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Na Loucura da Dúvida
Na Loucura da Dúvida
Na Loucura da Dúvida
E-book347 páginas4 horas

Na Loucura da Dúvida

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Sobre este e-book

Desde que me lembro de ser, vivo com Ansiedade. 
Só, desde cerca dos meus 13 anos, tenho memórias mais concretas de sintomas relacionados com a Perturbação Obsessiva Compulsiva (POC).
A POC foi crescendo comigo e foi-me roubando a vida, que se desenrolava ensombrada pelas Obsessões e as Compulsões. 
Conduziu-me a vários episódios depressivos, o último, há cerca de 7 anos, grave e renitente ao tratamento. 
Nestes últimos anos, vivi embrenhada no desespero e na desesperança que a depressão, tão bem, sabe plantar, com uma Ideação Suicida marcada, contra a qual tive de aprender a lutar.
Por aceitar a ajuda de quem me estendeu a mão, encontro-me em processo de cura… E, assim, mais capaz para lutar contra a POC.
Hoje, melhorada, divido Esperança, essa que, tantas vezes, me faltou!
Este livro nasce do sonho de através do meu testemunho poder propocionar companhia, compreensão, ajuda e esperança a quem sofre a mesma dor!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de dez. de 2021
ISBN9789899003569
Na Loucura da Dúvida

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    Pré-visualização do livro

    Na Loucura da Dúvida - Eva Monte

    Agradecimentos

    Agradeço:

    Ao meu marido, aos meus filhos, ao meu Psiquiatra e a todos os familiares, amigos e profissionais que lutaram ao meu lado contra doença.

    A todos os que me apoiaram na elaboração e concretização deste livro, nomeadamente, ao meu Marido, ao meu Psiquiatra, à minha Irmã, às minhas Amigas (Sandra e Sónia), à professora Odete Duarte e, também, à editora que abraçou o meu projeto. A todos agradeço a disponibilidade e as amáveis e preciosas ajudas.

    Ao Professor Pio Abreu agradeço todo o apoio prestado, a sua disponibilidade e simpatia, as sugestões de leitura e orientações tão válidas. Agradeço, também, a forma voluntariosa com que elaborou o Prefácio. E, por fim, não quero deixar de enaltecer as palavras inspiradoras e transformadoras com que me tem deleitado com os seus livros.

    Prefácio

    Para um psiquiatra não é difícil diagnosticar uma Perturbação Obsessivo-Compulsiva, assim o doente revele os seus sintomas ou eles sejam diretamente indagados. Apesar da variedade e complexidade da situação, também existem tratamentos mais ou menos eficazes, que vão desde os psicofármacos e psicoterapia até à estimulação com elétrodos implantados na profundidade do cérebro. Contudo, a maioria dos doentes não procura ajuda durante muitos anos por vergonha de contar a alguém as suas bizarrias, com as quais vive em segredo, supondo, às vezes, que são os únicos a passar por elas. Mas não são: uma em cada 50 pessoas pode sofrer, ter sofrido, ou vir a sofrer da doença. Além disso, é possível encontrar na Internet os sintomas que a diagnosticam. Mesmo assim, a dissimulação persiste, e só ao fim de algumas consultas conseguem revelar aos psiquiatras o seu verdadeiro sofrimento.

    Acresce que os obsessivos são, geralmente, pessoas inteligentes e reconhecidas nas suas atividades visíveis. Na maioria das vezes, assumem responsabilidades familiares muito cedo, as quais cumprem sem falhas. Por vezes, descompensam quando lhes são atribuídas mais responsabilidades. Um exemplo conhecido é David Adams que escondeu a sua perturbação durante 20 anos até obter tratamento. Descreve-a num livro dedicado à sua filha (cujo nascimento lhe precipitou os mais graves sintomas), publicado em 2014 e intitulado A POC e a história de uma vida perdida em pensamentos. De facto, a sua vida não ficou perdida, tanto que foi editor da Nature e assessor científico do Guardian, sendo premiado por vários trabalhos jornalísticos.

