhando um pensamento parecido,

    a ela que sempre dizia: li sim,

    e que nunca desistiu de mim quando nem sabia para onde seguir,

    dando-me dicas e correções necessárias.

    Soou como o vento,

    mas agora ressoo como uma tempestade inteira.

    Amo vocês.

    o verso

    No ribombar das trovoadas que iluminavam as nuvens enegrecidas pelas chamas escuras, que maculavam a brancura que o céu daquela cidade abandonada deveria ter, substituindo pelo negrume puro e assustador e fazendo qualquer ser vivo dar meia-volta e escapar o mais rápido possível, algo inusitado acontecia.

    Porém, flutuando lentamente, uma cinza escapou de uma das nuvens, saindo suavemente e desviando e dançando ao vento terrivelmente violento que dominava o ar entre as outras pétalas de cinzas que eram despejadas, cinzentas. Esta, por sinal, esquivava das outras, pois, caso encostasse (mesmo que só triscasse), sumiria pela eternidade, tornando-se menos que cinzas.

    Ela conseguia mover-se entre a tempestade e evitar ser acertada pelos raios que atingiam o chão esburacado, ajudando na destruição do que pouco sobrara da cidade. Contudo, o vento a empurrava e, assim que atingiu o nível dos prédios, solene da maneira que foi na descida, entrou por entre as janelas quebradas e venezianas arrancadas há muito séculos, tirando a beleza daquelas construções que talvez um dia já tenham sido belas.

    Muitos dos edifícios encontravam-se caídos, tristes, desmoronados numa confusão de tijolos e blocos de pedras pesados, que dificultava a passagem de qualquer um naquele lugar. Mas quem viajaria ou arriscaria aventurar-se por ali?

    A cinza fazia sua jornada ali, ultrapassando pelos quartos desarrumados, com móveis comidos por cupins e partidos em diversos pedaços. Tremeleando na sua maneira natural, esquivou-se de um guarda-roupa antigo e raspou pela mesa de vidro rachado, atravessando o cômodo.

    O céu brilhou pelo trovão que rugiu e atingiu o prédio ao lado, derrubando-o. Com a pressão, passou pelas ruas em estado alarmante, precisando urgentemente de consertos. Os cacos de vidros preenchiam algumas crateras que jaziam nas calçadas. Desviou a quina e entrou num beco íngreme e estreito, que até poderia estar taciturno, caso os relâmpagos enervantes cessassem sua ira sobre o local.

    A nevasca de cinzas continuava, desmanchando nos arredores, dando um aspecto alvacento por onde o pedaço de cinza passava, procurando pelo seu fim. O mal caía com força, sem descanso. E, antes que percebesse, avistou um vulto como um andarilho negligente.

    Caminhava cambaleando, escorando entre as paredes que ameaçavam desabar em breve, e os detritos voavam por causa das explosões na sua direção, quase o acertando. Embora estivesse sendo perturbado, continuava seguindo em frente. A capa do seu manto esvoaçava para trás, dando-lhe um estilo ameaçador, e o capuz que era longo e afiava curvando à frente, sombreava o seu rosto misterioso pela escuridão. As vestes pretas, vetustas, rasgadas e largas, parecendo um pano velho de chão no seu corpo ligeiro, tampando-o até as pontas dos dedos.

    Não havia respostas ali, apenas perguntas. Um cenário de guerra catastrófica que haveria acontecido? Ou seria uma cidadela abandonada por todos? Não se sabia… Talvez aquele homem poderia ter as respostas, mas o único som que saía dos seus lábios escondidos pelo capuz umbroso era de um verso. Um verso sombrio que ele repetia diversas vezes:

    Em um dia escuro,

    Onde a claridade seria algo que eles nunca mais enxergariam,

    Suas vidas começariam.

    Um mundo no qual ninguém gostaria de entrar ou estar nele.

    Uma realidade que aqueles que foram amaldiçoados mereciam sofrer.

    Tudo que eles esperariam seria a morte.

    Sempre caçando e sendo caçados.

    Vagando por mundos aonde amigos não poderiam existir.

    A solidão comandaria seus sentimentos.

    Confiança seria uma palavra excluída.

    Acreditar seria um tabu.

    Você está sozinho.

    Se é um amaldiçoado,

    Sempre estará.

    Durante sua trilha, a cinza encontrou o seu fim, chocando-se contra o homem, esfarelando-se de uma vez por todas, sujando sua roupa negra como piche, sem atrapalhá-lo na sua trilha longa pela rua interminável.

    -CAPÍTULO UM —

    O conto inacabado

    TRAM! TRAM! TRAM!

    O despertador azul e enferrujado começou tocar e balançar bastante em cima da cabeceira da cama (quebrada).

    — Ah! Que droga! — resmungou, batendo no despertador, arremessando-o para o chão sujo, cessando a barulheira. — Mais um dia começa… Que saco! — murmurou, decepcionado, levantando-se da cama desarrumada e rasgada, sentando-se na borda. Sem lençol algum para se cobrir numa noite fria.

    Por muito tempo, na verdade, por muitos anos seguidos, tantos meses de agonia, diversas semanas de desaforos e inúmeros dias insuportáveis, sua vida seguia esse ciclo infinito. Era assim seu dia a dia. Nada mais, nada menos, apenas ruim, contudo, havia piores, e ele sabia disso. Por isso não reclamava da sua, mesmo tendo motivos para falar sobre.

    Primeiramente, o seu quarto era minúsculo, bagunçado e desarrumado, contendo roupas jogadas no canto defronte a sua cama de pernas de ferro já enferrujado. Guardava as poucas roupas no criado-mudo, deixando o restante empilhado dentro da caixa de papelão abaixo do seu colchão enfarrapado.

    A casa humilde era cercada por rachaduras em algumas paredes sem tinturas ou embolso para as obras, ainda mostrando o tijolo puro no cimento; fora os vazamentos de água do banheiro e, sem contar, as infiltrações da sala. Tudo visto com nitidez. Tinha poucos móveis como no seu quarto, maioria fora de uso: um sofá partido ao meio e com o forro exposto; uma poltrona cinzenta, que tempos de outrora era branca; uma pequena estante bege-dourado, cheia de CDs ultrapassados da sua época, originalmente deixados de presente, e papeladas infinitas, entupindo as gavetas; continha também uma vasilha de vidro, preenchida com areia da praia, antiga, e seis ou sete estrelas (falsas de plástico) do mar jaziam deitadas sobre. O piso azulejado parecia meio torto, nada que o atrapalhasse. As janelas curtas e enjauladas, protegendo-o de qualquer perigo. E sempre tentava assistir algum canal na sua televisão velha, de antena quebrada e a tela trincada. Sempre piscava mesmo desligada, normalmente quando chegava enfurecido da escola ou do trabalho. Sendo uma coincidência para o dono da pobre casa. Detestava, mas não tinha outro lugar para morar.

