Tempos Remotos: Ensino de História e a Pandemia de Covid-19
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Tempos Remotos - Ivan Lima Gomes
APRESENTAÇÃO
A pandemia de Covid-19 provocou profundas mudanças em todas as esferas da vida humana. Num contexto internacional marcado pelo negacionismo científico propalado por representantes da extrema direita que chegaram ao poder, ela trouxe de volta um interesse redivivo pela ciência e pelo acesso a informações – ainda que de maneira trágica. Numa primeira versão desta apresentação, escrita em fins de novembro de 2020, os números indicavam que mais de 170.000 brasileiros haviam morrido de Covid-19. Na revisão de março de 2021, já chegamos a mais de 300.000 mortos. Em agosto de 2021, ultrapassamos 560.000 vidas perdas. E quando o livro vier a ser publicado, os números terão aumentado. Torna-se uma tarefa cruel apresentar a história da tragédia brasileira nestas poucas linhas. Na esteira dos debates em torno da história do tempo presente, esta coletânea apresenta como pano de fundo a demanda por um olhar histórico sobre um processo social que, entre sucessivas ondas, parece não passar.
Ao luto pelos milhares de mortos, seguiram-se também transformações profundas nos modos de vida e nas relações sociais que tínhamos até então. Uma parte dos que até agora sobreviveram foi condenada a sentir falta da vida que costumava ter.
Nas escolas e nas universidades, a pandemia produziu, dentre outras coisas, a interrupção das aulas presenciais e o estabelecimento do ensino remoto. Tais transformações, como não poderiam deixar de ser, impactaram o Ensino de História. Passados quase nove meses desde os primeiros procedimentos oficiais, que estabeleceram o isolamento social e o cancelamento das aulas presenciais como políticas para o combate à pandemia de Covid-19, permanecem as incertezas. Entre recusas, críticas e adesões incondicionais ao ensino remoto, o fato é que docentes e estudantes tiveram de lidar – cada um ao seu modo e a partir de realidades muito distintas – com os novos desafios estabelecidos pelo ensino remoto. Como relacionar-se com as novas tecnologias, desde os pontos de vista pedagógico e ético? Em que medida é possível transpor dinâmicas próprias às aulas presenciais para o ensino remoto? Quais as suas especificidades em relação ao já bem consolidado Ensino a Distância?
O Ensino de História apresenta, pois, problemas ainda mais específicos, na medida em que a dissolução da relação espacial bem estabelecida pelo ambiente escolar certamente incide nas temporalidades históricas trabalhadas em sala de aula.
A coletânea surge do objetivo de refletir experiências ligadas ao Ensino de História durante a pandemia de Covid-19. Para tanto, ela se inicia com uma análise teórica sobre o ensino remoto em geral nos tempos atuais, passando para os desafios lançados às instituições públicas de ensino com a sua implantação abrupta e chegando, ao fim, em relatos de distintas experiências de ensino da História realizadas durante este período pandêmico.
Gostaríamos de destacar dois aspectos relativos ao conjunto de textos aqui presentes. Em primeiro lugar, buscamos estimular a presença de formas diversas para abordar o tema do Ensino de História nos marcos espaciais e temporais impostos pela pandemia e pelas políticas de isolamento social. Afinal de contas, uma situação sem precedentes na história contemporânea impõe a necessidade de pensarmos problemas complexos, a partir de referências e aproximações teórico-metodológicas diversas. A partir de campos e abordagens caros ao Ensino de História, tais como a História Pública, a Educação Patrimonial, a Educação Étnico-Racial e a Educação Bilíngue, entre outros, buscou-se refletir criticamente sobre as novas condições impostas pela pandemia, que incidem diretamente sobre trabalho em sala de aula e na reflexão historiográfica como um todo. Trata-se, pois, de uma obra que não se furta de realizar um exercício franco e aberto de reflexão. Longe de pretender soar conclusiva, ela assume os desafios epistemológicos à escrita da História suscitados pelas incertezas do tempo presente, tomando-os como uma via original para sugerir uma reflexão sobre o nosso tempo pandêmico desde o ponto de vista da História.