    David Adams é como os doentes atuais que, antes de chegarem ao consultório, se tornaram especialistas na sua doença, procurando informação em todo o lado e chegando com muito mais conhecimentos do que qualquer psiquiatra generalista poderia obter. Só que ele é mesmo um especialista com informação privilegiada. O seu livro revela tudo o que se sabia então sobre a patologia, incluindo tratamentos, e descreve muitos outros casos que se incluem no espectro obsessivo-compulsivo, como as patologias alimentares, do impulso e outras bizarrias. Para além deste livro, existem, na literatura e no cinema, descrições da vida dos obsessivos, em geral romanceadas e, em parte, ficcionadas. É aqui que este livro - Na Loucura da Dúvida - se distingue dos demais, como uma auto-descrição de alguém apanhado pela perturbação obsessivo-compulsiva e que vai descrevendo aquilo que sente em cada momento.

    Eva Monte é o pseudónimo de uma profissional qualificada, com uma vida aparentemente normal, casada e com três filhos, que viveu com a sua doença desde os quinze anos, embora antes se refugiasse na fantasia compulsiva, um dos quadros que, nos tempos mais recentes, podemos juntar ao espectro obsessivo-compulsivo. Mesmo assim, foi uma aluna excelente (embora sofresse e tivesse de cumprir rituais antes de cada exame) e aproveitou todas as oportunidades para cumprir os seus sonhos de vida. Sofreu, entretanto, alguns percalços que a levaram ocasionalmente a um psiquiatra, sem que ela contasse os seus sintomas. Casou, teve a primeira filha e descompensou.

    Foi tratada, melhorou, teve mais um filho e ia conciliando os rituais secretos com a natação, a vida familiar e profissional. Como profissional, era competente e cumpridora, o que lhe valeu a promoção a um lugar de chefia. Foi então que tudo foi abaixo: consumida pelas dúvidas, deixou de dormir, emagreceu, ficou uma sombra de si mesma e foi conduzida aos psiquiatras através de uma colega.

    O essencial deste livro consiste nos emails que Eva enviava ao psiquiatra e, finalmente, apenas conversas que mantinha com o computador. Não é uma narrativa. É antes o espelho dos seus estados de alma em cada momento, onde se vai lembrando dos períodos de dúvidas, superstições, verificações e limpezas, tudo percebido como irracional e exterior a si, mas fonte de grande sofrimento. Cobrem um tempo de sete anos, com tempos de esperança e desespero, com tempos de depressão onde ela parece brincar com a morte. Aconteceu a ela e acontece a muitos outros. Mas existe solução. Eva acabou por recorrer à mais decisiva: Estimulação Cerebral Profunda com elétrodos implantados no cérebro e comandados do exterior.

    Ao longo do livro, vamo-nos apercebendo que a perturbação obsessivo-compulsiva, como a maioria das perturbações psiquiátricas, não tem uma evolução linear. De um dia para o outro, de uma semana para a outra existem altos e baixos, desespero e esperança. No caso presente é uma luta constante. Quem lê de fora, pode constatar como estas variações se ligam à medicação, às mudanças do ambiente ou à suspensão da estimulação daquela pequena zona cerebral onde tudo se passa. Pensar nisso é fascinante. E foi, provavelmente, o modo da Eva ultrapassar as suas dificuldades. Poderá sê-lo, também, para quem a leia e perceba que o mesmo se passa consigo.

    José Luís Pio Abreu

    Médico Psiquiatra

    INTRODUÇÃO

    Nasci em meados dos anos 70 e cresci numa altura em que, na sociedade, a ansiedade, mais que uma doença, era considerada um defeito e, assim, fui aprendendo a esconder esse defeito que carrego.

    A Perturbação Obsessiva Compulsiva (POC) foi crescendo comigo e, aos poucos, contaminando toda a minha vida. A exaustão da doença conduziu-me a vários episódios depressivos, que escondia e tentava ultrapassar em silêncio. Sentia que não me podia render à doença! Tentava construir a minha vida e edificar os meus sonhos, apesar da POC. Isso exigia de mim um esforço redobrado, que me propunha a vencer, em prol de proporcionar, a mim e aos meus, uma vida normal e comum à de todos.

    Há cerca de 7 anos, a exaustão apoderou-se mais forte de mim e vi-me arrastada para uma depressão profunda e uma desesperança atroz. Recorrer a ajuda médica e aceitar a ajuda de familiares foi essencial para poder reencontrar-me de novo, agora mais forte e mais capaz para lutar contra a doença. E, neste renascer, tento recuperar o que pus em pausa e tento dar um novo sentido à vida… A vida que, também, receei perder.

