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Mamalú: O tubarão de pindorama
Mamalú: O tubarão de pindorama
Mamalú: O tubarão de pindorama
E-book145 páginas1 hora

Mamalú: O tubarão de pindorama

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Sobre este e-book

Guardei Mamalu, o Tubarão de Pindorama por 34 anos.Cláudia havia perdido o texto. Não só esse: eu os tinha numa pasta grande e gorda, Mamalu, O Produtor da Primavera (uma linda peça teatral sobre Jesus) e muitos poemas, contos e crônicas. Guardei porque sou fã literário da Cláudia, sempre fui, ela é uma das maiores escritoras brasileiras. Queria fazer um estudo monográfico sobre ela. O estudo foi feito, de alguma real e possível maneira, mas não é mais mono, é poligráfico, e nele eu falo de vários autores, do tempo e da poesia: Encontros nas Esquinas das Palavras (que fiz no pós doc). Insisto com o intento e a autora de marca maior da nossa nação para que ainda nos alegre, instrua e ilumine, dando a público as peças (teatro, poesias, crônicas, contos) que guardei naquela pasta, e lhe devolvi em 2017, para que as edite.Vemos em Mamalu a força transcultural e inventiva, profundamente nova e criadora, com a pujança de uma nova civilização mestiça se mostrando em todo seu vigor, como aconteceu em Pau-Brasil, Macunaíma e Utopia Selvagem. Mamalu é desse time, dá a continuidade que se transforma e refaz, potencializa, da antropofagia e mais, o que vem gigante na nossa literatura, desde o Guesa até Rosa e João Ubaldo Ribeiro.As obras todas dessa nossa romancista maior se ligam, de várias formas, não só pela história, mas, principalmente, por um pensamento filosófico subjacente, que abarca os fatos mais disparatados sob a ótica do amor humano e do amor divino.Ninguém é de outra raça, somos todos humanos, porém, as etnias que compõem a trindade brasileira têm muito a oferecer umas às outras, e o fazem, o tempo todo, sem parar. A obra magistral de Cláudia Tavares é um dos mais preciosos registros dessa simbiose étnica e cultural, que nos gera, e que precisamos assumir e viver bem com ela, para termos alguma chance na guerra informacional mundial.Essas as vertentes: o amor, a loucura e o nosso modo índio.A floresta é o planeta inteiro, seja gente ou seja bicho, seja pau ou seja pedra, seja fogo ou seja água, tudo e todos estão juntos, na floresta.Mas, mesmo assim, desde menina, o sonho realizado de Cláudia é plantar cada vez mais árvores: as literais, que respiram e nos inspiram, e as que viram polpa de papel, e voam pelo pensamento, nos acordes enlouquecidos e profundamente sábios de seus livros.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de mai. de 2019
ISBN9788582211533
Mamalú: O tubarão de pindorama
Autor

Cláudia Tavares

Cláudia Tavares diplomou-se em Direito e português- literatura pela UERJ. Publicou em 2017 os livros “As três faces da moeda” e “Coisas de Amor”. Em 2018 reeditou “A volta da Gata” e editou o livro “O mistério dos dinossauros” sendo este uma parceria com os amigos Luís Carlos de Morais Junior e Eliane Colchete. Para sua surpresa ambos os temas estão atualissimos apesar dos anos que se passaram. Espera que o mesmo aconteça com suas novas edições e com este que agora lança “O despertar chamou Raul” ode à temática masculina depois de seus anos vividos e divididos com Reinaldo Bertonceli. Ainda tem o projeto de plantar um bilião de árvores brevemente. Não duvidem.

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    Mamalú - Cláudia Tavares

    I

    Um instante de euforia. Sobre o horizonte do oceano a lua baixara. Águas tranquilas! Eu era parte de meu tenebroso mar. Meu corpo enorme e brutal se confundia com o azul das águas e nisso eu me alegrava. Sentia o coração transbordar o prazer daquela dança que eu improvisara.

    Um batuque de tambores cortou o silêncio da madrugada. Vertigem! O meu reino não me acolhia como outrora. A água me sugava para baixo e me esfregava contra a areia. Tentei sair daquele embaraço. Mesmo cercada de companheiros, ninguém notava o pavor do meu constrangimento. Em dado momento, desfaleci. A correnteza me empurrou para a praia. O som do batuque me embebedava. Oh, que delícia, quero morrer ao me lembrar de congelar tal momento na eternidade… queria parar de ouvir as canções, os refrãos, os mantras de feiticeiros me chamando e eu… tremendo! Encalhei!

    Meu corpo jogado na praia estava inerte. Cinco homens cobertos só de tangas se aproximaram de mim. Semimorta, asfixiada e comendo areia, eu supliquei que me devolvessem ao mar. Um deles me deu uma lançada na barriga. Me debati desesperadamente. Os bárbaros avançaram sobre mim… Golpes e mais golpes de bordunas até que meu espírito cedeu, se retirando da massa já disforme do que um dia foi uma grande tintureira.

