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O Atual Direito Aduaneiro
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E-book744 páginas7 horas

O Atual Direito Aduaneiro

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Sobre este e-book

A presente obra foi idealizada pela Comissão de Direito Aduaneiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Minas Gerais, em 2021, coordenada pelos Advogados Renato Braga Bicalho e Pedro Henrique Alves Mineiro e com participação direta dos membros da Comissão.
Esta obra é fruto de intensas discussões técnicas ocorridas durante a gestão da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/MG.
A Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/MG mostrou-se bastante ativa e preocupada com os temas atuais e afetos ao seu estudo, sendo que a presente obra se tornou quase um caminho obrigatório, frente à preocupação de buscar posições técnicas e com qualidade frente ao tão complexo e dinâmico tema do Direito Aduaneiro.
O presente trabalho teve a adesão dos mais importantes juristas na área aduaneira, de todas as regiões do país, com mais de três dezenas de artigos acadêmicos, dos mais variados temas, todos imbuídos em um espírito de colaboração voluntária e técnica sobre o tema.
Por essa razão, merecem os nossos aplausos meritórios e de agradecimento todos os autores, pessoas comprometidas com Direito Aduaneiro e com a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/MG. Sem a colaboração de cada um, a presente obra não seria possível.
Com a presente obra, a Comissão de Direito Aduaneiro lança essa pedra fundamental, que espera que seja repetida várias vezes, em prol do desenvolvimento do Direito Aduaneiro em Minas Gerais e no Brasil.
Desejamos a todos que tenham uma boa leitura.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de dez. de 2021
ISBN9786525216249
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    O Atual Direito Aduaneiro - Renato Braga Bicalho

    SEÇÃO I

    DA INAPLICABILIDADE DA PENA DE PERDIMENTO NO CASO DE SUBFATURAMENTO DE MERCADORIA

    Maria Helena Santos Silva Ferreira²

    Resumo: O subfaturamento do valor da mercadoria por meio da falsificação ideológica dos documentos de despacho resulta na redução indevida da base de cálculo dos tributos. Nesse caso, conforme determina o art. 88, parágrafo único da MP n°. 2.158-35/01, o Parecer PGFN/CRJ n° 1.690/2016, e o atual entendimento jurisprudencial do Colendo STJ e Tribunais Superiores é devida a pena de multa de 100% (cem por cento) da diferença entre o preço declarado e o efetivamente praticado ou arbitrado, e não a aplicação da pena de perdimento.

    1. DA PENA DE PERDIMENTO DA MERCADORIA

    A pena de perdimento de mercadoria ou bem, a mais severa penalidade prevista na Legislação Aduaneira, consiste na perda de propriedade da mercadoria importada em favor do Estado, quando da prática de conduta ilícita, seja por meio de ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que resulte em dano ao erário. É, portanto, uma sanção aduaneira, que possui natureza jurídica administrativo-tributária, quando não respeitados deveres acessórios previstos na Legislação Aduaneira, que acarretem prejuízo ao controle aduaneiro e/ou tributário.

    As espécies de penalidades encontram-se descritas no art. 675 do Decreto n°. 6.759/09: perdimento de veículo; perdimento da mercadoria; perdimento de moeda; multas e sanções administrativas. Especificamente quanto a hipótese de aplicação da pena de perdimento de mercadoria ou de bens, encontra-se prevista em inúmeras espécies legislativas, sendo essas, o Decreto n°. 6.759/09, o Decreto-Lei n°. 37/66, Decreto n°. 1.455/76 e Lei n°. 10.833/03.

    A aplicação da pena de perdimento decorre de processamento administrativo fiscal realizado pela Receita Federal do Brasil, que se encontra regulamentado pela IN/SRFB n°. 1.986/2020, oportunidade em que, durante esse processo especial de fiscalização, será chamado o importador para apresentar esclarecimentos e documentos que o r. Órgão Fiscalizador entender necessário. O início do processo ocorre com a retenção da mercadoria e a lavratura do Termo de Retenção da Mercadoria, ficando o importador impossibilitado de dar andamento ao despacho e o desembaraço da mercadoria ou bem importado, até que haja o término do procedimento fiscal, que geralmente ocorre com a lavratura do auto de infração aplicando a pena de perdimento da mercadoria.

    Há também aqueles casos em que a Receita Federal do Brasil, por meio do ato de revisão aduaneira, pode entender pela aplicação da pena de perdimento, sendo certo que, caso o importador não mais possua a mercadoria ou o bem em sua propriedade, em detrimento da nacionalização desses que acabou por possibilitar a sua inserção no mercado, ficará o importador sujeito a pena pecuniária, com base no valor do bem.

    A pena de perdimento de mercadoria, bens e cargas é extremamente criticada, pois revela grau elevado do autoritarismo do Estado, remetendo aos primórdios da criação e desenvolvimento da Legislação Aduaneira, que ocorreu no período da Ditadura Militar, pois em análise à legislação que trata da referida penalidade, fica evidente a ofensa aos Princípios da Presunção da Inocência (presunção da prática do ato ilícito), do Duplo Grau de Jurisdição (procedimento administrativo julgado em instância única) e, ainda, ao Direito Fundamental da Propriedade que se encontra resguardado no art. 5, caput e inc. XXII da CR/88.

    Nesse sentido, o Título II, capítulo II, art. 689 ao art. 699, do Decreto n°. 6.759/09 e o art. 105 do Decreto-Lei n°. 37/66 tratam de todas as hipóteses em que pode incidir a aplicação da pena de perdimento da mercadoria.

    É certo que, independente da infração cometida, deve-se atentar para o que dispõe o Princípio da Legalidade, segundo o qual, as infrações necessariamente precisam estar previstas em lei e, da mesma forma, as penalidades. Disso se extrai que, não basta que o Decreto n°. 6.759/09 e as demais legislações aduaneiras prevejam uma infração ou a multa, deve haver claramente a previsão legal de quando o interveniente de Comércio Exterior estará cometendo uma infração ou se sujeitando à aplicação dessa.

    Deste ponto é que se inicia a nossa discussão, tendo em vista que a legislação aduaneira não prevê a aplicação da pena de perdimento no caso de subfaturamento. Não obstante, vemos a Receita Federal do Brasil aplicando a referida penalidade a importadores, apesar de ao final de um procedimento especial de fiscalização restar claro não ter o importador cometido ato ilícito que ensejasse a aplicação da pena mais gravosa prevista na legislação aduaneira. Esta conduta fere o que dispõe o Princípio da Legalidade, pois, no caso da prática de subfaturamento pelo importador, a penalidade devida é a multa que se encontra estabelecida no art. 88, parágrafo único da MP n°. 2.158-35/01.