    Durante a depressão encontrei um amigo: o computador tornou-se o meu confidente e a minha companhia. Desabafar o meu sofrimento, as minhas angústias e as minhas dúvidas, com esta companhia tão isenta, paciente e sempre disponível, quebrava a solidão em que eu vivia. Fui registando os meus pensamentos, e registá-los foi-se tornando um hábito. Pensava e pensava, perdia horas e horas a remoer e a repensar o já pensado, a reconstruir os pensamentos já construídos, nesse mundo de obsessões, onde tudo parece sempre tão importante e onde se sente ser tão urgente não poder perder nada. E assim, de forma doentia, não me conseguia controlar e tinha de escrever, pois, não me permitia a perder tais pensamentos que se encadeavam e se agigantavam. Muitas vezes, escrever era a única forma de adormecer e fazer o pensamento parar. E, foi assim, que foi nascendo esta compulsão, esta necessidade de escrever e de registar.

    Registar para não perder… e para me acalmar!

    De início, escrevia ideias soltas, tal como me vinham à cabeça. Desabafava para ganhar força para as lutas diárias, mas, muitas vezes, escrevia apenas para repousar um pouco. Depois, fui reunindo algumas ideias em textos mais compactos, onde pretendia explicar, e, assim, entender, o que se passa comigo. Por vezes, sonhava em partilhar com alguém o que escrevia, mas a vergonha do meu desajuste, que emergia através daqueles textos, era tanta, que fui guardando tudo para mim. No entanto, agora percebo que, muitas vezes, escrevia para que um dia, quando a depressão me voltasse a levar, pudesse explicar o que sinto quando me entrego a esse mundo de dor. Confesso que é muito desgastante estar sempre a duvidar de mim, a sentir que tento explicar o que já está mais que explicado por muitos e que fico sempre aquém de contar o que sinto e o que vivo. Mas quero acreditar que, se tenho algum direito, é o de, mesmo errada, viver a minha doença, nem que seja apenas para mim, porque, apenas para mim, a minha doença é certa, é importante e é verdadeira! Logo, não posso duvidar do que sofro.

    Partilho, neste livro, o que fui escrevendo: descrições, pensamentos, sofrimentos e emails que enviava ao Psiquiatra que me acompanha. Talvez partilhe o que escrevo, numa tentativa de desabafar a doença e libertar-me desta dor, mas, mais que uma expiação, faço-o como testemunho! Pois, apesar de viver, há tantos anos, com a POC, ainda não perdi a esperança… A esperança de ter, finalmente, paz!!!

    Acredito, também, que somos muitos mais do que se estima. Vivemos escondidos dentro do nosso mundo de medos, dúvidas, rituais e sofrimento que tentamos ocultar, por vezes, até de nós mesmos! A POC é avassaladora e pode ser verdadeiramente incapacitante. Mas a ajuda existe e todas as ajudas são importantes. Sensibilizar para o conhecimento e aceitação da Doença Mental urge numa sociedade que se quer esclarecida, aberta ao outro e ao tratamento, pois só uma sociedade esclarecida é capaz de rodear o doente com carinho, compreensão e incentivo, conduzindo-o precocemente ao tratamento e, assim, à cura.

    Neste último século, assistimos a uma evolução incrível nas ofertas de tratamento na área da Psiquiatria e a POC e a Depressão não são uma exceção. Os médicos têm, atualmente, ao seu dispor uma panóplia considerável de possibilidades terapêuticas farmacológicas e de conjugação de grupos de fármacos com bons resultados, e continua inquestionável o papel da Terapia Cognitiva Comportamental como ferramenta essencial no tratamento da POC. Há poucos anos, foi aprovada para o tratamento da POC, a DBS (Deep Brain Stimulation- Estimulação Cerebral Profunda), um tratamento neurocirúrgico, especialmente direcionada a casos graves e resistentes aos restantes esquemas terapêuticos. Já anteriormente utilizada em doentes com Doença de Parkinson, tem sido promissora no tratamento da POC.

