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O Estado sob as lentes: A cinematografia em Pernambuco durante o Estado Novo (1937-1945)
O Estado sob as lentes: A cinematografia em Pernambuco durante o Estado Novo (1937-1945)
O Estado sob as lentes: A cinematografia em Pernambuco durante o Estado Novo (1937-1945)
E-book373 páginas4 horas

O Estado sob as lentes: A cinematografia em Pernambuco durante o Estado Novo (1937-1945)

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Sobre este e-book

O Estado sob as lentes: A cinematografia em Pernambuco durante o Estado Novo (1937-1945), busca abordar a importância das atividades cinematográficas na construção da criação narrativa do período do regime ditatorial do Estado Novo, presidido por Getúlio Vargas. O autor apresenta um minucioso trabalho de pesquisa, de maneira que, busca com a obra ressaltar a influência dos cineastas pernambucanos para a representação e na apresentação do Estado Novo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de fev. de 2022
ISBN9786558404514
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    Pré-visualização do livro

    O Estado sob as lentes - Arthur Gustavo Lira do Nascimento

    PREFÁCIO/APRESENTAÇÃO

    É bem conhecida a crença benjaminiana na força revolucionária do cinema. Arte, por excelência, da era da reprodutibilidade técnica, ao cinema competiria certa função libertadora (exercitar o homem nas novas percepções e reações exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce cada vez mais em sua vida cotidiana). Mas apenas quando viesse a se ver livre de sua exploração pelo capitalismo é que tal desiderato poderia vir a realizar-se, pois, como era consabido, o capital cinematográfico dá um caráter contrarrevolucionário às oportunidades revolucionárias imanentes a essa nova arte-técnica. De certo modo, desde de então temos visto essa tensão – entre uma potência renovadora/revolucionária e uma contenção/acomodação às convenções de uma arte fortemente mercantilizada – perpassar nossa maneira de apreender e compreender os significados mais profundos do cinema nas sociedades contemporâneas.

    Interlocutor tardio desse debate, o olhar historiador nem por isso conseguiu furtar-se à tensão antevista pelo pensador alemão – a par de outras referências, indiscutivelmente relevantes para o refinamento desse olhar, Benjamin permaneceu como autor seminal, continuando a inspirar e dar a tônica de incontáveis trabalhos. Não obstante, em paralelo, vimos emergir uma série de outras perspectivas de análise do fenômeno cinematográfico vis-à-vis as experiências sociais, que lhe foram conferindo novos privilegiamentos, redefinindo o centro de gravidade das problemáticas postas, ampliando o instrumental conceitual, etc. Na ausência de uma escola de pensamento originariamente historiográfica, ou de um centro de pesquisa histórica especializado nesta temática, acentuou-se entre nós inquietações que perpassavam mais de um campo disciplinar (sociologia, semiologia, antropologia, comunicação...). O que só fez enriquecer o escopo dos historiadores, suas capacidades interpretativas, sua imaginação investigadora.

    Nesta mesma linha de preocupações, caberia assinalar a importância de Marc Ferro para os estudos e pesquisas que se debruçam sobre a relação história e cinema. Ainda que se possa colocar em questão se é admissível ou não atribuir a Marc Ferro a primazia de trazer o cinema para dentro do campo historiográfico (o que, em si, não tem importância nenhuma), me parece que não restam dúvidas de que cabe a ele um papel central no delineamento dos modos de proceder e pensar a relação história e cinema. Em particular, no que concerne à historiografia brasileira, seu esforço por construir, em bases mais sólidas, uma metodologia que permitisse inserir, de maneira legítima, as obras cinematográficas seja como fontes, seja como objeto de estudo do historiador, foi decisivo (assim como Pierre Sorlin, nos lembra, com propriedade, Arthur Lira). Para isso concorreu uma série de fatores que não vêm ao caso, no momento. Basta ter presente que, até hoje, passadas já algumas décadas desde o aparecimento em língua portuguesa de seus primeiros ensaios, seu nome continua ressoando entre aqueles que, sensibilizados pelas narrativas audiovisuais, procuram incorporá-las em suas pesquisas e estudos históricos.