Em segundo lugar, a riqueza das experiências dialoga com a diversidade de âmbitos (nas universidades, nas escolas ou no âmbito da História Pública) e de regiões do país (Norte, Sudeste, Sul e Centro-Oeste) em que elas foram realizadas. Buscamos integrar pesquisadores e pesquisadoras com trajetórias diversificadas, integrando grupos de pesquisa bem consolidados a pesquisadores independentes, de forma a sugerir que uma situação inédita como a pandemia demanda novas parcerias acadêmicas para responder aos desafios que impõem a uma sociedade como a brasileira. Com isso, é possível perceber o modo específico como o ensino remoto foi organizado, de modo distinto em cada instituição de ensino e em cada região, os limites e as possibilidades de cada uma destas formas de organização para a realização do ensino da História, bem como também captar questões gerais que perpassam todas as experiências em todos os distintos âmbitos e regiões.
A presente obra não somente tematiza este evento disruptivo da experiência humana, mas ela própria foi organizada e escrita em plena pandemia de Covid-19, em meio a ansiedades, negacionismos, lutas políticas em defesa dos direitos civis das populações negras e de muita incerteza quanto ao futuro. No momento mesmo em que escrevíamos esta apresentação, em novembro de 2020, os jornais anunciam o aumento do contágio do vírus e, paradoxalmente, professores se deparam com medidas que estabelecem o retorno gradual das aulas presenciais. Em agosto de 2021, a vacinação avança e avolumam-se os indícios de que grupos no interior da máquina estatal viram a pandemia como uma oportunidade para realizarem negócios escusos.
É, portanto, não só como historiadores, mas também como atores históricos, tal como o homem medieval que manchou com tinta o papel para descrever o seu mundo devastado pela peste, que lançamos aqui um esforço de reflexão sobre as experiências que nós mesmos temos experimentado.
Desta forma, a presente obra é, além de uma reflexão para os historiadores do nosso tempo, um vestígio do nosso tempo para os historiadores do futuro.
Agradecemos ao apoio institucional do Mestrado Profissional de Ensino de História – Polo Universidade Federal e Goiás (UFG), pela realização desta coletânea. Boa leitura!
Os organizadores
SE, UM DIA, 2020 TERMINAR: REFLEXÕES SOBRE ENSINO REMOTO E APRENDIZAGEM DIGITAL
Cristina Meneguello
José Alves de Freitas Neto
Para além do acesso e do emergencial
As formas pelas quais o Ensino Remoto se estabeleceu com a recente pandemia, de forma parcial e em diferentes proporções, levaram docentes e instituições de ensino a refletir sobre uma modalidade de ensino para muitos até então desconhecida. A confusão inicial entre os conceitos de Ensino Remoto, Educação a Distância e Ensino Híbrido, observada no próprio nível da linguagem, seja nos mass-media, nos comunicados oficiais ou nas declarações das autoridades, reforçou se tratar de um campo ainda novo contra o qual as reações foram ora catastrofistas, ora ingênuas. Fez lembrar, longinquamente, a oposição cunhada por Umberto Eco em seu conjunto de ensaios reunidos em Apocalípticos e Integrados (1979), quando dividiu as reações ao predomínio dos meios de comunicação de massa entre os apocalípticos – que acreditavam que eles seriam a dissolução das interações e a dominação do público – versus os integrados, que acreditavam de forma acrítica na capacidade de democratização e acesso às informações trazidas pela mídia. Procurando pensar o ensino remoto distante dessa dualidade inicial, essas reflexões nascem não apenas de nossa prática docente com aulas digitais, cursos on-line de formação de professores e no trabalho junto à Olimpíada Nacional em História do Brasil (projeto de competição on-line, em prática desde 2009). Deriva também de nossa experiência recente de aulas em nível de graduação e pós-graduação em ensino remoto junto à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), já a partir da segunda quinzena de março de 2020, em decorrência da suspensão das aulas.
