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Altos estudos jurídicos: O Direito em nosso tempo
Altos estudos jurídicos: O Direito em nosso tempo
Altos estudos jurídicos: O Direito em nosso tempo
E-book914 páginas12 horas

Altos estudos jurídicos: O Direito em nosso tempo

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Sobre este e-book

Este livro é o produto mais importante da I Semana de Altos Estudos Jurídicos do PPGD/UFBA. Trata-se de uma coletânea de artigos apresentados nos grupos de trabalhos e nos seminários por docentes e discentes do programa, cumprindo o papel de memória e registro de um importante e salutar atividade de extensão universitária.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de jul. de 2021
ISBN9786588297537
Altos estudos jurídicos: O Direito em nosso tempo

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    Pré-visualização do livro

    Altos estudos jurídicos - Heron Santana Gordilho

    Prof. Dr Heron Santana Gordilho

    (Coordenador)

    Homero Chiaraba Gouveia

    Henrique Oliveira

    Luciana Fernandes Lopes

    Analice Cunha

    (Organizadores)

    ALTOS ESTUDOS JURÍDICOS:

    O DIREITO EM NOSSO TEMPO

    COLEÇÃO MEMÓRIAS DA SEMANA DE ALTOS ESTUDOS EM DIREITO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA / OBRA COLETIVA

    LogoEbook150

    Conselho Editorial

    Celso Fernandes Campilongo

    Tailson Pires Costa

    Marcos Duarte

    Célia Regina Teixeira

    Jonas Rodrigues de Moraes

    Viviani Anaya

    Emerson Malheiro

    Raphael Silva Rodrigues

    Rodrigo Almeida Magalhães

    Thiago Penido Martins

    Ricardo Henrique Carvalho Salgado

    Maria José Lopes Moraes de Carvalho

    Roberto Bueno

    ALTOS ESTUDOS JURÍDICOS: O DIREITO EM NOSSO TEMPO

    COLEÇÃO MEMÓRIAS DA SEMANA DE ALTOS ESTUDOS EM DIREITO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA / OBRA COLETIVA

    Copyright: dos autores

    Copyright da presente edição: dos autores / Max Limonad

    Capa: Régis Strévis

    ISBN: 978-65-88297-53-7

    www.maxlimonad.com.br

    editoramaxlimonad@gmail.com

    2021

    LISTA DE AUTORES

    Heron José de Santana Gordilho e Fernanda Ravazzano – O ecocídio como crime autônomo no direito penal ambiental internacional.

    Antonio Sá da Silva e Bernardo G. B. Nogueira. – A eficácia social da Constituição de 1988 no campo: diálogos com Os Sertões de Euclides da Cunha.

    Joseane Suzart Lopes da Silva – Cadastros positivos de crédito: as inovações arregimentadas pela lei complementar n. 166/2019 e a fundamental proteção dos vulneráveis pelo sistema nacional de defesa do consumidor.

    Aline Santana Alves – A constitucionalização tributária como ação afirmativa.

    Giovanna Martins Sampaio – As patentes e a Monsanto: estudos multidisciplinares.

    Daniel dos Santos Anjos – Os caminhos do trabalho prisional no Brasil: Análise da inclinação mercadológica a luz da 13ª emenda.

    Gabriel Mota Diniz, Marina Muniz Pinto de Carvalho Matos e Raphaela Rodrigues Neves de Souza – A educação eugênica e sua conformidade ao constitucionalismo social da constituição brasileira de 1934: uma análise histórica do direito fundamental à educação.

    Brenda Andrade de Abreu Silva, João Paulo de Souza Cardoso e Leonardo Leite de Andrade – A falta de efetivação de direitos humanos e seu reflexo para as populações do sertão baiano: uma reflexão baseada na universalização e na biopolítica.

    Homero Chiaraba Gouveia – A reconstrução da esfera privada no Brasil: o direito civil e as novas fronteiras da cidadania na novela do pós-positivismo jurídico brasileiro.

    Gabriele Azevedo Barreto, Nivaldo Souza Santos Filho e Flávia Moreira Guimarães Pessoa – A fraternidade no cárcere: o reconhecimento como experiência fraterna no presídio de presos provisórios de Sergipe.

    Jéssica Alves Melo – Constituição estadual da Bahia: manifesto de autonomia ou puro mimetismo constitucional.

    Rebecca Falcão Viana Alves e Wesley Andrade Soares – A limitação do direito penal através da última ratio no estado constitucional: aspectos limitadores da pena

    Marta Carolina Giménez Pereira e Arabi de Andrade Melo da Costa – Liberdade de prescrição médica nas novas tendências de propriedade intelectual. O caso espanhol.

    Bartira Macedo de Miranda Santos, Selma Santana e Taysa Matos – Violência, criminalidade e direitos humanos: da justiça restaurativa à dignidade da pessoa humana.

    Nicole Godim Porcaro – Participação Política da mulher: a sub-representação no Brasil em face da paridade de gênero na América Latina.

    Gabriela Fragoso Alves – O acesso à justiça e a intervenção de terceiros na arbitragem, à luz dos conceitos de terceiros imperfeitos e terceiros absolutos.

    Ana Paula de Jesus Souza e Rebecca Falcão Viana Alves – Técnicas de reprodução humana assistida e o paradoxo da eugenia: uma análise à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.

    Juliette Robichez – Análise crítica do novo crime de urbicídio.

    Jéssica Hind Ribeiro Costa e Uelisson Borges Rocha – O estatuto da pessoa com deficiência e as suas implicações no que se refere ao consentimento médico.

    Thyara Novais – Crianças em bando: um olhar hermenêutico da obra Capitães da Areia de Jorge Amado de 1937 e a sociedade contemporânea.

    Franklin da Silva Peixinho – Direito Fundamental ao uso de drogas e redução de danos.

    Flávia França e Thiago Vieira – No que consiste (se é que existe) uma criminologia brasileira?

    Luan Guimarães da Rocha, Nivaldo Souza Santos Filho e Flávia Moreira Guimarães Pessoa – Onde está o judiciário em Aracaju – A localização do judiciário na capital sergipana como entrave do acesso à justiça.

    Maria Midlej Bastos – Democracia, substantivo feminino: reflexões acerca da representatividade feminina na política através da série de TV O conto de AIA.

    Isabela Macedo Coelho Luz Rocha e Lucas Barros Teixeira Parolin – Tributação de criptomoedas: os desafios da adequação tributária à pós-modernidade digital.

    Phablo Freire e Maria Luísa Gomes Cavalcanti – Direitos humanos interculturais, laicidade e a experiência social de candomblecistas no interior baiano: um estudo sobre simbolismo legal e identidades.

    Phablo Freire e Pedro Henrique Alves Santos – Pesquisa jurídica empírica e análise retórica: possibilidade de produção de saberes decoloniais e elaboração dos direitos humanos interculturais.

    Tiago Soares Vicente, Thaynara Kyvia de Paula e Vanessa de Paula Neri Santos – A participação popular na Construção da Norma Ambiental: Noções Introdutórias.

    Lázaro Alves Borges – Liberdade de expressão e imunidade presidencial: até que ponto um presidente da república pode ter discursos discriminatórios.

    Caio Pryl Ocké e Larissa da Silva Santos – O robô victor do supremo tribunal federal sob a ótica da teoria dos sistemas.

    Mário Jorge C. Lima e Keyla Cristina Farias dos Santos – O sistema interamericano de direitos humanos e suas perspectivas no ordenamento jurídico internacional para a governança global no contexto da pandemia do covid-19.

    Henrique Silva de Oliveira e Luciana Fernandes Lopes – Ensinar a ensinar e ensinar a aprender no âmbito da pós-graduação em direito: uma proposta de laboratório de ensinagem jurídica.

    Analice Nogueira Santos Cunha e Julio Cesar de Sá da Rocha – A extensão universitária como estratégia de comunicação e divulgação científica na pós-graduação: a experiência da semana de altos estudos do ppgd/ufba.

