Videogame pandemia
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Pré-visualização do livro
Videogame pandemia - João Varella
CONSELHO EDITORIAL
Bianca Oliveira
João Peres
Tadeu Breda
EDIÇÃO
Tadeu Breda
ASSISTENTE DE EDIÇÃO
Fabiana Medina
PREPARAÇÃO
Carolina Hidalgo Castelani
REVISÃO
Tomoe Moroizumi
CAPA
Paula Cruz
DIAGRAMAÇÃO
Bianca Oliveira
Hannah Uesugi
Pedro Botton
DIREÇÃO DE ARTE
Bianca Oliveira
PRODUÇÃO DIGITAL
Cristiane Saavedra
[Saavedra Edições]
Dedico este livro às pessoas que perdemos na pandemia.
SUMÁRIO
Capa
Créditos
O que é este livro
Parte 1
O estado do videogame
Grande e isolada: a bolha da comunidade de games
Começando a jogar videogame
Gameconomia
Parte 2
Jogos como plataformas sociais
Doom Eternal
Animal Crossing: New Horizons
Among Us
Parte 3
Polibugfonia
Watch Dogs: Legion
Cyberpunk 2077
Parte 4
Representatividade
Marvel’s Spider-Man: Miles Morales
Tell Me Why
The Last of Us Part II
Parte 5
Goty
Hades
Parte 6
Novos consoles
A nova geração
Astro’s Playroom
Tetris Effect: Connected
O fim dos consoles
Agradecimentos
Sobre o autor
O que é este livro
Salve, Tadeu. Como vai?
Quero te fazer uma proposta de um livro escrito por mim sobre videogame e pandemia. Acho que a Elefante seria a editora ideal, uma vez que vocês trabalham com temas mais quentes (que a Lote 42, minha editora).
O ano de 2020 foi um ponto de inflexão para os videogames. A interatividade digital ajudou a amenizar o isolamento social, ao mesmo tempo que passou a ser parte essencial de outro jogo: o jogo de poder das empresas mais ricas do mundo, como Amazon, Microsoft, Facebook, entre outras.
O livro traria uma série de ensaios que aprofundam o olhar sobre esse meio, tanto para jogadores experientes quanto para interessados em começar a entender. Arte, economia e tecnologia se misturam em discussões que passam por temas de interesse específico, como The Last of Us Part ii, Among Us e PlayStation, e de interesse mais amplo, como representatividade, acessibilidade, política e desenvolvedores independentes.
O conteúdo teria como base a apuração e os textos que fiz no período para Folha de S. Paulo, uol, Veja, Elástica, O Globo, entre outros veículos, tudo retrabalhado para apontar à reflexão de fundo, tirando redundâncias e adicionando conteúdo inédito. Creio que estamos falando de um livro de 25 mil palavras.
XEsse foi o começo do e-mail que mandei a Tadeu Breda, editor da Elefante, em 6 de janeiro de 2021. Nessa data, o Brasil contava 199.043 mortes por covid-19 e 7.874.539 casos da doença desde o início da pandemia.¹
O que escrevi não foi mera bravata de autor tentando emplacar livro em editora. O isolamento social em meio a uma catástrofe humanitária impediu a proximidade física entre pessoas — e, diante desse contexto de adversidades inumeráveis e inomináveis, as práticas digitais ganharam força. Entre elas, o videogame, expressão cultural que se consolidou. Foi a terceira atividade digital mais popular no Brasil desde o início da pandemia, atrás apenas de música e filmes.²
Este livro busca ensaiar entendimentos desse fenômeno, refletindo sobre o que aconteceu com essa mídia durante um dos períodos mais importantes da história recente da humanidade. Sem passar pano, sem fazer ode. É uma luz com foco específico, mas que, ao ser exposta a um prisma, ajuda a iluminar outros campos. Para captar instantes desse processo de retroalimentação complexo, os ensaios aqui reunidos transitam livremente entre economia, arte e tecnologia, os três pilares que estruturam a linguagem aqui abordada. São três elementos necessários — sem um deles, o tripé cai, algo fica em falta.
Dividi o livro em seis atos, variando planos gerais e close-ups. Na primeira parte, discuto o videogame do ponto de vista macro, com um módulo dedicado ao estranho comportamento isolado da comunidade.
Com as bases sedimentadas, a segunda parte é destinada aos jogos eletrônicos que atuaram como espaço de confraternização e sociabilidade, com atenção especial para Animal Crossing: New Horizons e Among Us.
A terceira parte aborda os problemas da produção de videogames e da indústria cultural digital, tomando como exemplo Cyberpunk 2077, o lançamento mais esperado dos últimos anos. Watch Dogs: Legion serve de introdução e comprovação de que não se trata de um fenômeno isolado.
A quarta e a quinta partes mostram softwares que buscam deixar um legado duradouro para a mídia, a fim de se tornar as novas referências no cânone. O quarto bloco discute três títulos que mostraram como a representatividade ganhou terreno nos videogames (Tell Me Why, Spider-Man: Miles Morales, The Last of Us Part ii), enquanto o quinto fala do jogo do ano: Hades.