    Sem embargo, seja lá por quais caminhos tenhamos chegado onde, hoje, nos encontramos, o fato é que uma mirada sobre o campo, qualquer mirada, não tem como desconhecer a multiplicidade de abordagens em curso. Desde as mais tradicionais – cinema como documento/testemunho de um momento, o cinema histórico e suas representações do passado, cinema e sociabilidades urbanas, usos políticos do cinema –, até aquelas outras que aproximam o cinema do debate sobre história e memória, os arquivos de imagens e a construção dos – lá vai a redundância! – imaginários sociais, ou que fazem ressoar novas partilhas do sensível (nos termos de J. Rancière), ou ainda as muitas incursões em torno do caráter documental/ficcional das obras audiovisuais, sem esquecer as experiências locais de produções fílmicas, o alvorecer de um pensamento e uma escrita crítica sobre cinema e seu rebatimento sobre meios letrados... A relação é, virtualmente, interminável. E precisamente nesse alargamento de interesses é que reside sua pujança, sua capacidade de se renovar e fazer face ao impressionante poder de fabulação do cinema e das narrativas audiovisuais, de maneira geral.

    O livro que o leitor tem em mãos é um lídimo partícipe deste festim a seu modo diabólico. A começar pela constatação de que as ideias garatujadas nos parágrafos acima, em que se esboça um inventário de autores e temas relevantes para o campo, são, com muito mais profundidade e propriedade, desenvolvidas pelo autor. Com a destreza de quem estuda o tema com afinco, e a segurança de quem conhece bem as trilhas que atravessam esse cipoal acadêmico, Arthur Lira nos faz adentrar no universo múltiplo e sinuoso dos estudos sobre a relação cinema e história. Com um olhar voltado para o cenário internacional, e outro para a dinâmica brasileira, seu trabalho vai apontando para os interessados alguns dos nomes tutelares em torno dos quais o campo se organiza, bem como os percursos que as pesquisas têm seguido – especialmente no que concerne ao debate acerca da produção documental, algo decisivo em sua abordagem.

    Como se sabe, a dificuldade maior para uma historiografia contemporânea, que se recusa em assumir de maneira imediata a muito fácil e ingênua distinção entre real e ficcional, está justamente em encontrar uma forma de não tratar como equivalentes (iguais) aquilo que não o é. Ainda que se possa reconhecer que toda obra cinematográfica resulta de escolhas quanto ao enquadramento, roteirização, montagem, etc., que, no seu conjunto, dão a exata medida de sua dimensão de construto, de criação, elaboração humana, ainda assim não se pode reduzir tudo a uma única e mesma coisa. Sem querer ser excessivamente simplista, nem grosseiro, creio que podemos dizer que os filmes que privilegiam fazer o registro de universos cujas referencialidade e lógica de desenvolvimento não são redutíveis ao arbítrio fabulista do filmmaker, requerem recursos analíticos próprios, que possam fazer frente às suas especificidades.

    Para além de uma maior ou menor acurácia requerida no tratamento dessas questões – coisa que o leitor encontrará nas páginas que seguem –, o que gostaria de chamar atenção, aqui, é a importância que neste livro ganha certa produção documental, cuja realização se dá justamente num momento de vazio. Com efeito, depois de, nos anos 1920, ter sido sede de um dos mais exuberantes momentos da produção de filmes nacionais, o Recife atravessou as décadas subsequentes – pelo menos até finais dos anos 1960, quando a febre do super-8 atraiu inúmeros interessados –, sem nada de muito digno a apresentar em termos de filmes ficcionais. Ao se debruçar precisamente sobre esses anos de escassez é que Arthur Lira dá, talvez, sua maior contribuição aos estudos sobre cinema.

    De um lado, ao cascavilhar nos arquivos pernambucanos e nacionais com o apurado senso de pesquisa histórica que possui, descobriu películas há muito esquecidas, que gerações inteiras de pesquisadores desconheciam. Pôde ele, assim, trazer a (re)conhecimento obras de todo ignoradas, cujos realizadores estavam igualmente relegados ao esquecimento, e, com isso, não apenas ampliar o acervo de produções audiovisuais merecedoras de passarem pelo escrutínio dos especialistas, mas também, em decorrência mesmo deste ato, reposicionar as peças desse intrigante jogo que é a construção social do conhecimento. Para dizer de maneira direta, doravante, tratar do cinema e produções audiovisuais em Pernambuco, seus significados e implicações, requererá que se passe em análise os filmes e produtores sobre os quais se discorre neste livro.