    APRESENTAÇÃO

    Este livro é o produto mais importante da I Semana de Altos Estudos Jurídicos do PPGD/UFBA. Trata-se de uma coletânea de artigos apresentados nos grupos de trabalhos e nos seminários por docentes e discentes do programa, cumprindo o papel de memória e registro de uma importante e salutar atividade de extensão universitária.

    Eventos dessa magnitude cumprem, ao menos, dois papéis importantíssimos na prática científica e acadêmica: primeiro, difundir o conhecimento e tornar públicas as pesquisas desenvolvidas no âmbito da pós-graduação; segundo, adquirir, conservar e aprimorar novos conhecimentos.

    A difusão dessas pesquisas é muito relevante para que os demais pesquisadores e operadores de direito tenham acesso as teorias jurídicas, dados, interpretações e subsídios que podem vir a ser aplicados em novas pesquisas e na formulação de políticas públicas.

    Como destacam Popper, Merton e Kuhn, a atividade científica pressupõe o diálogo entre os pesquisadores, e a característica fundamental do diálogo é a disposição dos interlocutores. Essa disposição, todavia, deve ser intencional, ou seja, é preciso que se queira dialogar e obedecer às regras do diálogo para que ele ocorra de maneira eficaz.

    A primeira regra deve ser a receptividade entre os docentes, discentes, técnicos, grupos de pesquisa e de todos os demais atores científicos envolvidos no processo de pesquisa. A comunidade universitária deve convidar seus pares e a sociedade para conhecer (e reconhecer) suas pesquisas, mas também a questionar os seus resultados, pois somente através da crítica o pensamento científico pode ser aprimorado.

    A receptividade é o valor fundamental e essencial para o diálogo e para a aprendizagem, uma vez que sendo a ciência uma das principais forças modeladoras da sociedade, ela deve ser um empreendimento coletivo.

    À luz do pensamento de Paulo Freire, podemos dizer que ninguém faz ciência sozinho, uma vez que só se aprendemos, descobrimos ou inovamos a partir do diálogo, e que na ciência, a receptividade é um exercício de humildade intelectual, sem a qual qualquer aprendizado se torna impossível.

    A Coordenação

    AGRADECIMENTOS

    Fruto da inquietação do corpo discente do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia (PPGD/UFBA), a Primeira Semana da Altos Estudos Jurídicos (I SAEJ) ocorreu entre os dias 7 e 9 maio de 2019,

    A organização da I SAEJ contou com a colaboração de mais de 50 pessoas, entre docentes, discentes, conferencistas, técnicos-administrativos, monitores e membros externos à comunidade UFBA.

    É preciso expressar nossa gratidão à Pró-Reitoria de Ensino e de Pós-Graduação da UFBA (PROPG), Faculdade de Direito da UFBA (FDUFBA), Oficina de Relações Internacionais da FDUFBA (ORI), Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos (CEPEJ) e Centro Acadêmico Ruy Barbosa (CARB).

    Nossos agradecimentos também às instituições como Ordem dos Advogados do Brasil(OAB/BA), Caixa de Assistência ao Advogado (CAAB), Fundação Orlando Gomes (FOG), Escola de Magistrados da Bahia (EMAB), Associação Baiana de Estudos Jurídicos (ABEJ), Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino do Estado da Bahia (APUB), Restaurante Mustafá e Floricultura Rosa Menina.

    Nossa gratidão aos professores Fredie Didier Jr., Mario Philocreon de Castro Lima, João Glicério, Rodrigo Morais e aos doutorandos Amanda Souza, Flora Augusta, Matheus Abreu e Maurício Branco, pelas doações para o custeio do evento.

    Necessário ainda registrar o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior (CAPES), pelo financiamento indireto do evento, através da concessão de bolsas de estudo aos membros da comissão organizadora do evento, o que só reforça o papel fundamental que as políticas governamentais voltadas para a pesquisa e desenvolvimento têm para a produção de conhecimento.

    A I SAEJ demarcou dois sentidos de esperança: a conservação de um legado que tem o diálogo como princípio básico do conhecimento científico, e a transformação pelo saber, própria da instituição universitária contemporânea, que tem na difusão do conhecimento para além de seus muros a sua própria vocação.

    Comissão organizadora

    A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA PÓS-GRADUAÇÃO: A EXPERIÊNCIA DA SEMANA DE ALTOS ESTUDOS DO PPGD/UFBA

    Analice Nogueira Santos Cunha

    ¹

    Julio Cesar de Sá da Rocha

    ²

    1 INTRODUÇÃO

    O conhecimento científico³ é fator de desenvolvimento das sociedades e as universidades constituem um dos espaços importantes para a produção, aperfeiçoamento e difusão do saber, através do ensino, pesquisa e extensão, articulados em processos educativos e formativos dos sujeitos cognoscentes voltados para sua participação social. Porém, esse papel transformador da realidade que possui a ciência é impactado quando os estudos e pesquisas científicas não conseguem atravessar os muros das instituições de ensino e alcançar outras organizações e a sociedade. É preciso pensar a educação superior abrindo espaço para aproximação e diálogo dos pesquisadores com seus pares e com a comunidade externa, desenvolvendo-se também em ambientes diversos, partindo do desafio de incorporar a maioria da população.

    Para uma maior valorização das pesquisas científicas e também como imperativo democrático, é preciso difundir os resultados e avanços obtidos. Assim, impõe-se articular o conhecimento produzido nas salas de aula, laboratórios, grupos de pesquisa e programas de pós-graduação com a comunidade. Nesse cenário, a prática extensionista se apresenta como ferramenta com a capacidade de criar oportunidades de trocas e espaços de contato, permitindo o diálogo, a popularização da ciência e a transformação social, além de aprendizados recíprocos e troca de saberes.

    O relevante papel da extensão possui reconhecimento constitucional, vez que nossa Carta prevê expressamente que o tripé ensino, pesquisa e extensão é indissociável, e que juntos eles compõem um princípio de observância compulsória pelas instituições universitárias. Esse mandamento é regulamentado na legislação através do estabelecimento de diretrizes, metas, planos, programas e políticas com a finalidade de garantir sua efetividade. Assim, a educação superior no Brasil é regida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), por Planos Nacionais de Educação (PNE), Decretos, Resoluções do Ministério da Educação (MEC), pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE), Portarias da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), bem como pelas normas internas das universidades.

    Especificamente no que diz respeito à pós-graduação, as normativas da CAPES trazem regras de criação e funcionamento dos programas, bem como estabelecem procedimentos avaliativos periódicos realizados a partir de critérios e indicadores que vão aferir, entre outras coisas, a realização da prática extensionista. A partir dessa avaliação é que os cursos são reconhecidos pela Câmara de Educação Superior do CNE (Conselho Nacional de Educação) e pelo MEC (Ministério da Educação).

    A importância da extensão universitária também faz parte da pauta das entidades e organizações da sociedade civil. Uma destas iniciativas importantes é a elaborada pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX) que resultou numa proposta de Política Nacional de Extensão Universitária e é utilizada como parâmetro por diversas normas universitárias.

    O presente artigo pretende refletir sobre a importância do papel da extensão universitária como ferramenta de comunicação e divulgação científica na pós-graduação, evidenciando a experiência da Semana de Altos Estudos do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia. A ação extensionista sob apreço tratou-se de uma iniciativa discente que congregou alunos, docentes, servidores, entidades estudantis e estudantes de graduação, apresentou as pesquisas produzidas no programa através de palestras, recebeu professores da casa e convidados externos para proferir conferências, promoveu intercâmbios interinstitucionais, cursos, lançamento de livros, debates, apresentação de artigos, publicação de anais, e a participação da comunidade externa. A primeira edição do evento foi realizada em 2019 na Faculdade de Direito (FDUFBA) e depois tornou-se uma atividade regular e periódica do programa, repetindo-se no ano de 2020.