    2. DO SUBFATURAMENTO E DA PENALIDADE CORRESPONDENTE

    O Subfaturamento é entendido como a alteração intencional do valor aduaneiro da mercadoria pelo importador, ou ainda, deste com o auxílio de terceiro (exportador), por meio de fraude, ou seja, um ato ilícito praticado com má-fé, pensado para se obter vantagem comercial perante o Fisco. Essa conduta ilícita pode ocasionar a falsidade material ou a ideológica.

    A falsidade material, encontra-se descrita no art. 298 do Código Penal e consiste na falsificação de parte ou da totalidade de documento particular. Um exemplo que ilustra a aplicação desse dispositivo é a falsificação de documento necessário ao embarque ou ao desembaraço aduaneiro de mercadoria ou de bem, como a falsificação da Invoice pelo importador, a fim de que essa seja apresentada ao Fisco, como se verdadeira fosse. Aqui, o entendimento doutrinário e jurisprudencial do Colendo STJ é de que é cabível a pena de perdimento da mercadoria, nos termos do que determina o art. 105, inc. VI do Decreto-lei n°. 37/66:

    Art. 105 - Aplica-se a pena de perda da mercadoria:

    (...)

    VI - estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se qualquer documento necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado ou adulterado;

    A falsidade ideológica, a seu turno, encontra-se descrita no art. 299 do Código Penal e é entendida como a inserção de declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Nesse caso, apesar de o documento ser autêntico, as informações neles constante, não se prestam a retratar a operação ocorrida. Trata-se daqueles casos em que os valores informados na Declaração de Importação – DI, são menores do que o valor real praticado na transação comercial entre o exportador e o importador, quando da compra e venda de mercadoria ou bem. Salienta-se que, conforme entendimento jurisprudencial firmado pelo Colendo STJ, essa falsidade diz respeito exclusivamente ao subfaturamento do valor da mercadoria.

    Diante do exposto, não restam dúvidas de que, nos casos em que se constatar a prática de falsidade ideológica, a única penalidade cabível é a pena de multa de 100% (cem por cento) da diferença entre o preço declarado e o efetivamente praticado ou o arbitrado, conforme determina o art. 88, parágrafo único, da MP n° 2.158-35/2001; e o art. 703, caput, do Decreto n° 6.759/2009, que colacionamos abaixo, não havendo que se falar na incidência da aplicação da pena de perdimento da mercadoria, vejamos:

    Art. 88.  No caso de fraude, sonegação ou conluio, em que não seja possível a apuração do preço efetivamente praticado na importação, a base de cálculo dos tributos e demais direitos incidentes será determinada mediante arbitramento do preço da mercadoria, em conformidade com um dos seguintes critérios, observada a ordem seqüencial: (...)

    Parágrafo único.  Aplica-se a multa administrativa de cem por cento sobre a diferença entre o preço declarado e o preço efetivamente praticado na importação ou entre o preço declarado e o preço arbitrado, sem prejuízo da exigência dos impostos, da multa de ofício prevista no art. 44 da Lei no 9.430, de 1996, e dos acréscimos legais cabíveis.

    Art. 703.  Nas hipóteses em que o preço declarado for diferente do arbitrado na forma do art. 86 ou do efetivamente praticado, aplica-se a multa de cem por cento sobre a diferença, sem prejuízo da exigência dos tributos, da multa de ofício referida no art. 725 e dos acréscimos legais cabíveis (Medida Provisória no 2.158-35, de 2001, art. 88, parágrafo único).

    Em se tratando de situação caracterizada pelo subfaturamento da mercadoria mediante falsidade ideológica, a aplicação da pena de multa de 100% (cem por cento) da diferença entre o preço declarado e o efetivamente praticado ou o arbitrado, conforme determina o art. 88, parágrafo único, da MP n° 2.158-35/2001, deve ser observada. Corroborando com esse entendimento, no capítulo 4 que trata sobre multa, no item 4.1.3, que trata sobre multa pelo subfaturamento, Solon Sehn (2021) deixa claro que restou pacificado que a pena cabível é a referida sanção, ao menos até que se decida pela revisão dessa exegese.

    Destaca-se que, não se pode presumir a aplicação da pena de multa em razão de subfaturamento. Para que haja a sua aplicação, deve o Fisco se valer do processo administrativo, oferecendo ao contribuinte o devido contraditório e a ampla defesa, a fim de apurar e demonstrar que se encontra presente o elemento para tanto, qual seja, a declaração de menor valor da mercadoria importada na declaração de importação. Caso não reste demonstrado a prática desse ato ilícito, em respeito aos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade a legislação deverá ser interpretada de maneira mais favorável ao contribuinte, conforme estabelece o art. 112 do CTN.

    Assim, da análise do art. 112, inc. IV do CTN, resta claro que, havendo dúvida quanto a prática de falsidade ideológica, que é punida por meio da pena de perdimento, estabelecida no art. 105, inc. VI do Decreto-lei n°. 37/66; ou, de falsidade material, aquela em que a penalidade encontra-se prevista no art. 88, parágrafo único, da MP n° 2.158-35/2001; ou, ainda, sobre a existência ou não de subfaturamento, em cada caso, o Fisco deverá analisar e interpretar de maneira mais favorável ao contribuinte, deixando de aplicar inclusive essas penalidades, caso não reste demonstrado a prática dos fatos que tipificam as mencionadas condutas como ilícitas.

    3. DO PARECER PGFN/CRJ/N°. 1.690/2016

    Em 2016, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão que possui competência para representar a União nas causas de natureza fiscal e aduaneira, relativas a apreensão de mercadorias, nacionais ou estrangeiras e decisões de órgãos do contencioso administrativo fiscal, elaborou o Parecer PGFN/CRJ/N°. 1.690/2016, publicado por meio do Ato Declaratório PGFN nº 4, de maio de 2018, vinculando a Secretaria da Receita Federal do Brasil, em razão do entendimento jurisprudencial reiterado do Colendo STJ, no sentido de que, não é cabível a aplicação da pena de perdimento no caso de subfaturamento quando da prática da falsidade ideológica, mas sim, a pena de multa de 100% (cem por cento) da diferença entre o preço declarado e o efetivamente praticado ou o arbitrado, conforme determina o art. 88, parágrafo único, da MP n° 2.158-35/2001.