    O garoto que morava em sua casa malcuidada, precisando de muitos consertos e novas mobílias, tinha apenas dezesseis anos de idade, alto e magro, com os cabelos compridos até o queixo do rosto arredondado, de cor castanho-escuros, como seus olhos afiados. Sua expressão sempre mal-humorada deixava seu semblante descontente. Abaixo de sua franja, suas sobrancelhas eram arrepiadas na entrada da ponte do nariz, diferentes e franzidas. O ar sempre quieto e triste.

    E seu nome era Noah Prince.

    Morando no Rio de Janeiro, Brasil, costa leste da América do Sul, num pequeno bairro perigoso e sem recursos, ele sabia muito bem que era desse jeito por causa dos governantes, os quais deveriam fazer algo, e nada faziam, nem moviam um dedo sequer. Só sabiam roubar dinheiro do povo pobre. Para ele, Noah, e talvez para todos, seria como roubar doce na mão de criança. Deixava-o indignado; até mais que isso: furioso.

    Ainda estudante do ensino médio trabalhava ajeitando os produtos e comidas num pequeno supermercado, fazendo checagens da data do vencimento dos alimentos e organizando a mercadoria nas legítimas prateleiras em que foi lhe dito há uma semana. Por que uma semana atrás? Volta e meia, acontecendo cada vez mais, tornando-se algo normal na sua vida: era expulso dos trabalhos que arrumava, conseguindo ficar duas semanas no máximo. Houve uma lenda que uma vez quase chegou a um mês. Quase. E, existiu um mito, que dizia que ele não perdia o emprego por culpa do que fazia, mas sim pelo que acontecia. E quais eram esses rumos? Como continuava sendo estudante, passando imoralidades e insatisfações no colégio, muitos dos alunos moravam perto dele, infelizmente. Por causa disso, passavam o tempo livre o procurando (que era todos os dias). Quando o achavam, tudo faziam para ababelar seu emprego suado, sem misericórdia. Havia perdido tantos empregos que os dedos poderiam contar, incluindo dos pés.

    Contando com isso tudo, faltava dizer algo: nunca havia conhecido seus pais ou uma pessoa da família. Presumia que nascera no Brasil, por não ter conhecimento de nada antes do seu passado.

    A história que sabia, matutando de vez em quando se realmente seria verdadeira, era que uma mulher o encontrou, abandonado, sozinho… Ela o ajudou, de bom grado e mal, entretanto o resgatou. Era grato por isso, mas esperava mais quando criança; um amor, um carinho, palavras agasalhadas de conforto, não ríspidos comentários a açoitá-lo várias vezes com incontáveis palavras cruéis.

    Embora tudo isso, ela o ajudava, dava dinheiro quando ele ficava sem trabalho, mesmo sendo escarço. Precisamente, ele nunca se importou com o que ela inventasse dele para os vizinhos fofoqueiros, e sobre ele ser um lunático preguiçoso que, provavelmente, sugava um terço da sua quantia mensal. Tudo mentira, pois mal sobrava para ele, comprando apenas as comidas que dava e mais nada. Mas, uma vez ou outra, doava dinheiro aos pedintes nas ruas, abandonados como cachorros sem dono. Ficava mergulhado nos pensamentos, perguntando-se como pessoas faziam isso umas com as outras, permitindo outro ser humano do mesmo sangue e raça morrer de fome e, além do mais, maltratá-los. A indignação tomava conta do seu olhar. A bondade do seu coração quase frio. E a determinação de suas ações.

    O nome da mulher que cuidou dele quando bebê, era Cassiane Ney, apelidada de Cassi, abreviado normalmente. Ele ficava aliviado por ela morar no mesmo quintal, mas em outra casa, separada por um muro tímido, tão baixo que qualquer um pularia fácil. No quintal, situava-se um coqueiro rico em folhas esverdeadas no centro de todo o cimento, poupando de arrancar suas fortes raízes. Na parede da casa vizinha, arbustos e árvores pequenas tomavam banho de sol, servindo de lar para pássaros viajantes, pousando ali, construindo seu ninho de palha e galhos. Na saída, a porta de madeira, quebrada no trinco e na aldrava, dava dor de cabeça nos momentos que decidia cair. Precisando de algumas improvisações.

    Sentia uma leve sensação irritante todos os dias, além de Cassi (embora ela fosse a pessoa que mais gostava), outras pessoas não gostavam dele, muito menos lhe dirigia a palavra sobre qualquer assunto. Podia ser uma dádiva, porque a vontade de conversar com eles não existia. Os de sua classe o mesmo, todo o colégio e o bairro inteiro.

    Sempre sozinho… Por quê?

    Num turbilhão de pensamentos e lembranças remotas, abanou a cabeça para desanuviá-la. Caminhou direto para o banheiro, passando pela sala, depois pela cozinha de azulejos brancos, e chegou. Voltou repentinamente, abrindo mais os olhos, como se tivesse tomado um grande susto. A pia lotada de louça a ser lavada, e a geladeira mal refrigerava, ainda vazando água de seu compartimento de baixo. O fogão tinha uma mancha de molho vermelho. Talvez de um ensopado de tomate. Encostada perto da geladeira, uma pequena mesa azul-claro, com uma perna improvisada de plástico. Só havia isso, que para ele já era o suficiente para morar sozinho.

    Quando voltou para o banheiro miúdo, pisou sem rodeios nos azulejos iguais aos da cozinha. Ligou a torneira e apanhou sua escova de dente, que estava apoiada dentro de um copo transparente. Escovou depressa os dentes brancos, lavou o rosto logo após, encarando-se no espelho rachado, refletindo seu rosto cansado mesclado com amargura.

    Inspirou fundo, enchendo os pulmões, e saiu do banheiro. Retirou sua camisa furada e jogou no outro amontoado de roupas, entre a cozinha e o banheiro. Percorreu todos os cômodos, buscando seu uniforme escolar. Empurrou uma parte do sofá, e nada; abaixou-se e procurou debaixo da cama; dentro da caixa. E perdeu seu tempo; abriu as gavetas caídas da estante e, novamente, não encontrou.