Duas distinções prévias são necessárias: as diferenças entre Educação a Distância e Ensino Remoto, que já vêm sendo tratadas ao longo de 2020; e a distinção entre a modalidade de Educação a Distância no âmbito da Educação Superior e aquela na Educação Básica. A modalidade EaD tem crescido ostensivamente nos países latino-americanos, em especial no Brasil, em termos de Ensino Superior. A EaD no Brasil, prevista no artigo da Lei 9.394/1996 e regulamentada, especialmente, pelos Decretos da Presidência da República nº 5.622/2005 e nº 5.773/2006, levou à criação do Sistema de Universidade Aberta no Brasil (UAB, Decreto 5.800 de 8 de junho de 2006) com vistas a ampliar e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no país. Voltava-se especificamente às instituições públicas de ensino superior, em associação com municípios com baixos IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
A despeito da implantação de polos EaD, a oportunidade foi rapidamente abraçada pelo ensino privado. Aliás, a maior parte do tempo, a educação a distância não foi ofertada pelos sistemas de ensino institucionalizados – ou seja, escolas e universidades – e sim por outras entidades da sociedade, incluindo empresas de serviços técnicos, sistemas associativos e assistencialistas como Sesc e Senac, fundações privadas (Roquette-Pinto, Roberto Marinho), movimentos sociais, igrejas, e meios de comunicação, dentre outros (Saraiva, 1996; Belloni, 2008; Santos, 2020). Em 2017, sob o governo Temer, a regulamentação inicial foi flexibilizada de modo irresponsável por meio do Decreto 9.057, que revogou o Decreto de 2005. A partir desse momento, as instituições de ensino não mais precisavam da autorização prévia do governo para oferecer cursos à distância nem de vistorias in loco para avaliar suas condições ou de estarem credenciadas para oferecer cursos presenciais. Esse fato, concomitante à diminuição do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), ampliou a procura por cursos a distância, cujas mensalidades podem custar até 80% menos do que as presenciais (Meneguello, 2020a). As vagas em EaD encontram-se concentradas nas mãos de gigantes educacionais privados como a Universidade Pitágoras/Unopar – grupo Kroton, Universidade Paulista (Unip), Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi), Centro Universitário Internacional (Uninter), a Universidade Anhanguera (também Kroton) e a Yduqs (antiga Estácio). O Censo da Educação Superior no Brasil de 2018 indicou que, das 13,5 milhões de vagas oferecidas em ensino superior no Brasil, 7,1 milhões foram para os cursos EaD, em sua maioria para as graduações de pedagogia/licenciaturas, administração, contabilidade e cursos de gestão. (Meneguello, 2020b). Indicou, ainda, que as instituições privadas concentram a maior parte das vagas em graduação no país: dentre os 3,4 milhões alunos que ingressaram em cursos de educação superior de graduação, mais de 2,8 milhões em instituições privadas (Censo da Educação Superior 2018).
Assim, as instituições públicas de ensino superior veem-se confrontadas com três desafios: não comportam um número de vagas suficiente para atender às demandas do país; não tomaram a Educação a Distância como uma tarefa, o que poderia alterar esse quadro de forças e, com exceções, ante a pandemia em 2020, tiveram reações lentas e mal articuladas. Mais que metodológico, esse é um dilema político, que obriga a decidir se a educação a distância pode ser uma opção factível para a aprendizagem de adultos, baseada em modelos de autodidatismo e processos de autogestão de aprendizagem (Moreno, 2010), superando distâncias geográficas e horários de estudo para trabalhadores como alternativa estratégica em casos específicos e que permita a formação continuada. Ou se, por outro lado, a aprendizagem nessas condições será considerada impossível porque não pode ser socializada à 100% da população ou se baseia em aplicativos e sistemas desenvolvidos por empresas e conglomerados educativos.
A democratização do acesso ao ensino superior é uma questão crucial para os países latino-americanos e sua forma de realização expressa embates importantes sobre a concepção de educação que cada época possui. Em 1918, durante os protestos estudantis da Reforma Universitária de Córdoba, na Argentina, os estudantes questionavam o modelo de aulas, o arcaísmo dos conteúdos, o tradicionalismo das faculdades e defendiam a abertura das disciplinas para a assistência livre, permitindo que um público amplo pudesse frequentar as aulas e, de certa forma, corresponder às demandas de inserção social da universidade, ao mesmo tempo em que os saberes não deveriam ficar restritos aos círculos acadêmicos (Freitas Neto, 2011).