    A lua me espiava sorridente. Era algo dolorosamente angustiante o que estava para acontecer quando esta dama nos sorri. A lua sempre foi minha amiga.

    Um casal se aproximou. A mulher pediu meu coração. O marido enfiou as mãos em minhas entranhas e o deu à sua esposa que o devorou em instantes. Eles se amaram ao som daquela música de flautas e tambores, se entrelaçando em cima do meu cadáver! E eu me tornei infinitesimal. Mergulhei no ventre da mulher.

    Me aconcheguei numa bolsa d’água onde podia respirar livremente. Eu era um embrião ainda. Ansiava pela liberdade e meu corpo se expandia, se acomodava. Tudo é escuro nessa época quando estamos sendo gestados. Por quanto tempo permaneci nesta toca eu não sei. Posso dizer que foi uma interminável noite de lua nova, como se não existisse mais luz. Saudades do luar… quanta saudade! De repente, como se Tupã reclamasse a minha presença, aquelas paredes de carne se contraíram mais e mais até que saí como quem sai de uma caverna… a cabeça… o corpo… as pernas. Ar! Minhas energias voltaram naquele pequenino corpo. Meus pulmões se dilataram e eu chorei! Humana. Agora eu tinha forma humana. A mulher me segurou em seus braços e me ofereceu o alimento materno. Suguei em seus seios a força protetora de minha vida e a ouvindo dizer carinhosamente: Mamalu!

    Mamalu! Como era lindo o meu nome na Terra. Sorri de satisfação… há poucos minutos e eu chorara. Minha mãe apontou para minha boca enorme com dentes pontiagudos. Será que ela quer devorar o mundo?

    A tribo dos guaranis me recebeu em festa. O cacique Tupuqueamã e o pajé Guana cortaram meu cordão umbilical. Eis que eu eclodira de um mundo aquático para o mundo do sol e da floresta.

    Amei a minha família… Meu pai, minha mãe…! Eu os amei eternamente, assim como amaria minha casa, meu amor e meus filhos. A vida marinha terminara. Lá no céu ainda há aquela lua que, naquele dia, me avisou que um destino bom me esperava!

    II

    O MAR

    Sete anos! De onde eu viera? Para onde iria? As reflexões apareciam em meu ego, me amedrontando. Medo da morte! O passado era obscuro… Era como uma esfera esponjosa em minhas costas me arqueando pelo peso do tempo.

    Minha mãe, deitada na rede, dava de mamar ao meu irmão. Eu era uma menina! Amava a minha família, morava numa aldeia de índios e sabia fazer colares de penas para os meus amigos.

    Eu amava intensamente o Mar. Às vezes… não gostava de falar sobre isso… às vezes eu ia até a praia e me deitava na beira das ondas, esperando que elas me possuíssem quando invadiam a areia. Gostava de meu corpo se confundindo com a água e que me amava como se eu fosse parte dela. Eu gostava da água, tanto a do rio quanto a do mar.

    Quando eu subia nas rochas, ficava apreciando os tubarões nadando e dançando. Eram lindos! Mas o pai me avisava para não chegar perto deles. Eles me fascinavam tanto! Eu, às vezes, cria que era um deles. ...Sou um tubarão terrestre… E eu gostava de morder naquele tempo… me lembro que certa vez saí mordendo o pessoal da aldeia. Mordi a mãe, os irmãos, o pai e, finalmente, o cacique. Este último ficou sentido e me convidou para lutar. Encostou o ombro direito no meu ombro esquerdo e ficamos nos empurrando como dois gamos. Nunca pensei que eu fosse tão forte. Eu o empurrei furiosamente. Tupuqueamã sorria junto com toda a aldeia. Grande algazarra se fez enquanto lutávamos. Encerrei o confronto, fazendo o chefe recuar dez passos.

    – Você me venceu Mamalu! Quer ficar em meu lugar? Agora você será a chefe, ficará com a minha casa e organizará a tribo.

    – Cacique Tupuqueamã, não quero seu lugar, quero somente que me conceda a alegria de nadar junto com os tubarões. Há muito anseio por este momento, quero ficar perto daqueles que parecem ser meus amigos.

    – Mamalu! Mamalu! A Mãe d’água é sua inimiga, ela não quer que você fique mais no reino dela. Por que você quer procurar esses companheiros de abismo?

    Me calei envergonhada. Não queria que eles soubessem de meus desejos pela água. Ele sempre me pareceu pecaminoso… tudo o que é proibido soa mal e parece pecado!