    2 A IMPORTÂNCIA E REGULAMENTAÇÃO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

    O papel das universidades não se resume à formação de profissionais e estímulo à pesquisa científica, a estas instituições impõem-se igualmente o dever de estabelecer o diálogo e intercâmbio com a sociedade por meio do desenvolvimento de ações de divulgação e comunicação científica. Afinal, nas sociedades democráticas, educar e prestar contas do que se estuda e investiga constituem imperativo categórico fundamental. (CANDOTTI, 2002, p. 15) Nesse sentido, a extensão universitária se articula ao ensino e a pesquisa e se apresenta como uma estratégia para difusão do conhecimento, resultando em uma importante contribuição à sociedade.

    Para que as universidades possam cumprir seu mister, a Constituição Federal de 1988, garante às universidades a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Além disso, estabeleceu a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como princípio que deve guiar a atuação universitária. Com vistas a regulamentar essas disposições constitucionais, foi promulgada a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Essa norma estabelece que uma das finalidades universitárias é promover a extensão, que deve ser aberta à participação de toda a comunidade difundindo as conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas nas universidades.

    A Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001, por sua vez, traz o Plano Nacional de Educação, que uniformiza a educação no território brasileiro com vistas a diminuir as desigualdades e assimetrias. Esta norma exige que a prática extensionista esteja incluída nos currículos dos cursos universitários, reservando-se 10% da matriz curricular de toda graduação no ensino superior para ações extensionistas. A extensão está entre os objetivos e metas listados na norma, que prevê ainda a execução de um Programa de Desenvolvimento da Extensão Universitária em todas as Instituições Federais de Ensino Superior no quadriênio 2001-2004 (BRASIL, 2001),

    O novo Plano Nacional de Educação (PNE 2014), aprovado na Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014, avançou na disciplina da prática extensionista ao estabelecer seu caráter social além da curricularização, pois

    […] sustenta uma visão mais popular e emancipatória, representada pela prioridade que é dada à atuação em ‘áreas de grande pertinência social’ […] superando o enfoque eminentemente centrado na difusão de conhecimento acadêmico para uma inserção maior na realidade social e política brasileira (GADOTTI, p. 1-4).

    Dentre as instâncias executivas, o Conselho Nacional de Educação (CNE) exercendo a competência que lhe própria, publicou a Resolução n. 7, de 18 de dezembro de 2018 para disciplinar a meta 12.7 do PNE 2014 relativa à extensão universitária, definindo-a nos seguintes termos:

    Art. 3º A Extensão na Educação Superior Brasileira é a atividade que se integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo-se em processo interdisciplinar, político educacional, cultural, científico, tecnológico, que promove a interação transformadora entre as instituições de ensino superior e os outros setores da sociedade, por meio da produção e da aplicação do conhecimento, em articulação permanente com o ensino e a pesquisa.

    Essa normativa elenca uma série de ações que devem guiar como a extensão é pensada e realizada no ensino superior, quais sejam, criar o diálogo entre comunidade e universidade, formar os discentes e para o enfrentamento das questões da sociedade brasileira, integrar à matriz curricular, refletir sobre a ética e a dimensão social da universidade, construir conhecimentos voltados ao desenvolvimento da sociedade mais igualitário, comprometimento com os direitos humanos, a justiça, educação, meio ambiente, saúde, tecnologia e produção, e o trabalho. Além disso, a extensão deve ser constantemente avaliada e aprimorada, verificando sua pertinência social e adequação aos Projetos Pedagógico dos Cursos.

    A Política Nacional de Extensão Universitária⁴ é pactuada pelas Instituições Públicas de Educação Superior, reunidas no Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras (FORPROEX), definiu extensão universitária:

    A Extensão Universitária, sob o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é um processo interdisciplinar educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre a universidade e outros setores da sociedade. (FORPROEX, 2012, p. 28).

    Essa normativa também estabelece diretrizes orientadoras da extensão, como por exemplo, a interação dialógica, interdisciplinaridade e interprofissionalidade, indissociabilidade Ensino-Pesquisa-Extensão, impacto na formação do estudante, impacto e transformação social (FORPROEX, 2012, p. 29). Segundo o documento, o diálogo com a sociedade precisa incluir a comunidade externa, interdisciplinaridade e a interprofissionalidade trata das articulações intersetoriais, interorganizacionais e interprofissionais, a indissociabilidade entre Ensino-Pesquisa-Extensão visa aproximar universidade e a sociedade, o impacto na formação do estudante refere-se ao resultado de qualificação discente obtido através da participação na extensão. E, por fim, a diretriz relativa ao impacto e transformação social aponta para a relevância das contribuições que a prática extensionista traz para a transformação social.

    2. 1 A EXTENSÃO NA PÓS-GRADUAÇÃO

    A prática extensionista também deve fazer parte dos currículos dos programas de pós-graduação das universidades, por isso constitui um dos parâmetros de avaliação estabelecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O Relatório de avaliação quadrienal dos Programas de Pós-graduação em Direito (2013-2016) da CAPES traz como quesitos avaliativos: corpo docente, corpo discente, produção intelectual e inserção social, os quais poderão serão avaliados como muito bom, bom e regular, fraco, insuficiente e não aplicável.

    Assim, o relatório (BRASIL, 2017) indica que para obtenção do conceito muito bom exige-se que a proposta do programa contemple, entre outras coisas, uma Infraestrutura para ensino, pesquisa e, se for o caso, extensão e, no que tange à inserção social, é preciso demonstrar a realização de atividades de extensão, voltadas à concretização de interesses públicos ou sociais, e a realização de eventos em conjunto (simpósios, congressos, oficinas etc.), além de outras exigências.

    Ainda segundo o mencionado relatório da CAPES, 136 cursos foram avaliados naquele quadriênio, sendo 96 mestrados acadêmicos, 3 mestrados profissionais e 36 doutorados. Quanto ao quesito inserção social, no qual está inserido mais expressamente a prática extensionista, 37 cursos tiveram conceito muito bom, 29 bom, 28 regular e 1 fraco, nenhum curso foi considerado insuficiente.

    Os números aferidos pela CAPES evidenciam que a prática extensionista ainda merece mais investimento por parte dos programas de pós-graduação e que essa é uma medida importante e urgente para uma maior qualificação dos mestrados e doutorados existentes no país.

    3 A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO FERRAMENTA DE COMUNICAÇÃO E DIVULGAÇÃO DA CIÊNCIA

    Freire (1983, p. 51) defende que devemos aproximar o mundo, o homem e os processos educativos, pois é preciso ver a educação, portanto, em sua interação com a realidade, que ele sente, percebe e sobre a qual exerce uma prática transformadora. Assim, a extensão é uma estratégia para não faltar mundo nas universidades. Nesse sentido, popularizar o conhecimento demanda muito mais do que divulgação científica, é preciso um espaço de trocas e de comunicação entre a comunidade extramuros e a universidade. Assim devemos considerar o outro, não só tornando o discurso científico acessível, mas levando em conta o saber do grupo, com seus componentes culturais e políticos (SOUSA, 2000, p. 32).

    As universidades, docentes e pesquisadores devem necessariamente buscar os meios de garantir a popularização dos conhecimentos científicos, apresentando à comunidade em geral os resultados de suas pesquisas e a extensão universitária é uma importante estratégia, pois tem a aptidão de criar espaços para promover exposições e trocas com o público não especializado numa perspectiva diferenciada, mais dialógica e compreensível. Mas para Candotti essa é também uma responsabilidade política das universidades, pois

    São as instituições públicas – universidades, institutos etc. – as únicas que têm a possibilidade de resistir às pressões dos interesses econômicos ou corporativos. Deixar essa responsabilidade aos indivíduos, mesmo que cientistas respeitáveis, seria abandonar a possibilidade de preservar, entre nossos ideais, o de construir um mundo mais justo e igualitário (CANDOTTI, 2006, p. 18)

    Importa ressaltar que a divulgação científica não é apenas página de literatura, na qual as imagens encontram as palavras (quando as encontram), mas exercício de reflexão sobre os impactos sociais e culturais de nossas descobertas. (CANDOTTI, 2006, p. 17). Garantir a livre circulação das ideias e do conhecimento científico pode e deve ir muito além da produção de artigos especializados. Nesse contexto, a extensão universitária, ao promover a proximidade e intercâmbio entre especialistas, universidade e comunidade, se coloca como estratégia imprescindível para essa realização dessa missão.