    Por outro lado, ainda que não se tenha podido desenvolver plenamente essa hipótese (o que exigiria todo um outro trabalho), é preciso ter em conta a importância deste período aqui estudado para compreender alguns aspectos do que veio depois. Nomeadamente, como assinalado pelo autor, sem que se perceba o papel desempenhado por esses homens de cinema (Firmo Neto, Newton Paiva), cujo conhecimento técnico não era desprezível, na formação de uma nova geração de realizadores, talvez não se compreenda mais adequada e profundamente o que veio em seguida. Provavelmente, sem os ensinamentos e partilhamento das experiências adquiridas nos anos 1930/50, em que, com exceção de Coelho Sai, só se produziu material documental, os jovens que com fervor lançaram-se a produzir em super-8 tivessem ainda mais dificuldades em realizar suas fantasias alegóricas, seus happenings filmados, seus registros documentais, etc.

    Creio, todavia, que isto não diz tudo de importante que precisa ser dito sobre esse livro: à dedicação apaixonada do autor ao cinema e sua história, à habilidade com que discorre sobre isso, aos achados inéditos para a história do cinema em Pernambuco, devemos acrescer sua economia escriturística. Para além de uma escrita que flui e mantém aceso o interesse do leitor, na verdade, subjacente a ela, dando-lhe os elementos argumentativos, os subsídios documentais, a fundamentação conceitual, temos um empreendimento de historiador. De historiador treinado no circuito de leituras e pesquisas propiciados por uma formação muito marcada pela história cultural. Se, nas palavras do próprio autor, a cada fonte, a cada imagem, a cada discurso interpretado foi possível trazer contribuições para uma história do cinema em Pernambuco, isto se deve à aprimorada sensibilidade de historiador de que este jovem pesquisador pode se gabar (se não o faz, é porque aprendeu essa outra e mais importante lição: a de ser elegante).

    Não vejo muito sentido em continuar a cacetear o leitor com impressões singulares (minhas) da leitura de um trabalho que, afinal, ele tem em mãos. Que desfrute, então, sua leitura, e tire dela os proveitos que, estou certo, abundam nestas páginas.

    Prof. Dr. Flávio Weinstein Teixeira

    Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco

    INTRODUÇÃO

    O cinema surgido no final do século XIX criou nos homens novas formas de ver, representar e interpretar a sociedade. Inicialmente surgiu como um espetáculo de entretenimento e registro do real. O primeiro filme apresentado pelos irmãos Lumière no salão Grand Café de Paris no dia 28 de dezembro de 1895, L’Arrivée d’un Train à La Ciotat (Chegada de um trem à estação da Ciotat), tratava-se de um registro cinematográfico de pouco menos de sessenta segundos da chegada de um trem à estação e alguns passageiros desembarcando.

    As práticas socioculturais que se constituíram ao redor do cinematógrafo ganharam uma atenção especial das ciências humanas e não passaram despercebidas pelos historiadores. O cinema mostrou-se um produto complexo em relação à história, trazendo novos caminhos de abordagens e aparecendo tanto como objeto quanto fonte¹.

    Com o seu desenvolvimento, o cinema assumiu e ainda assume uma função política. Diversos líderes políticos utilizaram os filmes como peça doutrinária e propagandística. Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, União Soviética, dentre tantas outras nações, incluindo o Brasil, estiveram atentos ao papel político do cinema. Essa intervenção aconteceu por mecanismos que tornaram os filmes eficazes aos regimes.