    Nesse parecer, a Procuradora que o elaborou fez questão de colacionar inúmeros julgados do STJ, tendo ressaltado, inclusive, que a Receita Federal do Brasil, por meio da Nota COSIT-E n°. 316, de 25 de outubro de 2016, concordou com a edição de ato declaratório do Sr. Ministro do Estado da Fazenda, a fim de que fosse autorizada a não apresentação de contestação, a não interposição de recursos e a desistência dos já interpostos, nos casos em que ficar claro que é devida a pena de multa da diferença entre o preço declarado e o efetivamente praticado ou o arbitrado, quando se tratar de falsidade ideológica consistente no subfaturamento do valor da mercadoria na declaração de importação, sendo, por isso, inadmissível a aplicação da pena de perdimento da mercadoria.

    Destarte, não há dúvida, inclusive por parte da Fazenda Nacional, conforme restou demonstrado por meio dos Pareceres PGFN/CRJ/N°. 937/2016, 962/2016 e 1.690/2016, que deve ser aplicado o entendimento jurisprudencial do STJ e dos demais Tribunais Superiores, no sentido de que, no caso de subfaturamento da mercadoria, em razão de falsidade ideológica, ilícito que consiste na declaração de valor inferior da mercadoria ou bem na declaração de importação, a única penalidade cabível é a de multa de 100% (cem por cento) da diferença entre o preço declarado e o efetivamente praticado ou o arbitrado, conforme estabelece o art. 88, parágrafo único, da MP n° 2.158-35/2001 e o art. 108, parágrafo único do Decreto-Lei n°. 37/66, e não a de perdimento da mercadoria.

    4. ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    Conforme tratado desde o início, o entendimento jurisprudencial do Colendo STJ, já há algum tempo, não poderia ser outro, senão a pena de multa de 100% (cem por cento) da diferença entre o preço declarado e o efetivamente praticado ou o arbitrado, conforme determina o art. 88, parágrafo único, da MP n° 2.158-35/2001, a ser aplicada no caso de falsidade ideológica, ou seja, quando há a declaração falsa de valor na Declaração de importação. Em paralelo a esse entendimento, essa respeitável Corte também consignou que, quando se tratar de falsidade material, ou seja, quando houver falsificação ou adulteração de documento necessário ao embarque ou desembaraço da mercadoria, deverá haver a aplicação da pena de perdimento da mercadoria ou do bem, conforme estabelece o art. 105, VI, do Decreto-Lei n. 37/66, vejamos:

    TRIBUTÁRIO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. DECLARAÇÃO DE IMPORTAÇÃO. SUBFATURAMENTO DO BEM IMPORTADO. ART. 105, VI, DO DECRETO-LEI N. 37/66. PENA DE PERDIMENTO DO BEM. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. APLICAÇÃO DA MULTA DE 100% PREVISTA NO ART. 108, PARÁGRAFO ÚNICO, DA REFERIDA NORMA. PREVALÊNCIA DO DISPOSTO NA NORMA LEGAL SOBRE O TEOR DA NORMA INFRALEGAL (IN SRF 206/2002).

    1. Discute-se nos autos a possibilidade de aplicação da pena de perdimento de bem quando reconhecida a falsidade ideológica na declaração de importação que, in casu, consignou valor 30% inferior ao valor da mercadoria (motocicleta Yamaha modelo YZFR1WL).

    2. A pena de perdimento prevista no art. 105, VI, do Decreto-Lei n. 37/66 se aplica aos casos de falsificação ou adulteração de documento necessário ao embarque ou desembaraço da mercadoria, enquanto a multa prevista no parágrafo único do art. 108 do referido diploma legal destina-se a punir declaração falsa de valor, natureza ou quantidade da mercadoria importada. Especificamente no que tange à declaração falsa relativa à quantidade da mercadoria importada, a despeito do disposto no parágrafo único do art. 108 do Decreto-Lei n. 37/66, será possível aplicar-se a pena de perdimento em relação ao excedente não declarado, haja vista o teor do inciso XII do art.

    618 do Regulamento Aduaneiro vigente à época dos fatos (Decreto 4.543/02). Nesse sentido: AgRg no Ag 1.198.194/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 25/05/2010.

    3. O precedente supracitado determinou a aplicação da pena de perdimento de bem sobre o excedente não declarado no que tange à falsidade ideológica relativa à quantidade e, ainda, em caso de bem divisível. O caso dos autos, porém, trata de bem indivisível e não diz respeito à falsa declaração de quantidade, mas sim de subfaturamento do bem, ou seja, diz respeito ao valor declarado.

    4. A conduta do impetrante, ora recorrido, está tipificada no art.

    108 supracitado - falsidade ideológica relativa ao valor declarado (subfaturamento) -, o que afasta a incidência do art. 105, VI, do Decreto-Lei n. 37/66 em razão: (i) do princípio da especialidade;

    (ii) da prevalência do disposto no referido decreto sobre o procedimento especial previsto na IN SRF 206/2002; e (iii) da aplicação do princípio da proporcionalidade.

    5. Recurso especial não provido.

    (REsp 1217708/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 08/02/2011)

    Asseverou-se, ainda, a necessidade de observar os Princípios da Legalidade e da Especificidade, posto que, em hipótese exclusiva de prática de subfaturamento, não há regra semelhante que autorize a pena de perdimento, devendo ser adotada somente a norma específica, que é a multa de 100% (cem por cento) da diferença entre o preço declarado e o efetivamente praticado, vejamos:

    RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. SUBFATURAMENTO. PENA DE PERDIMENTO. ART. 105, VI, DO DL 37/66. NÃO INCIDÊNCIA. HIPÓTESE SUJEITA A MULTA. ART. 108, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DL 37/66.

    1. A pena de perdimento, prevista no art. 105, VI, do Decreto-Lei 37/66, incide nos casos de falsificação ou adulteração de documento necessário ao embarque ou desembaraço da mercadoria, enquanto a multa prevista no parágrafo único do art. 108 do mesmo diploma legal destina-se a punir declaração inexata em seu valor, natureza ou quantidade da mercadoria importada.