    A POC, quanto mais cedo for diagnosticada e tratada, menor é a probabilidade para que evolua para a cronicidade, sendo que, também, maiores são as hipóteses de sucesso terapêutico. Consequentemente, doentes tratados com menor tempo de evolução da doença são menos propensos a evoluir para estados de POC grave, estados depressivos graves, incapacidade e suicídio e, principalmente, minimiza-se o sofrimento do doente.

    Foi, também, para alertar para o sofrimento causado pela POC e para a esperança de tratamento, mesmo em casos graves, como ao que eu acabei por chegar, que decidi escrever este livro, onde relato e partilho as minhas vivências com a POC e a Depressão. A partilha dá-nos ferramentas e alertas. Dar a conhecer e reconhecer a doença em nós, em familiares e amigos é essencial para conseguirmos combater a POC. Procurar auxílio médico capacitado é o primeiro passo para o alívio deste nosso inferno!!

    É fundamental que, nesta sociedade, se quebre o estigma da doença mental e que, quer no outro quer em nós, comecemos a aceitar, sem recriminações ou receios, o sofrimento psicológico… Porque, só assim, poderemos alcançar uma população mais saudável em toda a sua vertente biopsicossocial.

    Caro leitor, considero ser este o momento oportuno para consultar o anexo a este compêndio onde apresento as Definições e Critérios de Diagnóstico de Perturbação Obsessiva Compulsiva e Perturbação Depressiva Major. Foram extraídas de uma fonte credível e acessível: o Diagnostical and Statistical Manual of Mental Disorders, 5ª edição (DSM-V), da American Psychiatric Association – APA. Uma informação científica que servirá de apoio à compreensão do testemunho que pretendo partilhar consigo.

    FECHAR A CAIXA 

    Todos temos pensamentos que invadem, diariamente, vezes sem conta, a nossa mente, alguns contra a nossa vontade! Uns apropriados e oportunos, outros absurdos e irreais! O ideal era crescermos a habituarmo-nos a afastar os pensamentos que não nos são úteis, aqueles que são ridículos, violentos, desadequados ou, mesmo, descabidos. Esses pensamentos não refletem a nossa vontade, a nossa crença nem mesmo a nossa maneira de ser. São apenas pensamentos inusitados que o nosso cérebro dispara para a nossa consciência e, aos quais não é devido qualquer valor!! São apenas e nada mais... que pensamentos!!

    Mas existe um jogo… Um jogo em que mesmo pensamentos inúteis e inconvenientes importam. O objetivo consiste em desvendá-los, percebê-los e interpretá-los. Se bem me lembro, desde tenra idade, que me entrego a este desafio a que chamo o "jogo dos se’s"! Analisava e questionava tudo o que pensava, mesmo o que me parecia mais ridículo!! Os pensamentos passaram a ser o meu foco e tornaram-se importantes na minha vida. Não lhes resistia, todos eram necessários e pareciam ter interesse.

    Sem saber, jogava por medo! Movida pela ansiedade que, por ter vivido sempre comigo, era incapaz de reconhecer. Jogar era a forma de controlar o meu mundo! Facilmente, foi-se tornando num hábito e, assim, num vício… Depois numa forma de vida e, assim, numa doença. Sempre renitente em aceitar a doença que havia em mim, justificava-me pensando, para comigo, que se tinha tornado, apenas, não mais que numa mania!! A mania de colocar um se à frente do que pensava, de impor regras para não perder e, assim, duvidar!!

    Deixava-me levar! Os pensamentos eram tomados e rastreados, repensados e julgados, geravam culpa e uma vontade avassaladora de corrigir, o que me obrigava a ter de praticar rituais que punham em prática a sentença decretada. Achava que, apenas, queria entender, escrutinar a culpa e o erro, mas, a verdade, é que jogava por dependência. Dependência da sensação de alívio que jogar me proporcionava. E essa tentativa de controlar e de sair vencedora dessa disputa maléfica foi crescendo feroz e dilacerante.

    O jogo, a Perturbação Obsessiva Compulsiva!! Não é um jogo divertido… Não!!!

    É um jogo de controlo!!

    Quanto mais controlar, a mim e ao meu mundo, mais me sinto vitoriosa!! Porque vencer… é sentir-me segura!!

