Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Pequenos Crimes Inocentes
Pequenos Crimes Inocentes
Pequenos Crimes Inocentes
E-book396 páginas5 horas

Pequenos Crimes Inocentes

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Lila Carmichael pode ser uma comediante rica e famosa, mas escondeu o seu maior talento dos seus devotos fãs – a sua habilidade de cozer, temperar e servir um tour de force, cuidadosamente construído numa reunião aconchegante na sua ilha privada do noroeste do Pacífico. 

Seis convidados insuspeitos já se esqueceram dos pequenos crimes inocentes que cometeram contra a pobre e crédula Lila há quinze anos atrás, na faculdade. Todos estão à beira da ruína, e esperam que a famosa Lila os vá salvar. Mas o desespero coloca-os mesmo na mão dela.

Um por um, os convidados de Lila são figurativamente mortos num perverso jogo de salão chamado Lobos. E a vingança torna-se agridoce quando o fim de semana termina… e um dos convidados está mesmo morto. 

IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de out. de 2021
ISBN9781667415017
Pequenos Crimes Inocentes
Autor

C. S. Lakin

C. S. Lakin is an award-winning novelist, writing instructor, and professional copyeditor who lives in the San Francisco Bay Area. Lakin's award-winning blog for writers: www.livewritethrive.com provides deep writing instruction and posts on industry trends. Her site www.CritiqueMyManuscript.com features her critique services. She teaches workshops and critiques at writing conferences and workshops around the country. The Gates of Heaven series of seven novels are allegorical fairy tales drawing from classic tales we all read in our childhood. Lakin's relational drama/mystery, Someone to Blame, won the 2009 Zondervan First Novel award, released October 2010. Her other suspense/mysteries are Innocent Little Crimes (top 100 in the 2009 Amazon Breakthrough Novel Contest), A Thin Film of Lies, and Conundrum. And sci-fi enthusiasts will love Time Sniffers: a wild young adult romance that will entangle you in time! She also publishes writing craft books in the series The Writer's Toolbox, which help novelists learn how to write great books! Follow her on Twitter: @cslakin and @livewritethrive and like her Facebook Author Page: http://www.facebook.com/C.S.Lakin.Author

Leia mais títulos de C. S. Lakin

Relacionado a Pequenos Crimes Inocentes

Ebooks relacionados

Mistérios para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Pequenos Crimes Inocentes

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Pequenos Crimes Inocentes - C. S. Lakin

    PEQUENOS CRIMES INOCENTES

    C.S. LAKIN

    PEQUENOS CRIMES INOCENTES

    Copyright © 2012 por C.S. Lakin. Todos os direitos reservados.

    Não é permitida a reprodução, armazenamento, ou transmissão de qualquer forma ou meio (eletrónico, mecânico, por fotocópia, gravação ou outros) de qualquer parte desta publicação, sem a prévia autorização por escrito por parte da autora.

    Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são fruto da imaginação da autora, ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas, mortas (ou sob qualquer outra forma), estabelecimentos, eventos ou locais é pura coincidência.

    http://www.cslakin.com

    SEGUNDA EDIÇÃO do livro de bolso

    Imajin Books

    22 de setembro de 2012

    ISBN: 978-1-926997-85-8

    Capa por Ryan Doan, www.ryandoan.com

    PRÓLOGO

    Com o motor a baixa rotação, Mac Dobson conduzia a sua traineira pelo nevoeiro húmido, esticando o pescoço para detetar rochas salientes antes que lhe furassem o casco. Ainda que já manobrasse por este labirinto de ilhas há mais de trinta anos, sabia que não podia pecar por excesso de confiança. Fortes ondas castigavam a proa, salpicando a sua barba de água salgada. Os ramos das árvores abanavam, balançando na corrente; e os detritos da tempestade do fim de semana atolavam-se no canal estreito. Sherpa ganiu, encostando-se às pernas de Mac.