    2. Se a declaração de importação for falsa quanto à natureza da mercadoria importada, seu conteúdo ou quantidade, será possível aplicar, a par da multa, também a pena de perdimento em relação ao excedente não declarado, tendo em vista o que dispõe o inciso XII do art. 618 do Regulamento Aduaneiro vigente à época dos fatos (Decreto 4.543/02).

    3. Todavia, quando a hipótese é exclusiva de subfaturamento, não há regra semelhante que autorize a pena de perdimento, devendo ser adotada somente a norma específica, que é a multa de 100% sobre a diferença apurada entre o valor real e o declarado, nos termos do art. 108, parágrafo único, do DL 37/66.

    4. No caso, segundo o arcabouço fático delineado na origem, houve apenas subfaturamento, vale dizer, indicação de valores a menor para a operação de importação, o que afasta a incidência da pena de perdimento.

    5. Agravo Regimental não provido.

    (AgRg no REsp 1341312/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 08/03/2013)

    No julgado colacionado abaixo, vemos que, no caso de dúvida quanto a aplicação da pena de perdimento da mercadoria ou da aplicação da pena de multa em razão de subfaturamento, o STJ concluiu de acordo com os Princípios da Especialidade, Proporcionalidade e da Razoabilidade e, ainda, com o que estabelece o art. 112, inc. IV do CTN, indicando que a penalidade a ser aplicada deve ser aquela que for a mais favorável ao contribuinte, ou seja, nesse caso, aquela estabelecida no art. 88, parágrafo único, da MP n° 2.158-35/2001, vejamos:

    TRIBUTÁRIO. DIREITO ADUANEIRO. DECLARAÇÃO DE IMPORTAÇÃO. SUBFATURAMENTO DO VALOR DA MERCADORIA. PENA DE PERDIMENTO. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 108, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO-LEI Nº 37/66. CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE DA NORMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. CONSIDERAÇÃO. 1. A falsidade ideológica consistente no subfaturamento do valor da mercadoria na declaração de importação dá ensejo à aplicação da multa prevista no art. 108, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 37/66, que equivale a 100% do valor do bem, e não à pena de perdimento do art. 105, VI, daquele mesmo diploma legal.

    2. Interpretação harmônica com o art. 112, IV, do CTN, bem como com os princípios da especialidade da norma, da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedentes. 3. Recurso especial da Fazenda Nacional a que se nega provimento. (REsp 1218798/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 01/10/2015)

    Por fim, nota-se pelo julgado abaixo que o STJ confirmou o entendimento esposado pelo TRF da 4ª Região, de que, havendo suspeita de subfaturamento, não é devida a retenção de mercadoria, e ainda, que a Fiscalização deve se ater e considerar os documentos apresentados pelo importador que possua força probante, dos quais se possa extrair os elementos necessários à sua fiscalização, não sendo razoável realizar a exigência de documento de caráter dificultoso, seja em razão do tempo ou do custo, vejamos:

    ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. DESPACHO ADUANEIRO. INTERRUPÇÃO.

    EXIGÊNCIA DA AUTORIDADE ADUANEIRA. SUBFATURAMENTO DE PREÇO NA DECLARAÇÃO DE INFORMAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE MOTIVO PARA APLICAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO. INDÍCIOS DA EXISTÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO FALSA NA DECLARAÇÃO DE IMPORTAÇÃO. POSSIBILIDADE DE A FISCALIZAÇÃO REQUERER INFORMAÇÕES E DOCUMENTOS ADICIONAIS.

    1. Caso em que o TRF da 4ª Região entendeu que a suspeita de subfaturamento do preço da mercadoria importada, que decorreu da diferença significativa entre o preço declarado e os valores médios relativos a operações similares, não é causa que justifique a interrupção do procedimento de despacho aduaneiro nem fato que autorize a pena de perdimento, sendo ilegal a exigência de que importador apresente a declaração de exportação, reconhecida por notário na China e traduzida para o português, ante a inexistência de fato que pudesse colocar em dúvida a higidez das declarações de exportação então apresentadas na Declaração de Importação. Assim, considerou que não seria razoável submeter a importação das mercadorias ao procedimento especial de controle aduaneiro, mantendo a impetrante como fiel depositária das mercadorias para a eventualidade de verificar alguma espécie de fraude que implicasse na pena de perdimento.

    2. Não viola o art. 535 do Código de Processo Civil o acórdão que adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia.

    3. À luz do entendimento jurisprudencial do STJ, eventual preço subfaturado na Declaração de Importação não se confunde com falsificação ou adulteração de documento, não permitindo, assim, a aplicação da pena de perdimento, que é restrita às hipóteses do art. 105 Decreto-Lei n. 37/1966. Nesse sentido: AgRg no REsp 1341312/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 8/3/2013; REsp 1242532/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 2/8/2012.

    4. Quanto à possibilidade de a autoridade aduaneira exigir cópia das declarações de exportação das mercadorias desta DI, processadas pela alfândega da República Popular da China, reconhecidas por notário público daquele País, consularizadas e traduzidas para o português por meio de tradutor público juramentado, considerando o argumento recursal de que a questão extrapola o âmbito do subfaturamento porque, em tese, pode haver documentos falsificados na Declaração de Importação do impetrante, mostra-se relevante decidir a respeito, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade.

    5. Via de regra, o documento emitido pelo exportador estrangeiro que dá notícia sobre os elementos da transação comercial realizada pelas partes denomina-se fatura comercial (commercial invoice). Aliás, deve-se mencionar que, na vigência do Decreto n. 91.030/1985, antigo Regulamento Aduaneiro, quando se tratou da fatura comercial, há exigência semelhante à que o Fisco fez à parte recorrida (art. 425, alínea ‘c’, § 1º, combinado com o art. 430 do Decreto n.

    91.030/1985).

    6. Não obstante, atualmente, a Instrução Normativa 327, de 9 de maio de 2003, que estabelece normas e procedimentos para a declaração e o controle do valor aduaneiro de mercadoria importada, prevê que a autoridade aduaneira possa exigir outras informações e documentos que não aqueles previstos para a instrução da Declaração de Importação (artigos 30, 31 e 32).