    Vivo num mundo de ansiedade, como dentro de um thriller, onde espero, em suspense, em terror e, assim, em profunda ansiedade, a próxima cilada, ponderando, com receio, se serei capaz de a contornar!! Custosa, essa luta arrasta-se por dias, vai deixando as suas marcas e vai-se transformando em fragilidade!! Envolvida na magia da doença, sempre caio nas suas teias.

    Pergunto-me: o que me fez acreditar que por repetir uma frase, o meu pai não morreria? O que me fez acreditar que, por verificar, vezes sem conta, não faltaria nenhuma página no trabalho? O que me fez acreditar que, por não tocar numa mesa, estaria protegida de ser contaminada por uma sujidade ameaçadora qualquer? O que me fez acreditar que, por verificar mentalmente, incessantemente, me iria lembrar se escrevi algo de errado num documento importante? O que me fez acreditar que, por rever repetidamente me iria lembrar se não teria dito qualquer palavra errada num discurso? O que me fez acreditar que, por repetir um pensamento vezes e vezes sem conta iria chegar a uma verdade?

    Sim, que jogo era esse? Que me obrigava a verificar, evitar, lavar, organizar, remoer, pensar e repensar e isolar-me mais e mais… para não errar! Que jogo era esse? Que me fazia viver num medo profundo que vinha de dentro, que nascia das minhas entranhas mais estranhas, das lógicas mais ilógicas, de um sentido sem sentido!

    Movida pelo medo entregava-me às suas regras, pois, se não o fizesse, abriria as portas à culpa!!

    E assim, mais tarde, já só sabia sobreviver, jogando! Não podia desistir, tinha de ir até ao fim, até que, sozinha, já não estaria capaz de viver para jogar!

    O jogo ilude-nos, diz-nos que no fim, vitoriosos, iremos ganhar o prémio maior… Paz!! Mas, de início, ninguém nos alerta que este é um jogo sem fim!! Mais que viver na vida, passei a viver, apenas, dentro daquela caixa!!! O jogo dos se’s esgotou as minhas forças, conduziu-me à exaustão e a esta incapacidade. Para sobreviver, foi preciso lutar e lutar, e não me bastou lutar sozinha!!

    Acredito que a POC não se deixa curar, mas hoje sei que é possível viver… sem jogar!!!

    UM POUCO DA MINHA VIDA

    Talvez, como quem nunca viu não saiba o que é ver. Eu não sei como teria visto a minha vida se não tivesse sempre vivido ensombrada pela dor da ansiedade!

    Venho de uma família da classe média, nunca tive falta dos bens essenciais e os meus pais sempre providenciaram para que eu aproveitasse as oportunidades que a vida me trazia. Sempre exigente comigo própria, o mais ou menos para mim não chegava. Aluna excelente, resguardava-me nos estudos e deixava que a minha timidez me isolasse do mundo.

    Todos trazemos dores do passado e eu não sou exceção à regra. Com 3 irmãs e a viver numa família com uma disfuncionalidade marcada e conflitos constantes, desde cedo, aprendi que o melhor lugar para viver era escondida nos meus sonhos. Sonhos maravilhosos que facilmente tomavam as asas da minha imaginação tão fértil e, só aí, sentia algum conforto. Sonhar tornou-se a minha forma de sobreviver, principalmente, durante a minha adolescência. Passava os meus dias fechada nos estudos, nos meus livros encantados e de aventuras e no meu mundo mágico de sonhos, tentando afastar o medo.

    Sei, agora, de forma consciente, que, pelo menos, desde os meus 15 anos, cumpro os critérios para o diagnóstico de POC. Mas ninguém podia saber!!! Era o meu segredo, porque era a minha fraqueza e eu tinha tanto medo que descobrissem as minhas fraquezas!!!!

    Autoimpunha ser forte ou, pelo menos, que fosse essa a imagem que tinham de mim… de uma fortaleza.