    Estamos quase a chegar, velhote. E depois comeremos ambos uma tigela de sopa quente. Mac aconchegou-se no seu impermeável amarelo para enfrentar o vento, e desviou-se de um ramo pesado com um puxão no leme. Passou a mão na cabeça de Sherpa quando o cão tentou fincar as patas no convés escorregadio. A malta está louca para fazer férias nesta altura do ano.

    Por entre os traços de cinza, conseguiu vislumbrar a ilha, a dez metros para estibordo. O sussurro das ondas a bater na praia aproximou-se dele, cada vez mais intenso. Como se fosse um sonho, o cais materializou-se, seguido da bandeira espetada na areia.

    Um arrepio desceu-lhe pelo pescoço perante tal visão.

    Alguém tinha hasteado a bandeira de sinalização; esvoaçava ao vento, fustigando o mastro. A polia bateu contra o metal, badalando como o sino de uma igreja. À medida que o barco se aproximava da costa, Mac distinguiu um pequeno grupo de pessoas na praia, de pé, solenes e imóveis; um curioso contraste relativamente ao seu estado de excitação há dois dias, quando os deixara lá.

    Mas o sonho transformou-se em pesadelo quando o seu olhar seguiu os olhares deles até ao solo. Uma silhueta volumosa jazia aos pés deles, envolvida numa lona cinzenta. Mac passou a corda por cima do poste na doca, e assobiou entredentes quando a proa se encostou às estacas. Não precisou de fazer contas para perceber que faltava alguém – e onde é que esse alguém estava.

    CAPÍTULO UM

    A grande cara de Lila Carmichael, congelada em Technicolor vivo, pairava sobre eles na TV de plasma de 96 polegadas montada na parede.

    Arg — estou com uma voz de lixa nº 5.

    Lila metia migalhas de sanduíche na boca enquanto marchava sem vontade na passadeira. Eu não sou assim tão engraçada, sabem? As pessoas acham que as gordas com uma boca grande são um alvo fácil.

    Ela forçou os olhos ao olhar para o ecrã. O seu espesso e curto cabelo cor-de-cenoura espalhava-se à volta da cara – uma cara gira, mas abafada por gordas bochechas e um duplo queixo. Os seus redondos olhos castanhos pareciam passas afundadas numa bola de massa de bolo.

    Virou-se para Peter, o seu elegante assistente. Eu acho o seguinte: eles riem-se de mim porque independentemente de quão podre a vida deles está, podem olhar para o espelho e dizer: ‘Posso ser um perdedor, mas graças a Deus que não tenho a cara da Lila Carmichael.’ Olhou novamente para a sua imagem. Chiça, que gaja feia.

    É uma cara que todo o mundo adora, meu doce. Peter ajudou-a a descer da passadeira. E dá muito dinheiro vê-la.

    Lila subiu à balança e forçou os olhos perante os números que esta expôs, em libras e quilos. Nenhum dos números a elogiava. Com um grunhido, colou um pedaço de alface no mostrador digital.

    A cabeça dela latejava da farra de Ano Novo da noite passada; um evento do qual ela mal se lembrava. Perscrutou o quarto ao qual se referia como a sua quinta de gordura. Paredes de um verde extravagante, com espelhos do chão ao teto, que refletiam o seu enorme corpo no teto e nas arcadas abobadadas. Mais parecia uma casa dos espelhos do que um fantástico castelo francês sequestrado em Beverly Hills.

    Quem é que ela queria enganar com aquelas máquinas de exercício e uma piscina interior? Ela nunca ficaria em forma, a não ser que fosse uma forma esférica. Na sua mansão de dezasseis milhões de dólares – o seu pequeno projeto – vangloriava-se dos espaçosos jardins com roseiras, câmaras de segurança em circuito fechado, todos rodeados por sebes altas. Tudo desenhado para transmitir paz de espírito, mas Lila sentia-se constrangida, como um leão agitado numa jaula apertada.