    7. Nessa linha, não há nenhum óbice para que a autoridade aduaneira requeira a documentação que entende pertinente para o exercício de seu poder de polícia. Contudo, embora o mérito a respeito da escolha por um ou outro documento seja da sua competência, a autoridade aduaneira deve motivar sua escolha, adequadamente, porquanto, havendo outros documentos que tenham força probante, dos quais se podem extrair os elementos necessários à fiscalização correlata, não se mostra razoável que se exija documentação cujo acesso se mostre dificultoso, seja pelo fator custo, seja pelo fator tempo, uma vez que a exigência caracterizará fato interruptivo do despacho aduaneiro, prejudicando o regular desembaraço das mercadorias e, assim, influindo no desempenho das atividades comerciais do importador.

    8. Isso considerado e voltando-se para o que foi consignado no acórdão recorrido, não há como concluir pela razoabilidade nem pela necessidade de apresentação das declarações de exportações, como exigido pela autoridade aduaneira, pois o acórdão recorrido, ao consignar que não há fato que pudesse levantar suspeita quanto à higidez das declarações de exportação então apresentadas pelo importador-impetrante, fixou premissa fático-probatória que não pode ser revista em recurso especial, conforme entendimento da Súmula n.

    7 do STJ.

    Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.

    (REsp 1448678/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 19/08/2014)

    Diante do exposto, com base na Jurisprudência do Colendo STJ apresentada acima, conclui-se que, visando resguardar os Princípios da Legalidade, Especialidade, Razoabilidade e da Proporcionalidade, essa respeitada Corte tem entendido que, no caso de falsidade ideológica consistente no subfaturamento do valor da mercadoria na declaração de importação, dá-se ensejo à aplicação da multa da diferença entre o preço declarado e o efetivamente praticado ou o arbitrado, conforme determina o art. 88, parágrafo único, da MP n° 2.158-35/2001, e não a pena de perdimento da mercadoria estabelecida no art. 105, inc. VI do Decreto-Lei n°. 37/66.

    5. DA DESNECESSIDADE DE HAVER A RETENÇÃO DA MERCADORIA, CAUÇÃO OU RECOLHIMENTO DE EVENTUAIS DIFERENÇAS TRIBUTÁRIAS, NOS CASOS DE SUBFATURAMENTO

    Em análise ao entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores³, verifica-se também, que no caso de suspeita de subfaturamento da mercadoria, não se justifica a retenção dessa, muito menos a caução ou o recolhimento de eventuais diferenças tributárias/penalidades, decorrentes de novo valor aduaneiro, sendo certo que, caso entenda pertinente, a Autoridade Fiscal deverá lavrar auto de infração e cobrar o suposto crédito pela via adequada, oferecendo ao Contribuinte o devido contraditório e a ampla defesa.

    Ainda nesse sentido, vale destacar trecho de decisão proferida pelo r. Magistrado Ávio Mozar José Ferraz de Moraes, que atua no TRF da 1ª Região, na Seção Judiciária de Salvador – BA, em que foi deferido o pedido de tutela antecipada em procedimento especial de fiscalização em andamento, para determinar à Autoridade Coatora que praticasse imediatamente todos os atos necessários ao desembaraço aduaneiro das cargas do importador, no prazo de 02 (dois) dias, sem se fazer necessário o depósito judicial da divergência relacionada aos tributos nos autos, por não se justificar a retenção da mercadoria, por não ser razoável o importador aguardar meses para ter sua mercadoria liberada, inviabilizando a sua atividade econômica, sendo certo que, em caso de constatada a irregularidade cabe a Receita Federal do Brasil lavrar auto de infração aplicando a penalidade devida, qual seja, a multa de 100% (cem por cento) da diferença entre o preço declarado e o efetivamente praticado ou o arbitrado, vejamos:

    DECISÃO. Pretende a impetrante, que lhe seja concedida medida liminar:

    a) para determinar à Autoridade Coatora, que pratique, imediatamente, todos os atos necessários ao desembaraço aduaneiro das cargas da impetrante constantes nas Declarações de Importação de nº 18/0565198-8 e 18/0615734 0, uma vez que é ilegal a retenção de mercadorias enquanto perdurar o processo de fiscalização acerca de valoração aduaneira, conforme entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça.

    b) Seja determinada, ainda, que a autoridade prossiga com a investigação acerca da valoração aduaneira independentemente da retenção das mercadorias objeto do mandamus e que seja apresentado perante este juízo a comprovação da finalização do procedimento.

    (...)

    Com o ato de início do procedimento que deu origem à suspeita de subfaturamento, dever-se-ia apontar elementos indiciários de fraude ou da ocorrência de outra irregularidade arrolada pelo art. 2º da IN RFB 1.169/2011.

    Desse modo, como o subfaturamento não autoriza a instauração de PECA por não atrair a aplicação da pena de perdimento, não se justificava a retenção das mercadorias da impetrante, que deveriam ter sido liberadas pela Receita Federal sem a necessidade de caução ou recolhimento de eventuais diferenças tributárias/penalidades decorrentes de novo valor aduaneiro. Caso entendesse pertinente, a autoridade fiscal deveria lavrar auto de infração e cobrar tais valores pela via adequada.

    (...)

    Posto isso, tendo em vista os fundamentos jurídicos apresentados, defiro a tutela de urgência para determinar à Autoridade Coatora, que pratique, imediatamente, todos os atos necessários ao desembaraço aduaneiro das cargas da impetrante constantes nas Declarações de Importação de nº 18/0565198-8 e 18/0615734-0 (prazo de dois dias) e, ainda, que a autoridade prossiga com a investigação acerca da valoração aduaneira independentemente da retenção das mercadorias objeto do mandamus e que seja apresentado perante este juízo a comprovação da finalização do procedimento.

    Em caso de descumprimento fixo multa diária de R$2.000,00 (dois mil) reais. Cumpra-se com urgência.

    (...)

    (TRF da 1ª Região, Seção Judiciária da BA, 12ª Vara, Processo n°. 1004398-69.2018.4.01.3300, Juiz: ÁVIO MOZAR JOSÉ FERRAZ DE NOVAES, Impetrante: RFB Imp. e Com. De Sistemas Elétricos e Eletrônicos LTDA. - EPP x Impetrado: Delegado da Alfândega de Salvador, DP: 06/08/2018)

    Sobre o mesmo tema, o TRF da 4ª Região⁴, reconheceu que a retenção da mercadoria por prazo superior a 08 (oito) dias, nos casos em que se tratar de procedimento especial de fiscalização, é ilegal, tendo ainda sido determinada a conclusão do despacho aduaneiro e o ressarcimento das despesas de armazenagem e demurrage suportadas, proporcionalmente aos dias em excesso pelo importador.