    Lembro-me que tivemos um gato que tinha a mania de apanhar ratos nos quintais e vir com eles para dentro de casa. A minha mãe e irmãs berravam e chamavam por mim. Eu ia agarrar o gato, puxava-o pelo rabo, ele rosnava e resistia. Eu, com um saco enfiado na mão, lutava para lhe arrancar o rato da boca. Sentia-me orgulhosa por ser forte! Mas, não me esqueço de uma vez, o rato ainda não estava morto, senti o seu coração pequenino a bater dentro da minha mão e tive de tomar a decisão de o abafar para ele não sofrer mais, afinal já estava muito ferido. Esse rato nunca mais me saiu da cabeça!! Mais tarde, quando o nosso gato morreu atropelado, no dia seguinte, na catequese, estava mais triste, mas calada. As minhas irmãs, naturalmente, contavam aos amigos o que tinha acontecido e choravam. Na altura, o meu catequista veio ter comigo e disse-me que eu, também, tinha de me dar ao direito de desabafar a minha dor!! Mas eu não me permitia, eu era forte!!! Esse era o meu lema!!! Nesses tempos da catequese, na altura da adolescência, todos diziam que eu iria para freira! Tímida e fechada no meu mundo, os valores e a retidão acima de tudo!! Gostava de me imaginar a fazer grandes feitos e a ser a heroína da história!!  Acho que todos somos assim, mas eu sentia-me um pouco mais desiludida do que os outros!!

    Agora sei que, na vida real, nunca existiria momento algum em que me permitiria a sentir a heroína da história, pois o meu foco era sempre: Onde falhei??!!.

    E, esse, sempre foi o problema do elogio. Se para os outros o elogio é uma gratificação, para mim sempre foi: Fizeste o que conseguiste. Mas no que falhaste?? No que podias não ter falhado??. Para mim o elogio sempre foi uma pressão, uma fasquia que era colocada!! Não podia ser pior, tinha de melhorar e, principalmente, vivia com um medo imenso dos erros que pudesse ter cometido. Vivia sempre com o medo de desiludir alguém e, assim, de me desiludir a mim própria. Insegura e amedrontada, num mundo de dúvidas, focava-me no que melhor sabia fazer… Estudar.

    Lembro-me bem de acordar com ataques de pânico só por antecipar o dia de estudo que se ia iniciar e todo o sofrimento que esse iria envolver, os meus livros tinham manchas de lágrimas e, recorrentemente, pensava não vou viver mais que os 45 anos porque o meu corpo não vai aguentar!! Engraçado, não me pergunte porquê 45 anos. Talvez fosse por ouvir, frequentemente, dizer que o meu avô tinha morrido muito novo… Aos 45 anos!!

    Entrei na faculdade e só aí, talvez, me tivesse começado a abrir um pouco mais ao mundo. Comecei a ter mais amigos e a falar mais, passava mais tempo fora de casa, o que ajudava bastante, e no segundo ano da faculdade comecei a namorar com o meu marido, que já conhecia, há uns anos, do tempo da catequese.

    Costumo pensar que o meu marido foi a minha tábua de salvação. A partir do momento em que começou a fazer parte da minha vida, sinto que se deu uma viragem e comecei a entender o mundo de uma forma diferente. Mas tanta ansiedade e tão sustentada ao longo de tantos anos tinha, inevitavelmente, de, em alguma altura, mostrar as suas marcas e… conduziu-me à exaustão. As exigências da faculdade eram maiores e a ansiedade uma constante. No primeiro ano de faculdade passei por um período de depressão… Talvez o primeiro… Lembro-me que chorava sem me conseguir conter, sentia falta de forças e incapacidade em me concentrar nos estudos. O meu Pai, preocupado, levou-me ao médico. Bem, nunca seria a um Psiquiatra, na altura seria uma vergonha e estragaria toda a minha reputação (e a da família), mas não o censuro… Apoiou-me, esteve lá para mim e fez o melhor que sabia para me proteger. Fomos, então, a um médico de Clínica Geral. Pouco me lembro da consulta, exceto o momento em que o médico disse ao meu Pai: Estes jovens andam o ano todo a divertir-se, não estudam e depois chegam a esta altura e ficam nervosos. Bem, tocou nos meus medos. E como obsessiva e deprimida, tão bem soube sentir: culpa, culpa e culpa… afinal sou mesmo preguiçosa!!!. O meu pai recorreu em minha defesa e disse: Não é o caso da minha filha!!. Bem… Lá me prescreveu uns ansiolíticos. Nunca mais me

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