    O cacique me deu um cocar de penas de Gavião e me aconselhou a me afastar da praia. Lá, está toda a raiz de seus problemas!– ele me avisou.

    O mar azul, entretanto, me inebriava. Ele se confundia com o céu lá no horizonte, onde os seres do abismo guerreavam com as criaturas celestiais, e, apesar dos bons conselhos, eu fui parar novamente sobre as rochas, observando os esqualos. Sempre fui muito teimosa. As enormes feras iam e vinham, deslizando no líquido esponjoso e desfilando os corpanzis diante de meus olhos atentos e ansiosos. Eu as fitava loucamente, o desejo crescia dentro de mim… mais… mais… um fio de lucidez me freava. Os tubarões pareciam me chamar… Eu manobrava os meus pensamentos, desviando a atenção derradeira dessas criaturas que se assemelhavam aos meus sonhos coloridos. Fitei o céu e as nuvens me pareciam as formas desses monstros. De repente, sem que me desse conta, saltei lá de cima para junto deles. Como se fosse uma visão, o pajé Guana me chamou correndo, ainda pode perceber a espuma que ficou quando mergulhei.

    Meus amigos me cercaram O mar começou a se encapelar e as ondas cantavam:

    "Eis Mamalu que volta

    e a nós revolta

    Mamalu será morta!"

    Guana chorava e pedia ao mar que me devolvesse. Mas as águas se riam de seu desespero. Eu só tinha a cabeça sobre as marolas e eu nada entendia.

    Os tubarões me cercaram, eu entendi eles falando em sua língua: Adivinha quem somos nós… Ó Mamalu! Estávamos sempre te pedindo e hoje te conseguimos!

    De repente ouvi uma revoada. Eram gaviões. Eles se aproximaram, voejando sobre nós. As ondas subiram tentando lhes atingir, mas não conseguiram. Tupã me socorria.

    O pajé me atirou um cipó no qual me agarrei. Guana me puxou dentre as águas revoltas, enquanto os gaviões bicavam os tubarões nos olhos, os forçando a se afastarem.

    A luta só findou quando saí de dentro d’água. O pajé me abraçou e juntos voltamos à aldeia.

    Desde aquele dia, só brinco na areia da praia, apreciando o oceano de longe. Fiquei decepcionada ao me dar conta de que as águas salgadas tinham algo contra mim que eu não sabia o que era. Guana me aconselhou a resignação.

    – A vida tem muitos mistérios, Mamalu. A gente quer desvendá-los e não consegue. Deixe todos eles de lado, vai aproveitar sua vida. Eu já estou velho e é por isto que ajudo nossa aldeia e me entrego aos segredos de Tupã. Você é jovem, aproveita!

    Naquele dia eu chorei muito e na manhã seguinte eu ainda chorava, mas a lua me viu concordar com o pajé. A vida não merece a dor de ser chorada, mas merece a alegria de ser vivida!

    III

    A CIRANDA DE MANDU ÇARARÁ

    Estávamos num círculo de amigos. Éramos todos adolescentes. Meus seios pespontavam e eu já sentia cólicas menstruais. Havia algumas crianças por ali. Uma delas desenhou um losango com uma cruz dentro.

    Guapetu marupi

    Mandu Çarara

    Esta noite

    por Mandu Çarará

    A criança apagou o losango e fez outro maior, a cruz sempre do mesmo tamanho. Nós entendíamos o que ela queria dizer… Nenhum de nós ousava explicar.

    – Pare com isto! – eu pedi e ela não me atendeu.

    Uma outra criança desenhou um losango menor que a cruz. Todos nós rimos. Ao ouvirem as risadas, nossos pais se aproximaram.

    – O que é isso?

    As crianças soltaram gritos de brincadeira. Apontaram os ângulos do tamanho da cruz.

    – Este aí é Mandu Çarará e Anaã.

    – Meninos, meninas! Quem lhes ensinou isto?

    As crianças apontaram a floresta. Mamãe correu e foi avisar o pajé Guana que o Curupira estava perto. O pajé veio correndo interpelar o autor dos losangos.

    – Bira! Quem te ensinou isto?

    – Foi o Bem-te-vi.

    – Qual o Bem-te-vi! Conte a estória direito.

    Bira deu uma risada. E fitou o pajé bem nos olhos com ar de desdém e atrevimento.

    Foi o Bem-te-vi sim,

    quando ele te viu gozar

    com a mãe de Mamalu.

    Minha pobre mãe desmaiou. A aldeia a ia queimar viva como adúltera por causa daquela falsa acusação. E, como resposta, o Bem-te-vi cantou.

    – Escutem o canto do Bem-te-vi – disse Bira com seu sorriso detestável. – Ele ouviu e confirmou o que eu disse.

    Me levantei para defender o ventre do qual eu saíra. Bira se encolheu, com medo de mim.

    – Ninguém

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