Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

O Homem e seus Demônios
O Homem e seus Demônios
O Homem e seus Demônios
E-book197 páginas2 horas

O Homem e seus Demônios

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Farris Knox consegue lançar seu primeiro livro numa grande editora, mas o sucesso demora a vir, e o faz adiar o sonho de abandonar seu emprego em uma fábrica de sabão para dedicar-se inteiramente à literatura.Com um golpe de sorte, um executivo da editora lê sua obra e a indica um amigo crítico, que publica um parecer positivo em um dos maiores jornais do país. O tão esperado sucesso chega e o livro torna-se um best seller.No entanto, Farris Knox não vê propósito em sua vida e durante sua busca por respostas para algumas questões básicas, e em meio a uma tormenta que põe em cheque sua sanidade, acaba por envolver-se com uma jovem advogada, o que traz à tona problemas do passado sobre um relacionamento frustrado, tema base de seu livro.Sem conseguir escrever e em busca apenas de felicidade e uma vida simples, Knox se vê envolto em um estratagema das pessoas em que mais confia, pondo sua instável mente em choque e sua vida em risco.
IdiomaPortuguês
EditoraEstronho
Data de lançamento17 de mar. de 2022
ISBN9788594580535
O Homem e seus Demônios

Relacionado a O Homem e seus Demônios

Ebooks relacionados

Romance de Suspense para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de O Homem e seus Demônios

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    O Homem e seus Demônios - Fernando Risch

    Fernando Risch

    O HOMEM E SEUS DEMÔNIOS

    Editora Estronho – 2ª edição

    O HOMEM E SEUS DEMÔNIOS

    Todos os direitos da obra reservados a Fernando Risch

    _____________

    Autor: Fernando Risch

    Capa: Adriano Snel

    Diagramação: Marcelo Amado

    Preparação de Texto: Heidi Gisele Borges

    Revisão: Heidi Gisele Borges e Marcelo Amado

    ISBN: 978-85-9458-053-5

    _____________

    Todos os direitos desta edição reservados à

    Editora Estronho: São José dos Pinhais, PR

    www.estronho.com.br

    Facebook: estronhobook // Instagram: estronho

    "Ler significa pensar com uma cabeça alheia,

      em vez de pensar com a própria."

    Arthur Schopenhauer

    O HOMEM E SEUS DEMÔNIOS

    N

    ada pode ser mais importante na vida de um homem do que a sua felicidade, seja lá o que isso queira implicar.

    O dia mostrava-se reluzente, um sol imponente e estático queimava. Uma brisa fresca cruzava o ar por entre o vai e vem dos transeuntes, das folhas frescas das árvores da primavera, até penetrar na alma de qualquer ser vivo que ali estivesse, fazendo a felicidade não escapar nem mesmo ao mais amargo ser.

    Engendrado nesse contexto, em um prédio retangular de tijolos à vista no bairro industrial da cidade, onde um imenso letreiro de neon escrito Soap Oilers Inc. agora mantinha-se desligado, Farris Knox cruzava a repartição da fábrica de sabão, vestia uma camiseta branca e um terno de tweed marrom, aplaudido por onde passava sob apupos entusiasmados. Nosso astro!, gritava um desconhecido de outro setor. Eu sempre soube!, vociferou um nobre desconhecido, pelo que tudo indicava, agora gozava de certa clarividência. Boa sorte, garoto!, concluía um terceiro estranho, mais tímido. A notícia se espalhara como uma falácia compartilhada on-line, com certa deturpação lógica. Ninguém sabia ao certo o que aquele fato significava em termos de referência, mas os mais astutos anteciparam-se a dividir a duvidosa glória como um copo de uísque dezoito anos falsificado — o que importa é o selo. E o garoto de vinte e seis anos apenas agradecia com acenos envergonhados, embebidos em um entusiasmo tímido.