    Tão logo o seu surgimento, a surpreendente novidade do cinema se tornou uma das maiores expressões culturais do século XX, se difundindo rapidamente pelo mundo. Segundo Anita Simis:

    O Brasil ficou a par das possibilidades que a invenção do cinema podia realizar já em 1896 (quase meio ano depois que os irmãos Lumière inventaram e patentearam o cinematógrafo), quando chegava ao Rio de Janeiro um aparelho, denominado omniographo. (Simis, 2008, p. 17)

    A dois mil e trezentos quilômetros do Rio de Janeiro, quase duas décadas depois da chegada do omniographo na capital federal – no ano de 1918 – a vinda do italiano Ugo Falangola ao Recife acarretou novos ares para a cidade. O italiano trouxera consigo uma câmera da Inglaterra e fundou, junto ao seu conterrâneo, J. Cambière, a primeira empresa cinematográfica do estado: a Pernambuco Filmes. Durante a década de 1920 a provinciana cidade do Recife movia-se pelo seu desejo de modernização, marcado pelo ritmo frenético das novas tecnologias.

    Se a Pernambuco Filmes foi a primeira produtora no estado, entretanto, o cinema, como prática social de entretenimento e exibição de filmes já existira no Recife desde o final do século XIX. De maneira geral, ele chega em Pernambuco apenas alguns meses após as primeiras projeções dos Irmãos Lumière em Paris. Em 13 de setembro de 1896, Francisco Pereira de Lyra, produtor de espetáculos populares, usou um aparelho chamado kinetographo, uma cópia do cinematógrafo francês, próximo ao saguão da Estação Ferroviária de Caruaru, no Recife. Exibições populares similares, ocorridas no início do século XX, pelas empresas Bioscope Inglez, Hevert e E. C. Franco Brasileiro revelam a possibilidade de filmes produzidos em Pernambuco, tema pesquisado pelo historiador Felipe Davson Pereira da Silva (2018).

    A primeira sala de exibição do Recife foi o Cine Pathé, localizada na antiga Rua Barão da Vitória, hoje chamada de Rua Nova, inaugurado no dia 27 de julho de 1909. Outros espaços como o Glória, Éclair e Ideal não tardaram a aparecer. Próximo ao Phaté surgiu quatro meses depois o Royal, situado na mesma rua. Os dois espaços passaram a disputar o público recifense: Royal exibia sete filmes, o Pathé colocava oito na sua programação. O Pathé, no entanto, fechou antes de 1920. O Royal teve uma vida de mais de 40 anos (Gaspar, 2014).

    Com o fechamento do Pathé, o Royal assumiu um espaço de destaque. Durante a primeira metade da década de 1920, este cinema desempenhou um papel importante para a cinematografia local, colocando em sua programação filmes produzidos pelo denominado Ciclo do Recife.

    O Ciclo do Recife (1923-1931) foi um dos maiores ciclos do cinema nacional produzindo dezenas de filmes silenciosos, alguns deles circulando pelo Brasil. O alcance desse movimento realizado de forma quase artesanal e a sobrevivência de alguns filmes fez com que muitos pesquisadores estivessem atentos às suas particularidades². Neste circuito, destacou-se a produtora Aurora Filmes, criada pelo ourives Edson Chagas e pelo gravador Gentil Roiz. Em 1925, a Pernambuco Filme repassou sua sede e equipamentos a Aurora, que, buscando inspiração nos modelos estéticos da época, especialmente de Hollywood, focou na produção ficcional. Iniciando assim, a primeira grande fase de produção de filmes pernambucanos.

    O Ciclo do Recife findou no mesmo momento em que chega ao Brasil a tecnologia da sonorização. No entanto, o cinema pernambucano se manteve através da produção de pequenos documentários, cinejornais e comerciais. Os filmes de enredo ficaram praticamente restritos à capital federal, sendo o grande retorno³ aos famosos ficcionais produzidos no Recife a realização de O Canto do Mar (1953), do cineasta Alberto Cavalcanti⁴.

    As produções das décadas de 1930 e 1940, sobretudo curtas-metragens, cinejornais e filmes documentais, encontraram ao longo dos anos uma baixa atenção dentro de uma tradição da História do Cinema em Pernambuco. Os pesquisadores se mantiveram atentos aos ficcionais desprezando o gênero documental, quadro geral da história do cinema brasileiro conforme aponta Jean-Claude Bernardet (1979, p. 28). Isso pode ter sido motivado pela dificuldade de contato com o material não ficcional. Muitos filmes não foram conservados, apesar dos indícios de uma vasta produção de documentários e cinejornais nestas décadas⁵.

