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O Misterioso Coração do Místico
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O Misterioso Coração do Místico
E-book251 páginas2 horas

O Misterioso Coração do Místico

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Sobre este e-book

A coletânea de poemas ' O Misterioso Coração do Místico' é um trabalho descompromissado com a ideia comum que se tem de poesia. Seus versos são livres, longos e brancos, imitando assim os ritmos da fala. Desta forma, introduz-se aqui uma nova subjetividade na concepção poética. Aqui eu trato de paixões, sensualidades, hipocrisia, progressões espirituais e toda a forma de complexidade humana que as Musas me concederam na arte de versar. Este livro, então, é a experiência consciente de um homem, um alterego, que responde por Caligo Beltrão.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de mar. de 2022
ISBN9781526054722
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    O Misterioso Coração do Místico - Caligo Beltrão

    Monólogo do Homem Torto

    fluxo de consciência

    – vomitado num delírio,

    é claro

    Eu estive vivendo no Inferno. E as Artes que eu consumia eram meu único Purgatório. Na sala nunca adentrada, habitava o Jardim Proibido. Eles o chamavam de Paraíso, mas no Paraíso eu jamais poderia adentrar. Há algo de obscuro no universo masculino. E no feminino encontra-se a alma libertadora. A figura da mãe que amamenta e que suporta é não mais que simbologia remota de um pensamento que se estagnou. Nas noites de brisa fria, eu adormecia com vagas alucinações de mim mesmo. Peregrinando, livre, pelo mundo que jamais se mostrou aos meus negros olhos tristes. Nas noites de boca vazia, eu caminhava rumo à visão das estrelas e devaneava com elas os meus sonhos perdidos e um tanto quanto pálidos. Eu rezava para estrelas cadentes que perfuravam o céu noturno, uma a uma. Elas sempre morriam, mas havia tanta beleza em suas dores. E, quando rumavam para o perecer eterno, eu chorava por elas, com elas. Não há nada de glorioso na morte, afinal. O que há é a abstração, libertação. Da alma e do corpo que já morreu até mesmo estando em vida. Quando as pessoas me viam a proferir o que julgavam ser disparates, elas, num remate, decretavam que eu estava romantizando o fenômeno da morte. Mas por que não falar de algo que é tão natural do Homem, intrínseco ao Homem em seu sentido mais profundo? Basicamente, a morte é a própria vida. Evoluída. A transcendência para o divino desconhecido, ignorada pelo senso comum. Não há vantagem em dialogar com pessoas que jamais estiveram no Inferno, que jamais morreram em vida, que jamais provaram da miséria humana, da tragédia do teatro que é esta existência. Elas simplesmente desconhecem a dor legítima. A dor que não se sente e, no entanto, repreende cada vínculo que se criou ao Jardim Proibido quando a inocência era um estado de espírito real. Não há graça em dialogar com estas pessoas, pessoas que sofrem sem sofrer e que jamais provaram da paixão real que, por sua vez, é o verdadeiro ópio da vida. Depois de um tempo se aprende que para ganhar você precisa necessariamente e inexoravelmente perder. Você morre para viver, sobrevive para viver, o que no seu sentido mais profundo nada mais é do que morrer. E a vida nada mais é do que a própria morte que encontra seu sentido e seu eixo também em sua própria morbidez. Você precisa ter tudo e então deixar que o tempo leve. Aí mora o verdadeiro sentido da vida. A vida que é ferida. Ferida que não se vê e não se cura. E posso dizer, jamais a compreendi, como metade destas medonhas criaturas com quem aqui convivo. Contudo, juro amargamente que tentei captá-la o máximo que pude, do jeito que pude. E neste meio-tempo, é claro que há de se perder a bela inocência. Absolutamente toda sua inocência, uma vez que as pessoas vêm, as pessoas vão, e levam tudo o que podem de você. Apesar disso, não gosto de dizer que me arrependo de alguma coisa porque tudo o que cometemos é experiência. E quanto à consideração, posso contar nos meus dedos aqueles que não tentaram me destruir de alguma maneira ao longo de tão tortuoso caminho. E mesmo que eu não quisesse, devo confessar que eles tiraram sim algo de mim. Contudo isso não é de todo ruim. O que é melhor? Viver invicto e ignorante, ou consternado e sábio? É vero que escolho a segunda opção. Apesar de tudo o que passei, eu sempre a preferi. E quanto a você que prometeu manter-me em uma cúpula de vidro, mas acabou por me deixar ao vento e à cerração, eu nasci furioso e fui criado sem a sua companhia, vivendo no útero da matéria prima do mundo. Por isso, eu não vou passar outra noite na cidade que você conhece. Não, eu não vou passar outra noite implorando amor da sua miséria. Para a poesia, contemplo um pensamento e o deixo ecoar em palavras. Eu estive tentando, lutando, definhando para ser o poeta daquelas velhas alucinações das noites de estrelas cadentes. E quando me descobri poeta... bem, eu já estava morto e enterrado.