    Deixou-se cair numa cadeira super-estufada com um suspiro, e apontou para o ecrã com o dedo. Põe o DVD outra vez.

    Querida, está ótimo. Já o viste mil vezes. Porque é que te torturas? Tens críticas incríveis. Tens sempre.

    Cala-te, Peter, por favor — e obedece. Dirigiu-lhe um sorriso amarelo.

    Contudo, ele tinha razão. Ela torturava-se. Ela tinha críticas fantásticas. Desta vez. Nesta semana. Nunca tens a certeza quando é que o teu pequeno reino cai, e a coroa é arrancada das tuas mãos gananciosas. Há muito lobos a trepar a montanha, deixando os restos de ex-êxitos meios mastigados pelo caminho.

    Peter pegou no comando ao mesmo tempo que Garrett entrou no quarto, com três poodles atrás dele como modelos estilizados numa passerelle. A reunião está pronta. Amanhã às três. Ah, a propósito, estão a suar na NBC. Têm medo de que vás para outra cadeia televisiva.

    Fá-los suar, Garrett. Liga-lhes de volta e cancela a reunião. Diz-lhes que surgiu qualquer coisa e altera-a para segunda-feira.

    Vão ficar furiosos.

    Lila encolheu os ombros. E eu com isso. É uma manobra. Eles sabem que me vão pagar o que eu quero no fim.

    Estás mesmo a pensar abandonar a televisão independente? perguntou Peter. As televisões vão exigir que tires isso a limpo.

    Quando elas limparem a parte delas, eu limpo a minha. Deviam falar. Além disso, é apenas dinheiro. Lila virou-se para Garrett. Liga à minha manicure, e diz ao cozinheiro para pôr pouco alho. O meu estômago tem estado uma desgraça desde manhã.

    Garrett anuiu e saiu com as unhas dos poodles a clicar no pristino chão de mármore.

    Peter carregou no comando e chegou-se para o lado. Lila olhou para o ecrã, e endireitou-se de repente. Olha, e esses convites?

    Mandei-os todos esta manhã.

    Ela bateu palmas. Ah, o jogo está em andamento.

    Peter sorriu. "Espera até abrirem o email. A cara deles. Oh... achas que vêm todos?"

    Não se atreveriam a recusar-me. Não há a mínima hipótese de perderem um fim-de-semana com a rica e famosa Lila Carmichael.

    Peter exagerou um suspiro. Dava o meu rim direito para ser uma mosca nesse fim-de-semana.

    Arranjo-te uma coisa melhor. Serás o meu acompanhante.

    Peter corou. Oh, Lila.

    Não te ponhas com coisas, Peter. Temos muito trabalho para fazer. Este não é um dos teus convívios normais, onde toda a gente se senta a falar das coisas boas do antigamente – porque não as há. Vão desejar nunca terem vindo.

    Lila ficou pensativa, e depois esboçou um sorriso. Só que ainda não o sabem.

    CAPÍTULO DOIS

    A neve caía na janela do pequeno quarto de Della Roman, no seu apartamento de arenito na Montague Street de Brooklyn, Nova Iorque. Della olhou para a vizinhança, onde a neve se acumulava em montes, e o vento fustigava as nuvens num frenesim. Os candeeiros da rua lançavam um brilho feérico sobre os passeios cobertos de neve. Ela forçou os olhos para ler os números iluminados no despertador. Três e quinze.

    A sua gata branca enroscava-se no seu colo enquanto Della lia e relia a mesma página vezes sem conta. Escovou o pelo do gato com um pequeno pente e acendeu mais um cigarro de mentol.

    Não adiantava – não se conseguia concentrar.

    Pousou o livro Meditando com um propósito, e cambaleou até à casa-de-banho, encolhendo-se debaixo da luz forte. Porque é que insistia em ler até adormecer se isso nunca funcionava?