    Knox era um jovem alto, cerca de um metro e oitenta, cabelos castanhos tão escuros que se confundiam com o preto. Tinha um maxilar dominante e um sorriso cativante. Não era galã, mas era bonito, exoticamente bonito, beirava, em alguns ângulos desfavoráveis, a uma leve feiura legítima.

    Aquele era o dia do coquetel de lançamento de seu primeiro livro, O Livro do Fim, um romance baseado em fatos reais sobre um relacionamento conturbado que tivera anos antes. Podia-se dizer que esse era seu dia. O dia que marcava sua libertação das mazelas laboriosas, obrigatórias, impostas pela vida; pois ninguém nasce convicto a trabalhar como assistente administrativo em uma fábrica de sabão. Parte dele estava certo de que, em pouco tempo, ele poderia pedir demissão e se dedicar apenas à literatura.

    Trabalhar na fábrica trazia certa ternura lúgubre, mas era um exercício a contragosto; Farris Knox era um homem relativamente feliz. Um sonhador feliz. E seu sonho o queimava por dentro, como algo que precisasse expelir, explodir, tornar-se real. E essa incólume apreensão o gotejava com pequenos dropes de tristeza. Ele sabia que só poderia ser feliz de verdade quem se arriscava a viver, pois a felicidade, assim como a tristeza, pode ir e vir a qualquer momento, e só quando experimentamos um desses sentimentos, conseguimos alcançar o outro. Para viver feliz é preciso manusear boas doses de tristeza. Knox avistava o horizonte sabendo que poderia tê-lo, mas não o tinha; tinha apenas a sua vida, sua pequena e parcial vida feliz. E, mesmo com sua pacata felicidade — um conformismo travestido de felicidade: um simples sentimento de satisfação —, Knox arriscou, queria o êxtase da glória, a felicidade genuína que concede a apoteose ao homem.

    Ele sairia mais cedo do trabalho naquele dia, autorizado pelo chefe da repartição, para chegar a tempo na sede da Letter’s Digest, a editora, um lugar peculiar para o lançamento de um livro, mas, cria Knox, era apenas um coquetel; as sessões de autógrafos, que provavelmente ocorreriam em livrarias seriam feitas em outro momento, mais planejado. Pouco antes de sair da fábrica, parou em frente a um último cubículo. Era Graham, seu amigo do trabalho. Era negro, cabelo curto e de uma ávida esperteza. Na verdade, não poderia afirmar que eram amigos, eram grandes conhecidos, dos poucos que Knox conseguia chamar pelo nome lá dentro.

    — Você irá hoje? — Knox referia-se a Letter’s Digest.

    — É claro. Vou só me liberar aqui e estarei lá — confirmou Graham.

    Knox assentiu animado e ainda um pouco apreensivo. A confirmação vaga representava o único convidado a acompanhá-lo. Desde que saíra da casa dos pais e mudara para a capital para trabalhar, Knox não tinha amigos próximos. A única pessoa, além de Graham, que amargurava conhecer, era uma ex-namorada cujo romance terminou trágico. Seus pais já entravam na melhor idade e viviam em uma pequena cidade no interior. Knox nunca contou a eles sobre seu livro e, em consequência, não os convidou para o coquetel. Ele queria manter sigilo e não os envolver. Seu pai queria que ele seguisse carreira de funcionário público, com salários largos, curtas horas tediosas de trabalho e uma estabilidade que premiava e protegia a incompetência. No seu senso de mundo, o sucesso estava ligado a quanto dinheiro se ganhava, não ao sucesso do trabalho. Assim, o seu quase amigo Graham era a sua relação mais estreita ali.

