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O peso da luz
O peso da luz
O peso da luz
E-book211 páginas2 horas

O peso da luz

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Sobre este e-book

O peso da luz não tem como foco apenas a teoria da relatividade de Einstein, a cidade de Sobral também está em evidência no livro. Mais à frente o personagem Roselano elogia a cidade “Sobral era uma cidade intelectual e o povo tinha gosto pelo luxo pela boa educação.” Sobre o bom gosto ao que é luxo, a cidade até hoje ainda tem. Nomes de populares, nomes de ruas, festejos e referência a alguns ícones da sociedade sobralense aparecem e são citados ou por vezes descritos.Lendo O peso da luz, notamos a riqueza da pesquisa histórica e documental feita por Ana Miranda, que mescla a realidade com a ficção de maneira tão bela que prende o leitor. Digo que esta novela cearense se torna uma leitura obrigatória em especial aos que residem em Sobral, pois a trama e história contadas no livro dizem respeito à cidade. A comprovação da teoria de Einstein na cidade sobralense pode ser lembrada também no Museu do Eclipse, situado em Sobral, lá encontra-se manchetes e recortes históricos que relembram a data histórica. Há outros livros que também comentam a vinda das comissões cientificas para Sobral. Mas o livro que une ficção-ensaio-realidade em um único corpus é O peso da luz.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de jul. de 2021
ISBN9788584920051
O peso da luz
Autor

Ana Miranda

ANA MIRANDA nasceu em Fortaleza, em 1951. Morou em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Hoje vive no Ceará. Estreou como romancista em 1989, com Boca do Inferno (prêmio Jabuti de revelação). De lá para cá escreveu diversos romances, entre eles Desmundo (1996), Amrik (1997) e Dias & Dias (2002, prêmio Jabuti de romance e prêmio da Academia Brasileira de Letras). Foi escritora visitante em universidades como Stanford e Yale, nos Estados Unidos, e representou o Brasil perante a União Latina, em Roma.ora contar e ouvir histórias. Trabalha dando vida a ideias criativas. Mãe do Guilherme e do Gustavo. Irmã da Manoela e do Máximo.

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    O peso da luz - Ana Miranda

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    Copyright ©2013 by Ana Miranda


    Editora

    Albanisa Lúcia Dummar Pontes

    Secretária Administrativa

    Telma Regina Beserra de Moura

    Projeto gráfico, capa e editoração eletrônica

    Suzana Paz

    Rudsonn Duarte

    Assessora de Comunicação

    Mariana Dummar Pontes

    Revisão

    Vessillo Monte

    (Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer meio ou sistema, sem prévio consentimento da editora)

    texto estabelecido conforme o novo acordo ortográfico da língua portuguesa

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)


    Miranda, Ana

    O peso da luz : Einstein no Ceará / Ana

    Miranda. -- 1. ed. -- Fortaleza : Armazém da

    Cultura, 2013.

    ISBN: 978-85-63171-72-6

    1. Ficção brasileira I. Título.

    13-07653                                                                 CDD-869.93


    Índices para catálogo sistemático:

    1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

    Todos os direitos desta edição reservados ao Armazém da Cultura

    Rua Jorge da Rocha, 154 – Aldeota

    Fortaleza – Ceará – Brasil

    CEP: 60150.080

    Fone/Fax: (85) 3224.9780

    Skype: armazem.da.cultura

    Site: www.armazemcultura.com.br

    E-mail: armazemdacultura@armazemcultura.com.br

    Este livro utiliza papel que segue as leis ambientais de proteção à natureza.

    folha-de-rosto

    A imaginação é mais importante que o conhecimento.

    Einstein

    momento congelado

    Tenho em mãos a minha fotografia ao lado de Einstein. Ele parece um tanto melancólico, tem o ar desamparado, com suas sobrancelhas em declívio, mas o olhar é extremamente arguto. Eu, cerimonioso, olho para ele, e estou segurando um papagaio. Cerimonioso e devotado. São meus olhos que mostram a afeição, com um cintilar, e minha cabeça pende um pouco para o lado, num gesto ao mesmo tempo de reverência e ternura. Surpreendi-me com ele, era um homem agradavelmente simples e atencioso, e suas roupas um pouco velhas e amassadas denotavam uma displicência que o humanizava e o tornava uma pessoa comum, o que ele não era, absolutamente. Os bigodes são escuros e escondem a boca, e seus vistosos cabelos, quase brancos, estão completamente revoltos, pois ele tirou o chapéu no momento da foto. Curioso é que o papagaio parece também impressionado com a figura de Einstein, os papagaios são aves que se humanizam, possuem vaidades e desejos, sonham e choram, amam, se apegam a nós e nos reconhecem, e o meu papagaio não repetia apenas as palavras que eu lhe ensinava, mas também meus sentimentos. Ele estava arrebatado por Einstein, como eu.