A questão da abertura das fronteiras do espaço universitário se reatualiza no debate sobre a concepção das universidades e do acesso a elas. Muito antes do advento da EaD ou de políticas de inclusão recentes, como a adoção de cotas sociais e étnico-raciais, há uma questão que se desdobra na oferta de cursos e em seus referenciais de qualidade em momentos de expansão de vagas. Esse é um ponto que gera resistências entre os críticos à participação das universidades públicas na EaD, pois apontam riscos de precarização e massificação como sinônimos dessa modalidade de oferecimento.
No início de 2020, em que o fechamento geral de escolas afetou 1,5 bilhão de estudantes (Unesco, Nota Informativa nº22, 2020), a necessidade por garantir a continuidade da aprendizagem, com baixa e alta tecnologia e respeitadas as condições de saúde e segurança de professores e alunos, se impôs. Os dilemas preexistentes, que incluem a inexistência da internet livre e de amplo acesso, a não continuidade de projetos voltados à ação educativa no Brasil, a ausência de equipamentos nas escolas e a pouca familiaridade de professores com os meios digitais não surgiram no ano de 2020, mas foram agudizados pela pandemia de Covid-19 a partir do mês de março.
Os impactos da na Educação Básica, como se poderia esperar na ausência de um plano nacional para a situação de pandemia, foi amplo. O Conselho Nacional de Educação, ao autorizar a partir de 18 de março de 2020 a possibilidade de os estabelecimentos de ensino, em todos os seus níveis, assumirem o ensino remoto, suspendendo as aulas presenciais, ampliou abismos preexistentes que se fundamentam em condições práticas também prévias. Não se tratava da inexistência dos usos da internet em sala de aula ou na vida cotidiana de alunos e professores. Entretanto, a generalização do ambiente virtual para a aprendizagem, e as soluções parciais e díspares adotadas em cada estado trouxeram a sensação de um apagão educacional. Curiosamente, a TIC de 2016 havia gerado os seguintes dados¹: 100% dos docentes das escolas particulares e 98% dos da rede pública se declararam como usuários da internet, dentre os quais 73% já faziam uso de ambientes virtuais em suas aulas. A mesma pesquisa relatava que, entre os estudantes, 75% dos matriculados em escolas públicas usavam internet no celular, contra 87% dos estudantes nos estabelecimentos privados, gerando uma média de quase 80% dos estudantes utilizando a internet em seus celulares. Entre os docentes, 92% dos que lecionavam em instituições particulares afirmaram que acessam a rede no telefone móvel, percentual que fica em 82% dos que trabalham na rede pública – média de 85% dos docentes. Ainda, a pesquisa concluiu que 73% dos docentes trabalhavam com o ambiente virtual em alguma atividade fora ou dentro da sala de aula.
O uso massivo e constante exigido para o uso da internet (e não a sua inexistência prévia) tornou-se um grande entrave, que não encontrou por parte de iniciativas federais nenhuma solução emergencial ou a curto prazo. Um segundo gargalo esteve e prosseguiu sendo a falta de capacitação dos docentes para o uso de tecnologias. A TIC de 2019 indicara que 53% dos docentes no país apontaram que a ausência de curso específico para o uso do computador e da internet nas aulas dificultava muito o seu trabalho; outros 26%, que dificultava um pouco. Nesse contexto, 33% dos professores relatou que procurou formação por conta própria para suprir essas demandas. Essa mesma pesquisa de 2019 indicara que 39% dos estudantes de escolas públicas urbanas não possuíam computador de mesa, notebook ou tablet em suas casas; dentre a mesma amostragem de alunos de escola pública, 86% possuía no smartphone seu principal dispositivo de acesso à internet. Esses dados foram confirmados em 2020: apenas 56% dentre os alunos de escola pública haviam utilizado o celular para a realização de atividades escolares (CGI, 2020).