    Abriu o armário espelhado, que continha uma dúzia de frascos de medicação sujeita a receita médica, a maioria vazios. Abriu a tampa do Valium, tirou um comprimido, e depois, dois. Enquanto engolia os comprimidos com água, viu o seu olhar no espelho.

    Della forçou-se a olhar para o seu próprio reflexo. A sua face estava cadavericamente pálida, com círculos escuros debaixo dos olhos devidos a insónias repetidas. A sua pele estava estirada e seca, o seu cabelo preto estava oleoso e maltratado. O rímel estava esborratado nas pálpebras. O seu aspeto refletia a sua vida – uma completa desordem.

    Como chegara a isto? A viver com o seu irmão condescendente e a sua irritante mulher na zona petulante de Brooklyn. Chamava-lhes Barbie e Ken pelas costas. Tão perfeitinhos, tão de plástico. Eles seguiam as regras, gostavam de dizer. Della resmungava. Que se matem mais as suas regras. Que alegria obtinham eles da sua casa absolutamente imaculada, onde se podia comer do chão? Mal se sentavam numa cadeira com medo de a estragar.

    E a sobrinha e sobrinho? Miúdos adoráveis, mas tão mimados. Ela tinha a certeza que cresceriam para ser como os pais, e igualmente chatos. Todos a tratavam como uma escrava. Della, sê linda e prepara os almoços, prepara os miúdos, aspira o tapete.

    O seu irmão Edward encorajava-a quando ela ia a audições, mas ela sabia que ele tinha pena dela. Ele e o seu apoio paternalista. Ele nunca acreditara por um minuto que ela tivesse talento. Nada do que Della fazia era suficientemente bom. Toleravam-na por ser mão-de-obra barata.

    Voltou à sua pequena cama de solteiro, e enfiou-se debaixo da manta de retalhos. Que humilhação ter que viver no quarto da empregada, cheia dos detritos da empregada interna porto-riquenha anterior – crucifixos de gesso, frascos de verniz roxo meio-vazios, escovas cheias de cabelo.

    Ela aconchegou a gata junto à cara e abraçou-a.

    Oh, Princesa, arrulhou, afagando o pelo da gata, quando sairei desta prisão? És a minha única amiga, sabes? Acendeu outro cigarro, derramando cinzas na cama. Tu também detestas este sítio, eu sei. Mas amanhã é o dia. Temos o nosso bilhete de ida. Vou a Manhattan muito cedo para uma audição. Desta vez sei que vou conseguir o papel. Jack Roland está a fazer audições para a sua novela, e de certeza que se lembra de mim. Bem, se calhar não vestida. Riu-se, e o riso transformou-se num soluço.

    Vá, mesmo que não consiga o papel, vou inscrever-me naquela aula do Estúdio de Atores. Desta vez é a sério. O Edward disse que pagaria as despesas. Que o faça. Tem dinheiro para isso.

    Della embalou a gata nos braços e acendeu outro cigarro no cigarro que estava a fumar. Não posso tomar conta destes putos presunçosos para sempre. Além disso, ele fará qualquer coisa para se livrar de mim. Ele acha que não sou um bom exemplo para os putos. Acreditas que ele me disse isso? Porra, estes comprimidos não funcionam. Devem estar diluídos.

    Esticou o braço para o lado da cama e abriu a garrafa de vinho. Procurou um copo, e como não encontrou nenhum, bebeu pela garrafa. Quando acabou o vinho, voltou à casa de banho e engoliu mais dois comprimidos.

    De volta à cama, desligou o candeeiro e pôs os auscultadores. Música suave filtrou-se para dentro da sua cabeça, e a voz calma do seu terapeuta fez a sua mente viajar. Imagine-se deitada numa nuvem branca e fofa. Você não tem peso...

    Della fechou os olhos e escutou. O timbre da voz do Daniel começou a excitá-la.

    Pela noite dentro, aguardava ansiosamente pelo sono. Depois de rearranjar as almofadas e de desemaranhar os cobertores pela centésima vez, pegou no telefone e marcou um número. A voz do correio de voz do Daniel informou-a do costume. Não estava disponível, e pedir por favor que deixasse mensagem.