    enigma infinito

    A minha paixão por Einstein nasceu no dia em que caíram em minhas mãos quatro artigos do cientista suábio, enviados por um irmão de meu avô, que trabalhava numa universidade alemã como um simples tipógrafo e gostava de me mandar papéis que estimulassem meu Wissenschaftliche talent, como ele chamava a minha queda para a ciência. Isso foi por volta de 1912. Li e reli a compilação com uma ardente curiosidade, durante meses seguidos, vagando entre nevoeiros científicos estranhos, densos e assustadores, procurando penetrar os significados não apenas do tratado, das palavras, das entrelinhas, mas da mente que produzira aquele novo conhecimento que ratificava o veredito das leis do universo, dotada de uma inteligência e dignidade que se elevavam acima da mera existência humana. Nunca eu lera algo tão belo e arrojado, provocando em mim uma sensação semelhante à que tive, na infância, ao decifrar as palavras de Galileu em seu Mensageiro das estrelas. Einstein era uma revolução na física, no conhecimento do mundo, rompia todo o confinamento da sabedoria convencional, descongelando raios de luz, forças ocultas da natureza, o percurso das imensidões e das ínfimas realidades, como que perseguindo o espírito que se manifesta nas leis da natureza. Era assombroso, misterioso, chegava a ser poético, tal a limpidez do pensamento que alinhavava as ideias, visando a simplicidade e a beleza mais pura em uma visão do universo. Um universo em que tudo tinha uma causa, uma razão, e que existia num enigma infinito, mesmo quando não se podia contemplar.

    um vazio cabal

    Nasci dotado de um espírito observador, e desde menino gostava de me dedicar a experimentos. Jogava no chão, de uma mesma altura, meu boi de osso e uma bola de gude, ou uma tesoura e uma gravata do meu avô que, apesar de terem pesos diferentes, tocavam o solo ao mesmo tempo. Se eu soltava um mata-borrão e um papel, este chegava à terra antes, mas era porque fazia desvios, vinha ziguezagueando, e eu parafusava minhas meditações. Descobri, ao ler um livro do baú de meu avô, que esse belo experimento tinha sido realizado por Galileu, na torre de Pisa. Galileu pretendia negar a velha teoria de Aristóteles, de que a velocidade da queda de um corpo seria proporcional ao seu peso. E Galileu lançou do alto da torre de Pisa corpos diferentes para medir o tempo da queda. Havia a crença que ele lançou dali bolas de dez gramas e bolas de um grama e todas chegaram embaixo no mesmo tempo. Mas a forma e o material dos corpos lançados, diante da resistência do ar, influenciavam a experiência, pois se Galileu jogasse uma pluma e um martelo o tempo percorrido seria diferente, pela resistência do ar. A experiência só seria comprovada se fosse realizada no vácuo. Mas, como reproduzir um vácuo? Não existe um vácuo perfeito na natureza, somente um, semelhante, entre as estrelas, os astros que flutuam num vazio quase cabal. Onde procurar tal lacuna? Vácuo era o que eu sentia em meu peito quando pensava na minha mãe, ela era a imagem de um buraco negro, eu tinha como lembrança dela apenas um retrato oval que ficava na parede da sala, ao lado do retrato da minha avó, ambos num brometo de prata esmaecido pela marcha dos relógios, ambos registrando um rosto caboclo, semelhantes nos traços e no olhar. Meu pai, um fotógrafo italiano que passara por Cajazeiras da Paraíba a tomar retratos de moradores, sobretudo mulheres, partira deixando minha mãe já com uma incipiente barriga e um vestido de noiva inacabado. Ela morreu de desgosto, e fui criado pelo meu avô, um comerciante honrado, nascido em Ulm, na Alemanha, viúvo, que fabricava, vendia e consertava relógios. Mas naquela cidade sertaneja poucos se interessavam pelos relógios de meu avô, tinham seus velhos carrilhões herdados dos antepassados e, quem não possuía um, estava acostumado a saber as horas olhando a sombra no chão, a posição da lua, assim como outros relógios da natureza, e meu avô levava uma vida modesta.