Esses levantamentos ajudam a situar alguns dos fatores que impedem a adoção generalizada do ensino remoto com uso da internet por parte das redes públicas de educação básica. Em junho de 2020, três meses após o início do isolamento social, o Instituto Datafolha elaborou um levantamento sobre a situação da educação não presencial nas escolas públicas de todo o país, com estudantes da faixa etária dos 6 aos 18 anos e constatou que 74,4% dos estudantes participaram de algum tipo de atividade pedagógica durante a pandemia. Esse percentual foi menor no Norte (52%) e Nordeste (61%), maior no Sul (94%), Sudeste (85%) e Centro Oeste (80%). Quanto ao tipo de equipamento utilizado para acesso às aulas, com opção de mais de um por pessoa, 63% realizaram atividades via internet pelo celular ou computador; 35% acessaram videoaulas gravadas; 17% acompanharam aulas pela televisão, e apenas 1% pelo rádio. Dos 24% de estudantes que não receberam atividades durante a pandemia, 90% eram alunos do ensino fundamental (Datafolha, junho de 2020).
O caráter inesperado da pandemia e a adaptação emergencial das aulas indicam a agilidade de respostas e, ao mesmo tempo, os limites das propostas. Demandam uma reflexão ampla sobre a educação que temos oferecido, num contexto em que a tecnologia faz parte de nossa percepção e interação com o mundo. Uma parte considerável das atividades para a educação básica – e mesmo no ensino universitário – foi de adaptação das aulas presenciais e de sua estrutura, apresentação, leitura e atividades para um ambiente virtual de aprendizagem. É compreensível que essa tenha sido a resposta imediata, mas é importante que consideremos a formação das licenciaturas e a necessidade de oferecer aos estudantes uma formação escolar que não seja restrita ao modelo clássico de ensino.
Há uma oportunidade para se pensar para além da transposição do modelo linear ou das lógicas sequenciais rígidas da aprendizagem escolar. Tendo cruzado a fronteira das novas experiências e com a disseminação de tantos recursos, docentes e estudantes podem construir e propor ações mais criativas, dinâmicas e autônomas em seu cotidiano de aprendizagem. A lógica das interações e a supressão de certas barreiras físicas permitem, na retomada presencial das atividades, a manutenção de propostas colaborativas que envolvam o interesse dos estudantes e que se estimule a navegação responsável. O pressuposto da interação é uma forma de construir socialmente significados e sentidos nos quais os estudantes se sintam protagonistas dessa construção.
É previsível, considerando nossa cultura escolar, que o modelo de estrutura curricular não desapareça. Porém, não faz muito sentido insistir em propostas tão fragmentadas para interpretar o mundo. As tecnologias precisam ser assimiladas e compreendidas em suas lógicas de construção social e podem potencializar a transformação de nossos hábitos institucionais de ensinar e aprender. Para o pesquisador Jay Lemke, o paradigma curricular dominante pressupõe que se decida e planeje a educação em uma ordem fixa e em um cronograma fixo. Trata-se de um
paradigma do capitalismo industrial e da produção de massa baseada na fábrica. Desenvolveu-se simultaneamente a eles e em acordos filosóficos muito próximos; dá suporte às suas redes mais amplas de emprego e carreira e se assemelha a eles em autoritarismo, planejamento de cima para baixo, rigidez, escala econômica e incompatibilidades gerais ao novo mundo. (Lemke, 2010, p. 469)
Esse mesmo modelo sofre uma forte resistência de estudantes que estão no mundo da interação e da construção de outras lógicas de sentidos, mais ricas e diversas. Será difícil imaginar qualquer forma de retorno às atividades presenciais sem considerar os potenciais ganhos do uso das tecnologias.
Se, um dia, 2020 terminar
No contexto da pandemia, ficaram claras as limitações pedagógicas do Ensino Remoto e do Ensino Remoto Emergencial, mais ainda com a ausência de um plano nacional para os meses que se seguiram. Diferente de outros países latino-americanos de condições de desigualdade econômica e social comparáveis ao Brasil, o Ministério da Educação não sugeriu um plano amplo para a manutenção da aprendizagem. O Paraguai, por exemplo, encerrou as atividades presenciais até dezembro de 2020 mas criou um plano nacional denominado "Tu escuela en casa – Plan de educación", que previa a interação entre professores e alunos por meio de telefones celulares, emissões diárias por meio de TV e rádio durante a tarde e envio de materiais impressos