    Durante a denominada Era Vargas (1930-1945) os números de documentários e cinejornais produzidos para fins propagandísticos aumentam no país. É através dos cinejornais que o pesquisador Cássio dos Santos Tomaim investiga os governos do presidente Getúlio Vargas, especialmente o Estado Novo brasileiro, procurando (...) imagens que funcionem como mecanismos de identificação entre o povo e a ideologia estado-novista, artifícios fascinantes capazes de aproximá-los (Tomaim, 2006, p. 105). Operando de forma similar, percebemos também que esse gênero foi um local de construções e experimentações. Através dos documentários e cinejornais foram feitas, por exemplo, as primeiras experiências nacionais com o cinema sonoro e falado.

    Essa transição do cinema silencioso ao sonoro esteve marcada também pela presença do Estado não só através do controle e da censura, mas também no incentivo ao cinema nacional. Uma cultura visual passou a ser arquitetada pelo governo e por cineastas, através de novas experiências cinematográficas.

    Com a chegada de Vargas ao poder em 1930, os cinegrafistas brasileiros encontraram espaço maior para desenvolvimento de seu ofício. Estes cineastas assumiram um papel propagandístico e doutrinário produzindo filmes que estavam alinhados às propostas governamentais, ainda mais acentuados com o início do regime ditatorial do Estado Novo, em 1937. Empresas cinematográficas e cinegrafistas eram contratadas para registrar os principais feitos dos agentes políticos, realizando imagens sob uma perspectiva positiva da realidade que deveria aproximar a população daquilo que vinha sendo feito pelo novo governo⁶. Essas construções, de autoria de homens comuns, artífices da cinematografia foi apropriada pelo Estado como discurso propagandístico.

    Em Pernambuco, se destacou a atuação da empresa cinematográfica Meridional Filmes, contratada continuamente pelo interventor estadual Agamenon Magalhães⁷ para realizar filmes sobre as ações políticas do Estado Novo em Pernambuco. Para resgatar as construções realizadas pela Meridional dentro de um projeto político específico, exploramos alguns de seus materiais sobreviventes, cuja importância tem sido pouco observada pela historiografia, como por exemplo: A Grande Exposição Nacional (1940) e Quarenta Horas de Vibração Cívica (1940). Ambas retratam grandes eventos ocorridos no Recife naquele período, marcada pelo fastígio do regime estado-novista.

    Trazendo essa discussão para o Estado Novo em Pernambuco, além de explorar as lacunas existentes sobre a História do Cinema, este livro se propõe a compreender o regime através de novos ângulos, como nos sugere a historiadora Maria Helena Rolim Capelato (1998, p. 191). Os documentários e cinejornais sobreviventes são importantes registros da cinematografia local e também fontes historiográficas das construções do imaginário estado-novista. Os filmes brasileiros deste período possuíam uma retórica em comum, nos fornecendo significativas leituras sobre a posição política, cultural e social, dispondo a possibilidade de pensar suas dinâmicas e representações.

    As representações criadas pelo cinema do Estado Novo geraram transformações no quadro político brasileiro. A institucionalização do cinema como produtor dessas representações que vinham sendo difundidas desde o início governo de Vargas é uma novidade característica da efusão da arte cinematográfica na máquina estatal. Referenciando Roger Chartier (2002), não há prática ou estrutura que não seja produzida pelas representações, forma com que os homens dão sentindo ao mundo social. O cinema nesse período tornou-se um dos veículos de representações. Assim como toda produção humana, os filmes são frutos de seu tempo e dos interesses dos grupos que os forjam. A participação dos cineastas na formação discursiva do Estado Novo é relevante, pois, o mundo é montado e editado a partir de suas mãos.

    Por isso, a nossa abordagem histórica sobre o Estado Novo brasileiro foi realizada com base na História Cultural do Cinema. A História Cultural tem como objetivo identificar o modo como em diferentes momentos uma determinada realidade social é pensada e construída. O mundo social é resultado das representações que o instituem como tal, a partir das considerações ligadas a esse campo da história trabalhamos com os seus métodos e conceitos para se pensar a sociedade pernambucana do Estado Novo.