    Diante do exposto, conclui-se que, nos casos em que houver a suspeita de subfaturamento do valor da mercadoria ou do bem apresentado em Declaração de Importação – DI, é ilegal a retenção da carga pela Receita Federal do Brasil, pois o procedimento especial de fiscalização que estabelece esse tipo de procedimento, só deve ser aplicado nos casos onde há a suspeita de prática de infração que resulte na aplicação da pena de perdimento.

    6. SOLUÇÃO PRÁTICA PARA O CASO

    Atualmente, porém, apesar de haver o entendimento já pacificado no Colendo STJ, na Receita Federal do Brasil e no Judiciário (1ª e 2ª Instância), na prática, vemos que, na maioria das vezes, a Administração Pública retém ilegalmente a mercadoria, tendo por vez o respaldo do Poder Judiciário, apresentado comportamento contraditório ao que estabelece o art. 88, parágrafo único, da MP n° 2.158-35/2001 e o art. 108, parágrafo único do Decreto-Lei n°. 37/66, ao aplicar a pena de perdimento de mercadoria no caso de subfaturamento, apesar de restar evidente que se trata de falsificação ideológica.

    Salienta-se que, no caso de suspeita de subfaturamento da mercadoria, caso não se tenha provas contundentes da prática do alegado ilícito, no momento do despacho aduaneiro da mercadoria, ao invés de retê-la, a conduta correta, e que se espera do Fisco, é o início de processo administrativo fiscal, a fim de colher documentos que possua força probante para apurar a sua suspeita e, ainda, possibilitar ao contribuinte o contraditório e a ampla defesa, sendo certo que, se ao final do procedimento administrativo fiscal se concluir pela a prática da infração, caberá a Administração Pública lavrar o respectivo auto.

    Com a publicação do Ato Declaratório n°. 4, de 09 de Maio de 2018, que ratificou o Parecer PGFN/CRJ/N°. 1.690/2016, e tendo da Fazenda Nacional e a Receita Federal do Brasil reconhecido que o entendimento pacificado pelo Colendo STJ é o correto, o que se espera é que seja difundido o conhecimento correto de que, no caso de subfaturamento, resultante da prática de falsidade ideológica, não é devida a retenção da mercadoria, muito menos à aplicação da pena de perdimento, devendo, seja na esfera administrativa ou na judiciária, ser dado ao contribuinte à correta aplicação da lei quando, para que seja aplicada a multa da diferença entre o preço declarado e o efetivamente praticado ou o arbitrado, conforme estabelece o art. 88, parágrafo único, da MP n° 2.158-35/2001 e o art. 108, parágrafo único do Decreto-Lei n°. 37/66, em respeito aos Princípios da Especialidade, Legalidade, Razoabilidade e Proporcionalidade, sob pena de causar gravíssimos danos morais e materiais (armazenagem, demurrage, perda de clientes e não cumprimento de prazos contratuais) ao importador.

    REFERÊNCIAS

    SEHN, Solon. Curso de Direito Aduaneiro. Rio de Janeiro: Forense, 2021.


    2 Advogada Pós-Graduada em Direito Tributário e em Direito Internacional. Atua há mais de 10 anos na área Aduaneira, considerando sua experiência prática em Comex e na área jurídica. Trabalha no contencioso e consultivo aduaneiro, na consultoria sobre o Programa OEA (Conformidade) e na realização de auditorias aduaneiras. Atualmente, exerce o consultivo tributário relacionado aos tributos indiretos na ASBZ Advogados. Lattes ID: 6866739104467364.

    3 TRF4 5025782-87.2015.4.04.7100, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 27/03/2018.

    4 AC 5015170-44.2016.4.04.7201, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 11/04/2018.

    PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO E AS INCONSTITUCIONALIDADES NA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO PIS/COFINS-IMPORTAÇÃO

    Pedro Henrique Alves Mineiro

    Resumo: O presente artigo busca analisar, de forma crítica, a regra-matriz de incidência da contribuição ao PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, com base no princípio da não-discriminação previsto no GATT. A partir dos estudos de teoria da norma tributária, será possível identificar as inconstitucionalidades evidentes na Lei nº 10.865/2004 e, até mesmo, nas Emendas Constitucionais que ampliaram a competência da União para criar contribuições sociais sobre a importação de bens e serviços.

    Palavras-chave: não-discriminação; GATT; regra-matriz; PIS/COFINS-Importação; inconstitucionalidades.

    1. INTRODUÇÃO

    O objeto do presente artigo é a análise crítica da regra-matriz de incidência da contribuição ao PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, sob a perspectiva do princípio da não-discriminação previsto no GATT e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro. A hipótese a ser confirmada no estudo é de que a regra-matriz das contribuições sociais incidentes na importação de bens e serviços possui inúmeras incoerências e inconstitucionalidades.

    Nesse sentido, o presente estudo se situa na zona de interseção entre o direito tributário e o direito aduaneiro, porquanto trata dos tributos incidentes no comércio exterior. Sob a perspectiva metodológica, será feita uma análise dogmática à luz do GATT e da legislação tributária interna, valendo-se das lições doutrinárias acerca da teoria da norma tributária, para a construção da regra-matriz de incidência da contribuição ao PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação.

    Além disso, será feito um recorte metodológico, na medida em que não será analisada a constitucionalidade, de forma geral, da contribuição ao PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, sob o argumento de que a cláusula do tratamento nacional se aplicaria somente aos tributos incidentes sobre a produção e a circulação, não abrangendo as referidas contribuições, que recaem, no âmbito interno, sobre a receita ou faturamento (e não sobre o produto ou serviço em si). Parte-se da premissa, portanto, de que seria possível, ao menos em tese, a instituição de contribuições sociais sobre a importação de bens e serviços.

    2. PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO NO GATT

    A Organização Mundial do Comércio é o foro responsável pelas negociações multilaterais no âmbito do comércio internacional, tendo sucedido o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1947 (GATT/1947). A OMC foi criada oficialmente em 1º de janeiro de 1995, a partir da Ata Final que Incorpora os Resultados das Negociações Comerciais Multilaterais da Rodada Uruguai, também conhecida como Ata Final de Marrakesh, concluída em 15 de abril de 1994.