    Clube dos Misantropos Reunidos

    Estudei apenas as primeiras letras, com meu avô, que também me ensinou a arte da relojoaria e a língua germânica. Ele possuía diversos livros em alemão, quase todos manuais de alguma profissão exata, mas entre eles, como que um astro solitário, o livro de Galileu, deixado ali por um fugitivo, que eu relia constantemente tentando decifrar as palavras italianas, ou talvez querendo me aproximar de meu pai, descobrir algo sobre ele. Desde pequeno eu trabalhava na oficina que era também nossa moradia e ficava no finzinho da velha rua do Cruzeiro, quase fora da cidade. Fui sempre um sócio do Clube dos Misantropos Reunidos, meu único amigo era vovô, eu não entrava nas brincadeiras dos garotos, ativas, movimentadas, eles viviam correndo nas ruas, montando animais, matando passarinhos e calangos, trepando em árvores, atirando pedras, arranhando-se nos espinhos da caatinga. Eu estava sempre na oficina com meu avô, e cresci tímido, silencioso, magro, revejo-me sob a imagem da palidez, embora vovô me dissesse que eu tinha um olhar atento e vivaz. Nasci com a pele alva dos germânicos, mas os cabelos e olhos negros da minha mãe e da minha avó, uns agudos olhos que faiscavam e pareciam perdidos, voltados para dentro. Gostava de participar do conserto dos artefatos e montava meus próprios relógios usando peças quebradas dos velhos mecanismos. Mas me deslumbrava mesmo com os mistérios do céu, como se quisesse me despachar e ir morar na solidão do firmamento. Havia em Cajazeiras uma serra não muito alta, e para lá eu me dirigia, querendo chegar mais perto do firmamento. Fabriquei um telescópio rudimentar, com duas lentes e um cano, para observar minhas namoradas: as estrelas, a Lua. Quando me tornei um rapaz, vovô me presenteou uma pequena caixa contendo umas pedrinhas bem lapidadas em forma de estrelas, meros policristais de quartzo, sendo algumas mais escuras em obsidianas lágrimas de apache. Foi o mais expressivo presente da minha vida, de um significado quase tão intenso como o livro de Galileu. Pensei, matutei no que poderia fazer com aquelas pedras, e durante mais de dez anos trabalhei com elas, produzindo dificuldades, tormentos, desesperos, desistências, abandonos, mas entusiasmado, um moto-contínuo que chamei de moto-estelar, um sistema de estrelas que sofria variações de velocidade quando submetido à influência de magnetismos. Um mecanismo em que as estrelas eram iluminadas a querosene, num emaranhamento de hastes quase invisíveis, dando a sensação de um céu arqueado. O aparelho ficava em meu quarto, e eu o mostrei apenas ao poeta Lúmio Xerxes, sujeito também tido como fora dos eixos, ele entrou um tanto desconfiado e ficou ainda mais quando cobri as janelas do quarto com panos pretos e apaguei o candeeiro. Acendi, então, os focos que eu fizera com prismas que lançavam raios em cores, e o poeta viu, assombrado, a beleza daquele mecanismo que se movia por si mesmo e continuamente, réplicas daquelas joias do céu que, ao passar pelas luzes dos prismas, tomavam suas cores.

    uma ciência pura

    Um pouco antes do começo da Grande Guerra, em 1914, meu avô recebeu a visita de um astrônomo amador austríaco, Franz Kraus, e quando eu lhe disse que havia fabricado um moto-contínuo estelar ele imediatamente duvidou. O perpetuum mobile era apenas uma hipótese, ele disse, impossível de se realizar fisicamente, não havia nenhum modo de se reutilizar a energia gerada pelo próprio movimento e nenhum modo de se reaproveitar plenamente a energia produzida pelo calor. Aquilo violava todas as leis da termodinâmica, e a realização de um moto-perpétuo obrigaria a reavaliação de vários princípios da física. Exato, eu disse a herr Kraus. E preparei a cena, apresentei o invento. Maravilhado, ele me perguntou como eu havia conseguido fabricar tal maquinismo, se era fornecendo ao exterior mais energia em forma de calor ou trabalho do que a energia consumida. Disse-lhe que era um modo mais obscuro, o qual eu não estava disposto a revelar, mas podia adiantar que havia eliminado completamente o atrito e outras forças de dissipação, mantendo o movimento contínuo devido a sua massa de inércia.

    Mas um sistema mecânico, disse herr Kraus, não é capaz de dissipar completamente o atrito e isso torna impossível se alcançar essa realidade. Por isso, jamais servirá como fonte de energia.

    Mas pode guardar energia, creio eu. Não partilho da ciência útil, aprecio apenas a ciência pura. Trata-se de uma pequena máquina inercial com construção giroscópica, e nada mais posso acrescentar.

    Mas, diga-me, meu jovem, isto jamais apresentou problemas de rotação? Há quanto tempo funciona? Como o herr Kollege teve a ideia? Ele perguntou mais ou menos assim, deixando-me vaidoso por me tratar como um colega, um igual.

    O moto-estelar havia apresentado problemas no início, mas já fazia alguns anos que funcionava sem interrupções. A ideia, eu relatei a herr Kraus, se inspirou na cosmologia. O universo, o maior de todos os objetos cosmológicos que a física pode estudar, não é ele mesmo um moto-perpétuo, com suas galáxias girando, as estrelas girando, os planetas girando, um universo oscilante produzindo energia numa quantidade imensurável? Se o moto-perpétuo existia na natureza, supus que o fenômeno seria reproduzível em nossos pequenos mundos.

    Quando herr Kraus me convidou para apresentar meu moto-estelar numa instituição científica em Berlim fiquei radiante, confiante, e ele se foi, levando o maquinismo, todas as minhas anotações, e jamais me enviou o dinheiro e os bilhetes de navio para a viagem, também negados pelo meu avô que achava tudo aquilo um folguedo inconsequente. Eu tinha os relógios à minha espera e eles tiquetaqueavam o meu destino.

    Suspeitei, então, que Kraus não passava de um vadio que perambulava de cidade em cidade se fazendo passar por cientista com o intuito de iludir e tirar proveito de gente singela e sem malícia, como eu. Eu tinha conhecimento de um caso acontecido mesmo na Paraíba,

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