    "Daniel. Sou eu outra vez. Ainda não consigo adormecer. Liga-me, Preciso de ti, por que raio é que nunca estás disponível?" Desligou furiosamente.

    Tinha começado a fazer terapia há dois anos. Nada ajudava até àquela noite em que ele lhe dissera que ela precisava da derradeira terapia. Ela sabia que dormir com o seu terapeuta quebrava as regras, mas ela desejava-o desde o primeiro dia, de qualquer forma. Durante algum tempo, tinham uma sessão terapêutica semanal, mas ultimamente ele via-a cada vez menos. E ela precisava da sua terapia para adormecer.

    Quando o sol iluminou o prédio de apartamentos do outro lado da rua, Della começou finalmente a adormecer, até que a porta do seu quarto abriu, desorientando-a.

    O olhar da cunhada fixou-se nela, grogue na cama, e depois absorveu a visão da garrafa de vinho vazia no chão, os auscultadores ainda nas suas orelhas, e o cinzeiro cheio de beatas.

    Della sabia que o quarto cheirava a mofo.

    Margaret mal conteve o seu nojo. Della, tenho uma consulta médica esta tarde, depois do trabalho. Espero que estejas em casa para tomar conta dos miúdos.

    Della mal mexeu a cabeça em resposta.

    Ouviste-me? Chego pelas seis. Dá-lhes o jantar às cinco. Vou descongelar carne picada.

    Della tentou sentar-se. A Princesa esticou-se e saltou da cama.

    E limpa a caixa da gata, está nojenta. A casa inteira fede.

    Pouco depois, Della ouviu a porta da rua a bater. Viu que o relógio tinha caído ao chão. Dez e meia. Ela dormira durante a hora do pequeno-almoço, e de deixar os miúdos na escola. E perdera a audição de Jack Roland.

    Que se lixe a audição. Era uma treta para crianças, grande coisa. Duas falas numa novela estúpida valiam nicles. Além disso, ela parecia lixo. Não andava a comer grande coisa, e a roupa caía-lhe. O jejum do sumo deveria dar-lhe mais energia, mas era para rir.

    Cozeu uns ovos e tentou ligar ao Daniel mais uma vez, para conseguir uma consulta. Deixou-lhe mensagem para que lhe ligasse, sublinhando que era urgente.

    Depois de comer os ovos, Della procurou algo para vestir. O armário era um monte de roupa suja espalhada pelo chão. Não havia forma de saber o que estava lavado. Pegou num vestido, cheirou-lhe as axilas, e voltou a pousá-lo.

    Suspirou e olhou pela janela. A neve continuava a acumular-se em montes. Para que é que queria sair? A casa estava vazia, o irmão estava no escritório, os miúdos, na escola, e a cunhada na sua loja de beleza.

    Della fechou a porta do armário e foi à casa de banho buscar mais Valium. Desta vez tomaria quatro. Se conseguisse dormir, ficaria bem – e aí poderia lidar com o seu encarceramento.

    Voltou a subir para a cama e acendeu um cigarro, fumando cinco antes de conseguir finalmente fechar os olhos e enterrar a cabeça debaixo dos cobertores.

    O sol já estava baixo quando Stacy e Mark, enfiados nos casacos, cachecóis e gorros, subiram furiosamente os degraus e tocaram à campainha.

    Despacha-te, disse Stacy, Estou a congelar.

    Se calhar a campainha está estragada. A porta está trancada.

    Toca outra vez. É suposto a tia Della estar em casa.

    Mark bateu à porta com o punho. Tia Della!

    Esperaram a tremer. Mark olhou para a irmã. Se calhar esqueceu-se e saiu.

    Não digas isso. O que vamos fazer? Stacy começou a chorar. Quero a mamã.