    Balada de Luz & Trevas

    na jayate mriyate va kadacin

    nayam bhutva bhavita va na bhuyah

    ajo nityah sasvato 'yam purano

    na hanyate hanyamane sarire¹

    Vyasa, Bhagavad-Gita

    Invenção do Inferno

    Canto I

    Bem vindos ao meu mundo sombrio

    Minha alma sombria, minha tristeza sombria

    Abantesma que vaga pelas bordas de um abismo tão profundo quanto minh’alma solitária

    Aqui se faz o negrume dos meus dias,

    dos teus dias de torpor amargo

    Aqui encontro a Dante e sou como ele

    Aqui defronto a Virgílio e, encaminhado por ele, desço o mais baixo fosso da melancolia existencial

    Sequer morro, mas vivo ao perecer eterno

    da vida jamais vivida

    Vida que é metabolismo

    a distinguir-se do museu de coisas mortas

    Das vaidades e dos anátemas,

    das vicissitudes e dos estratagemas,

    da causa-cerne e primordial

    A sociedade industrial? Antropofagia

    Em nossa gaiola de ferro, dançamos

    e para o deus das bruxas, rezamos

    Jogue o que mais ama nas chamas

    e eu ceder-te-ei a visão do futuro

    Da recaída ao caos? Desolação

    E a anarquia fez da apatia revolução

    Eis o acaso nude – espinheiro e roseira – a nos construir efêmeros castelos de areia

    E cantando a canção dos homens de pouca fé,

    faço meus passos em direção às nuvens de bruna cor

    tracejando no céu de minh’alma os olhos do meu amado ser

    a quem vi morrer e a quem jamais hei de ter

    nestas mãos imundas com as quais eu escalo

    – demente e incansável – este vasto abismo, frio e invenerado,

    pois o caminho de cima tem a natureza de terras caídas

    Espelho de Narciso, seu reflexo atormentado

    Jamais desejando suportar mais e mais a dor dos meus dias quase sem luz

    Ó luz sádica e azul do meu mundo sombrio

    Um clarão que se abre e revela o vazio

    Brilha como uma floresta de fogo vivo

    Brilha como um dia este ser solitário – ao modo de um velário – tão imponente brilhou

    Seja o sol de uma manhã divina

    ou a manhã de uma divina comédia da existência

    Queime voraz este torto coração, caule de pétalas abatidas,

    tendo a alma imunda envolta na chama do caos eterno,

    etéreo, infinito – um carrossel da manhã

    E depois chove sobre mim como a monção de uma terra longínqua

    Eis a tempestade de uma terra esquecida por Deus

    Guia-me com a tua furiosa sapiência

    até minha venerada Beatrice

    Fogo da minh’alma,

    alimento do meu ser

    Dos quatro cantos da Terra,

    ouve-se o rugir das perversas feras no rebanho

    e o gemer das vítimas a cruzar o campo de relvas

    implorando pelos ventos da mudança

    Eis o terror do mundo contemporâneo

    A ordem se converte no caos

    donde antes fez sua pródiga origem:

    é cenário de tormento e de vertigem

    O olhar de fogo dos streghe fazem as ruínas de Pompéia parecem tão belas

    estes trazem a jarra e na jarra tem a peste

    É cortês recusar um presente?