    Dentre os documentos que integraram a Ata Final de Marrakesh, destaca-se o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994 (GATT/1994), que incorporou, entre outras, as disposições do GATT/1947, além de ter inovado no tocante ao Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS) e ao Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT 1994, também conhecido como Acordo de Valoração Aduaneira (AVA-GATT). No preâmbulo do GATT/1947, é possível identificar os objetivos do acordo: a redução substancial das tarifas aduaneiras e de outras barreiras às trocas comerciais, e a eliminação do tratamento discriminatório, em matéria de comércio internacional.

    Nesse contexto, a não-discriminação surge como princípio⁶ mais importante do GATT, apresentando-se, segundo Torres (2002, p. 52) como critério de interpretação axiológica necessária à aplicação das normas jurídicas tributárias sobre operações que envolvam produtos de procedência de um dos países integrantes do GATT. No âmbito do acordo, o referido princípio se manifesta de duas formas: em relação às partes contratantes, por meio da cláusula da nação mais favorecida, e, em relação às mercadorias nacionais e estrangeiras, por meio da cláusula do tratamento nacional. (TREVISAN, 2017, p. 93).

    A cláusula da nação mais favorecida, trazida no Artigo I do GATT, prevê que o Estado que conceder determinado tratamento aos produtos originários ou destinados a outro Estado, que seja caracterizado como vantagem, favor, imunidade ou privilégio, deverá estender imediata e incondicionalmente o mesmo tratamento aos produtos similares originários ou destinados aos demais Estados signatários do acordo. Em outras palavras, proíbe-se o tratamento discriminatório na relação entre os Estados, evitando-se o favorecimento ou privilégio a um ou mais deles.

    Por sua vez, a cláusula do tratamento nacional, disposta no Artigo III do GATT, prevê a necessidade de que os Estados concedam aos produtos importados o mesmo tratamento tributário a que estão sujeitos os seus produtos nacionais. Assim, com exceção do Imposto de Importação (tarifa aduaneira), o produto importado não poderá sofrer tributação mais gravosa do que o produto nacional, e, por isso, se aplica o denominado tratamento nacional. Essa cláusula também está prevista no Artigo XVII do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS), determinando aos Estados a concessão de tratamento não menos favorável aos serviços e prestadores de serviços de outros Estados, em comparação com os serviços e prestadores internos.

    No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, o GATT/1994 foi incorporado pelo Decreto Legislativo nº 30/1994 e promulgado pelo Decreto nº 1.355/1994. Em que pese não ser objeto do presente estudo os conflitos entre tratados internacionais em matéria tributária e aduaneira e as normas internas, é importante destacar que os tratados, ainda que não tenham hierarquia superior ou sejam especiais em relação à legislação interna, possuem a função precípua de firmar os limites do exercício da jurisdição brasileira, e, por isso, devem ser observados pela legislação interna. (SCHOUERI, 2011, p. 94).

    O princípio da não-discriminação, em especial, adquire o caráter de garantia fundamental, nos termos do art. 5º, §2º, da CRFB/1988, na medida em que veda a aplicação de tratamento fiscal discriminatório na relação entre os países signatários do GATT e determina a aplicação, aos produtos importados, das mesmas condições atribuídas aos produtos nacionais, conforme as cláusulas da nação mais favorecida e do tratamento nacional. Dessa forma, é possível afirmar que o mencionado princípio configura uma limitação ao poder de tributar constitucionalmente reconhecida. (TORRES, 2002, p. 47).

    Nesse sentido, os Tribunais Superiores já reconheceram, há bastante tempo, a possibilidade de estender aos produtos importados, com base na cláusula do tratamento nacional do GATT, as isenções aplicáveis aos produtos nacionais. No dia 05/01/1977, foi publicada a Súmula 575 do STF: À mercadoria importada de país signatário do GATT, ou membro da ALALC, estende-se a isenção do imposto sobre circulação de mercadorias concedida a similar nacional. De modo similar, as Súmulas 20⁷ e 71⁸ do Superior Tribunal de Justiça.

    3. REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO PIS/COFINS-IMPORTAÇÃO

    Segundo a doutrina de Carvalho (2011, p. 146), a regra-matriz de incidência pode ser entendida como um subproduto da teoria da norma jurídica, configurando-se como um importante instrumento para a compreensão do texto legislativo. Sua construção é, pois, obra do intérprete, que identifica, na hipótese, um fato de conteúdo econômico, e, no consequente, um vínculo obrigacional entre o Estado, na condição de sujeito ativo, e uma pessoa física ou jurídica, na condição de sujeito passivo. (CARVALHO, 2011, p. 610).

    Entre os autores que se debruçaram sobre o estudo da teoria da norma tributária, destaca-se as lições de Sacha Calmon, segundo o qual o antecedente da norma tributária, também conhecido como hipótese de incidência, é composto pelos aspectos material (fato em si), temporal (condições de tempo), espacial (condições de lugar) e pessoal (condições e qualificações relativas às pessoas envolvidas com o fato), enquanto o plano da consequência da norma tributária é composto por: a quem pagar (sujeito ativo), quem deve pagar (sujeito passivo), quanto pagar (base de cálculo e alíquotas, ou valor fixo, adições e subtrações), como pagar, quando pagar e onde pagar. (COELHO, 2018, p. 109).

    Por sua vez, Paulo Coimbra cuidou de sistematizar, de forma bastante didática, o estudo da norma tributária, facilitando a compreensão, sobretudo dos iniciantes na matéria tributária. Assim, com amparo nas lições do autor, é possível elaborar a seguinte tabela, que servirá para a análise da regra-matriz de incidência tributária da contribuição ao PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação. (SILVA, 2018).

    3.1. ASPECTO MATERIAL

    A regra que atribui a competência à União Federal para a instituição de contribuições sociais sobre a importação de bens e serviços do exterior pode ser extraída dos artigos 149, §2º, II⁹, e 195, IV¹⁰, da Constituição Federal de 1988, dispositivos estes que foram trazidos pela Emenda Constitucional nº 42/2003. Com base nessa autorização constitucional, sobreveio a Medida Provisória nº 164/2004, instituindo a contribuição ao PIS/PASEP-Importação e a COFINS-Importação, tendo sido posteriormente convertida na Lei nº 10.865/2004.