    Apenas quando chutou a geladeira, que se lembrou de estar no topo.

    Resgatou o uniforme cinzento, ficando nas pontas dos pés para retirá-lo lá de cima. Correu para a porta da cozinha, abrindo-a, e se sentou na entrada, pondo as meias trocadas, cada uma de cor diferente (preta e branca). Calçou o velho par de tênis, rasgado na ponta, criando uma boca com a sola desgrudando; e os cadarços enfeitando ridiculamente e, é claro, encardidos também. Arremessou a mochila prata, sem os zíperes, às suas costas, e rumou para o portão.

    Antes do quintal, interligando com sua casa, separando os dois, havia uma mureta baixa, pouco mais alta que o chão, onde ele prendia cordas nos pilares que sustentavam o terraço para pendurar suas roupas molhadas. Uma minivaranda a seu dispor.

    Ao tatear a madeira mofada pela chuva, abriu, rangendo um som estranho, que o lembrava de filmes de terror antigos.

    — Opa! Esqueci-me de comer algo! — Lembrou ele, de repente, correndo. Quase caiu ao entrar pela porta.

    Pegou um pão no canto da pia. A mordida foi tão feroz que arrancou farelos, sujando a pia mais ainda, e sentiu a dureza nos dentes. Nos seus cálculos: duas semanas guardado.

    — Está meio duro… — sibilou tristemente, engrolado, dando mais uma mordida furiosa.

    Terminou em poucos minutos, bebendo um copo d'água antes de seguir, e tornou a correr para o colégio.

    As ruas estavam vazias naquela hora da manhã. O sol ainda surgia preguiçosamente, atrasando sua vinda pelas nuvens passageiras; logo estaria dizendo bom-dia a todos. E nas ruas, nada era novo, faltando pavimentação das calçadas e tampar os buracos dos asfaltos. As ruas que possuíam alguma construção, ou alguma que prometiam, ou não terminaram, ou era malfeita. Era deplorável. A condição de vida extinta.

    Eventualmente, sempre chegava atrasado e não era hoje que não chegaria novamente. Lançou-se numa corrida fugaz, desviando-se dos ambulantes abrindo suas lojas, mercadinhos, penhores, adeleiros e outros. Ultrapassou alunos que entrariam no segundo tempo; ou nem entrariam.

    — Atrasado de novo! — resmungou ele, disparando mais rápido, vendo vultos no canto dos olhos.

    Entrou por uma estreita porta, parando em um largo pátio, que mais parecia abandonado, com as mesas quadradas de xadrez espalhadas e os bancos de concreto pichados.

    De longe, erguiam muros altos, com a ajuda das grades ameaçadoras, impedindo qualquer um de sequer pensar em saltar os muros para escapar das aulas ou os que chegassem atrasados a entrar. Porém, não adiantava muito. Sempre pulavam de alguma forma. Nas paredes brancas e grossas, surgiam as letras azuis que indicavam o nome do seu colégio: Presidente Ken. O imenso portão, que abria para os nãos atrasados (no qual ele só vira umas cinco vezes aberto), era imenso e assustador, oxidado nas bordas, pintado da mesma cor das letras.

    Por mais um pouco, o pequeno portão dos atrasados, estaria fechado. Contou dois minutos na corrida, diminuindo a cada mês que fazia sua rota. Sua franja seca, pois nenhum suor escorregou da sua testa, achando sorte pura. Seus olhos mal esbugalharam pela adrenalina, sentindo-se leve como uma pluma. Seus olhos correram automaticamente pelo pátio, avistando vários grupos de pessoas amontoadas nos vários lugares livres.

    Uma coisa azucrinante era chegar num lugar como aquele que seria normal ter amigos. Mas não; ele não tinha nenhum.

    Muitos dos alunos lançavam olhares repugnantes e de advertência, como: Se afaste, senão… E nunca se aproximava. Lembrava bem das tentativas, todas terminando com desaforos e certos xingamentos desagradáveis, pois nenhum é agradável.

    Já acostumado, inclinou os ombros e estufou o peito. Andou para frente. A cada passo forte e pesado, levantava nuvenzinhas de poeira. Andava sem olhar para os lados, sabendo que alfinetadas voavam e o acertavam de todos os ângulos. Mesmo escutando cochichos altos o bastante para ele escutar, ele continuou, temerário, sabia ele, que deveria ter o ar firme, sem cair diante dos assuntos ocorridos na escola.

    Ele é muito estranho…, ele escutou dizerem, com ar risonho. Odeio esse garoto!, outra que ouviu, afastada o suficiente para ele escutar, mas parecia alto para ele. Quando será que ele vai se tocar que ninguém gosta dele aqui?!, rosnou outra garota, perto de um tronco de macieira, fincando no pouco de terra e crescendo saudavelmente, com galhos longos e espessos. Ele admirava aquela árvore. Não era o que ele gostava de escutar, mas sempre era assim… Seus dias eram assim…

    Entrou no bloco da sua sala e escapou de alguns gaiatos, fingindo entrar no banheiro, e nem notaram sua presença de costas. Saiu e foi logo para a sala de aula, engolindo em seco quando pisou dentro do cômodo com paredes de madeira e cadeiras do mesmo material, arrumadas e enfileiradas, cheias de garotos e garotas jovens, já nos seus assentos. Começaram a sussurrar à sua entrada simples, caminhando para sua mesinha, longe de todos, mais perto do quadro negro.

    Chegava a sentir um mal-estar. Uma vontade intensa de fugir dali… Mas precisava encarar tudo aquilo para o seu futuro estudioso.

    Escutou risadinhas excitantes no fundo da sala. Uma garota guinchou antes que chegasse no seu assento: Ele é muito ridículo!, disse ela, enquanto ele arrumava a cadeira apropriadamente. Veremos o que acontecerá hoje!

    Hoje. Diariamente era normal acontecer algo de ruim ou nem tão ruim assim. Certas vezes batiam nele, tiravam fotos e faziam montagens desmoralizadas (preferiria essas, menos problemáticas), roubavam seu material, mas o devolviam depois, atirando em lugares altos e de difíceis alcanço, nos quais ele sempre recuperava. Foram só alguns, havia outros, no qual nem seria bom citar.

    Apenas não reagia, porque todos estavam contra ele. Como na vez que contra-atacou um deles, após ser acertado duas vezes. Automaticamente quebrou o nariz do outro, sem entender a supremacia daquela força que surgira repentinamente. Nisso, ele apanhou feito saco de pancada, deixando alguns hematomas e espasmos. Contudo duraram apenas uma semana, sumindo de sua pele, aborrecendo-os. Prometeu a si mesmo nunca mais reagir de novo, com medo de levar uma surra pior.