    Mas a realização de ações de extensionistas dependem de investimento e incentivo das instituições universitárias e também da conscientização dos docentes e pesquisadores acerca da importância da socialização e intercâmbio dos conhecimentos científicos para o público como um processo próprio e contínuo da academia com a missão de contribuir com o desenvolvimento da sociedade.

    A Universidade Federal da Bahia, por exemplo, tem histórico de extensão universitária com o Projeto UFBA em Campo na década de 80 e com as Ações Curriculares em Comunidade e Sociedade (ACCS) com discentes da graduação e pós-graduação⁵, inclusive na Faculdade de Direito⁶.

    4 A EXPERIÊNCIA DA SEMANA DE ALTOS ESTUDOS - SAEJ

    A Semana de Altos Estudos Jurídicos nasceu de uma iniciativa do corpo discente do Programa de Pós-graduação em Direito da UFBA e articulou docentes, técnicos-administrativos, estudantes da graduação, entidades estudantis para sua organização e realização. O objetivo geral da proposta foi a criação de um espaço destinado à apresentação para a comunidade acadêmica e à sociedade em geral das pesquisas produzidas pelos Doutorandos e Mestrandos do Programa de Pós-graduação em Direito da UFBA (PPGD/UFBA), e assim, promover a publicidade, diálogo e difusão do conhecimento sobre temas jurídicos socialmente relevantes e contemporâneos.

    O evento ocorreu em 2019 e teve a duração de três dias, com carga horária total de 30 (trinta) horas/aula para fins de integralização curricular. A programação proposta foi bastante complexa e diversificada, compreendendo seis conferências, vinte palestras, quatro minicursos, um evento de lançamento de livros, além quatro grupos de trabalho onde foram selecionados e apresentados artigos acadêmicos da comunidade interna e externa.

    Assim, as conferências foram ministradas por professores pertencentes aos quadros da UFBA e de outras instituições de ensino superior nacionais e internacionais. As palestras, por sua vez, foram apresentadas pelos Doutorandos concluintes do PPGD, os quais apresentaram à comunidade acadêmica e à sociedade as suas pesquisas que estavam sendo produzidas no âmbito do programa.

    Por sua vez, foram atribuídos aos quatro grupos de trabalho realizados as temáticas correspondentes às linhas de pesquisa do PPGD/UFBA, quais sejam: Direito Penal e Liberdades Públicas; Estado Democrático de Direito e Acesso à Justiça; Direitos Fundamentais, Cultura e Relações Sociais; Direitos Pós-Modernos Bioética, Cibernética, Ecologia e Direito Animal. Os artigos apresentados aos grupos de trabalho foram selecionados através de edital e avaliados por uma comissão composta de Mestrandos (as) e Doutorandos (as) do próprio Programa. Como resultado, sessenta e um artigos foram aprovados, e destes, cinquenta e oito apresentados no evento e publicados nos anais eletrônicos⁷ do evento.

    Para sua realização, o evento recebeu apoio institucional de diversas instâncias universitárias, entidades estudantis e instituições externas, como a Pró-Reitoria de Ensino de Pós-Graduação da UFBA (PROPG), Faculdade de Direito da UFBA (FDUFBA), Oficina de Relações Internacionais da FDUFBA (ORI), Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos (CEPEJ), Centro Acadêmico Ruy Barbosa (CARB), Ordem dos Advogados do Brasil-Seção Bahia (OAB/BA), Caixa de Assistência ao Advogado (CAAB), Fundação Orlando Gomes, Escola de Magistrados da Bahia (EMAB), Associação Baiana de Estudos Jurídicos (ABEJ), Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino do Estado da Bahia (APUB), Restaurante Mustafá e Floricultura Rosa Menina.

    O evento preocupou-se em não se restringir a um círculo restrito, desde a sua organização até a sua realização. Na sua organização, congregou docentes, servidores, discentes de doutorado, mestrado e graduação, entidades estudantis, e pessoas da comunidade externa, os quais atuaram como palestrantes, monitores, avaliadores de artigos e apoio à organização. No que diz respeito à realização da SAEJ, para garantir que o evento alcançaria não apenas a audiência especializada, mas também o público em geral, houve a preocupação com a dimensão dos espaços, com a acessibilidade das inscrições e metodologia inclusiva das suas atividades.

    O evento teve grandes dimensões físicas, ocupando diversos espaços da Faculdade de Direito da UFBA. O Auditório Raul Chaves recepcionou todas as conferências. As palestras ocorreram simultaneamente no Auditório e na Sala da Congregação. Os grupos de trabalho e minicursos ocorreram em seis salas de aula. A Sala da Ouvidoria foi cedida à Comissão Organizadora, servindo de secretaria durante os dias do evento. Ao todo, a SAEJ ocupou os seguintes espaços da FDUFBA: o Auditório Raul Chaves, a Sala da Congregação, o Foyer, a Sala da Ouvidoria, seis salas de aula.

    As inscrições foram abertas a toda comunidade acadêmica e sociedade em geral, e realizadas gratuitamente. Assim, cerca de setecentos inscritos entre profissionais, alunos de pós-graduação e graduação de várias regiões da Bahia e do Brasil, além da comunidade externa se inscreveram no evento. As palestras nas quais as pesquisas produzidas no PPGD/UFBA foram apresentadas obedeceram a uma metodologia que permitiu a realização de debates e a interação direta dos pesquisadores com a audiência, sem intermediários. Essa proximidade e diálogo do pesquisador com o público especializado e leigo permite uma melhor compreensão de como os avanços científicos impactam em sua vida das pessoas e criam oportunidades para críticas e aperfeiçoamentos.

    Assim, a SAEJ realizada pelo PPGD/UFBA seguiu a trilha das diretrizes constitucionais e normativas que determinam a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, pois é resultado de uma reflexão da dimensão social da universidade, comprometida com os direitos humanos, a justiça, educação, adequando-se à proposta do programa e expressando interdisciplinaridade, promoveu articulações interorganizacionais e interprofissionais, proporcionou o diálogo entre especialistas, comunidade e universidade, resultando em um impacto positivo na formação dos estudantes e também um impacto e transformação social.

    5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

    A Constituição Federal e a legislação aplicável à educação e ensino superior reforçam a atribuição de um sentido ético e social às universidades que vincula seu papel à construção do conhecimento em favor da cidadania e com compromisso social. Para tanto, a divulgação e popularização do saber produzido nos espaços universitários deve ultrapassar os muros dos campi e alcançar o mundo que os cercam.

    A livre circulação de ideias, a valorização da ciência, o diálogo e intercâmbio com a sociedade não são apenas exigências acadêmicas, mas são imperativos democráticos. As instituições de ensino superior devem envidar esforços no sentido de torná-los realidade no cotidiano dos seus processos formativos. E, nesse contexto, a prática extensionista é uma estratégia que deve ser empregada, vez que está indissociavelmente vinculada ao ensino e à pesquisa e porque, por sua natureza, possui a aptidão para promover esses espaços e oportunidades de diálogo e troca entre saberes.

    A Semana de Altos Estudos inspirou-se nesses valores e consistiu numa iniciativa extensionista que fomentou o debate intenso e frutífero sobre as pesquisas produzidas no âmbito do PPGD/UFBA, proporcionando a abertura e o estreitamento de relações entre programa, professores, pesquisadores, servidores, alunos e comunidade externa. Essa experiência exitosa tornou-se uma ação regular e periódica, repetindo-se numa segunda edição virtual no ano de 2020, resistindo aos desafios impostos pela emergência sanitária internacional causada pela pandemia de COVID-19, numa demonstração de reconhecimento institucional do seu valor para a formação do corpo discente, para a qualificação do programa, fortalecimento do ensino jurídico e de sua contribuição social na comunicação e divulgação científica.