    Conforme a Exposição de Motivos nº 00008/2004 – MF, a contribuição ao PIS/PASEP-Importação e a COFINS-Importação foram instituídas com o intuito de conferir tratamento isonômico, sob a perspectiva tributária, entre os bens e serviços nacionais, e os importados, que passariam a ser tributados às mesmas alíquotas daqueles. Nesse sentido, é possível concluir que, embora não haja menção expressa na Exposição de Motivos, o fundamento para a criação das referidas contribuições sociais foi a cláusula do tratamento nacional, prevista no Artigo III do GATT.

    Como visto, o aspecto material da hipótese de incidência pode ser entendido como a descrição objetiva de um fato ou situação de conteúdo econômico cuja ocorrência dá origem à obrigação tributária. Vale dizer, o aspecto material é sempre composto por um verbo e seu complemento, que, no caso da contribuição ao PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, pode ser entendido como importar bens ou serviços do exterior. Assim, desde logo é possível identificar duas materialidades distintas, que são a importação de bens e a importação de serviços, constituindo, cada qual, uma regra-matriz de incidência autônoma.

    Em relação à contribuição ao PIS/PASEP e à COFINS-Importação incidentes sobre a importação de bens, observa-se que o aspecto material é bastante similar ao do Imposto de Importação. Dessa forma, a importação de bens do exterior deve ser entendida como a entrada de bens estrangeiros no território nacional, conforme o disposto no art. 3º, I, da Lei nº 10.865/2004.

    No tocante à contribuição ao PIS/PASEP e à COFINS incidentes sobre a importação de serviços, conforme foi possível constatar em outro estudo sobre o tema, o seu aspecto material pressupõe: (i) a configuração de uma prestação de serviços; (ii) o elemento de conexão com o território nacional, que se dá por meio da execução ou do resultado do serviço; (iii) que o prestador de serviços seja residente ou domiciliado no exterior, nos termos do art. 1º, §1º, da Lei nº 10.865/2004; e (iv) o pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa de valores ao prestador de serviços, como contraprestação pelo serviço prestado. (FERNANDES; MINEIRO; 2018, p. 1114).

    3.2. ASPECTO TEMPORAL

    Considerando-se o aspecto temporal da hipótese de incidência como o momento em que se considera ocorrido o fato gerador, é possível observar que o art. 4º da Lei nº 10.865/2004 cuidou de explicitá-lo, no tocante à contribuição ao PIS/PASEP-Importação e à COFINS-Importação. Nesse sentido, no caso de importação de bens, em regra, considera-se ocorrido o fato gerador na data de registro da declaração de importação.

    Já no caso de importação de serviços, o aspecto temporal é a data do pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior, como contraprestação pelo serviço prestado. Assim, embora a configuração da importação de serviços demande a observância de vários requisitos, somente surgirá o dever de recolher as referidas contribuições no instante em que houver o pagamento, por qualquer meio, do prestador de serviços.

    3.3. ASPECTO ESPACIAL

    Considerando-se o aspecto espacial da hipótese de incidência, por sua vez, como o local em que se considera ocorrido o fato gerador, observa-se que este somente poderá ser o território nacional, seja no caso da importação de bens ou de serviços, ainda que a execução de serviços ocorra no exterior, sendo necessário que o resultado seja concretizado no País. Vale destacar, o aspecto espacial é relevante para a definição do sujeito ativo das contribuições em análise.

    3.4. ASPECTO PESSOAL

    Como já visto, o aspecto pessoal da hipótese de incidência diz respeito aos atributos e qualificações da pessoa que realiza o fato gerador; assim, desde logo, é possível constatar que a pessoa física ou jurídica que promove a importação é justamente quem protagoniza o fato gerador, caracterizando-se como contribuinte da contribuição ao PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação.

    No caso da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a importação de bens, o art. 5º, I, da Lei nº 10.865/2004 prevê como contribuinte o importador, assim considerada a pessoa física ou jurídica que promova a entrada de bens estrangeiros no território nacional.

    Já no caso da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a importação de serviços, o art. 5º, incisos II e III, da Lei nº 10.865/2004, prevê como contribuinte a pessoa física ou jurídica contratante (tomadora) dos serviços ou, na hipótese em que o contratante também seja residente ou domiciliado no exterior, o beneficiário do serviço. Nesse sentido, o legislador buscou ser coerente ao eleger o contratante dos serviços como protagonista do fato gerador das contribuições, na medida em que será ele quem realizará o pagamento ou remessa de valores ao prestador situado no exterior.

    3.5. CRITÉRIO SUBJETIVO

    O critério subjetivo da regra-matriz de incidência tributária integra o comando normativo, na medida em que indica os sujeitos integrantes do polo ativo e do polo passivo da obrigação tributária. Não se confunde, portanto, com o aspecto pessoal da hipótese de incidência, tendo em vista que a pessoa que praticou o fato gerador não necessariamente integrará o polo passivo da obrigação tributária: caso seja a mesma pessoa, o sujeito passivo será o contribuinte; caso sejam pessoas diversas, o sujeito passivo será o responsável tributário.

    No caso da contribuição ao PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, o sujeito ativo será a União Federal e o sujeito passivo será, em regra, o contribuinte, pessoa física ou jurídica que promover a importação de bens e serviços, conforme indicado no aspecto pessoal da hipótese de incidência (art. 5º da Lei nº 10.865/2004). Contudo, o art. 6º da Lei nº 10.865/2004¹¹ enumera algumas hipóteses de responsabilidade solidária, o que não exclui o contribuinte do polo passivo da obrigação tributária, mas inclui outros sujeitos.

    3.6. CRITÉRIO OPERACIONAL

    No critério operacional do comando normativo, é possível identificar os elementos acidentais da obrigação tributária, que indicam o modus operandi para o seu adequado adimplemento. (SILVA, 2018, p. 116). Para fins do presente estudo, vale mencionar apenas o prazo de recolhimento das contribuições, previsto no art. 13, da Lei nº 10.865/2004: no caso da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a importação de bens, será a data do registro da declaração de importação; e no caso da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a importação de serviços, o prazo de recolhimento será a data do pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa.

    Observa-se, portanto, a coincidência entre a data da ocorrência do fato gerador (aspecto temporal da hipótese de incidência) e o prazo de recolhimento (critério operacional do comando normativo).

    3.7. CRITÉRIO QUANTITATIVO

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