    Para com isso, Stacy. Chorar não nos vai ajudar a entrar. Talvez se eu tentar a janela...

    Mark trepou à grade de ferro forjado da frente da janela, mas as suas pernas eram demasiado curtas para a avançar. Arranhou os joelhos ao voltar para baixo.

    Mark, não faças isso. Vais cair!

    Stacy, cala-te. Queres ficar cá for a e morrer congelada? Sabes que é possível. Bateu com força à porta.

    Stacy chorou mais. Se calhar devíamos chamar a polícia ou assim. Com que telefone, parva? Mark tentou a grade outra vez, com determinação renovada. Conseguiu agarrar a balaustrada com a sua mão enluvada e impulsionou-se para a frente para empurrar a janela.

    Está destrancada. Talvez consiga empurrá-la. Depois podemos entrar.

    As suas luvas escorregavam na superfície lisa da janela, por isso ele atirou-as para o passeio. Stacy continuava a chorar e a bater à porta.

    Della, Della, onde estás? Ela choramingava entre soluços. Só quando ouviu o estrondo olhou e viu o braço de Mark a entrar pela vidraça. Os vidros tinham-se espetado através do casaco e havia sangue a escorrer pelos seus dedos, caindo na neve.

    Oh não! gritou Stacy. Mark, desce daí!

    Assustado pelo sangue, Mark caiu da grade para o passeio. A porta da casa vizinha abriu-se, e uma mulher de cabelo grisalho espreitou para o exterior, sem tirar a corrente da porta.

    O que é que vocês os dois estão a fazer?

    Sr.ª. Peabody, o Mark está ferido! Stacy desceu as escadas a correr e foi ter com ela. A mamã não está em casa e tentámos entrar, mas a porta está trancada.

    A Sr.ª Peabody destrancou a porta e deixou as crianças entrar Como é que a vossa mãe vos deixa assim – sujeitos a morrer de frio? Vamos ligar esse braço. Vou levar-vos ao hospital e depois tento encontrar a vossa mãe. Vamos crianças – despachem-se.

    Della virou-se na cama e bateu com o punho contra a mesinha de cabeceira. Sentou-se de repente, desorientada no quarto escuro. A cabeça parecia papa. Esforçou-se por ler o relógio, apercebendo-se que já passavam horas desde a hora a que os sobrinhos deveriam ter chegado da escola. Por um momento, escutou o silêncio sinistro da casa e depois, ainda grogue, cambaleou para fora da cama e ligou a luz. O quarto girava. Vestiu as calças de ganga e pegou no telefone, marcando o número da escola básica.

    Atende, atende, dizia ela, ouvindo o toque interminável. Atende, raios te partam! Desligou o telefone, correu para o hall, e depois para a cozinha, ligando as luzes.

    Mark? Stacy? Estão em casa? Onde estão? Não brinquem comigo senão eu queimo-vos.

    Saiu e olhou para a esquerda e para a direita da rua. A neve caía do céu escuro, os flocos amarelos contra as luzes dos candeeiros da rua. Enquanto procurava pegadas, algo pousado na neve, no passeio, chamou-lhe à atenção. A luva do Mark. Abafou um grito. Olhou para o apartamento e viu a janela partida e o sangue que tingia o vidro.

    Della ficou com a respiração presa na garganta. Correu para dentro e ligou à polícia. Por favor, por favor ajude-me.

    Um momento, por favor, disseram-lhe. A espera era insuportável.

    Porra, os meus sobrinhos foram raptados. Aconteceu alguma coisa. Por favor, ajude-me!

    Acalme-se, minha senhora. Não a posso ajudar se me vai agredir. Comecemos com nomes e morada, pode ser?

    Depois de desancar no funcionário, desligou e afundou-se no sofá. A realidade da situação começou a bater. O nevoeiro da sua cabeça dissipou, deixando-a aterrorizada. Ela fizera esta – esta coisa terrível. E o que quer que acontecera com os filhos do seu irmão seria por culpa sua.