    Referências

    BRASIL. Constituição 1988. Constituição Da República Federativa Do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 05 jan. 2021.

    BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso: em 15 jan. 2021.

    BRASIL. Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em 05 jan. 2021.

    BRASIL. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 05 jan. 2021.

    BRASIL. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Diretoria de Avaliação. Relatório da Avaliação Quadrienal 2017. Educação. 2017. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/20122017-educacao-relatorio-de-avaliacao-quadrienal-2017-final-pdf. Acesso em: 05 jan. 2021.

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    BUENO, Wilson Costa. Comunicação Científica e Divulgação Científica: aproximações e rupturas Conceituais. Disponível em: https://brapci.inf.br/index.php/article/download/14078. Acesso em: 10 mar 2021.

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    FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

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    ROCHA, Julio Cesar de Sá da; FERREIRA, Patrícia Galvão; OLIVEIRA, Isabela Fadul de (Autor); CARVALHO, Francisco Bertino de. Ensino jurídico: experiências e desafios em tempos de pandemia e pós-pandemia de covid-19. Salvador: Direito levado a sério, 2020.

    ROCHA, Julio Cesar de Sá da; NASCIMENTO, Roberta. Atividade Curricular em Comunidade e Sociedade (ACCS) e os Povos Tradicionais: experiência de Campo do Curso de Direito da Universidade Federal da Bahia. Revista Jurídica Luso-Brasileira, n. 2, ano 2, 2016.

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. CONSELHO ACADÊMICO DE PESQUISA E EXTENSÃO. Resolução n. 02/2012. Aprova o Regulamento de Extensão Universitária da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Disponível em: https://www.ufba.br/sites/portal.ufba.br/files/Resolução%2002.2012_1.pdf. Acesso em: 04 mar 2019.

    ¹ Mestra e Doutora em Direito pelo PPGD/UFBA. Professora Substituta da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Vice-coordenadora Geral da Semana de Altos Estudos do PPGD/UFBA-2019.

    ² Mestre e Doutor em Direito pelo PPGD/UFBA. Pós-doutor em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia. Professor da Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBA. Diretor da Faculdade de Direito da UFBA.

    ³ Ressalte-se que nem todo conhecimento é de natureza científica, sendo relevante, por exemplo a produção do conhecimento tradicional pelas comunidades.

    ⁴ Tem como referência o Plano Nacional de Extensão, publicado em novembro de 1999 (que atualmente encontra-se em revisão), o documento Política Nacional de Extensão universitária, aprovado em maio de 2012, e os seus demais documentos básicos disponíveis no Fórum: www.renex.org.br.

    ⁵ Ação Curricular em Comunidade e em Sociedade (ACCS) é um componente curricular, modalidade disciplina, de cursos de Graduação e de Pós-Graduação, com carga horária mínima de 17 (dezessete) horas semestrais, em que estudantes e professores da UFBA, em uma relação com grupos da sociedade, desenvolvem ações de extensão no âmbito da criação, tecnologia e inovação, promovendo o intercâmbio, a reelaboração e a produção de conhecimento sobre a realidade com perspectiva de transformação", conforme Resolução N. 01/2013 do CONSEPE UFBA.

    ⁶ A Ação Curricular em Comunidade e em Sociedade (ACCS) História do Direito, Direito Ambiental e Povos e Comunidades Tradicionais, atividade da Faculdade de Direito da UFBA coordenada pelo Professor Julio Cesar de Sá da Rocha, recebeu Prêmio de Destaque da 3ª Edição do Prêmio Esdras de Ensino Jurídico da Fundação Getúlio Vargas São Paulo, entre as iniciativas de ensino jurídico em todo o Brasil. A conquista foi anunciada na última sexta, dia 23 de outubro, pela FGV SP. A ACCS, que foi implantada e é oferecida no Curso de Direito da UFBA em 2011, se propõe a aproximar a universidade dos povos e comunidades tradicionais, seus saberes e modos de vida tradicionais, e discute em que medida uma atividade de extensão pode romper com a construção dogmática hegemônica nos cursos jurídicos, baseada no direito dos códigos, não considerando o direito concreto, das ruas, da sociedade, dos grupos vulneráveis. Disponível em: https://ejurparticipativo.direitosp.fgv.br/portfolio/acao-curricular-comunidade-sociedade-accs.

    ⁷ Disponível em: http://www.altosestudos.direito.ufba.br/ .

    O ECOCÍDIO COMO CRIME AUTÔNOMO NO DIREITO PENAL AMBIENTAL⁸ INTERNACIONAL

    Ecocide as an autonomous crime in the International Environmental Crimal Law

    Heron José de Santana Gordilho

    Fernanda Ravazzano

    ¹⁰

    RESUMO: O presente artigo de revisão de literatura analisa o crime de ecocídio, caracterizado pela ofensa massiva ao meio ambiente capaz de provocar a morte de animais ou vegetais, ou por tornar inapropriados o uso das águas, o solo, subsolo e/ou o ar, e ocasionando também graves danos à vida humana. Utilizando o método hermenêutico, o artigo utiliza a interpretação declaratória para demonstrar que as práticas ecocidas podem ser consideradas como crime contra a humanidade previsto na alínea k do artigo 7° do Estatuto de Roma. Para este enquadramento é imprescindível que se preencham os requisitos objetivos e subjetivos do tipo, quais sejam, um ataque generalizado ou sistemático a uma população civil, praticado de forma dolosa, exigindo-se ainda o objetivo político do ataque como fim específico do crime. Por fim, o artigo conclui pela insuficiência da mera adequação do crime de ecocídio aos delitos contra a humanidade, propondo uma Emenda ao estatuto de Roma para incluir o tipo penal de ecocídio de forma autônoma.

    Palavras-chave: Direito Ambiental; Crimes contra a humanidade; Tribunal Penal Internacional; Princípio da legalidade; Estatuto de Roma.

    ABSTRACT: The present review article analyzes the crime of ecocide, which is characterized by a massive environmental offense capable of causing the death of animals or plants, or of rendering inappropriate the use of water, soil, subsoil and / or air, and also causing serious damage to human life. Using the hermeneutical method, the article uses declaratory interpretation to demonstrate that ecocidal practices can be considered as a crime against humanity provided for in Article 7 (k) of the Rome Statute. For this framework, it is imperative that the objective and subjective requirements of the type, ie, a generalized or systematic attack on a civilian population, practiced in an intentional way, be demanded, and the political objective of the attack is also demanded as a specific purpose of the crime. Finally, the article concludes that the mere inclusion of the ecocide crime as an offense against humanity does not suffice to address its matter. Therefore, an amendment to Rome’s Statute, aiming to include ecocide as an autonomous criminal type, is suggested.

    Keywords: Environmental Law; Crimes against humanity; International Criminal Court; Principle of legality; Rome Statute.

    Introdução

    A presente pesquisa tem por finalidade analisar a recente decisão do Tribunal Penal Internacional em reconhecer o ecocídio no âmbito de sua competência material e as repercussões geradas pela decisão aos países signatários.

    Daí surgem alguns problemas: primeiramente, qual seria, de fato, a definição de ecocídio?

    Se não houve a proposta e aprovação de emenda para alterar a competência material do Tribunal Penal Internacional, em qual delito já existente no Estatuto de Roma o ecocídio poderia estar enquadrado?

    Quais os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal já previsto que abarcaria o delito em análise?

    Haveria uma adequação imediata? É possível uma interpretação declaratória, extensiva ou analogia in malam partem? Isto não violaria o princípio da legalidade?

    Os Estados signatários do Estatuto de Roma são obrigados a acatar esta nova definição?

    Por fim, o artigo analisa se seria eficaz a manutenção desta interpretação ou o ideal seria uma emenda modificativa do diploma legal internacional?

    Inicialmente, o artigo analisa a competência material do Tribunal Penal Internacional estabelecida pelo estatuto de Roma. Em seguida, serão analisados os crimes internacionais de especial gravidade, para saber se o crime de ecocídio pode estar incluído em algum deles. Por fim, o artigo analisa a possibilidade de aplicação do tipo penal ecocídio aos países signatários do Estatuto de Roma.