    — Concentre-se em você… Não neles… — repetiu, três vezes baixinho, enquanto a garota de óculos tão grandes que chegavam a ser metade do seu rosto bola, pendurando a mochila rosa de pôneis no espaldar da cadeira, dizia cheia de si: Nunca nem chegaria perto dele! Eca!

    Ele afastou a cadeira para sentar-se, mas parou por um segundo e respondeu sem querer, querendo no fundo da alma.

    — E nem eu de você!

    Fizeram coro, rindo dele. Então, antes que voltasse a sua ação, gritaram no fundo da sala clara.

    MAS TU É ESTRANHO, HEIN, MOLEQUE!

    O ar de deboche aumentou, incluindo as risadas e sorrisos jocosos que brotaram no rosto de cada um deles, como flores cheias de espinhos, no qual se você tocasse, já saberia o que aconteceria; sangraria se metesse naquela situação.

    O grupo permanecia mandando rimas e caçoando dele, dando socos fracos no ombro dos amigos, gaguejando de tanto rir.

    Por um breve momento, ele encarou os garotos, olhos nos olhos, apesar de ser muitos deles, sustentou aquele olhar rancoroso, até cair as pálpebras. Apertou o espaldar da cadeira e sentiu seus nervos pulsarem, e uma vozinha ordenando-o a avançar para cima deles, arrancar-lhes a pele e beber seu sangue.

    Ele sorriu e balançou a cabeça.

    Reparou, no entanto, uma rachadura visível no espaldar de madeira maculada, embora não estivesse ali até agora há pouco. Não se importou, deixou-os esbaldando a felicidade infantil por falar mal dele, e se sentou, com as orelhas vermelhas.

    Na sua mesinha, perto de muitos rabiscos, leu: Vá embora, seu feio! Tentou não esquentar a cabeça, apenas apanhou a borracha na mochila e apagou, em seguida, olhando para o quadro, pôs a mochila apoiada na parede, descansando.

    O professor chegou, e os motivos risíveis cessaram. Caminhava apressadamente, quase batendo a ponta do pé no outro, desajeitadamente. Noah sabia que ele era um ótimo professor de física, porém sua influência na turma era mínima. A camisa branca era iluminada à luz solar que penetrava pelas janelas quadradas, e seus cabelos pretos cintilaram, junto de seu bigode e barbicha do queixo, pretos.

    Assim que a aula começou, mudaram a postura para mais quieto, mas, uma vez ou outra, sempre escutava risadinhas baixas. Logo ele começou explicar a matéria que iria passar. Desenhou os módulos e cálculos, entupindo a metade do quadro.

    O garoto suspirou, puxando seu caderno esfolheado com poucas folhas aparente, juntando de sua caneta que sempre falhava, por conta da tinta. Começou a copiar de um modo que só ele conseguia quando reparou nos demais alunos: fitava as letras e números uma vez, sem rever, baixava os olhos para as folhas e anotava tudo.

    Súbito, parou, balançando a caneta, por ter falhado pela pouca tinta que sobrara. Sentiu na nuca um baque leve de um objeto pequeno. Viu uma bolinha de papel no chão, e voltou a escutar as gargalhadas zombeteiras. Continuou a redigir nos papéis, como se nada houvesse acontecido. Suas sobrancelhas franziram por baixo da grande franja.

    O professor virou e pediu para eles ficarem em silêncio. Obedeceram e ficaram calados, por alguns segundos…

    Um gaiato alto, cheio de espinhas e cabelo arrepiado, apanhou a lata de lixo que estava transbordando e jogou na cabeça do garoto; instantaneamente, caíram nas gargalhadas orgulhosas, alguns chegando a chorar de tanto rir. O professor teve uma atitude imediata, expulsando o aluno, que saiu presunçoso. Noah se levantou, inteiramente sujo, com uma casca de banana aberta no centro do couro cabeludo, e caminhou para a porta, sem pedir permissão.

    Borbulhava de ódio. Sua indignação havia aumentado num nível alarmante. Relutou para não acertar nenhum deles na face, quebrando os seus dentes. Com isso, sumiu pelo corredor, respirando fundo e prendendo o ar, tentando controlar sua raiva. Entrou no banheiro, apressou-se a retirar os chicletes, papéis picotados, e, por último, a casca de banana.

    — Um dia eles se verão comigo… — sussurrou ele, nervoso, esfregando as mãos no rosto.

    Eram tensos os seus dias, as horas sendo o alvo, disso ele sabia, a experiência horrível que convivia grudada nele. A raiva foi se esvanecendo aos poucos, mas foi. Houve um momento de lampejo, que o fez lamentar ter entrado no banheiro, porque a porta bateu, e um jovem entrou.

    Aparentemente, três anos mais velho, tinha uma cara feia, que ao encará-lo, ficou péssima. O ar era convincente, seu jeito porcino e seus cabelos minguados. Chegou perto e esbarrou em suas costas, enquanto o garoto fingia lavar o rosto avermelhado.

    Olha por onde anda!, mangou o jovem com ar debochado.

    — Olha você, Israel! — retrucou Noah automaticamente, gesticulando bem as palavras proferidas, arrependendo-se depois.

    Israel era duas cabeças mais alto que ele, de um modo que ele se sentia de frente a uma muralha de gordura. E na hora que virou o corpo, deu-lhe um soco na ponte do nariz, fazendo-o sangrar, e, antes de qualquer reação, com o outro punho, acertou sua boca, cortando-a. Ah!, berrou Noah, escondendo o nariz e a boca entre as mãos e parando na torneira; sem olhá-lo, ligou e lavou, limpando o excesso de sangue que saía de seu nariz.

    Sempre evitava confusões, mas as confusões nunca o evitavam. Atraía ações maleáveis, por alguma razão desconhecida por si próprio.

    Para piorar sua situação, dois irmãos gêmeos entraram, escancarando a porta. Eram inchados na barriga e nos braços, muito irritantes para supor qual era o mais chato. O de cabelo mais curto, caído acima das sobrancelhas, segurou-o pelo pulso, impedindo-o de locomover-se, enquanto o outro golpeou com dois murros na boca do seu estômago. Depois, assim que Noah se curvou, Israel arremessou a água imunda de um balde, molhando sua camisa cinzenta, colorindo um preto fosco encardido.