    Desposai-me a tudo o que me veste

    Bem vindos ao meu mundo sombrio

    Meu amanhecer sombrio, meu entardecer sombrio

    Fruto da pele de minha musa designada perfeitamente pelos negros materiais de um Deus Maior

    Seja minha sina, seja o calor da inocência de uma menina,

    como um lampião incandescente,

    queimando a terra infinita do meu ser

    neste tempo sombrio de ter e de não ter

    capítulo censurado, queimado e olvidado da história daquilo que somos

    Leva-me para longe, para a tua Terra Prometida

    Lá onde homem nenhum jamais ousou chegar

    encontrarás aí o meu Juízo Particular

    Vede Geena, mãe de exilados!

    E acalentando-me como uma criança,

    beije minhas feridas abertas no peito

    Este buraco sem fim que se fez meu leito,

    semideus sou à beira d’água, oceano de mim mesmo

    Não há mais felicidade na vida, apenas a tristeza do perecer

    E chamejando firme como um anjo bom,

    erguer-me-ei das trevas que me fez morada

    O puro átomo, o atman, a natureza de uma Mônada

    Protozoário flagelado movimentando-se à luz da manhã

    Erguer-me-ei do medo que me fez habitação

    e que me arrancou do peito toda minha graça

    Sangramento da minha salvação.

    Canto II

    Bem vindos ao meu lado sombrio

    Casa sombria, morte sombria

    Lar dos grandes olhos azuis – globos de vidro cheios de oceano

    Chão mortificado, excomungado e inundado,

    eis a febre da ira de deuses antigos, Noé ébrio de luz

    Cadinho de amor e ódio

    Alquimia da dor

    Amor como um ardor

    Cor e incolor

    Escombros com sabor de guerra

    Fogo do coração dos deuses – fornalha e ferro

    – donos desta raiz bruta que é o amor,

    causador das alegrias mais violentas,

    causador das melancolias mais pacíficas

    Seja meu senhor

    Meu amo, meu amor

    Destino implacável que cria e que destrói

    Serei seu escravo,

    estarei sobre o teu poder

    Vencido, cativo e alquebrado

    ó glorioso sempre-vencedor!

    Sua alma está em chamas, guerreiro hebreu

    Eu a vejo através do halo, eu a vejo através do teu

    Seja minha erva hidropônica

    Em tua odisseia me refugio – eu, o Ulisses de mil artimanhas

    – aniquilando o meu interior vazio com a azáfama

    de meus dias e de minhas façanhas

    Eu serei seu desejo

    Objeto do teu almejo

    Poesia da tua vivência divina

    Dos prazeres? A expiação

    Sejam eles estéticos, eróticos, anatômicos ou sensuais

    Dos suplícios? O fogo

    Sejam eles os públicos, violentos, caóticos ou pessoais

    Às prisões, punições e disciplinas

    O caos dionisíaco fez da ordem, apolínea

    Aos Padres, aos Soldados, aos Juízes e aos Homens

    a Sorte, cortejada e lamentada desde ontem

    pois é aqui que se esvai toda a metafísica

    rumo ao Novo Tribunal do Santo Ofício

    a atermar censuras eclesiásticas inapeláveis

    e a discutir litígios de naturezas inexprimíveis

    No mármore do fogo esplêndido

    Senhora e Cavalheiro

    Para todos é sujeita a invertida Jerusalém

    Das Raízes do Mal? O receado desterro

    O homem dentre as criações é o ser mais abjeto

    Eis que o arco e a coroa enfim se aproximam,

    e as rodas não são lineares como há muito nós refletimos

    Preparem os largos campos de batalha

    vistam-se do elmo, o escudo, a adaga e a espada

    o vermelho vai para a guerra

    e quando o fim chegar, e quando o fim finalmente chegar

    nesta terra onde flores não crescem

    todos hão de notar, atiçados pelo lar

    que Rei e Peão, lado a lado, se encerram

    Bem vindos ao meu mundo sombrio

    Terra sombria, forma sombria

    Não há homem que tenha escapado vivo deste lugar

    Desta imensa selvageria humana e espiritual

    Selva de Dante, feras impiedosas

    Horizonte profundo, nebuloso e tortuoso

    Olhos azuis,

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