Por fim, o sexto ato é dedicado aos novos consoles e ao futuro da mídia, com a ferramenta nuvem chegando finalmente aos videogames.
Em 2020, foram disponibilizados mais de dez mil lançamentos na Steam, principal loja de jogos eletrônicos. Este livro não abarca todos eles — longe disso. No entanto, a partir de alguns games, busca provocar reflexões sobre movimentos, mudanças e possibilidades dentro do universo do videogame.
Entre os fenômenos que não abordo, um deles é o do e-sport. Os jogos competitivos contam com dinâmicas próprias e pedem um acompanhamento diferente por suas atualizações constantes e envolvimento da comunidade. É certo afirmar que foram também diretamente impactados pela covid-19. Equipes como a North, ligada ao clube de futebol fc Copenhague, tiveram as atividades encerradas por causa da pandemia.³ O maior campeonato de jogos de luta, Evolution Championship Series (evo), tentou fazer uma edição on-line, porém foi cancelado após Joey Mr. Wizard
Cuellar, presidente do evento, ser acusado de assédio sexual e pedofilia.⁴ No início de 2021, a Evo foi adquirida pela Sony.⁵ Esse é um movimento que faz sentido para uma empresa de consoles, pois luta é um dos raros gêneros relevantes em e-sport disputado com controle na mão, e não com mouse e teclado — uma diferença de input banal para quem vê de fora, mas crucial para quem disputa.
As notas de rodapé apontam tanto matérias originais que escrevi quanto as fontes consultadas para completar o raciocínio nos atos a seguir, uma decisão que busca a fluidez da leitura, ao mesmo tempo que aponta caminhos para quem quiser se aprofundar ou verificar o que afirmo.
1
garrett jr
., Gilson. Brasil tem 1.266 mortes por covid-19 em 24h, maior número desde agosto
, Exame, 6 jan. 2021.
2 Hábitos Culturais
II
, Itaú Cultural, jun. 2021.
3
bianchi
, Leo. Pandemia bate forte nos e-sports e até acaba com organização
, Start
uol
, 7 fev. 2021.
4
abreu
, Victor de. "
evo
2020 é cancelada após escândalo com presidente do evento Joey Cuellar", TechTudo, 3 jul. 2021.
5 "Welcoming
Evo
into the PlayStation Family",
sie
. Blog, 18 mar. 2021.
Parte 1
O estado do videogame
imagem decorativaGrande e isolada: a bolha da comunidade de games
Videogame é parte fundamental da vida contemporânea. Sua influência atinge até mesmo aqueles que não têm o hábito de jogar. Ainda asssim, essa mídia aparenta não participar do debate público. Seus signos e suas narrativas são construídos e analisados somente pela chamada comunidade gamer, os iniciados. Estudiosos da área chamam essa dinâmica de paradigma insiders e outsiders
, ou seja, você é ou não é gamer, binário e sumário.⁶ Apesar de seus grandiloquentes sinais de importância, reforçados durante a pandemia, os jogos eletrônicos resistem em se submeter a escrutínios críticos do ponto de vista social, cultural e político.
Por que essa separação? A resposta não vem de maneira óbvia, é preciso voltar um pouco no tempo. A definição do próprio objeto, do que é jogador, do que é videogame, varia, muda, se transforma, é fugidia e ainda se mistura com a lógica capitalista. Para o conglomerado estadunidense Warner, videogame era sinônimo de lucro. A companhia comprou no fim dos anos 1970 a Atari — que pode ser considerada a responsável por tirar os videogames das universidades e trazê-los ao público —, lucrando nesse processo. A Atari era uma pequena empresa ligada à tecnologia com alto crescimento e ambiente descolado, aos moldes do Vale do Silício, sendo considerada a primeira startup da história.
Ao tomar o controle da Atari, a Warner enxotou os hippies maconheiros que compunham o catálogo da empresa. Chamou em seu lugar executivos para rentabilizar ainda mais os investimentos, impondo normas rígidas de trabalho. Assim, acabou dando um passo maior que as pernas, e a falta de qualidade dos títulos cansou e afastou os consumidores.
O resultado foi uma crise que virtualmente eliminou os consoles de videogame de seu país natal. O faturamento de 3,2 bilhões de dólares em 1983 caiu 97%, chegando a cem milhões de dólares em 1985.⁷ A crise foi tamanha que a solução para o excesso de estoque foi literalmente enterrar cartuchos no deserto, mais exatamente em um aterro em Alamogordo, no estado do Novo México.⁸ Jogos eletrônicos, em especial os consoles, foram vistos nos Estados Unidos como uma moda passageira, um livro de colorir daquela época.
Ledo engano. Tudo mudou em 1985, quando a japonesa Nintendo trouxe seu console para este lado do globo. Para não espantar pais e mercado, jurava de pé junto não vender um videogame, mas, sim, um sistema de entretenimento Nintendo
(Nintendo Entertainment System — nes, na sigla em