    Os três saíram do banheiro, e Noah saiu lentamente, respirando vagarosamente, amainando sua raiva; ou tentando. Sentia-se desapontado com tudo que estava acontecendo, embora muitos dias fossem assim. Quando saiu, inúmeros alunos, de muitas classes, esperavam ele chegar. Como de costume, gargalhadas ecoaram no corredor, zunindo nos seus ouvidos, invadindo sua mente e o pondo de vez para baixo. Apontavam, comentavam, zombavam, garotas cochichavam furiosamente, debochando dele. Sempre era caçoado.

    Levou as duas mãos à borda da camisa e a torceu, retirando o excesso de água, pingando no chão. Sua meia estava encharcada, o tênis brilhando oleosamente e a calça manchada.

    Queria muito bater neles, menos nas garotas, é claro, mas queria pôr a autoestima delas para Marte, longe o suficiente. Tinha motivos, além, muitos mais que simples motivos; aliás, as ações o faziam repensar nas suas ações e sobre todos os humanos. Eles precisam de alguém, sendo forte ou fraco, para ser ‘inferior’ a eles. Sendo que, inferior não é aquele que é esculachado sem razões, mesmo se a tivessem, é aquele que atira as palavras ofensivas, pensou ele chateado.

    A partir da hora que o rodearam, cercado pela multidão risonha, como se ele realmente fosse um boneco risível, uma luz de esperança surgiu no meado daqueles alunos insuportáveis; uma pessoa, na verdade, afastando os demais. Seu coração se aliviou por um segundo, mas palpitou no instante que o viu: um homem com ar autoritário e severo, porém calmo como a noite serena. A barba escanhoada, os óculos escuros tampando os olhos e o cabelo liso preso num rabo de cavalo. Sem esforço, os alunos deram um passo para trás, fitando-o, incrédulos. Era um professor novo.

    Noah se lembrou da antiga professora, que na semana anterior ficou doente e ficaria fora por um mês em tratamento, por isso haviam contratado um novo.

    Precipitado, envolveu os dedos no braço de Noah, levando-o consigo pelo corredor. Os risos cessaram, embora as fofocas e conversas inaudíveis continuassem.

    Andando e desviando-se das quinas, seguindo-o nos outros corredores e descendo as escadas, Noah ergueu os olhos, olhando-o. Era mais alto e vestia roupas sociais careiras. O terno justo no corpo e a calça levemente solta, finalizando nas meias escuras e finas e nos sapatos lustrosos. Os minutos passaram-se e ele nem percebeu, parando em frente à diretoria. Engoliu em seco e entraram.

    Já era de costume parar naquele ponto. Acostumado desde o primeiro dia de aula. Quase sempre passava por lá, e nunca por causa dele.

    — Aqui está o aluno… — disse ele, tranquilo, sua voz soando séria, lutando contra a calma, de uma maneira que ele nunca escutou antes. Olhou para diretora, e ela recuou um passo, naturalmente. — Estou indo dar aula na outra sala. Adeus.

    E se retirou, sobrando os dois, um olhando para os olhos do outro.

    Noah abriu a boca, mas ela o interrompeu.

    — Acho melhor ir para casa… — sugeriu ela mansamente, alisando o dorso da mão com a palma da outra. — Pode ir à sala buscar o seu material. E voltar daqui dois dias se quiser.

    — Claro — respondeu roboticamente, habituado com a concordância tratando-se dela.

    Ela mostrou-se triste, fechando as pálpebras pesadamente. Noah, sem esperar, saiu da sala. Seguiu pelo trajeto que fizeram até terminar na sua turma, tendo aula de física ainda. Vagarosamente, entrou, e começou a apressar os passos, sem virar o rosto. Ouviu os murmúrios, porém, dirigiu-se a sua mesa, e coletou os seus materiais. Reparou que sua caneta sumira. Deu de ombros.

    Tudo se passava na sua cabeça como momentos. Momentos que queria que acabassem logo, por conta disso mal captava os sentimentos alheios.

    Após sair, depois que colocou a mochila no ombro, refez o caminho, mudando o corredor, parando na saída dos fundos. A inspetora de cabelos tingidos de vermelho, franzina e de estatura média, abriu o portão.

    O sol forte, jorrando os raios de luz no seu rosto, esquentava suas sobrancelhas arrepiadas. Botou a mão na testa, fazendo sombra. O calor da luz lhe deu forças, secando mais a roupa.

    Voltou pelas ruas, seguindo para casa.

    — Preciso dormir um pouco… — comentou ele, cansado, entrando no quintal, interrompendo o passo. — Ah, não…

    — Por qual motivo está molhado?! — resmungou uma voz feminina, e furiosa, pronta para qualquer esporro.

    Ele curvou os lábios fazendo um sorriso em simulacro, e tornou a andar para sua casa, sem tirar os olhos dela. Ela era baixa; os ossos não esticaram o suficiente para seu crescimento. Os cabelos ondulados, caindo nos ombros com fios dourados e castanhos, escondendo as orelhas esticadas. Os seus olhos pareciam não possuir muita pálpebra, dando a impressão de estar sempre severa, com os olhos esbugalhados.

    — Você tem ideia de quantas vezes a diretora pediu para eu ir naquele colégio por causa dos seus…

    — Tá! Tá! — exclamou ele mais alto que a voz dela que se alterava austeramente, passando depressa pela mureta. — Eu mesmo posso resolver isso amanhã, ou depois de amanhã! E eu não fiz…

    — Eu não quero saber! — cortou ela, raivosa, fuzilando-o com o olhar fumegante, apontando o dedo anelar para ele. — Não quero mais reclamações, senão na próxima…

    Ela sempre dizia isso e nunca acontecia nada, sabia ele. Balançou a cabeça negativamente, rindo desnorteado, abrindo a porta.

    — Pode deixar…

    Um lampejo despertou uma de suas curiosidades, endurecendo seus pés no chão. Sua vida já fora revelada para ele. Seus pais de sangue eram desconhecidos, e ela o encontrou na porta da sua própria casa ao escutar o choro na casa abandonada, morrendo de fome. Apenas um bebê perdido como inúmeros outros. Noah virou-se para ela, já mais relaxada, o dedo abaixado, apontando para o chão.

    — Cassi… — Saiu um sussurro, fraco.

    — O quê? — respondeu ela, criando rugas na testa. — Não tenho dinheiro!

    — Não é isso… — negou Noah, em tom descontraído. — Sobre meus pais… Realmente não falta nada a me falar…?

