O prisioneiro de Quelimane
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O prisioneiro de Quelimane - Karoliny Óthey
Prefácio
O Prisioneiro de Quelimane é uma obra de enredo simples, que narra a história de Alexandre Silvestre Langa, um jovem negro que fora incriminado injustamente por alguém em quem confiava com todo o coração. Sua lealdade cega lhe custara o bem mais precioso dado ao ser humano: a liberdade.
O quão danoso pode ser o ato de privar a liberdade de alguém? A Xande, a vivência em um cativeiro acendeu a chama do desejo de vingança. E ao receber a ajuda de seu melhor amigo, João Magalhães da Costa, para escapar, a sede do sangue traidor se tornara cada vez mais intensa.
Mas o que pensar de Alexandre Silvestre Langa? Seria um homem em busca de vingança? (É o que eu presumo que você, leitor(a), pensaria caso tenha lido a sinopse.) Mas saiba que nosso protagonista é muito mais do que isso. Xande poderia ser descrito como um gigante gentil
. Acredite se quiser, mas essas palavras não são minhas.
Não tenho palavras o suficiente para descrever o quão incrível o João consegue ser. De certa forma, ao desenrolar da história, nem mesmo eu imaginei que ao fim de tudo ele seria nossa loira favorita
, como diz a ilustradora (Lavine Dias). Com sua personalidade forte, tem em suas veias uma grande coragem, e ao mesmo tempo é dono de uma paciência quase infinita. A autenticidade de João é inegável.
Como autora, digo que me diverti muito escrevendo esta obra. E espero que vocês gostem dela também. Após risos, muitas lágrimas e comemoração, entrego minha Monalisa
a você, leitor(a).
Boa leitura!
Karoliny Óthey
Capítulo 1 Fúria em ascensão
Amanhã ensolarada junto ao mar cristalino embelezava as ruas de Quelimane. Para Alexandre, o dia 14 de fevereiro de 1820 seria como qualquer outro. Cumpriria sua rotina de trabalho no porto e depois voltaria para casa e teria uma ótima refeição ao lado de sua família. Mesmo não vendo seu emprego como um trabalho tão interessante, sentiu-se feliz por ter um chefe que também fosse seu amigo. Este homem era Afonso. Na visão de Alexandre, o rapaz era um patrão e tanto. Ele fazia de tudo para animá-lo, tanto em dias bons quanto ruins.
— Bom dia, Xande! Mas que cara é essa, meu consagrado? Acordou de mau humor de novo ou só não comeu? Estou brincando, mas se estiver acontecendo algo sério com você ou sua família, você pode me dizer. — Alexandre era um homem negro de família humilde. Nascera no dia 21 de janeiro de 1800 naquela mesma vila, onde morava com seus pais e irmãos e trabalhava para ajudar a sustentá-los.
— Bom dia, Afonso. Responda-me: quem fica animado em plena segunda de manhã?
— Eu, é claro! Todo dia é dia de ser feliz!
— Eu sempre soube que você não era normal.
— Prefiro ser um louco no mundo onde as pessoas são falsas e infelizes.
— Realmente… Enfim, o que temos como tarefas hoje?
— Aqueles sacos ali devem ser usados no terceiro navio à direita. Ele irá zarpar em meia hora. Acho melhor você se apressar…
— Sim senhor!
Alexandre pegara o primeiro saco e levara ao navio indicado. Concentrara-se em seu trabalho profundamente para terminar o mais rápido possível, pois dessa forma sua eficiência seria recompensada com uma quantia extra em seu salário e até poderia sair mais cedo.
Ao finalizar suas tarefas, Alexandre procurou por Afonso para receber outras ordens. Mesmo olhando para todos os cantos, não o encontrara. Pensou que ele poderia ter ido falar com um dos capitães dos navios ou algo parecido. Dessa forma, resolvera pedir informações aos marinheiros próximo às embarcações.
— Bom dia! O senhor viu o Afonso passar por aqui?
— Afonso
?
— Sim. Um homem ruivo, alto, tem olhos azuis…
— Esse rapaz anda com um caderninho marrom?
— Sim! Esse mesmo! Sabe se ele esteve aqui?
— Ele saiu em direção ao escritório.
— Ah, entendi. Muito obrigado!
— Não há de quê!
Alexandre fora ao escritório de Afonso. O rapaz abrira a porta enquanto perguntava:
— Afonso, você vai precisar de mim para mais alguma… — A pergunta do jovem fora interrompida pela cena com a qual ele se deparara. No chão, o sócio de Afonso estava coberto de sangue, com a garganta cortada e os olhos abertos. Enquanto seu amigo portava uma faca em uma das mãos e também estava ensanguentado.
Alexandre ficara em choque. Seu corpo estava completamente paralisado. Afonso o encarava com uma expressão maligna. Como se desejasse matá-lo também.
— Você não deveria estar aqui, Alexandre.
— Muito bem… eu vou sair desta sala bem devagar e fingir que nunca estive aqui… Acredito que eu esteja liberado, pois todas as minhas tarefas foram finalizadas. Então… eu vou para casa. — O rapaz abrira a porta do escritório e se retirara sem fazer movimentos bruscos.
Afonso tinha medo de ser descoberto ou denunciado por Alexandre. Pensara sobre o que faria, já que não havia tempo para ocultar o corpo. A ideia que julgava mais eficaz era a de incriminar sua única testemunha. Seria uma acusação convincente, já que o jovem havia fugido do local. Era necessário colocar a arma do crime nas coisas de Alexandre para fazer parecer que ele realmente era o culpado. Afonso esperou escurecer para pegar a bolsa de ferramentas da testemunha, cobri-la com o sangue da vítima e colocar a faca entre os demais objetos. Nesse meio-tempo, proibira a entrada de outros funcionários em seu escritório. Assim, seu amigo
seria a única pessoa a ter visto o corpo. Em seguida, limpara-se e eliminara todas as provas que apontavam para si. Dessa forma, tudo indicaria que seu subordinado era o culpado.
No dia seguinte, Alexandre voltara ao porto para mais um dia de trabalho. Mesmo que sentisse medo de ser outra vítima de Afonso, jurou para si não entregar seu amigo. Pensou que ele tinha seus motivos para ter feito aquilo. Chamara seu chefe para um canto isolado para que pudessem conversar com mais privacidade.
— Veja bem: eu não vou perguntar o porquê de você ter feito isso, nem mesmo irei julgá-lo. Vim aqui dizer que você pode ficar tranquilo, pois não vou dizer uma palavra sobre o que vi a ninguém. Esse assunto morre comigo. Eu prometo.
— É tarde demais, Xande…
Antes que Alexandre pudesse dizer qualquer coisa, o jovem ouvira um policial dar voz de prisão ao suposto assassino.
— Alexandre Silvestre Langa! Você está preso pelo assassinato de Marcos Saidi! Tudo o que você disser pode ser usado contra você no tribunal. Tem o direito a um advogado quando chegar à delegacia. Mas por enquanto, recomendo que fique calado.
— Então esse tempo todo você era uma pessoa normal. Não é, Afonso?
Alexandre fora conduzido à prisão sem pestanejar. Não lutara contra os policiais, nem mesmo agrediu seu amigo
. Sentia-se apunhalado pelas costas. Estava profundamente magoado, pois uma das pessoas nas quais ele mais confiava o havia traído.
Sem o mínimo cuidado, o rapaz