    Knox percorreu não mais do que dez ruas em um trânsito quase deserto, por dentre as negras vielas da cidade e avistou de longe o prédio que marcava seu destino. Estacionou a uma quadra de distância, não queria causar má impressão ao chegar com seu velho Ford Escort 1996. Caminhou apressado e só o que conseguia ouvir era o barulho da sola emborrachada dos próprios sapatos batendo ao chão; e de alguma forma quase rítmica, se confundia com seus batimentos cardíacos acelerados pela excitação. O prédio era retangular e refletia em suas muitas janelas espelhadas a luz do luar intenso do fim de tarde. Próximo à calçada, um enorme letreiro cromado, tão espelhado quanto as janelas, anunciava o local em letras garrafais: Letter’s Digest. Na ida, durante todo o percurso, Knox questionava-se com um pouco de soberba e esperança: quanto será que eu vou ganhar? Ao entrar Knox foi recebido pela secretária e encaminhado à redação, logo à direita. O local estava quase lotado, uma sala ampla, com mesas cheias de arquivos e papéis e seus computadores em estado de espera, como se ao menor sinal de que a celebração acabasse, todos sentariam em seus lugares e seguiriam trabalhando. A redação da editora, o espaço que usavam para celebrar, era moderno e aconchegante, o cheiro lembrava o de um shopping e o ar-condicionado dava um tom congelante, mas agradável ao lugar. Havia uma mesa centralizada com uma toalha, que devia estar jogada em algum canto há muito tempo, e ornamentada com taças e parcas garrafas de espumante. Talvez a mesa acomodasse uma impressora nos dias comuns, pensou.

    Knox ficou ainda mais constrangido quando percebeu que ninguém na sala o conhecia. Todos comiam e bebiam como se estivessem num happy hour qualquer, aproveitando uma brecha no trabalho. Sua presença foi ignorada e quanto mais ele buscava fugir da sua vergonha tentando encontrar alguém conhecido que pudesse interagir, mais se desesperava. Havia um ar de falsidade no ambiente, como se tudo aquilo fosse uma fachada, uma brincadeira alegórica para agradar alguém — a quem, Knox ainda não sabia.

    — Aí está você! — disse uma voz grave e alegre.

    Era Marcus Lingley, o editor júnior da divisão de romances e crônicas. Na verdade, ele era um mero assistente da chefia e seu título era uma pompa desnecessária criada pela editora para dar-lhe importância. Com isso, os que tivessem o título de assistente tornavam-se assistentes do assistente. Dava para dizer que ele era o assistente-chefe dos assistentes. A maioria das funções dentro da editora levava títulos exagerados.

    Lingley era um homem baixo, tinha o aspecto de ser forte e ao mesmo tempo parecia portar uma leve barriga proeminente por baixo da roupa. Era careca e sustentava sobre o nariz delicado uns óculos de armação grossa e de um preto brilhante.

    — Atenção a todos! — Lingley disse em voz alta, logo ao cumprimentar Knox. — Atenção! Atenção!

    Todos se puseram em silêncio e algumas caras se fecharam em instinto à interrupção indesejada.

    — Aqui está nossa nova estrela! Para aqueles que não o conhecem ainda, gravem bem este rosto! — prosseguiu Lingley, apontava para Knox como se o colocasse em um pedestal para que todos o admirassem. — É um prazer oficializar mais uma parceria, que com certeza será de sucesso, na família da Letter’s Digest! Essa noite é pra você, Farris Knox!

    Palmas foram ouvidas em uníssono. Elas poderiam ser mais altas, caso alguns tivessem largado seus copos e não apenas fizessem menção de aplaudir. Knox acenou de forma tímida, carimbando a constrangedora cena. Não era exatamente o lançamento que imaginava. Ele sentia-se nu, como se todos ali o julgassem — e a maioria de fato julgava. Não pareciam nem um pouco contentes com sua presença, queriam apenas comer alguns quitutes, beber espumante e ir embora o mais rápido possível. Lingley sumiu tão rápido e sorrateiro quanto apareceu. Agora, tudo o que Knox mais desejava era que Graham entrasse pela porta da sala e ele o veneraria como o maior amigo que tivera na vida, apenas pelo fato de ser uma pessoa com quem ele poderia conversar para fugir daquilo tudo.