    A polícia assegurara que chegariam depressa, que ela deveria esperar. Agarrou-se aos braços do sofá, sentindo cada segundo a passar com agonizante lentidão. Agonia insuportável.

    Della correu para a casa de banho e investigou o armário dos medicamentos, desta vez despejando um frasco inteiro de comprimidos na mão. Nem se preocupou em ler o rótulo. O que quer que tomasse, não seria suficientemente potente para a ajudar com o que aí vinha.

    O som da porta a abrir chamou Della do seu estado de torpor eufórico. Da sua posição no sofá da sala de estar, as formas estranhas movendo-se na escuridão transformaram-se no seu irmão e na sua cunhada. Os seus olhos dirigiram-se para o braço ligado de Mark.

    Della mal percebeu a palavras que o seu irmão e respetiva mulher lhe gritavam. Como te atreves, sua – sua vagabunda preguiçosa e ingrata!

    Mais insultos, palavras cuspidas. Viu e ouviu-os ao longe. As acusações passavam por ela. Della achou divertido ver a educação polida deles a desmoronar-se. Eram gigantes a pairar sobre ela, atirando-se a ela com raiva. A raiva assumia formas grotescas, como bolas de pelo gigantes que rolavam dela até ao chão.

    Uma gargalhada irrompeu da sua boca.

    A cunhada parou de gritar e olhou.

    Edward, ela passou-se. Olha para os olhos dela. Meteu-se naquelas drogas outra vez. Deus nos ajude!

    Bolas de pelo, murmurou Della, e depois riu-se outra vez.

    A voz de Margaret saiu como um apito. Edward, porque é que ela está a falar da gata?

    Edward virou-se e olhou para as crianças, que estavam especadas no hall. Vão para a cozinha. Já lá vou ter. Depois de as crianças saírem, virou-se para Della, que ainda estava esparramada no sofá. Della continuava a rir, com as lágrimas a rolar pela cara abaixo.

    Edward falou entre os dentes cerrados. "Foi a última gota, Della. Ouviste? Já aturei o teu... estilo de vida por demasiado tempo. Tentei ser paciente. Só Deus sabe o quanto tentei. Mas acabou. Amanhã sais. Estás por tua conta."

    Margaret puxou-lhe a manga. Edward, olha para ela. Não a deveríamos levar a um médico?

    Ei, se ela se quer matar, por mim tudo bem. Estou farto disto. Estou farto de ser responsável por ela. Ela tem trinta e seis anos, e eu tenho uma família para cuidar. Não preciso disto. Saiu de rompante e a sua mulher seguiu-o.

    Della ficou deitada por uma eternidade, aparentemente, flutuando no escuro. Apercebeu-se do silêncio da casa e percebeu que tinha adormecido outra vez. Toda a gente já tinha ido para a cama. Agarrando-se à mobília, conseguiu voltar ao quarto e encontrou o seu telefone. Desta vez, o terapeuta atendeu.

    Daniel. Sou eu, a Della. Preciso de te ver.

    Della. A sua voz soava cansada. Achava que já te tinha dito para não me ligares para casa a não ser em caso de vida ou morte.

    Eu sei. E é. Fiz asneiras hoje. Dei cabo de tudo, a sério.

    Não pode esperar por amanhã? Não temos sessão às dez?

    Sim, mas não nos podemos encontrar esta noite? Preciso de ti.

    Della. Já falámos sobre isto. Achava que estava decidido que iríamos ser fiéis às consultas agendadas.

    Oh, Daniel, não me faças isto. Estou um caco. Tomei comprimidos. Demasiados comprimidos. Por favor. Sabia que estava a implorar, mas não o conseguia evitar.

    Tomas sempre comprimidos. Até te controlares com as drogas, não te posso ver fora do consultório. Tens ouvido as gravações? Deveriam ajudar-te a relaxar.

