Hades
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Hades - Deise Zandoná Flores
HADES
ENTRE MORTOS E
ESQUECIDOS
DEISE ZANDONÁ FLORES
Dedico ao Senhor do Submundo,
rei dos mortos e esquecidos,
o não-nomeado,
o referido apenas por seus epítetos,
desejando que aceite, de bom grado,
a oferenda e permita-me a vida
algo mais leve e distante do seu reino.
INTRODUÇÃO
A perda da alma e o raptor, o invasor de sonhos e o predador... E
o homem é sugado ao olho do tornado onde o silêncio é apatia; o movimento, letargia e a mudança inexiste.
O inferno é um deserto sem Deus, gélido e eterno: um mesmo instante de um mesmo dia que nunca termina.
Depois de ingeridas as sementes de romã, o Hades se faz pouso necessário e anfitrião austero à espera de seus hóspedes: pálidas sombras do que outrora foram homens e ora vagam esquecidos. O
Reino do Oblívio talvez seja o único que não torture os loucos já cravejados de tormentos.
Trancado pelo lado de dentro com as chaves nas mãos, o atormentado oculta-se como potência de vida no centro do deserto, assim como as sementes que jazem ocultas sob a terra.
Com os bolsos repletos de sementes, perambula inconsciente de que as flores de narciso precisam de perdão para florir.
POEMAS
1
ETERNO
2
INFERNO
3
OLHOS NEGROS
4
EXÉRCITO DE MISÉRIAS
5
COLECIONADORES
6
ODE A MÃE NARCISISTA
7
TORNIQUETE
8
A CORREÇÃO DO ACERTO
9
INSEPARÁVEL AMIGO
10 INVASOR DE SONHOS
11 A CULPA DO SANGUE
12 AMBIGUIDADES
13 COISAS
14 OBLIQUIDADES
14 AMOR EM EVIDÊNCIAS
16 ROSTOS EM MUROS ALEATÓRIOS
17 APAIXONADA PELO LAMENTO
18 MELANCÓLICO E TRISTE
19 DESCULPAS REFRATÁRIAS
20 CUIDADO COM O QUE DESEJAS
21 ÁGUA, FOGO, ÁGUIA, MORTO E MANEQUIM
22 FLORESTA ESCURA
23 MIRÍADE
24 EMOÇÕES DESENFREADAS
25 NADA DE NOVO NO REINO DO ISOLAMENTO
26 ENTRE DENSAS NUVENS
27 HERANÇA
28 COBERTORES
29 PASSE DE MÁGICA
30 DESMORTA
31 FIO FINO
32 DEVOLVA-ME MEUS PECADOS
33 ECO
34 CATARSE
35 LEITO DE PROCUSTO
36 LUNÁTICOS, FILHOS DA LUA
37 DESERTO
38 ELES AINDA ME VENCEM
39 EU ABISMO. EU: ABISMO
40 GENES ROMANTICOS E ANACRÔNICOS
41 LÁGRIMAS DE AFRODITE
42 LÁGRIMAS DE DEFESO
43 MELANCÓLICO VAMPIRO
44 NOSTALGIA MEDÍOCRE
45 OLHOS DO PASSADO
46 OS FILTROS DO VAZIO
47 PERGUNTAS MORTAS
48 POEMAS TRISTES
49 PROBLEMAS VOANDO NA MENTE
50 QUATRO VEZES
51 SENTIDOS
52 SOBRE ATRITOS, ARESTAS E CONFLITOS
53 SOBRETUDO
54 TELHADO
55 TRIBUTO AO PRESENTE
56 ARDIS DAS PRESAS
57 CREPÚSCULO
58 ESCURIDÃO MESTRA
59 GARBOSAS NAUS
60 INIMIGOS DE VENTO E POEIRA
61 INSÔNIA
62 LIMBO
63 MIGALHAS
64 PELO TOPETE
65 NÁUSEA
66 NEVASCA EM JANEIRO
67 RESPIRO
68 SOUVENIR
69 MAR NEGRO
70 VIDROS QUEBRADOS, PÉS LACERADOS
71 É PASSADO! É HISTÓRIA! É SENHORA DA MORTE!
72 MISERÁVEIS E ÁIS
73 ELIPSE
74 O PESO DO MANTO
ETERNO
Eterno é o amor petrificado, congelado,
looping do instante, invulnerável à usura do tempo.
Eterno congelamento na loucura:
permanência do acontecido e do não acontecido.
As mesmas cenas, as mesmas imagens na memória,
milhares de contínuos, milhares de desfechos fictícios, impedindo que alma acompanhe o corpo no tempo.
Diálogos nunca iniciados, criados e recriados
milhares de vezes com as sombras na parede.
O não realizado se realiza quando se eterniza congelado.
Eterno é o amor que não desgasta ou envelhece,
enquanto, no espelho, a imagem do tempo que passa
não corresponde ao eterno e imutável:
é rapto de vida, instante eternizado,
maldição que congelou em cansaço.
Tanto é lembrado o que não foi vivido,
quanto revividos infinitos arrebatamentos.
Tão intenso é o primeiro, que a vida, o calor,
e todo o calor da vida acaba por se esvair.