    Ela o fitou longamente, parecendo uma eternidade, cutucando a mureta, ecoando o tilintar de unha contra pedra.

    — Nada — respondeu finalmente com a voz cansada. — Nunca soube nada a respeito deles.

    — Tudo bem… — disse ele conformado, tornando a entrar na casa.

    — Mas eu lembro que todas as papeladas foram deles… — argumentou ela pensativa, focando a visão no céu com nuvens carregadas pelo vento. — Sim. A pilha de papel é deles, porém nunca achei nada de interessante. Se não me engano, os móveis era deles, também.

    Noah girou a maçaneta, acenando a cabeça, imperceptivelmente. É claro…, pensou ele se achando burro. Eles teriam documentos e essas coisas…

    — Obrigado… — agradeceu, atravessando a cozinha e vasculhando as papeladas na estante. — São muitas… — comentou, tirando alguns papéis brancos e outros horrivelmente rasgados, faltando pedaços. — Por que nunca dei uma olhada nisso direito…? Apesar de que esses daqui já os vi.

    Atirou sua mochila no sofá, que tombou de lado pelo peso. Despiu-se da camisa úmida, abandonando-a no chão mal varrido. Puxou blocos de notas, todas em enigmas e runas desconhecidas, pois nem conhecia algumas. Amassava e enrolava numa bola de papel e atacava no canto. Repetiu esse processo por muito tempo, mastigando a língua de tanta impaciência.

    A metade tinha virado embrulhos amassados sobre o morro de papéis formado. A outra metade, ainda intacta, nas gavetas, o fez repensar, abrindo uma por uma, certificando que deixava nada passar despercebido.

    E, quando zerou a terceira gaveta, deu um murro nela, por ter perdido seu tempo, mas o fundo do tampão de madeira deslizou e revelou um fundo falso. Sua cabeça sombreou a única folha velina guardada ali (rara o bastante e mais antiga que qualquer objeto que já vira), cheio de escritas, numa língua que prestava conhecimento, sem ao menos saber como. Era um conjunto de runas negras, tão escuras como a noite mais nebulosa. Formando letras bonitas, pontiagudas no início, deslizando e serpenteando e finalizando fina. Era linda.

    — Uau… — Fez ele, prolongado, prestando atenção nas letras e entendendo absolutamente tudo, segurando firme o papel com as duas mãos. Virou e estava em branco e voltou a ler o começo. Cintilavam na pupila. Escorregou o dedo sobre a primeira linha. — E, eu, nós, dedicamos isso a você, nosso filho Noah Prince…

    Sua voz soou como o vento, carregando as palavras e entrando na sua própria cabeça, viajando nas palavras. Contendo textos apagados.

    O conto ou, para quem preferir, a história dos amaldiçoados.

    Muitos anos atrás, tantos anos que talvez nem as estrelas devessem ter nascido, surgiram seres incríveis, porém corrompidos pelo mal, e alguns pelo bem. Na verdade, nem um, nem outro, ações são ações, nenhum nasceu gratificante ou maligno; aprenderam e, com isso sorteadas vezes, cometeram atos inaceitáveis.

    Uma grande parte suja em seguida, impossível de ser lida.

    Uma sigla, uma marca, a pele lisa e, por último, os três lados.

    De novo manchado, fazendo-o expelir fumacinhas das orelhas.

    Os outros não são importantes, mas a marca sim. Entenderá em breve. Os marcados foram amaldiçoados. Em gerações e gerações, a marca adormeceu, tornando a vida deles quase normais. Mas, no fundo, sabíamos que despertaria, assim nos dando incríveis habilidades aos poucos, sem ao menos percebermos quando…

    O restante foi rabiscado às pressas, sendo intangível para compreender, perdendo o foco. Leu a última parte.

    É impossível se livrar da marca.

    Se você é um amaldiçoado, sempre será.

    Tome cuidado.

    Seja cauteloso.

    Sobreviva ardilosamente.

    Portanto, aproveite tudo enquanto pode, pois nunca sabemos quando tudo acabará.

    O restante estava ilegível, borrado e arrastado, faltando letras e enleando algumas como obeliscos confusos. Coçou a cabeça, tentando entender. Então, de repente, abaixo do seu ombro direito ardeu levemente. Deu uns tapas e coçou. Parou. Incompreendido, deixou o papel cair, fazendo solavancos antes de chegar ao chão, completamente branco.

    Ficou impressionado e ao mesmo tempo abismado. Como entendera aquelas runas? Será que realmente foram os seus pais? O que houvera agora há pouco? Achou que sua cabeça pregava uma peça, iludindo-o.

    — Vou dormir… — avisou a si mesmo, bocejando ao se atirar na cama. Os olhos acabaram fechando sem que ele percebesse… — Deve ser a fome que está me fazendo delirar…

    Há muitos anos, desde os cinco anos, acordava suado, empertigado, o coração palpitando na boca, exasperado e relutante. Isso quando os sonhos vinham, e, por sua boa sorte, dessa vez recusaram-se a vir.

    Afinal, dormiu pouco. Queria mais, mas… querer não é poder.

    Levantou-se, deu uma bufada e bateu no rosto, terminando de acordar. Estava pronto para continuar o dia, formigando ligeiramente o braço direito.

    Iria se preparar para ir ao trabalho. E, nem percebeu que o papel ficou em branco. Agora havia apenas uma frase…

    E seu nome verdadeiro é Julian…

    — CAPÍTULO DOIS —

    O Sonho Lobregue

    O sono ainda o chamava para deitar-se na cama e relaxar, mas devia seguir seu rumo, sabia muito bem disso. Bebeu um copo d'água que estava em cima da cabeceira, sendo que ele nem se lembrava de ter deixado ali. Deu de ombros e terminou.

    Queria muito dormir, retirar as gigantescas olheiras sombreando abaixo de seus olhos. Retirando da mente que estava cansado, bagunçou o amontoado de roupas sujas, procurando seu uniforme de trabalho.

    E achou em poucos minutos, e vestiu a camisa azul-escuro com o logro de um boneco sorridente, e calçou as calças jeans preta. O tênis o esperava do lado de fora, encostado na porta, mas antes que fosse, caminhou para o quarto e, na sua passada, seus olhos caíram para o chão azulejado, retinindo um branco ardente. Era a folha de papel.

    — O quê…? — fez ele, surpreso, agachando-se para coletar o papel.