    Não preciso do raio das gravações. Preciso de ti. Preciso de te sentir a tocar-me e a beijar-me. A abraçar-me...

    Della. Chega. Vai dormir. São duas da manhã. Dorme e vais sentir-te melhor de manhã. Confia em mim.

    Mas—

    Boa noite, Della.

    Della segurou o telefone por um momento, o silêncio penetrando a quietude da madrugada. Depois pousou-o com violência e cambaleou até à casa de banho, ligando a água para encher a banheira. Enquanto se despia, viu-se no espelho com distanciamento emocional. Depois entrou lentamente na água quente e fumegante.

    Ficou surpresa com o quão calmante uma coisa tão simples como um banho podia ser. Submergindo-se mais, sentiu o calor penetrando os seus ossos cansados enquanto passava o bordo da lâmina na prega de um pulso, e depois do outro. À medida que a água da banheira ficou cor-de-rosa, e depois vermelha, a última coisa que viu foi o envelope branco e dourado que tinha colado com fita-cola no armário dos medicamentos, a descolar-se com as espirais de vapor, e depois a cair abaixo como uma pomba esvoaçando do Céu para as suas plácidas mãos molhadas.

    CAPÍTULO TRÊS

    ––––––––

    Inclina-te mais um bocadinho – isso, querida. Mais, mais.

    Jonathan Levin bateu as palmas impacientemente. Ouviu risinhos e sussurros abafados na escuridão atrás de si. Silêncio, por favor. Vamos estar caladinhos para podermos acabar isto. Toda a gente! Vamos filmar este pedaço de trampa.

    O diretor assistente ergueu a ardósia a centímetros do peito da atriz. A enfermeira parcamente vestida inclinou-se sobre o paciente deitado na cama de hospital, e a sua minissaia subiu pelas suas longas pernas afastadas.

    A minha posição favorita, sussurrou alguém.

    Silêncio! disse Levin.

    "Modos de cabeceira. Cena doze, Take seis. Marcador." Soou a corneta. A luz vermelha acendeu. Jonathan aguardou pelo silêncio absoluto.

    Gravando... rápido. E ação.

    A atriz falou com um suave sotaque sulista. Vá, Sr. Barnes, vai ter que colaborar um bocadinho comigo. Porte-se bem e tome os seus comprimidos. É o Sr. Doutor que manda. Ela inclinou-se para a frente, bateu no tabuleiro da comida, e este estatelou-se no chão.

    Jonathan agitou os braços no ar. Corta. Corta!

    Suspiros exasperados atravessaram o estúdio. Jonathan puxou pela pesada corrente de ouro que trazia ao pescoço. Gotas de suor escorriam-lhe pelo peito, ensopando o cós da sua camisa de seda italiana desabotoada até meio.

    Estás fora da tua marcação, Priscilla. Outra vez.

    A jovem atriz estava nervosa. Verificou os seus pés novamente e mexeu-se 5 centímetros para o lado. Transpirava debaixo das luzes quentes. A maquilhagem escorria e ela tentou corrigi-la com os dedos. Os aderecistas recolocaram o tabuleiro, letargicamente. Toda a equipa tinha já desistido de se esforçar para despachar as coisas.

    Vá, outra vez, já. Já estamos quase a ganhar o ouro. Mexam-se! Ignorou propositadamente o resmungar da equipa. Estavam no mesmo cenário de Hollywood há catorze horas – pela segunda vez nessa semana.

    Jonathan fervilhava. Equipa estúpida e atores presunçosos que pensavam que eram uma dádiva de Deus ao público. E aquela Priscilla. Corpo incrível, mas absolutamente nenhum talento. A miúda de um truta qualquer. Quando é que iria trabalhar com atores reais?

    Tenho que recarregar outra vez, Jonny, gritou o homem da câmara, sem se preocupar em esconder a sua apatia.

    Jonathan explodiu com um chorrilho de palavrões.

    Primeiro, os tipos da televisão disseram-lhe

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1