É estar parada no tempo,
naquele instante de tempo eterno,
eterno fim que terminou sem mim,
como um desaparecido,
que não se sabe estar morto ou vivo,
ora pranteado, ora esquecido,
sempre esperado
- espera sem a opção de escolha em contrário.
Eterno é instante suspenso,
tempo perdido à espera de vida ou de enterro.
Eterno é instante de uma quase vida,
é queimadura fria cuja ardência não cessa.
Eterno é o peso nas costas,
o corpo cansado, a espera sem fim.
É a dor indizível,
a lágrima que desidrata, o corpo que morre,
o pensamento que finda, os olhos de morte.
Eterno é maldição, é inferno.
Quisera que amores eternos
embalsamados e pranteados fossem,
e, mortos, permitissem a vida.
Amor bom é amor vivo:
sujeito à ação corrosiva e expansiva do tempo.
Amor bom é amor com rugas,
de tentativas feitas e malfeitas,
de arestas gastas, de erros e acertos,
de aprendizado.
Amor bom é amor vivo:
que amadurece ou morre.
Eterno é instante fixo, enregelado,
que não se concretiza nem termina
Recolhido a um arquivo morto, o eterno ressurge,
sempre que se baixa a guarda,
sempre que se relaxa a vigilância.
E cada vez que vem à superfície,
usa seu recalcado poder
para nos fazer morrer um pouco.
Amor eterno é instante maldito perpétuo.
E, para todo aquele que é vivo,
sujeito as areias do tempo,
o eterno fixo é inferno.
Há amores que prefiro mortos
(porque um dia estiveram vivos)
do que eternos
(invencíveis sequestradores da vida).
INFERNO
Inferno é gelo e nada produz.
Nele, nada se produz porque
Nele não se vive, nem se sobrevive.
Nele não se existe, nem se é.
O Inferno toma toda a existência,
dela se apodera, englobando-a em Si.
Não se está no Inferno. É-se parte Dele.
Com o ser, todo o vestígio Nele desaparece.
Se o Inferno me toma, não me toma, portanto,
porque em Si eu, que sou eu, já não existo.
E no Inferno, tudo o que já não existe, é Ele.
Tampouco é conforto no abraço do vazio,
ou o escrito antigo, apagado pelo tempo.
É só a sombra de confusos tormentos,
padrões repetidos dos loucos e dos fantasmas.
É o vagar sem rumo, destino ou descanso.
É ser sombra de uma sombra, sem ter sombra, nem espanto.
É o gélido Pai, em seu trono, nunca alcançado.
É o frio abraço do Não-Ser suspenso e da Expectância.
OLHOS NEGROS
Nada sou além de emissária das trevas,
que caminha bem na escuridão,
com os olhos desligados, sem usar o tato.
Eu sou no arrepio... e antes dele.
Estou aqui para suspirar o impossível,
sussurrar temíveis e terríveis enredos.
Longe daqui, é fácil manter-se nos trilhos,
percorrer os melhores caminhos,
furtar-se dos descarrilhos.
Não direi dos enredos de salvação e redenção.
Fitei o mal: aquele que reside à sombra, atrás do espelho, e devolve apenas o reflexo daquilo que queremos ver.
Essa é a minha função: desmontar a figura de meu pai, como todo filho faz com seu pai,
antes de reconhecê-lo, antes de respeitá-lo.
Emissária das trevas...
Despeje em mim todas as sombras, que eu absorvo.
Despeje em mim todas as luzes, que eu absorvo,
e devolvo enredos sussurrados de terror e medo.
Alguns homens estão perdidos...
Entortam caminhos para torná-los retos.
Desacertam caminhos para torná-los fáceis
e os embotam. Para estes, nenhuma paz,
apenas sustos, antes do surdo, antes do mundo.
Antes de nós, eles já compreenderam.
Por isso, demonizaram meu pai:
apenas um curioso e petulante questionador.
Demonizaram-no para torná-lo mais humano.
O quão demônio-humano você é?
Eu ando pela escuridão sussurrando em ouvidos
confusos, enredos de medo e terror.
Ouça-me!
Fuja de mim! Encontre o seu caminho.
Fuja de mim! Ignore este livro.
Ou decida-se pelo afogamento.
Cuidado com o que deseja.
Cuidado com o que renega.
Cuidado com o que rejeita.
Se eu pareço o frio, eu congelo.
Se eu pareço o calor, eu queimo.
Desça! Caia! Perca-se de si nos cacos.
Vire pó! Vire nada! Desmonte-se no chão...
O meu presente é névoa, floresta e escuridão.
Então, saia do labirinto!
Encontre a luz, solte a cruz.
Siga o fio de Ariadne...
Eu estou aqui para oferecer
desafio, medo, escuridão e dor.
Eu sussurro enredos de terror,
para que você, em papéis escuros,
escreva os seus próprios e translúcidos
enredos de amor.
EXÉRCITO DE MISÉRIAS
Milhões de credos e teorias
para fugir aos domínios do absurdo.
Milhões de sinos,
e sinistros homens ditando toques de recolher:
elaborados planos