Cultivando amor e compaixão: A cura das relações consigo e com os outros
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Cultivando amor e compaixão - Roberto Sampaio
CULTIVANDO
AMOR E
COMPAIXÃO
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A cura das relações consigo e os outros
"Enquanto houver espaço,
Enquanto houver os seres sencientes,
Possa eu também permanecer
Para afastar as dores do mundo"
~ Shantideva em O caminho do bodisatva
"A dispersão da mente é a base para o surgimento de todos os conflitos dentro da família, dentro dos grupos familiares, dentro das tribos, das aldeias, dos estados, uns com os outros.
Esse processo ocorre assim: tendo uma visão repentina de alguma coisa, nós simplesmente fazemos aquilo e temos a sensação de que se não fizéssemos, aquilo seria um problema para nós.
A gente se sente assim.
Então, os irmãos se chocam, as famílias se chocam, pai e mãe se chocam, os grupos familiares se chocam, porque eles têm impulsos em certa direção e eles simplesmente pensam que eles têm que seguir daquele modo e se alguém obstaculizar aquilo, eles vão se chocar.
Esse processo pertence aos três venenos da mente: nós temos uma fixação, que vai produzir a cobra, que é a raiva, e vai produzir a ação incessante em certa direção, que é o galo. Então, se não tivermos uma compreensão ampla, nós teremos problemas".
~ Lama Padma Samten¹
Para início de conversa
O objetivo dessa leitura é desenvolver e cultivar a compaixão nas relações com a prática de metabavana. Metta significa amor universal, incondicional, e bhavana significa meditação. Por convenção, usarei durante a leitura presente, o termo Metabavana
em vez do original Mettabhavana
em sânscrito. Segundo os ensinamentos budistas, a compaixão é uma inteligência disponível para nós, para nos reconhecermos além das limitações que impomos a nós mesmos e aos outros.
Sem que alguém aponte a direção, podemos confundir a compaixão com alguma muito misteriosa, e portanto, fora do nosso alcance. Ou fomentar essa inteligência dentro das nossas próprias ideias, afastando-a do cerne principal que é a transformação de um coração irascível em amor sem limites, pronto para servir.
A questão da limitação é assim: se nos colocamos em uma posição interna enquanto pessoas resolutivas, vemos os outros espelhados nisso e, portanto, eles também precisam ser resolutivos.
Se me vejo como alguém que se move por controle, tento assinar um contrato com o outro e exercer poder sobre sua movimentação. No entanto, se me posiciono a partir da ação da mente compassiva, é natural que veja compaixão ao redor.
A questão já começa bem delicada, pois achamos que estamos traindo a nós mesmos se deixamos de obedecer aos impulsos caóticos que surgem na mente. Assim, não nos reconhecemos além das próprias limitações a que nos impomos de maneira cega e reativa.
A compaixão precisa emergir
por vontade própria, digamos assim. E isso só pode acontecer se estivermos aliados a uma visão de sabedoria, que no nosso caso é o Darma. Toda visão de sabedoria é muito mais aconchegante que qualquer visão baseada em desejo e apego.
Nas situações em que estamos desequilibrados, nos sentimos sólidos, enrijecidos, tensos, nossa respiração se altera, as emoções ficam expostas. Somos raptados do momento presente e todo o nosso senso de gravidade passa a ser direcionado a partir do eu
e meu
. Em seguida, ficamos presos em certos enredos e, se pararmos para olhar com cuidado, apenas damos mais peso à situação.
Uma abordagem sobre a questão emocional é a descrição dos seis reinos da roda da vida. Cada reino possui uma emoção perturbadora como trilha sonora. São eles: reino dos deuses (orgulho), semideuses (inveja/ciúme), humanos (desejo/apego), animal (preguiça), fantasmas famintos (carência) e infernos (ódio/medo). Isso se dá a nível de paisagem, mente, energia e corpo. Parece complexo! Mas é apenas uma visão mais refinada daquilo que chamamos de emoção. Há uma dinâmica viva acontecendo ali.
Por exemplo, quando temos uma chateação em relação a algo, nós apertamos a corda do desejo e do apego contando a mesma história vez após vez. Caímos no martelo da identidade que culpa, julga e condena em certo/errado, sucesso/fracasso, vitória/derrota e paixão/ressentimento.
Quando isso acontece, cristalizamos a situação e nos tornamos insensíveis, pois estamos fixados a algum referencial dos seis reinos, sem termos consciência disso, propriamente. Apenas respondemos com automatismos, nos desconectamos da realidade como ela é.
Não existe manual de instruções para as relações. Existem palpites, ideias, sugestões, mas um passo-a-passo soa incoerente a uma dinâmica que envolve muito mais aspectos do que simplesmente seguir um conjunto de receitas ou procedimentos. No mínimo, há uma dinâmica emocional acontecendo, e nossas paixões e ressentimentos sobre o que e como deveria ser uma relação nos assombram, no fim das contas.