    Nenhuma letra, apenas branco. A percepção o fez franzir o cenho, virando e revirando várias vezes o papel, surpreendido. Abanou a cabeça e falou em voz alta:

    — Realmente estava delirando. Sabia — concluiu ele, com ar pomposo. — Estava cansado então… O quê?

    Como se tivesse uma caneta ou pena invisível, molhada na ponta com a tinta mais escura existente, apareceram runas apressadamente. Conseguia ler tudo igual antes. E dessa vez, não continha nenhum conto ou palavras de advertência, mas falando com ele.

    Você é burro ou o quê? Tudo que leu foi real. Eu sou real!, disse a folha, escrevendo cada vez mais, assustando-o, sem conseguir largar as bordas. Leu a última mensagem, seu burro? Acho que não!

    Ele soltou, e a folha voou fazendo curvas no ar, como folhas de outono, pousando levemente, branca novamente.

    — Será a água… — indagou ele, louco, esfregando os olhos nas mãos achatadas. — Só posso estar muito cansado… — acrescentou, exasperado, chutando a folha e, para sua face ficar mais boquiaberta, subiu e flutuou tão leve a ponto de quase congelar no ar, com as seguintes palavras: Sua Anta! O conto é real! A maldição é real! E seu nome real é…, ele não conseguiu ler porque a folha se dobrou e perdeu a leveza, voltando ao piso.

    Botou o joelho no chão, catando de novo, os olhos esbugalhados feitos o de Cassi. Sua mente embolara, dando-o calafrios e tremulando os dedos das mãos. Era impossível tudo isso, assim pensava, assim queria acreditar.

    Visando o papel, continha uma frase: Seu nome é Julian!

    Abanou a cabeça rapidamente, para desanuviá-la, e rasgou o papel no ato. Estilhaçou-o em pedacinhos e deixou caído, sem limpar.

    — Vamos trabalhar, porque vou ter que pagar um psicólogo… — ponderou ele, ressabiado, bagunçando os cabelos da nuca. — Caramba! O que foi isso, cara!

    Abanou a cabeça mais uma vez e seguiu para a porta. Colocou os tênis (mesmos do colégio) e bateu-os no chão. Ficou pronto, preparado para ir. Estava prestes a se tornar o lunático miserável de que tanto Cassi o julgava ser.

    Para distrair-se, foi à rua pouco iluminada, pois as nuvens tampavam a grande esfera candente amarela. Seu cocuruto estava a salvo do calor. Alguns vizinhos o lançavam olhares furtivos, escondidos atrás das portas, comentando sobre ele. Como sempre, não se importou.

    Bateu uma vontade inexplicável de cantarolar. Não por capricho ou passatempo, porque tinha a voz horrível, mas queria assim mesmo. Tinha um talento natural para poemas, embora nunca os recitasse, apenas quando parava em frente ao espelho, para si mesmo. E começou uma de sua autoria, quando observava os pássaros nas árvores, fluindo naturalmente.

    Para o trabalho eu vou

    Caminhando lentamente e melindroso,

    Observando os pássaros em pleno voo,

    Cantarolando lindamente, e um deu um rasante duvidoso.

    Suas asas batem rápido, como o gavião.

    Mesmo pequenos são cheios de paixão. 

    Queria eu voar, sair e explorar.

    Seria um sonho fugir ao leste onde o sol nascerá.

    Sentir o vento por baixo das nuvens e acima do solo.

    Mas tudo não passa apenas de um sonho que receio.

    Noah interrompeu-se, pensativo. Um sonho que receio…, pensou ele repetidamente, cutucando o queixo. Meu nome é Julian… Devo estar sonhando acordado.

    Na metade do caminho, três quadras de onde morava, seu celular vibrou no bolso, indicando uma ligação ou mensagens de propagandas. Retirou e viu que era uma ligação, raramente alguém ligava. Poucos tinham seu número. A tela iluminou-se, mostrando a rachadura cortando o vidro.

    — Alô?

    — Como você está hoje? — perguntou uma voz mansa, chiando a ligação. — Como foi seu dia?

    — Quem é? Estão fazendo trote de novo? — trovejou, aborrecido. — Me… deixem… em… paz! — vozeou, zangado, enfatizando cada palavra.

    Desligou o celular sem escutar a resposta.

    Ao passar por algumas construções ainda na metade; casas de telhas pobres e paredes manchadas, desviava dos buracos das ruas e calçadas que, de alta a baixa, subia a cada pavimentação malfeita. Uma ou outra pessoa saía para fazer compras ou ir a algum lugar de bom divertimento; ou mal, quem sabe?

    Caminhou tranquilo, chegando ao mercado que trabalhava. Não cumprimentou ninguém, entrando silenciosamente. Seguiu para os fundos e, como se nunca tivesse notado, viu como era pobre o mercado.

    Cercado de grades curtas, subindo por uma rampa e escadas nas laterais. Os carrinhos de ferro eram enfileirados do lado externo, em frente os caixas, onde as atendentes ficavam. As máquinas eram de segunda mão e certos computadores falhavam. As prateleiras eram brancas, enferrujadas abaixo e nas bordas, sustentando os alimentos. Os refrigeradores funcionavam, mas não gelavam tanto quanto deveriam.

    Voltou para os fundos, carregando caixas de papelão lacradas. Quando chegou às prateleiras, ajeitou as latas, pondo uma após a outra. Arrastando a caixa para os cantos, abaixando e erguendo novamente, repetiu esse processo bastante, esvaziando-as ao dispor os produtos alimentícios.

    Hoje teve sorte, pois não levou esporro do patrão por chegar atrasado ou desarrumado. Ele nem fazia ideia do que se passava com Noah Prince todos os dias.

    Mesmo cabisbaixo, continuou a organizar direitinho, um por um, retirando os que estavam próximos de chegar à data de vencimento e estragar. Parecia um robô humanoide, com muito gás, trabalhando sem parar. Precisava do trabalho. Necessitava do dinheiro. Porque todo ser humano necessita disto, infelizmente.

    Fixou o cérebro a endireitar os biscoitos bagunçados, geralmente pelas crianças indecisas na hora da escolha.

    Trinta minutos haviam se passado, quando terminou de arrumar os pacotes de bolinhos, escutou o arrastar de rodas de borracha, esmagando as pedrinhas. A freada e a derrapada final. Suou frio, balançando a cabeça, abaixado e escondendo-se como um caracol na concha. Os meninos do seu colégio chegaram esticando os pescoços longos na tentativa de avistá-lo.

