Fake News e as Eleições de 2018 no Brasil: Como Diminuir a Desinformação?
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Sobre este e-book
As mentiras e notícias falsas sobre política sempre existiram, o que o fenômeno desta década guarda de diferente é o impulsionamento delas pelas redes sociais dentro de um contexto de pós-verdade e desconfiança das instituições. Em tempos de desilusão com a democracia e polarização política no Brasil, este livro propõe um estudo exploratório sobre o que pode ser feito para evitar a influência das fake news nas redes sociais durante as eleições brasileiras.
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Fake News e as Eleições de 2018 no Brasil - Ana Julia Bonzanini Bernardi
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
APRESENTAÇÃO
Nos últimos cinco anos tanto o mundo acadêmico como o mundo da política foram tomados de surpresa, em vários países, por eventos que pareciam inesperados. Primeiro veio a aprovação do Brexit, que a princípio parecia improvável. Então um azarão tomou de assalto as primárias do Partido Republicano e não apenas foi escolhido candidato, mas contra todos os prognósticos foi eleito Presidente dos Estados Unidos da América. A surpresa se repetiu dois anos depois, quando um ex-capitão do exército e deputado do baixo clero na Câmara dos Deputados foi eleito Presidente do Brasil por um partido que virtualmente existia somente no papel antes das eleições.
Esses eventos têm duas coisas em comum. Eles expuseram a força das redes sociais criadas no meio virtual por grandes conglomerados do Vale do Silício nos EUA como meios alternativos de campanha política. Nas três campanhas o uso de Twitter, Facebook e Whatsapp, entre outras redes, serviram não apenas à difusão de mensagens de candidatos e seus apoiadores, mas também para coletar dados dos usuários e customizar os envios. E, mesmo que a mentira esteja presente na história da humanidade desde seus primórdios, aparentemente pela primeira vez a relação com a verdade teve pouca ou nenhuma importância na produção do conteúdo a ser divulgado, tendo sido premiados com a vitória aqueles que mais abusaram da mentira, que alguns preferiam chamar de fatos alternativos. Os termos pós-verdade e fake news ingressaram no vocabulário cotidiano. Com a ironia que um dos principais difusores do termo fake news tenha sido Donald Trump, que o utilizava justamente para deslegitimar as narrativas baseadas em fatos, mas que não se ajustavam a seus interesses.
Muito tem sido escrito para tentar entender como isso foi possível. Porém, a responsabilidade do mundo acadêmico, nesse caso, vai além da mera descrição do fato e suas variáveis explicativas. O que está em risco é mais do que a forma tradicional de comunicação entre candidatos e eleitores. A própria credibilidade do processo democrático como forma de escolha de líderes para governar foi colocada em xeque. É preciso, para além de compreender, prescrever, qual diante de uma doença diagnosticada, os meios para, se não for possível eliminá-la, pois tende a passar de aguda a crônica, pelo menos reduzir os seus danos.
É esse o cenário tomado por Ana Júlia Bonzanini Bernardi neste livro. Ela analisa as origens do fenômeno nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, para compreender o que ocorreu nas eleições brasileiras de 2018. Com a identificação do fenômeno e seus sintomas, começa a buscar como enfrentá-lo, verificando as diferentes possibilidades que têm sido apresentadas para combater esse mal. Nessa parte do texto são exploradas tanto as medidas coercitivas, com a criação de sanções, como as que dependem da colaboração do meio corporativo, com mecanismos de autorregulação. Também é explorada a possibilidade de transformação dos receptores, com um processo de imunização pela educação.
Por fim, cada uma dessas possiblidades é discutida com seus prós e contras e suas limitações, tendo em vista o processo eleitoral de 2020. Conscientes do estrago provocado em diferentes partes da sociedade pela circulação indiscriminada de ataques pessoais anônimos baseados em falsidades e pelo reforço da polarização e da radicalização de posições, este é o momento de testar os antídotos e avaliar seus resultados.
Isto é feito em um texto que combina o rigor acadêmico com uma linguagem acessível, que evita as construções nebulosas de muitos textos oriundos do meio universitário que tentam se valorizar mais pelo hermetismo que se pensa charmoso do que pela capacidade explicativa.
Por isso, tanto para quem quer compreender o que está acontecendo como para quem está na linha de frente do processo democrático tentando preservá-lo, este livro é uma leitura essencial.
Prof. Dr. Rodrigo Stumpf González
Cientista Político
Professor do Departamento de Ciência Política da UFRGS
PREFÁCIO
A autora Ana Julia Bonzanini Bernardi em sua obra apresenta uma pesquisa completa e multidisciplinar sobre o fenômeno das fake news nas eleições de 2018 e em uma visão 360 graus revisita os diversos atores que fizeram dessa eleição um novo paradigma na temática da desinformação on-line.
Com linguagem fácil e prazerosa a autora enfrenta temas difíceis e árduos sob um ponto de vista essencialmente prático e olhando para a busca do combate às fake news e suas diversas iniciativas, mas, tudo isso, sem se descolar das balizas teóricas para a compreensão plena do tema.
Sob o olhar científico que lhe é peculiar, Ana Julia lança luz sobre as ações que pretendem combater essa poluição informacional, retratando iniciativas estatais seja sobre o processo legislativo que envolve o tema, seja pela atuação proativa da Justiça Eleitoral mapeando e agrupando essas diversas ações, apresentando de modo prático não apenas o que se busca fazer, mas também é possível perceber tendências dessa trajetória legislativa ainda em construção.