    1 Competência material do Tribunal Penal Internacional

    Inicialmente, é preciso analisar os crimes da competência do Tribunal Penal Internacional (TPI) para vislumbrar se o delito de ecocídio se adéqua aos tipos já existentes, ou se houve uma ampliação equivocada do alcance do Estatuto de Roma, o que violaria o princípio da legalidade.

    Antes de adentrar na competência material, cumpre relembrar que a competência do TPI é complementar, sendo admitida apenas para os delitos sem previsão nas legislações internas dos Estados-membros que reconhecem e ratificaram o Tratado que criou o tribunal.

    Segundo Flávia Piovesan:

    O Tribunal Internacional Penal surge como um aparato complementar à jurisdição penal nacional. O Estatuto de Roma reitera a ideia de que o Estado tem a responsabilidade primária, o dever jurídico de emprestar a sua jurisdição. No entanto, se isso não ocorrer, a responsabilidade subsidiária é da comunidade internacional. Lembro, ainda, os arts. 17 a 19 do Estatuto que preveem as condições de admissibilidade para a jurisdição do Tribunal Internacional, como a não-disposição ou a incapacidade de o Estado julgar esses crimes, o que inclui a inexistência de um processo imparcial independente, o colapso do sistema judicial nacional, a impossibilidade de obtenção de provas, testemunhas necessárias etc. Dessa maneira, entendemos que o Estatuto busca equacionar a garantia do direito à justiça, o fim da impunidade, a soberania do Estado à luz do Princípio de Complementariedade.

    ¹¹

    Assim, o TPI somente atuará, de forma complementar e subsidiária, nas situações expressamente previstas no artigo 1° do Estatuto de Roma, de modo que o TPI poderá exercer a sua jurisdição quando o delito não estiver previsto na legislação do Estado signatário, ou quando, havendo esta previsão, for constatado o colapso da justiça do país, ausência de imparcialidade ou desinteresse em julgar a demanda. De fato, os crimes da competência material do TPI encontram-se descritos no artigo 5° do Estatuto de Roma.

    ¹²

    O ecocídio consiste em destruição ou perda extensa do ecossistema de um determinado território, em razão de conduta humana ou por outras causas, de tal forma que o gozo pacífico dos habitantes de tal território seja ou venha a ser severamente prejudicado.

    ¹³

    Esta é uma modalidade de delinquência ecológica que viola os valores da vida, integridade emocional, saúde, estética e da própria felicidade, valores que resultam da fruição dos elementos da natureza (águas, ar, solo, flora, fauna e paisagem).

    ¹⁴

    Não obstante, para ser admitido perante o Tribunal Penal Internacional (TPI), o ecocídio deve ser uma ofensa massiva ao meio ambiente, capaz de ocasionar graves danos ao ecossistema e violações à fauna, flora, ao ar e/ou as águas, de sorte a determinar a morte de vários espécimes animal ou vegetal, ou tornar inapropriado o uso águas, do solo, subsolo e/ou do ar, de modo a ocasionar abalos à própria vida humana.

    Os crimes da competência material do Tribunal Penal Internacional encontram-se descritos no artigo 5° do Estatuto de Roma, e serão tecidos comentários acerca de tais figuras delitivas – sem pretender esgotar o assunto – tendo em vista a necessidade de adequação do crime de ecocídio a um dos tipos penais já existentes.

    Com efeito, são da competência da Corte Internacional as infrações de especial gravidade, cuja ofensa ultrapasse os interesses individuais e que afetem a todas as nações por violação à paz social.

    Os delitos em espécie são o crime de genocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e o crime de agressão. Nos artigos subsequentes o Estatuto define tais delitos, salientando, todavia, quanto ao crime de agressão, que haverá posterior discussão e aprovação da redação que explicará seu conteúdo – o que somente ocorreu na Conferência em Kampala.

    2 O ecocídio pode ser considerado crime de genocídio?

    Embora a tipificação do crime de genocídio, descrito no artigo 6° do Estatuto de Roma, tenha ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, mais especificamente durante os processos de Nuremberg, os seus antecedentes históricos remontam ao Século XVI, vale dizer, ao massacre de São Bartolomeu, ocorrido na França em 1572, e ao extermínio dos índios na América Latina.

    ¹⁵

    Em 1944, Raphael Lemkin, um advogado judeu polonês, utilizou pela primeira vez o termo, combinando a palavra grega geno, que significa raça ou tribo, com a palavra latina cídio, que significa matar, para descrever as políticas nazistas de assassinato sistemático, incluindo a destruição dos judeus europeus.

    ¹⁶

    Para Lemkin o genocídio é um plano coordenado, com ações de vários tipos, que objetiva à destruição dos alicerces fundamentais da vida de grupos nacionais com o objetivo de aniquilá-los. No ano seguinte, o Tribunal Militar Internacional instituído em Nuremberg, Alemanha, acusou os líderes nazistas de haverem cometido crimes contra a humanidade, mas adotou a palavra genocídio no processo, embora de forma apenas descritiva.

    ¹⁷

    O tipo insculpido no Estatuto de Roma, porém, exige para sua configuração que as condutas descritas no tipo sejam praticadas com o dolo específico de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

    ¹⁸

    Para tanto, o sujeito deverá praticar qualquer das seguintes condutas: promover o homicídio; ofensas graves à integridade física ou mental dos membros do grupo; sujeitá-los a condições que ocasionem a sua destruição física, total ou parcial; implementar medidas que impeçam o nascimento de membros do grupo ou promover forçosamente a transferência de suas crianças para outros grupos.

    É importante destacar que devido à taxatividade do tipo, uma interpretação positivista restritiva do mencionado tipo penal não protege outros grupos além dos grupos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos, daí a necessidade de uma interpretação extensiva que inclua outros grupos culturais ou políticos.

    ¹⁹

    Daniel Eduardo Rafecas, analisando as barbáries cometidas na época da ditadura militar na Argentina entende que se tratou, em verdade, de genocídio de grupos políticos, o qual denominou de politicídio, embora, diversamente de Van Schaak, proponha uma emenda ao Estatuto de Roma para dispor sobre tal prática.

    ²⁰

    Seja como for, é importante preservar o princípio da legalidade, de onde decorre a taxatividade, não sendo, portanto, possível uma interpretação extensiva para incluir a destruição, total ou parcialmente, grupos culturais ou políticos.

    ²¹

    As condutas acima descritas somente restarão qualificadas como genocídio a partir do momento em que se constatar a intenção do sujeito na destruição do grupo nacional, étnico, racial ou religioso, caso contrário teremos outras figuras típicas, não desafiando a atuação do TPI.

    Neste sentido, discordamos de Kai Ambos, que se alinha a doutrina alemã, compreendendo que para a configuração do tipo basta o dolo genérico, cabendo, inclusive, o dolo eventual:

    b) Tipo Subjetivo

    [...] As ações mencionadas devem tender, por isso, à destruição de um dos grupos mencionados, e a intenção de destruição deve referir-se a esses grupos. Trata-se de um delito de intenção (Absichts-oder Zieldeilkt) que corresponde estruturalmente à tentativa. O ICTY estabeleceu requisitos muito exigentes na fundamental sentença Jelisic. Quanto às opiniões discrepantes, retornar-se-á em outro lugar.

    Por outra parte – junto com a intenção especial – deve existir dolo (genérico). Nesse sentido, é suficiente, ao menos segundo a compreensão alemã, o dolus eventualis.

    ²²

    Parece mais acertada a concepção de Heleno Fragoso²³ e Carlos Eduardo Japiassú²⁴ que entendem o elemento subjetivo é necessariamente específico.

    Por fim, paira ainda divergência doutrinária, como bem explicitado por Japiassú, quanto ao bem jurídico a ser violado, pois é preciso saber se este tipo de crime ofende bens individuais ou coletivos, embora seja claro que o bem jurídico violado é coletivo, supraindividual, pois não atinge a vida de um indivíduo isolado, mas de toda um grupo de pessoas.