    A situação começava a entristecê-lo. Knox tinha tantas perguntas e ao mesmo tempo estava tão animado com tudo, que de certa forma começou a preocupar-se. Não queria parecer pedante nem se mostrar sem classe, mas estava curioso e ansioso pela quantia de dinheiro que receberia, algo que ainda não havia sido discutido. Ele voltou a si, viu-se outra vez parado, sozinho no meio de um salão onde todos voltavam a ignorá-lo. Assim, resolveu andar um pouco e sentir o ambiente mais de perto. Ao passar próximo de qualquer funcionário que fosse, logo se viravam para ele e o cumprimentavam com uma falsidade legítima. Paravam suas conversas desconexas e o saudavam.

    — Seja bem-vindo à família Letter’s Digest!

    Pareciam robôs treinados para falar a mesma frase. Knox apenas agradecia, tímido. Às vezes, até acreditava ser bem-vindo, mas logo via a feição da pessoa que recém o cumprimentara mudar e voltar a ignorá-lo. Família Iscariotes! pensava ele. O ar era maciço, como se todos ali quisessem derrubar uns aos outros. Talvez aqueles jovens funcionários fossem escritores frustrados, invejosos quando alguém que realizava seus sonhos aparecia. Knox circulava o ambiente, com uma taça de espumante dada por um desconhecido com um sorriso falso. Tragava a bebida a contragosto, como Sócrates com sua taça de cicuta.

    Em um momento, analisava algumas folhas em cima de uma mesa, a atitude chamou a atenção de um dos funcionários, que não queria ele remexendo onde não devia.

    — Então... — interpelou o rapaz, num esforço para tirar a atenção da mesa. — Sobre o que é o seu livro?

    A pergunta soou como uma ofensa, mas Knox relevou, tendo em vista que nem todos ali trabalharam em sua obra. Pressupor que todos tinham total noção do que tratava seu livro seria de uma prepotência ingênua.

    — Ah, é um romance, fala da relação de idas e vindas de um casal de adolescentes.

    Enquanto Knox falava, o funcionário parecia ter tido um derrame cerebral. Ele balançava a cabeça de leve em concordância, com seus olhos arregalados e um sorriso torto, sinal do desprezo que sentia. Fazia um esforço desumano para não desmaiar ali mesmo, tal era sua falta de interesse e Knox percebeu de imediato.

    — Enfim, é só isso... — terminou, desanimado.

    — Oh, ótimo! Tenho certeza de que será um sucesso. Venha cá, por que você não pega uns canapés ali? — O homem tocou de leve nas costas de Knox, enquanto o empurrava para longe da mesa.

    Logo que conseguiu o que queria, o funcionário também sumiu de forma instantânea. Knox checou o horário, já fazia uma hora que estava ali e, calculou que havia saído trinta minutos mais cedo do trabalho, então supunha que Graham já deveria ter chegado, mas pensou numa infinidade de motivos que o fariam se atrasar. Ele largou sua taça de espumante e furtivo, como um ladrão desviando de lasers invisíveis em um museu, começou a deslocar-se em direção à porta. Ia deixar um recado com a secretária sobre alguma emergência falsa. Pediria também para que, caso Graham aparecesse, ela avisasse de sua saída. Assim, sumiria de vez, até que respiraria de novo fora daquele lugar.

    Seguiu seu curso natural para a liberdade, até que, ao passar em frente a uma porta entreaberta, Lingley saiu sorrateiro.

    — Aí está você. — Ele puxou Knox pra dentro, logo fechando a porta.

    Além de Lingley, ali estavam outros dois homens desconhecidos. A sala parecia ser o escritório, talvez de algum supervisor. Ele sabia que não se tratava da sala de Lingley, pois já havia se reunido como ele em outro lugar.

    — Este é o sr. Carragher, editor-chefe da Letter’s Digest — apresentou-os. — E este é o Sr. Wilson, editor-chefe da divisão de romances

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1