O Escárnio
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O Escárnio - MBOMBA MUDIATELA
I
O professor Verax Yan vive num cubículo rudimentar e tosco. O seu quarto negro, abafado, poeirento, foi invadido por baratas, ratos obesos e percevejos à mistura. A sua vivência nesta realidade não decorre do desleixo, muito menos ainda de uma crise «existencial pueril», mas da imposição de uma divindade! Esta instância divinal é mais ou menos análoga àquela que foi apresentada por Arthur Schopenhauer — a vontade universal — da qual todas as outras vontades imanam em forma de estilhaços.
Verax ergue-se do colchão esponjoso, numa manhã quente. «A temperatura está no pico. Nas outras manhãs, tem estado quente, mas hoje parece acima do normal», pensou.
Sente moleza. Senta-se no colchão e volta os dois pés contra si em direcção à virilha e ao púbis. Ali estava numa posição de praticante de yoga de um monge budista. «Não há dúvida, sou um apaixonado pelo cérebro humano, espécie de submáquina humana capaz de combinar os seus processos físico-químicos e gerar transformações na realidade geral. Esta posição parece viabilizar a minha masturbação intelectual», pensou.
Mantendo a posição, lançou os olhos para um feixe de luz, que incidia sobre o quartinho, do qual tem muito orgulho por ser um espaço que viabiliza a sua criatividade intelectual. Uma vez que vive na mais alta civilização jamais vista na história humana, da qual a descoberta mais nobre já feita se chama «triângulo motivacional» — a vida reduz-se ao sexo, comer e a adquirir dinheiro e seus derivados, por todos os meios necessários —, que está a ser cobiçada por outros povos.
Mas o professor continua na idade das rochas sedimentares, magmáticas e metamórficas, pelo que todo o seu exercício vão representa nada mais do que um retrocesso civilizacional e perigoso para a ordem estabelecida no plano moral, espiritual, económico e político. Este falso intelectual, idiota, pode ser classificado como um divergente inútil, numa ordem social altamente feliz!
Pela intensidade do clarão, percebeu que, neste dia, o sol fez questão de demonstrar poder por meio dos seus raios. Decidiu levantar-se. Afixou a camisa sobre o tronco. Lembrou-se de que ainda não tinha feito a higiene essencial.
— Oh, que chatice — disse Verax a si mesmo. — Isto deverá levar-me a tirar novamente a camisa do meu esqueleto.
Este «incidente» levou Yan a reflectir sobre um objecto de pensamento que lhe é caro: a podridão humana. Não é sobre a podridão moral, na qual começou a reflectir, mas sim sobre a podridão física das pessoas, mesmo não estando mortas.
— Pense! — disse Yan. — Num diálogo que começou a encetar entre o seu eu ideal
e o eu real
. — Tem plena consciência de estar a falar de si para si mesmo. E continuou: — Ao longo da história humana, parece que a miséria ética, a podridão moral, sempre gerou bastante interesse às pessoas comuns e aos estudiosos de inúmeras ciências, tais como a teologia, a psicologia do desenvolvimento moral, a filosofia, a bioética e outros códigos comportamentais especializados. Dado o interesse do assunto, não esgotou a motivação dos estudiosos sobre este edifício, ao qual podemos chamar «axiologia da crise».
Dado que a minha rudeza me leva sempre ao prisma desinteressante e destruidor da ordem estabelecida, proponho desde já uma nova onda de pensamento que, ao que me consta, parece ser novidade: a podridão humana. Esta putrefacção é física. Não estou a falar do homem que entra em decomposição post mortem ou por um golpe brutal sobre a somaticidade.
Para mim, o ser humano é podre desde o feto! Após o nascimento, a podridão amplia-se. Como? Vejamos: logo pela manhã, as pessoas incomodam-se com a sua própria boca. Já para não dizer daqueles que estão à sua volta, como sejam esposa ou esposo. Por isso, a pessoa humana está condenada a um exercício frequente: a higiene oral no mínimo três vezes ao dia. Uma vez que esta podridão é real, em certo período da vida, o indivíduo deve submeter-se a tratamentos especializados, independentemente do grau de podridão e da intensidade do cheiro nauseabundo que exalar pelo seu buraco bucal.