No eixo em que aborda as ações dos Tribunais Eleitorais prepara os leitores para a compreensão do arranjo peculiar que essa justiça especializada possui no cenário brasileiro, indicando suas ações na ocasião das eleições de 2018, em especial o desempenho no papel mais proativo da Justiça Eleitoral por meio de sua comunicação.
A autora enfrenta ainda o tema da educação midiática trazendo iniciativas crescentes tanto na checagem de fatos quanto no trabalho de media literacy e como apresentado pela autora o lema do Instituto Palavra Aberta quanto mais você sabe, melhor você decide
, permite a tradução dessas iniciativas.
Mas a presente obra vai além da narrativa sobre os fatos mais relevantes sobre a desordem informacional nas eleições de 2018 e apresenta também um capítulo dedicado às eleições de 2020, além de trazer, em todo o seu texto, essenciais indicadores de tendências sobre a temática abordando com amplitude e profundidade os pontos mais sensíveis ao fenômeno global da desinformação on-line.
Por um conjunto impecável temos em nossas mãos uma obra de extrema relevância, com profundidade científica, olhar multidisciplinar e visão prática e global a partir de diversos atores que atuaram diante desse fenômeno nas eleições de 2018 que, embora traga um ponto de partida teórico, fundamental para a plena compreensão do tema, é um texto com uma narrativa inteligente e instigante, que aborda de maneira prática e fatual o tema fake news e eleições no Brasil. A autora, Ana Julia Bonzanini Bernardi, acerta mais uma vez em aliar a prática à linguagem e à teoria nesta obra incrível sobre o tema.
Diogo Rais
Advogado e cofundador do Instituto Liberdade Digital.
Professor de Direito Eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da FGVLaw.
Este livro é dedicado ao meu avô, Ivo Bonzanini, em memória.
E à minha mãe, Marilene Bonzanini, em vida.
Sumário
Introdução 13
1
Novas mídiaS, FAKE NEWS E PÓS-VERDADE 21
1.1 Fake news e PÓS-VERDADE 26
1.2 Sobre liberdade de expressão e discurso de ódio no
contexto democrático 31
2
POLARIZAÇÃO E FAKE NEWS: FENÔMO MUNDIAL? 35
2.1 Brexit 36
2.2 eleições presidenciais de 2016 nos estados unidos. 39
3
DEMOCRACIA, DESCONFIANÇA POLÍTICA e JUSTIÇA ELEITORAL NO BRASIL 45
3.1 Da redemocratização às eleições de 2014 (1985-2014) 48
4
A DESINFORMAÇÃO NAS Eleições brasileiras em 2018 53
4.1 propostas de leis no congresso 58
4.1.1 Projetos focados na Educação e fomento de ações informativas 59
4.1.2 Propostas relacionadas ao ambiente eleitoral 61
4.1.3 Propostas relacionada à tipificação criminal de fake news dentro do Código Penal e/ou Marco Civil da Internet 64
4.2 Debates e AÇÕES DOS TribunaIS EleitoraIS 67
4.3 FomentoS à educação midiática da população 74
4.3.1 Iniciativas de checagem de fatos 77
4.3.2 Educação midiática 80
4.4 AUTORREGULAÇÃO PELOS PRÓPRIOS PROVEDORES 83
4.4.1 Facebook 84
4.4.2 WhatsApp 85
4.4.3 Twitter 86
5
Limites do CONTROLE de notícias falsas e proposiçÕes para as ELEIÇÕES DE 2020 89
Considerações finais 97
Referências 101
ÍNDICE REMISSIVO 129
Introdução
O fenômeno da desinformação e de criação de notícias falsas não é uma novidade do século XXI, sendo algo inerente à própria comunicação humana. O advento dos meios de comunicação, primeiramente impressos e depois via rádio e televisão, já foi responsabilizado por criar uma onda de desinformação, quando se massificou. No século XX com a introdução da internet, a rapidez da disseminação da informação aumentou ainda mais a velocidade com que as notícias se multiplicam, dificultando a checagem das fontes e verossimilidade dos fatos. O ambiente virtual e a impressão de anonimato
das redes sociais tendem a impulsionar um comportamento de manada, divulgando informações sem checagem.
No que concerne à esfera política, as fake news têm se tornado um fenômeno crescente em todo o mundo, sobretudo em anos de pleito eleitoral. Fazendo uso da desinformação como arma, a desordem informacional multiplica-se e toma novas formas nas redes sociais, via uso de "bots"¹, robôs e manipulação de bolhas virtuais por meio de algoritmos (MARWICK; LEWIS, 2017; RUEDIGER, 2018a; VOSOUGHI; DEB; ARAL, 2017). Somado a isso, o uso de aplicativos de mensagens pessoais como forma de divulgação de notícias falsas em massa dificulta ainda mais a fiscalização e ação por parte das autoridades.
O conceito de fake news, de acordo com Diogo Rais (2018), encabeça três elementos fundamentais: falsidade, dolo e danos. Nesse sentido, a tradução correta seriam notícias fraudulentas
(RAIS, 2018a), consideradas como conteúdo propositalmente falso, mas com elementos verídicos, com capacidade de provocar danos, efetivo ou potencial. De fato, órgãos internacionais (EUROPEAN COMISSION, 2018; UNESCO, 2018) e estudiosos da área (OWEN, 2017) apontam que o termo fake news é apropriado e usado de maneira enganadora por participantes poderosos para refutar reportagens que não são do seu interesse
(EUROPEAN COMISSION, 2018, p. 10), assim manipulando a população e aumentando a desconfiança