    ²⁵

    Ao se analisar a definição de ecocídio, percebe-se que não há correlação com o tipo penal ora em estudo, quer pela própria descrição das condutas, quer em razão do dolo específico exigido para sua configuração, de modo que – a menos que se considere os animais como um grupo racial – não existe possibilidade de adequação do ecocídio ao crime de genocídio.

    3 Ecocídio como crime contra a humanidade

    Embora existissem onze documentos que mencionando esta prática, a definição dos crimes contra a humanidade suscitou debates intensos durante a Conferência de Roma, tendo em vista que, mesmo após o julgamento de Nuremberg, não havia uma convenção internacional que definisse tal delito, diferentemente do que ocorreu com o crime de genocídio.

    ²⁶

    Como existiam elementos em comum entre os diversos documentos internacionais que mencionavam os crimes contra a humanidade, isto, de certa forma, auxiliava no enquadramento desta conduta.

    Com efeito, vários diplomas definiam os crimes contra a humanidade, tais como o artigo 6° da Carta do Tribunal Militar de Nuremberg; o artigo 5° das normas análogas ao Tribunal para o Extremo Oriente (Allied Control Council Law n. 10); a Declaração dos Direitos do Homem de 1948, cuja definição foi repetida depois pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 (artigos 7 e 10) e pelo Pacto de San Jose da Costa Rica de 1969, (artigos 5º e 6º).

    A definição dos crimes contra a humanidade, todavia, só vai aparecer no artigo 7º do Estatuto dos Tribunais ad hoc instalados por resolução do Conselho de Segurança da ONU exclusivamente para julgar os crimes praticados nos territórios da antiga Iugoslávia e em Ruanda.

    ²⁷

    Com a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI), o primeiro tribunal penal permanente, através de tratado – o Estatuto de Roma (ER) – os crimes contra a humanidade passam a ser tipificados como o ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil, envolvendo homicídio, extermínio, escravidão, deportação ou transferência forçada, prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, tortura, agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada ou outra forma grave de agressão sexual, perseguição de um grupo ou coletividade por motivos de raça, cor, etnia, nacionalidade, cultura, gênero, religião, política, desparecimento forçado de pessoas e apartheid.

    ²⁸

    Fácil perceber a intenção do legislador em trazer o máximo de condutas possíveis para a configuração dos crimes contra a humanidade, ainda que novas práticas de destruição em massa, não previstas pelo ER, continuem a ser desenvolvidas e utilizadas por regimes autoritários.

    Para a configuração do crime contra a humanidade, além das condutas previstas no dispositivo em análise, é necessário que ocorra um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil com um número significativo de vítimas, um critério quantitativo que exige que a prática tenha uma estratégia metodológica, isto é, que tenha sido planejada e organizada.

    ²⁹

    Digno de nota é o fato do artigo 7° ter optado por retirar a expressão conflitos armados, a fim de não gerar confusão com o crime de guerra e ampliar o alcance da norma para outras situações que não encontrem definição naquele tipo.

    ³⁰

    Flávia Piovesan faz a seguinte diferenciação entre os crimes contra a humanidade e o crime de genocídio:

    No que toca ao crime de genocídio, o Estatuto acolheu a mesma definição estipulada pelo artigo 2º da Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio adotada pelas Nações Unidas, em 9 de dezembro de 1948, e ratificada pelo Brasil em 4 de setembro de 1951. Costumava-se diferenciar o crime de genocídio dos crimes contra a humanidade, pois esses últimos estavam restritos aos períodos de guerra. Com a ampliação do conceito de crimes contra a humanidade também para períodos de paz, o crime de genocídio passou a ser considerado a mais grave espécie de crime contra a humanidade. O fator distintivo do crime de genocídio frente a outros crimes é encontrado em seu dolo específico, tangente ao intuito de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. A destruição pode ser física ou cultural.

    ³¹

    Para a configuração dos crimes contra humanidade é necessária uma intencionalidade especial, além do próprio dolo, qual seja, a consciência dos autores de que participam de um ataque.

    ³²

    Não obstante, o ecocídio pode ser enquadrado como um crime de guerra?

    4 O ecocídio como um crime autônomo e a necessidade de sua tipificação pelo Estatuto de Roma

    O ecocídio pode ser considerado crime de guerra se, do uso de armas nucleares ou químicas, resultem danos ao meio ambiente, uma vez que a guerra, por sua própria definição, é contrária ao desenvolvimento sustentável, existindo uma tensão evidente entre os danos ambientais e o desenvolvimento de novas tecnologias militares.

    ³³

    Não obstante, o Tribunal Penal Internacional (TPI) optou por enquadrar o ecocídio como crime contra a humanidade, talvez por não desejar criar uma resistência ainda maior dos Estados-signatários, obrigando-os a rediscutir um texto cuja aprovação já foi controvertida na redação do Estatuto de Roma.

    ³⁴

    Se para o TPI o ecocídio é uma grave violação aos direitos humanos, insta trazer três questionamentos: a) em qual tipo penal previsto pelo Estatuto de Roma poderia ser enquadrado o crime de ecocídio?; b) trata-se de uma nova interpretação deste tipo penal ou apenas uma adequação imediata da redação prevista; c) se for uma nova interpretação, isto desafiaria a convocação de uma Assembleia específica com representantes dos Estados signatários do Estatuto a fim de aprovar essa interpretação, ou todos os Estados que reconhecem o Tribunal estariam vinculados a essa nova interpretação?

    Percebe-se que o problema versa sobre a adequação típica e interpretação do tipo penal ecocídio, com as suas consequentes repercussões no âmbito internacional, pois diante da compreensão da doutrina de que o ecocídio consiste em grave violação aos direitos humanos, a priori, não há por que se discutir a possibilidade da competência do Tribunal Penal Internacional para processar e julgar tais delitos.

    Como todos possuem o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, ainda que esse direito não esteja expressamente previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, ele faz parte do bloco de constitucionalidade das principais constituições contemporâneas.

    ³⁵

    A tendência atual é a de ampliar a concepção da proteção internacional dos direitos humanos, incluindo o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como fez o Relatório da Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) de Direitos Humanos e Meio Ambiente, de 4 de abril de 2002, sobre o cumprimento da AG/Res. 1819 (XXXI-O/01).

    ³⁶

    Assim, entende-se que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental e que a sua violação configura grave violação aos direitos humanos, o ecocídio pode ser considerado uma modalidade de crimes contra a humanidade.

    É que o meio ambiente ecologicamente equilibrado preserva a manutenção da própria vida, sendo imperioso concluir que a sua violação cria riscos para a própria sobrevivência da espécie humana.

    Tratando-se de crime contra a humanidade, cumpre indagar: é possível chegar a tal conclusão com a simples leitura do artigo 7° do ER, tendo em vista que o mencionado dispositivo não traz em sua descrição as violações ao meio ambiente?

    Retomando a análise do que dispõe o artigo 7° do Estatuto de Roma, questiona-se se, de fato, há uma adequação imediata ao tipo previsto naquele diploma, pois se o ecocídio consiste em grave violação aos direitos humanos, pode-se subsumir a conduta à alínea k do artigo 7° do Estatuto de Roma, desde que se considere o crime contra o meio ambiente toda ação ou omissão dolosa que afete gravemente a integridade física ou a saúde mental da população.

    ³⁷

    As definições anteriormente trazidas não são suficientes para enquadrar o ecocídio como um crime contra a humanidade, e é aí reside a problema central desta pesquisa: a mera afirmação de que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental e que os crimes contra o meio ambiente afetam a qualidade de vida dos indivíduos não é suficiente para a adequação do ecocídio ao artigo 7°.

    É necessário que, em razão do quanto descrito no dispositivo em análise, o ecocídio se configure quando, da conduta, resultar em um dano ambiental que afete gravemente a integridade física ou a saúde mental da população.

    Não obstante, o caput do artigo 7° exige que o delito seja praticado a partir de um ataque generalizado ou sistemático, dirigido a uma população civil, de modo que a definição de ecocídio exige a prova dessa particularidade.