    Buscamos compreender, dessa forma, como os artistas e intelectuais organizavam e expressavam a realidade através de suas obras e qual a influência desses personagens na construção de uma identidade nacional. Dentro de uma estrutura fornecida por nossa cultura, formou-se, através de expressões individuais ou das produtoras cinematográficas, um imaginário coletivo que nos permite explorar parte significativa da dimensão social do pensamento republicano. Os diversos trabalhos sobre a memória coletiva enfatizam a memória nacional, no âmbito de uma tradição conscientemente transmitida (Burke, 2008, p. 166).

    Ao resgatar as construções do cinema nacional, nosso objetivo principal é analisar a relação entre a produção fílmica e o momento histórico vivido durante as décadas de 1930 e 1940, a partir especialmente da produção pernambucana da Meridional, atentos para a participação de produtoras e cinegrafistas na formação de uma nova ordem política. Daremos ênfase à produção de documentários e cinejornais, tendo em vista a importância do gênero no período e a sua ligação com a propaganda política. No entanto, para compreender esse recorte fazem-se necessários alguns breves retornos a momentos precedentes, considerando a história do gênero, entendendo que o filme documental, os cinejornais e a propaganda política não são produtos exclusivo dos anos 30, mas resultados de uma trajetória que lhe é própria.

    Fazemos uma análise da historiografia relacionada ao período, ponderando os principais agentes e a estrutura doutrinária do governo Vargas, especialmente do regime estado-novista. Ao falarmos de Estado Novo nos remetemos a um importante período da história brasileira instaurado por Getúlio Dornelles Vargas em 10 de novembro de 1937, que se estende até 29 de outubro de 1945. Tal processo foi vivido por uma conjuntura internacional de grande instabilidade política e econômica devido ao contexto de guerras, cenário que fortaleceu regimes autoritários baseados numa profunda crítica ao sistema liberal.

    O sucesso do Fascismo e do Nazismo serviu de inspiração para as reformas políticas que ocorreram em alguns países da América Latina, como é o caso do Brasil. O desenvolvimento de críticas ao sistema liberal fez com que surgissem regimes voltados ao controle social através da presença de um Estado forte, comandado por um líder carismático capaz de conduzir as massas no caminho da ordem (Capelato, 2012, p. 109).

    O Estado Novo brasileiro foi o regime ditatorial cuja atuação política esteve sob o comando e personificado na figura de Getúlio Vargas. Bastante influenciado pelos regimes autoritários europeus, destacamos neste trabalho a importância dada por Vargas à propaganda política e ao cinema, adotadas para a estruturação e fortalecimento do Estado sob um forte aparato de controle social⁸.

    Na compreensão da propaganda política, utilizamos as perspectivas trabalhadas por Serge Tchakhotine e Jean-Marie Domenach. Tchakhotine realizou estudos sobre a propaganda e seus efeitos nas massas através de um condicionamento utilizado pelos mecanismos persuasivos e sensitivos. Segundo o autor, a propaganda mostra sua eficácia nos discursos e representações simbólicas que repetidamente atuam através de distintos canais de comunicação. O papel que os veículos de comunicação de massas assumem é importantíssimo nesse cenário. De acordo com Domenach (2015, p. 41),

    cria-se, assim, vasta rede psicopolítica que, por meio de múltiplos canais – imprensa, rádio, teatro, cinema, jornais locais e de fábrica, conferências, comícios e outros meios – atingem os pontos mais afastados do país.

    Encontramos essas características no gerenciamento do Estado Novo quanto à propaganda política. A preocupação com a formação de um novo cidadão brasileiro estava associada a um projeto pedagógico difundido pela propaganda. Para Tchakhotine, há uma ligação muito próxima entre a educação e a propaganda:

    Pode-se entrever relações muito nítidas entre a educação, por um lado, e a propaganda e a publicidade, por outro, pois ambas procuram atuar sobre os mesmos mecanismos essenciais do homem e formar reflexos condicionados apropriados. A diferença consiste, apenas, em que os fins a que aspira a educação são de natureza durável: busca formar o indivíduo, enquanto a propaganda e a publicidade visam a um efeito ad hoc, importa-lhes "criar, transformar ou confirmar opiniões. As técnicas que habitualmente empregam, sobretudo seu

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