Estamos costurando relações a todo momento, seja conosco, com os outros, seja com a sociedade, com a natureza. Nunca estamos sozinhos. Dessa forma, podemos reconhecer que a mente é uma agulha, e a linha com a qual estamos costurando as nossas relações mais profundamente é a compaixão. Sempre podemos nos conectar com isso. A ideia é trabalharmos a compaixão como uma forma mais terna e precisa de nos relacionarmos.
Quando conhecemos com mais profundidade a natureza da mente, sentimos compaixão, é inevitável. Nossa presença se resplandece em cada ato, desde amarrar os cadarços do sapato a acenar para alguém, ou escrever uma mensagem no Whatsapp. Sorrimos da percepção mais estreita pois nenhum engano se estabelece por muito tempo, a sabedoria vem de traduzirmos as aparências com discernimento.
Quando nos perdemos em pensamentos e emoções, a sabedoria ainda está conosco, incessante. A descoberta da primavera, a liberdade diante das prisões da roda da vida está ao nosso alcance. Estamos abertos, surge compaixão.
Dieta mental
Basicamente, andar na vida tem se resumido a investir o nosso tempo ou de um modo exagerado ou em uma posição de escassez para preencher um vazio interior. Vamos usar a alimentação como exemplo. Se tivermos sorte de estarmos vivos daqui a cinco anos, o que acontecerá com nosso corpo, energia e mente se comermos apenas sorvete, refrigerante, hambúrguer e batata-fritas?
Inconscientes de algo maior que nossas emoções atuais, torramos as horas do dia e no final nos sentimos consumidos pelos nossos próprios desejos e apegos, um movimento aparentemente sem fim. Assim, andamos em direção contrária à compaixão aumenta cada vez mais.
A transformação começa quando estamos disponíveis
Voltemos ao exemplo sobre alimentação saudável. Sabemos exatamente, pelo menos no intelecto, o que faz bem ou mal para nossa saúde. Uma vez ouvi de uma amiga nutricionista que se estivermos conscientes na hora de escolher o nosso prato em um bufê livre, o próprio movimento de andar pelo bufê nos direciona para as porções certas, de cada nutriente necessário, seja proteína, seja carboidrato, etc. Pode acontecer de a pessoa se programar para evitar comida gordurosa, porém a energia de hábito é quem toma a decisão por ela. E acaba cedendo e depois não sabe muito bem o que aconteceu.
Para começarmos a nossa dieta mental, usaremos um caderno, como um viajante que está descobrindo um novo país ou cidade e se dá conta de detalhes antes despercebidos, pois sua vontade de viajar era tão grande que ele não conseguia sentir o vento tocando seu rosto. Nós temos duas perguntas básicas: o que estou ingerindo ou o que deveria ingerir?
Nós precisamos aprender a ouvir dessa forma. Além da meditação silenciosa, sugiro o uso da escrita para sairmos da nossa mente caótica. Damos um passo atrás e drenamos um pouco a neurose mental discursiva. Engajar-se, estar ali, consciente das emoções ou pensamentos, e ao mesmo tempo, estar ciente da liberdade diante do suposto problema
. Essa ferramenta da escrita é provisória, porém muito precisa quando aliada à meditação silenciosa.
Por vezes, escrevemos e aparecem sentenças desconexas, contraditórias, agressivas ou tristes, alegres, talvez. Mas apenas escreva. Permita-se acolher o que surgir pois assim você se tornará mais consciente do que está acontecendo. Quando você escreve, começa a se dar conta da responsividade presente. Nós nos afogamos muito em nós mesmos. Em corpo, energia e mente, paisagem.
Cada letra, sílaba, palavra, frase, parágrafo. Apenas inspire e expire, esteja consciente do ato de escrever! Cada argumento ganha sentido dentro da bolha. O que você está fazendo, exatamente agora, enquanto escreve? Você consegue se ouvir? Você respira, está vivo! Isso é mais importante do que resolver, controlar ou manipular a situação.
Escrever é uma ferramenta que surge como um apoio e lhe permite integrar o conteúdo vomitado no papel ao eixo discriminativo, a sabedoria. É crucial perceber as emoções em cada situação. Leva tempo. Pelo menos não se afogue mais. Chore, se quiser. Grite. Mas faça isso conscientemente.
Nossa precisão e segurança vem em sustentarmos a visão mais ampla nas situações. Você aprende a investigar a vida, a agir ou, talvez, não agir. Saia de si mesmo(a). A resposta aparecerá: Escrevo e estou consciente de estar com a ponta da caneta no papel. Sinto isso, apenas deixo ser, sem lutar ou julgar o que surge.
Quando você está atento a cada palavra, a cada respiração, a cada retorno à inalação e exalação do ar, sua mente se torna sua aliada. Com o tempo, ela deixa de ser mimada e birrenta.
Com o diário em mãos, nós vamos trabalhar a prática de metabavana associada ao quadro das emoções. Assim, temos como nos reconhecer dentro e fora das emoções negativas e perceber a compaixão como o mundo real, de fato.
Basta estar relaxado, consciente e perguntar: A partir de carência, ou outra emoção perturbadora, qual o resultado esperado?
. A dieta mental ideal é prescrita pela compaixão e o discernimento que surge do silêncio meditativo.
Vamos marcar uma reunião conosco?
A seguir, temos alguns