    Assim, para que a prática do ecocídio seja considera um crime contra a humanidade, a acusação deve provar de que conduta praticada foi um ataque generalizado ou sistemático que provocou um dano ambiental o qual, por sua vez, resultou em um grave comprometimento da saúde física ou mental de uma população civil – como por exemplo, o lançamento deliberado de um produto tóxico em um rio que abasteça a população local – caso contrário, estar-se-á admitindo a analogia in malam partem, proibida nos Estados Democráticos de Direito.

    Tanto a doutrina quanto a jurisprudência consideram que o crime contra a humanidade só resta configurado quanto existe um elemento político, isto é, a prova de que esta prática fez parte de uma política engendrada ou inspirada pelo Estado ou por organização similar.

    Tanto a jurisprudência – internacional e interna dos Estados – quando a doutrina e os estatutos dos tribunais criminais internacionais anteriores exigiam a prova do referido elemento político para esse tipo de delito.

    ³⁸

    Em virtude de tais constatações, e levando em consideração que o ecocídio deve ser punido em quaisquer de suas formas por violar um direito fundamental, Polly Higgins propôs, em 2010, uma emenda ao Estatuto de Roma, prevendo expressamente no artigo 5° o crime de ecocídio.

    ³⁹

    Esta solução é a mais interessante, pois permite uma atuação mais ampla do TPI, reprimindo o ecocídio por danos ao próprio meio ambiente, independentemente dos danos à saúde física ou psíquica dos humanos.

    Steven Freeland (2010) cita, como exemplo, o caso Darfur, no Sudão, em que foram envenenados poços e instalações de água potável da região pelos Janjaweed, com apoio do governo central, para remover africanos de etnia negra da região.

    ⁴⁰

    Neste caso percebe-se que houve um ataque sistemático, com dolo específico – o fim político da ação, – configurando um ato desumano que provocou grande sofrimento e dano físico e emocional, além do crime de homicídio massivo.

    Mesmo havendo adequação típica, resta saber se se trata de uma interpretação declaratória ou de uma interpretação extensiva do tipo, ou mesmo, da ampliação da punibilidade, o que configuraria uma analogia disfarçada.

    Constatando que o ecocídio é um crime contra a humanidade, entende-se que, uma vez preenchidos os requisitos elencados no item 4.2, ou seja, uma conduta dolosa praticada como ataque generalizado ou sistematizado, com o intuito de provocar danos à saúde física ou mental de uma população civil, não há o que se questionar quanto a admissibilidade de tal conduta pelos Estados signatários do Estatuto de Roma.

    Pense-se na hipótese de que pessoas físicas ou jurídicas, com a intenção de lesar uma população, contamine a água, despejando substâncias tóxicas em rios ou quaisquer reservatórios de água, provocando danos físicos ou à saúde mental das pessoas? Neste caso teremos a modalidade de ecocídio como um crime contra a humanidade, com adequação imediata ao artigo 7, alínea k do Estatuto.

    Não se trata de analogia in malam partem, pois o caso se adéqua perfeitamente ao tipo previsto no Estatuto de Roma, mas é preciso saber, no caso concreto se, de fato, não se trata de uma interpretação extensiva em prejuízo do réu.

    Com efeito, o artigo 22 do Estatuto de Roma, veda o emprego da analogia de forma expressa e mesmo da interpretação extensiva, ao estabelecer que o tipo será preciso e que não será admita interpretação em desfavor do investigado ou acusado.

    ⁴¹

    O problema reside em saber se há correlação entre o texto e os elementos previstos no tipo ou uma ampliação da punibilidade, saltando o conteúdo do seu bojo, e para Zaffaroni e Pierangeli:

    Cremos que há um limite semântico do texto legal, além do qual não se pode estender a punibilidade, pois deixa de ser interpretação para ser analogia. Dentro dos limites da resistência da flexibilidade semântica do texto são possíveis interpretações mais amplas ou mais restritivas da punibilidade, mas não cremos que isso possa ser feito livremente, mas que deve obedecer a certas regras, como também entendemos que o princípio do in dubio pro reo tem vigência penal somente sob condição de que seja aplicado corretamente.

    ⁴²

    Parece-nos que se trata de uma interpretação declaratória e não extensiva, desde que se observe, no caso concreto, todos os requisitos objetivos e subjetivos trazidos pelo artigo 7°, não se podendo olvidar que o envenenamento de águas, como destacamos no caso Darfur, com a intenção de ataque em massa de uma população civil, é uma das formas possíveis de se provocar sofrimento ou ofensa grave da integridade física ou a saúde mental, quando não acarretar a própria morte dos cidadãos, nada impedindo que os Estados-parte reclamem da interpretação conferida pelo TPI ao crime de ecocídio.

    Além disso, o Estatuto de Roma não prevê a responsabilização das pessoas jurídicas, mas somente de pessoas individuais, o que termina por garantir a impunidade das empresas que podem ser utilizadas para a prática de tais delitos e do próprio Estado, mesmo quando constatada a sua participação decisiva nesse tipo de delito.

    ⁴³

    Todavia, o ideal é a aprovação de uma emenda específica prevendo o ecocídio como um crime autônomo, pois quando é enquadrado como um crime contra a humanidade volta-se tão somente para a questão do homem e não do meio ambiente em si, uma visão antropocêntrica, pautada no fundamento de que a natureza não possui valor inerente, constituindo-se apenas como um bem à disposição do homem.

    Conclusão

    Como visto, a ampliação da competência do Tribunal Penal Internacional para abarcar o crime de ecocídio gera debates na doutrina, sobretudo por não ter sido aprovada uma emenda prevendo o delito em si, desafiando a adequação da conduta a um dos tipos penais já expressos no Estatuto de Roma.

    O crime de ecocídio, por seu turno, caracteriza-se pela ofensa massiva ao meio ambiente capaz de provocar a morte de animais ou vegetais, ou de tornar inapropriados o uso das águas, o solo, subsolo e/ou o ar, ocasionando graves danos à vida humana.

    Dentre os delitos elencados no Estatuto de Roma, o ecocídio pode restar configurado como espécie de crime contra a humanidade, notadamente quando nos deparamos com a alínea k do artigo 7° do diploma internacional. Para tanto, é imprescindível que se preencham os requisitos objetivos e subjetivos do tipo, quais sejam, um ataque generalizado ou sistemático a uma população civil, praticado de forma dolosa, exigindo-se ainda o objetivo político do ataque como fim específico do crime.

    O enquadramento do ecocídio no tipo penal descrito no artigo 7° não configura analogia in malam partem ou interpretação extensiva, ambas vedadas pelo artigo 22 do Estatuto de Roma, mas de interpretação declaratória, uma vez que existirá uma adequação imediata ao tipo, desde que preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos descritos no tipo dos crimes contra a humanidade.

    Destarte, tal compreensão termina por ser fruto de uma visão antropocêntrica do meio ambiente e não ecocêntrica, afastando qualquer conduta de extrema gravidade que promova a destruição do meio ambiente em si, por não atingir diretamente uma população civil quando for resultado de uma ação política com tal finalidade específica.

    Em suma, é preciso a aprovação de uma Emenda ao Estatuto para incluir o crime de ecocídio dentre os crimes contra a humanidade, permitindo punibilidade de ações que representem significativos danos aos ecossistemas naturais.

    Referências

    ALVES, Thassio Soares Rocha. O Conselho de Segurança da ONU e o Genocídio: Uma análise da retórica e prática dos membros permanentes. Disponível em: http://www.congresos.unlp.edu.ar/index.php/CRRII/CRRIIVII/paper/viewFile/1686/454. Acesso em 14 set 2017.

    AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Curso de Direito Internacional Público. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

    AMBOS, Kai. A parte geral do Direito Penal Internacional: bases para uma elaboração dogmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

    BARBOSA, Gustavo Coelho; HAINES, Letícia Ferreira. O caso das papeleiras. Disponível em:

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