    Lá está ele!, apontou o garoto mais alto, usando boné branco, virado para trás. A pele morena surtindo um efeito diferente à luz do sol que se abria, deixando-o mais queimado. Expressava no rosto zombaria, não muito diferente dos seus dois acompanhantes.

    Aproximaram-se o suficiente, achando que ele não havia percebido, embora já tivesse.

    Como foi seu dia? Hein, estranho, debochou o rapagão de pernas compridas, a cor vermelha do boné. 

    Noah estourou:

    — Eram vocês então? — acusou, indignado, deixando sua raiva escapar, levantando-se num salto. — Vão embora! Vão procurar algo de bom para fazer!

    Os três fizeram coro e riram logo após. Noah não notou, mas um deles, puxando do fundo do bolso, tinha um par de bombinhas presas numa corda feita de barbante, e as acendeu e arremessou por cima da cabeça do primeiro. Todos correram, inclusive Noah.

    Abaixou-se. Em curtos segundos, estouraram aos borbotões, espatifando e espalhando comida e grãos de arroz. Os estampidos foram altos, zunindo no seu tímpano. A comida ensacada furou e jorrou os feijões também; os líquidos próximos vazaram. E o garoto ficou tão aborrecido quanto seu chefe, que apareceu de repente, retirando os poucos cabelos do cocuruto. Podia sentir o calor e o hálito quente nas costas. E sua fúria emanando do seu corpo.

    Além de perturbar as pessoas, seu patrão fez jus lhe dar uma bronca cercado pela multidão. O trio do boné fugiu, percebeu ele. O berro tinha sido estrondoso, fazendo-o tampar os ouvidos com as mãos. Fumaças saíam das orelhas de seu patrão, como uma chaminé estreita que queimava lenha em excesso.

    ESTÁ EXPULSO, MOLEQUE!, gritou ele enraivado, quase balbuciando as palavras. NEM VENHA COMPRAR NADA AQUI!

    Era o terceiro mercado que dizia isso. Logo teria que atravessar a cidade para fazer as compras. Noah enrubesceu, soltando o ar do pulmão. Pensou em responder, porém seria uma ideia ruim. Ele nunca o escutaria. Então, pela sua experiência, girou os calcanhares, cabeça baixa, e foi embora.

    Já na sua casa precária, depois que retornou para entregar seu uniforme, o dia foi sumindo, cobrindo um manto azulado-anil, com diversos pontos brilhantes, e a lua estava linda, cheia, iluminando-o à luz pálida tênue. Decepção era percebida pela lua, era o que aparentava estar e, era uma expressão em que, na maioria dos dias, não escapava de seu rosto.

    Tudo dava tão errado…

    Sempre sozinho…

    Sentou-se no sofá, claro, depois de reerguê-lo. Tentou relaxar, acomodando-se melhor. Sentindo um leve desconforto na coxa, roçando no forro rasgado nas laterais. Decidiu ligar a televisão. O jornal passava, uma repórter bonita, de batom vermelho nos lábios carnudos e os cabelos escorridos, dando silhueta ao seu rosto afinado. Ria e anunciava, até que fechou o semblante, chocada, apresentando uma notícia séria.

    Ele prestou atenção, embora a televisão piscasse perdendo o senso do que realmente seria. Presumindo, soube que fecharam partes da África, isolando-a por completo. Nunca acontecera isso antes. Países pequenos da Europa tiveram o mesmo destino. Contudo, aos poucos os habitantes voltariam ao seu lar, sãos e salvos, entretanto era meio sinistro; sem explicação, nem nada, apenas isolaram o lugar, e homens de ternos pretos com a Sigla C marcando o brasão no peito. E, quando foi finalizar a matéria, com um suspiro profundo, a tela desligou, recusando-se a acender novamente.

    Ficou matutando, pois isolaram países, homens estranhos, que nos pensamentos dele só lembravam governos secretos. Mas, a última seria a peça importante, e ele não soube.

    — Logo agora…? Que sacanagem! — resmungou ele, abandonando o controle e indo caçar alguma comida na geladeira.

    A fome bateu no estômago, afundando-o, naturalmente encostou a palma da mão na barriga.

    Abriu a porta e voou no rosto o ar gélido, refrescando o corpo. Enviesou a boca. Só havia uma tangerina, um pouco de macarrão com extrato de tomate, duas garrafas de água, um queijo mofado dando o ar de estar ali há anos, uma caixa de leite na metade e uma maçã podre.

    Noah tornou a fechar a geladeira, ainda faminto, colocou a mão nos seus bolsos e achou dois reais. Precisava economizar o máximo agora que ficou desempregado. No cofre devia ter quinhentos a seiscentos reais. Buscou mais dois, ficando com quatro.

    Decidido, foi para a rua. O céu mais escuro que antes, o entardecer no Brasil é repentino, antes de notar, está um breu. Na esquina, comumente, sempre havia um dono de carrinho de salgados e bebidas; frituras, sanduiches, refrigerantes, tapioca, e muito mais. Era barato, por isso foi até lá.

    Sentia fome e queria um lanche rápido. Entregou os quatro reais, pedindo um salgado de queijo e um suco de caldo de cana. Foi sua janta no caso.

    Voltou para casa, após finalizar seu lanche, sentindo-se farto e sonolento. A cabeça ameaçou a latejar. Na sala sumiu o papel estranhamente, mas, como o sono o engolfava, apressou-se a deitar e dormiu duro feito uma pedra…

    Situava-se num beco longo, estreito e escuro. Muito escuro. A cor negra espalhava-se feito piche, pintando tudo à sua volta. Seus pés descalços, pisando, eriçando os pelos da perna de tanto frio. Os dedos rareavam o ar passageiro, voando ao lado contrário ao único feixe de luz intensa; a única claridade.

    Chamava-o para caminhar, pôr um pé na frente e depois outro, assim sucessivamente. E, surpreendentemente, seus pés obedeceram, contra sua vontade, andaram, e o fluxo sombrio foi dominando o seu corpo aos poucos.

    Quando se aproximou ao fim do beco, pondo a mão entre a testa, sombreando o clarão denso, entrou na abertura, parecida com uma rachadura. Deu a nova visão a mais uma escuridão, pior que antes, pois seus olhos focaram na luz. Piscou repetidas vezes. Não conseguiu acostumar-se, enxergando ao longe uma vidraça espessa e fortificada, então, de relance, percebeu.

    Estava preso ali dentro. Era uma cúpula gigantesca. A sensação estranha, emitindo forças além do que conseguia; mais vigorado. Seu cansaço extinguiu-se. Os músculos recompensaram-se. A pele ficou

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