O homem vivo é mais podre do que se admite. Já pensou nos pruridos que a vagina expele no processo de gestação? E no desconforto que gera a menstruação a certas mulheres? Tal como no corpo morto, a lavagem alivia o cheiro, talvez não fosse exagerado afirmar que a higiene geral, que mulheres e homens tanto querem preservar, visa exactamente manter a aparência mínima de limpeza do corpo. E o que dizer sobre a flatulência? E sobre o ânus mediante o qual você que está a ler expulsa os gases? Com o mbembeismo, compreendemos, sem margem para dúvidas, que esta parte final do intestino grosso é o princípio de anarquia do corpo e o zénite da intimidade do segredo em algumas tradições, símbolo por excelência do universo da defecação e do excremento, de todos os órgãos, era o «qualquer-outro» por excelência. Sabe-se, aliás, que, na economia simbólica dessas sociedades, o «qualquer-outro», sobretudo quando se confundia com o «todo íntimo», também representava uma das figuras do poder oculto.
O professor despertou do seu labor racional inútil e disse para si: «Sobre este assunto há muitas nuances por explorar, por isso, prefiro discutir com os meus estudantes na Universidade das Cabras, onde se formam oprimidos e ruminantes felizes.»
Levou a mão direita à têmpora. Sentiu um ligeiro desconforto nos olhos e, por instinto, pressionou as pálpebras com ligeira brusquidão por meio das costas das mãos. Desceu lentamente os dedos no extremo esquerdo do olho direito, e dele retirou um fio de remela, que o levou a lembrar-se de um episódio bíblico, no qual Jesus Cristo está envolvido. Lembrou-se igualmente que tal fluído sólido, que durante à noite era líquido e espesso, é outro argumento eloquente que confirma o inegável processo de putrefacção humana desde a concepção, a que só a morte põe termo.
***
Verax Yan dirige-se até à porta. Deita a mão direita na maçaneta. Faz um movimento para a direita. Sente-a ligeiramente dura e imprime a força necessária. A porta obedece ao seu desígnio. Abre-se. Dirige-se à pia; abre a torneira e lança água ao rosto. Segura a escova e…
Volta a meter a camisa. Sai rapidamente. Começa a caminhar na calçada. De fronte, atravessa um charco onde crianças ignotas brincam. A água do charco é da chuva em mistura com dejectos animais, humanos, de cozinha e outros restos. A água é multicolor. Esverdeada e escura. Esta atmosfera aquosa gera satisfação e agradecimento aos vermes, larvas, rãs miúdas e gigantes, mosquitos e milhões de bactérias invisíveis aos olhos desarmados.
Cheiro nauseante exala e toma conta do oxigénio. As crianças continuam a sua viagem neste universo. Não há dúvida de que os seus corpos são agora alvos da vontade dinâmica das bactérias. Atacam as vaginas, os pénis, enfim, os corpos dançantes no charco.
Diante daquilo, Yan disse para si mesmo: «Viva o apogeu da civilização universal. Por isso e por todos outros avanços da nossa República Democrática de Matobu, sou demasiado feliz. Não é por acaso que, no índice global de felicidade bruta, estamos na primeira posição, e somos invejados pelos povos atrasados.»
Continuou a sua caminhada. Deixou as crianças na sua festa frenética. Atravessou a ruela. Num passo lento e cadenciado, deu por si do outro lado, numa zona com trânsito considerável. A meia distância, os seus olhos cruzaram a casa de café e chá para a qual se dirigia. Para lá chegar, precisava de fazer mais uma breve travessia, mas nem por isso não arriscada, a julgar pelos métodos de condução de Matobu.
Enquanto aguardava pela sorte de poder transpor a avenida, observou corpos molhados de suor nos autocarros. Nádegas femininas apertadas entre homens encharcados de suor, a exalarem cheiro a alho numa mistura com cebolas. Não se trata de apertos sensuais, mas rituais de transportação de pessoas em que, por assim dizer, cada um inspira e aspira o bafo do outro. Para além dos autocarros, estavam perfilados e a serpentear a estrada, com crateras e fendas, outros veículos…
Em muitos carros, circulavam uma, duas, três ou quatro pessoas. Noutros, por haver pessoas bastante inteligentes, sentavam-se umas por cima do capô e outras estavam com as cabeças e meio tronco no interior do carro, com os rabos à mostra do universo na abertura que os vidros laterais permitem.
De repente, o trânsito abranda porque um condutor pretendia levar um passageiro. Foi a oportunidade de Yan saltar para a outra margem. Caminhou perto de trinta e cinco metros para chegar à casa de café e chá.
Um local sujo. Toalhas de mesa rotas. Salpicadas com restos… dos dias anteriores. Copos e colheres a serem lavados em água borbulhada, amarela e ao remexer com laivos esverdeados. Mesinhas de plástico, antes brancas pelo que dá a parecer, agora estão castanhas e pretas simultaneamente, dependendo do ângulo de visão. O garçom, com uma toalhinha suja, presa nas suas mãos, grita para os clientes e atira as suas solicitações sem a mínima deferência. Usa a toalha para limpar o calor que lhe escorre das axilas e do rosto. Com a mesma, limpa